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Processo nº 1064/06
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam, na 2.ª Secção, do Tribunal Constitucional:
A – Relatório
1 – IEP – Instituto das Estradas de Portugal recorre
para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do
art.º 70.º da lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, do acórdão do Tribunal da
Relação de Guimarães, de 19 de Outubro de 2006, pedindo que se julguem
inconstitucionais as normas constantes do n.º 1 do artigo 23.º e dos nºs 1 e 12
do artigo 26.º do Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18
de Setembro, por violação do princípio constitucional da igualdade, consagrado
no art.º 13.º, e do princípio da justa indemnização, afirmado no n.º 2 do art.º
62.º, ambos os preceitos da Constituição da República Portuguesa.
2 – A decisão recorrida, julgando improcedente a
apelação interposta pelo ora recorrente de sentença da 1.ª instância,
considerou, em síntese, que a parte sul de uma parcela de terreno pertencente
aos expropriados A. e B., parcela esta com o n.º 221ª e com a área de 35. 955
m2, integrante do prédio sito no lugar da …, freguesia de Brito, concelho de
Guimarães, que fora expropriada, por utilidade pública, e com carácter de
urgência, por despacho do Secretário de Estado das Obras Públicas, datado de 7
de Junho de 2002, para a construção da “Área de Serviço de Guimarães”
(constituída por duas partes, uma a norte e outra a sul) da A11-Braga/Guimarães,
não obstante estar integrada na RAN, por força da aprovação de PDM em data
posterior à sua aquisição, “possuindo algumas – mas não todas – das
infraestruturas previstas na alínea a) do n.º 2 do art.º 25.º do C.E. 99 e
situando-se junto de um núcleo urbano, no lugar da Ponte de Cima, terá que ser
considerada como constituída por solo apto para a construção, de acordo com o
disposto no art.º 25.º, n.º 2, alínea b), do C.E. 99” e valorada segundo o
critério do art.º 26.º, n.º 12, do mesmo compêndio legislativo.
Na parte relevante à compreensão do problema de
constitucionalidade, discreteou a decisão recorrida do seguinte modo:
«Discorda a recorrente do laudo maioritário, por entender que no caso
vertente, o solo devia ter sido classificado e avaliado como apto “para outros
fins”.
Vejamos.
A expropriação a que se reportam os autos não tem como objecto a construção de
um sub-lanço da auto-estrada, como pretende fazer entender a recorrente, na sua
alegação de recurso, fazendo assentar toda a sua argumentação nesta premissa.
Sendo que a recorrente já havia expropriado aos recorridos no mesmo local, a
parcela 221 para a construção da via de comunicação A11.
A expropriação em causa nos presentes autos tem em vista a construção da Área de
Serviço de Guimarães, como deflui do ponto 19) dos factos provados “A
expropriação referida em 1) destina-se à implantação de uma área de serviço,
constituída por duas partes, uma a Norte e outra a Sul da A11”.
À data da vistoria Ad Perpetuam Rei Memoriam, a parcela a expropriar era
constituída por duas partes, com configuração irregular, uma a Norte da Al1, com
16.900 m2 de área, e outra a Sul, com 19.055 m2 de área, sendo que em ambas
existia terreno com aptidão agrícola e terreno com aptidão florestal, ocupando a
parte agrícola 4.200 m2 e a parte florestal uma área de 31.755 m2;
A parte a Norte da A11, de acordo com a planta de ordenamento do Plano Director
Municipal de Guimarães, encontra-se inserida em “Zona de Salvaguarda Estrita”, e
“RAN”;
A parte a Sul da A11, de acordo com a planta de ordenamento do Plano Director
Municipal de Guimarães, encontra-se inserida em “Zona de Salvaguarda Estrita”,
“RAN” e “Espaço Florestal”.
A parte a Sul da A11 confina a Poente e a Sul com caminho, com 4 metros de
largura, pavimentado em semi-penetração betuminosa, dispondo de redes de energia
eléctrica em baixa tensão e telefónica e situa-se na continuidade de um
aglomerado com moradias unifamiliares isoladas, servido por arruamentos
pavimentados a betuminoso e dotado de algumas das infra-estruturas urbanísticas
correntes.
O prédio de que será destacada a parcela expropriada confina com zona
classificada pelo PDM como “zona de construção de transição”.
O Mm° Juiz, louvando-se no laudo maioritário dos Senhores Peritos considerou que
a parcela expropriada a Norte da A11, não se vislumbrando nela qualquer aptidão
construtiva, deve ser qualificado como solo para outros fins, nos termos do art.
25º, nº 3, do C.E. 99, e que para a avaliação desta parte haverá que atender ao
critério plasmado no art. 27º, nº 3, do Código das Expropriações (por não ter
sido possível aplicar o previsto no nº 1).
