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Processo n.º 203/05
3.ª Secção
Relatora: Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, em conferência, na 3.ª Secção
do Tribunal Constitucional:
1. A fls. 1511 foi proferida a seguinte decisão sumária:
«1. A. interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão do
Tribunal da Relação do Porto, constante de fls. 1251 e seguintes, que, alterando
parcialmente a decisão da 1ª instância, proferida, por seu turno, em cumprimento
do decidido na alínea c) de fls. 867, pelo Supremo Tribunal de Justiça, e no
acórdão do Tribunal da Relação do Porto de fls. 872-874, o condenou, em cúmulo
jurídico, na pena única de 11 anos e 6 meses de prisão, pela prática de um crime
de homicídio qualificado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos
artigos 131º e 132º , n.ºs 1 e 2, alíneas g) e i), do Código Penal, dois crimes
de ofensa à integridade física qualificada, previstos e punidos pelos artigos
143º, n.º 1, e 146º, com referência ao artigo 132º , n.º 2, alíneas g) e i), do
mesmo Código, e um crime de detenção ilegal de arma, previsto e punido pelo
artigo 275º, n.ºs 1 e 3 do Código Penal.
Por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Janeiro de 2005,
constante de fls. 1476 e seguintes, foi concedido provimento parcial ao recurso,
condenando-se o arguido na pena única, em cúmulo jurídico, de 10 anos e 6 meses
de prisão.
2. Inconformado, A. veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional
“fundado na al. b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC”, pretendendo ver apreciada
“a inconstitucionalidade, rectius, a conformidade com a Constituição da
interpretação que na douta decisão recorrida foi dada às seguintes normas:
1- a) al. d) do n.º 2 do artigo 120º do C. P. Penal, in fine, no sentido
que lhe é dado pelo S.T.J., ou seja, que o cumprimento de um acórdão do mesmo
Supremo Tribunal, em que se anula as decisões das instâncias por nelas se
verificar a nulidade prevista na al. a) do n.º 1 do artigo 379º do C. P. Penal,
combinado com o n.º 2 do artigo 374º do mesmo Código, evidenciando-se, por essa
via, a violação da al. 3) do n.º 2 da Lei n.º 43/86 de 26/09, que consagra o
princípio da parificação da acusação e da defesa, ou princípio da igualdade de
armas e do contraditório, se basta com a reunião do Colectivo que proferiu a
decisão viciada, sem qualquer produção de prova, e, daí, se limita a acrescentar
os factos sobre que se não tinha debruçado, fundamentando-se não se sabe em quê,
uma vez que a audiência de julgamento, onde as provas haviam sido produzidas,
ocorrera há mais de dezoito meses.
b) Tal interpretação viola desde logo o n.º 5 do artigo 32º da
Constituição da República Portuguesa, que consagra o princípio do contraditório,
já que mantém o desprezo pelos argumentos aduzidos pelo arguido, na nova
apreciação que alegadamente faz da prova, bem como o n.º 1 do mesmo normativo,
pois pretere uma fundamental garantia de defesa do arguido, conforme, aliás, foi
expressamente reconhecido pelo Acórdão do S.T.J., que declarou a nulidade do
acórdão da Relação, precisamente por ter decidido em sentido contrário.
(...)
2- a) O n.º 2 do artigo 327º e n.º 1 do artigo 355º, por referência do
n.º 6 do artigo 328º, no sentido, dado pelo S.T.J., de que a pronúncia sobre
factos desconsiderados no julgamento realizado há dezoito meses atrás se pode
dar sem nova produção de prova, em audiência contraditória, com a presença do
arguido.
b) A supra referida interpretação reitera a violação dos n.ºs 1 e 5 do
artigo 32º da Constituição da República Portuguesa, bem como o absoluto desprezo
que nela é dado ao arguido, os artigos 1º, 13º, n.º 1, e 25º do mesmo diploma
fundamental.”
O recurso foi admitido, por decisão que não vincula este Tribunal (nº 3
do artigo 76º da Lei nº 28/82).
3. No seu requerimento de interposição de recurso, o recorrente
insurge-se contra a interpretação da norma da alínea d) do n.º 2 do artigo 120º
do Código de Processo Penal adoptada na decisão recorrida, afirmando que para o
Supremo Tribunal de Justiça o cumprimento de um seu anterior acórdão “se basta
com a reunião do Colectivo que proferiu a decisão viciada, sem qualquer produção
de prova, e, daí, se limita a acrescentar os factos sobre que se não tinha
debruçado, fundamentando-se não se sabe em quê, uma vez que a audiência de
julgamento, onde as provas haviam sido produzidas, ocorrera há mais de dezoito
meses”. No mesmo requerimento, insurge-se o recorrente contra a interpretação do
“n.º 2 do artigo 327º e n.º 1 do artigo 355º, por referência do n.º 6 do artigo
328º, no sentido, dado pelo S.T.J., de que a pronúncia sobre factos
desconsiderados no julgamento realizado há dezoito meses atrás se pode dar sem
nova produção de prova, em audiência contraditória, com a presença do arguido”.
Ou seja, as questões de constitucionalidade suscitadas pelo recorrente
surgem, na formulação por ele próprio adoptada, como indissociáveis das
circunstâncias do caso concreto, tal como aquele o configura, sendo, por isso,
de imputar quaisquer eventuais vícios de inconstitucionalidade ao acórdão
recorrido e não a normas nele eventualmente aplicadas, ou a determinadas
interpretações normativas, que não chegam sequer a ser autonomizadas.
Resulta, assim, claro que o recorrente, por um lado, não suscitou durante
o processo nenhuma questão de constitucionalidade normativa reportada aos
artigos 120º, n.º 2, alínea d), 327º, n.º 2, 328º, n.º 6, e 355º, n.º 1, todos
do Código de Processo Penal, em termos do, quer o tribunal recorrido, quer este
Tribunal, a poderem apreciar e, por outro lado, que a sua censura de
inconstitucionalidade vai dirigida à decisão do acórdão do Supremo Tribunal de
Justiça de 26 de Janeiro de 2005 e não às mencionadas normas do Código de
Processo Penal. Ora, o recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade
de normas destina-se a que este Tribunal aprecie a conformidade constitucional
de normas, ou de interpretações normativas, que foram efectivamente aplicadas na
decisão recorrida e não das próprias decisões que as apliquem, não obstante ter
sido suscitada a sua inconstitucionalidade durante o processo. Assim resulta da
Constituição e da lei, e assim tem sido repetidamente afirmado pelo Tribunal
(cfr., a título de exemplo, os acórdãos n.ºs 612/94, 634/94 e 20/96, publicados
no Diário da República, II Série, de 11 de Janeiro de 1995, 31 de Janeiro de
1995 e 16 de Maio de 1996, respectivamente).
4. Estão, portanto, reunidas as condições para que se proceda à emissão
da decisão sumária prevista no nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de
Novembro.
Assim, decide-se não tomar conhecimento do recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 8 ucs.».
2. Inconformado, o recorrente reclamou para a conferência, ao abrigo do disposto
no nº 3 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, pretendendo a revogação da decisão
sumária.
Para o efeito, o ora reclamante sustenta ter suscitado oportuna e devidamente a
inconstitucionalidade de normas, de forma a permitir a sua apreciação no âmbito
do recurso de constitucionalidade.
Diz ainda não se tratar de uma questão “simples”, nos termos exigidos pelo
artigo 78º-A da Lei nº 28/82 para que o recurso possa ser julgado por decisão
sumária.
Notificado para o efeito, o Ministério Público veio pronunciar-se no sentido da
manifesta improcedência da reclamação, que não toma em conta a distinção entre
inconstitucionalidade de normas, cuja apreciação cabe na competência do Tribunal
Constitucional, e a inconstitucionalidade eventualmente atribuível a decisões ou
procedimentos judiciais, cujo julgamento não cabe ao Tribunal Constitucional,
uma vez que a nossa ordem jurídica não prevê a existência do chamado “recurso de
amparo”, sendo certo que as inconstitucionalidades apontadas no recurso são
“imputadas a um concreto, específico e particular procedimento e tramitação”.
3. Com efeito, a reclamação é improcedente, pelas razões apontadas na decisão
reclamada. Apenas se acrescenta, tendo em conta que o reclamante recorda ter
colocado nas diversas instâncias questões de constitucionalidade, que nada
impede que tais instâncias apreciem inconstitucionalidades apontadas a decisões
ou a procedimentos; o recurso de constitucionalidade, tal como a Constituição e
a lei o prevêem, é que só pode ter como objecto a apreciação de normas, razão
pela qual se não pode conhecer do que agora foi interposto.
Estavam, portanto, preenchidas as condições para que o mesmo fosse julgado por
decisão sumária, nos termos da primeira parte do n.º 1 do artigo 78º-A da Lei nº
28/82: “1. Se entender que não pode conhecer do recurso (...)”.
4. Nestes termos, indefere-se a reclamação, confirmando-se a decisão de não
conhecimento do recurso.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 ucs.
Lisboa, 2 de Junho de 2005
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Vítor Gomes
Artur Maurício