E quanto à parte Sul da parcela expropriada, considerou o Exmo Juiz a quo que
«possuindo algumas – mas não todas – das infra-estruturas previstas na al. a) do
nº 2 do art. 25º do C.E. 99, e situando-se junto de um núcleo urbano, no lugar
da Ponte de Cima, terá que ser considerada como constituída por solo apto para a
construção, de acordo com o art. 25º, nº 2, al. b), do C.E. 99».
O recorrente discorda desta classificação, por entender que o solo devia ter
sido classificado e avaliado como apto para outros fins.
Temos, assim, que o recurso se cinge à classificação dada à parte Sul da parcela
expropriada.
Nos termos do art. 25º, nº 1 do CE “para efeitos do cálculo da indemnização por
expropriação, o solo classifica-se em:
a) solo apto para a construção;
b) solo para outros fins”.
São solos para construção os que se encontrem nas circunstâncias previstas no nº
2 do artigo 25º do CE e nessa situação encontrar-se-ia a parcela expropriada,
por reunir alguns dos requisitos previstos na al. a) desse nº 2.
São solos para outros fins os que não se encontrem em qualquer dessas situações.
Em 1997 o Tribunal Constitucional pronunciou-se a favor da inconstitucionalidade
do art. 24º nº 5, do CE/91 enquanto interpretada por forma a excluir da
classificação de “solo apto para construção” os solos integrados na Reserva
Agrícola Nacional (RAN), expropriados com a finalidade de neles se edificar para
fins diferentes de utilidade pública agrícola [Ac. TC nº 267/97, DR, 2. Série,
de 21.5.1997]. Posteriormente o mesmo Tribunal pronunciou-se diversas vezes
sobre a citada norma, sempre a favor da sua não inconstitucionalidade, quando
interpretada com o sentido de excluir da classificação de “solo apto para
construção” solos integrados na RAN expropriados para fins diversos, quer de
utilidade pública agrícola, quer de edificação de construções urbanas [Pedro
Elias da Costa, Guia das Expropriações por Utilidade Pública, 2. Ed., pág. 285]
[Ac. N° 20/2000, DR IIª. Série de 28.4.2000; nº 247/00 (inédito); nº 219/2001,
DR IIª Série de 6.7.2001; nº 243/2001, DR IIª Série de 4.7.2001; nº 121/2002, DR
IIª Série de 12.12.2002; nº 417/2002, DR IIª Série de 17.12.2002; nº 155/2002,
DR IIª Série de 30.12.2002; nº 347/2003 e 144/2002 (inéditos)].
Nesses Acórdãos, o TC defendeu que os princípios constitucionais da justa
indemnização e da igualdade são afectados apenas quando se exclui da
classificação de “solo para construção” um terreno integrado na RAN e que dela
seja afectado com vista à implantação de edificação, mas já não quando a
expropriação não visar a construção de prédios urbanos, mas sim a construção de
uma via de comunicação.
Na senda das considerações produzidas pelo TC, entendemos que a valorização de
um solo integrado na RAN com base no seu destino possível, não constitui uma
violação dos princípios da igualdade e da justa indemnização. Estes princípios
serão violados se se atribuir ao proprietário de um solo expropriado um montante
indemnizatório superior ao preço que outros proprietários de prédio em idênticas
situações, mas não abrangidos por uma expropriação, obteriam com a sua venda no
mercado livre.
De acordo com a planta de ordenamento do Plano Director Municipal de Guimarães,
a parcela em questão encontra-se inserida em “Zona de Salvaguarda Estrita”,
“RAN” e “Espaço Florestal”.
Pretende a recorrente expropriante que por tal facto deverá o terreno em questão
ser classificado e avaliado como “apto para outros fins”.
E mister salientar que os interesses patrimoniais dos expropriados, donos da
parcela em causa desde 4/4/1967, que viam salvaguardada a sua indemnização nos
termos do art. 26º nº 12 do CE, não podem os mesmos ser defraudados na sua
expectativa indemnizatória pelo facto de o PDM, ulteriormente aprovado, ter
integrado essa parcela de terreno em RAN. Pois, se a valorização do terreno,
antes da aprovação do PDM em causa, podia ser realizada à luz do art. 26º nº 12
do C. Exp., não pode deixar de o ser pelo facto de o PDM o integrar
posteriormente em RAN. O que seria claramente violador do princípio da
igualdade.
“O facto de a parcela de terreno expropriada estar incluída na RAN (Reserva
Agrícola Nacional), não obsta, só por si, a que tenha aptidão edificativa e
assim deva ser indemnizada.
E de considerar com aptidão edificativa a parcela inserida na Reserva Agrícola
Nacional onde a cerca de 300 metros existem construções, se a parcela é para a
implantação de um quartel para bombeiros” (Ac RP, de 28.2.2000, dgsi.pt).
A expropriação da parcela em causa não tem por objectivo a construção de um
sublanço de auto-estrada, mas destina-se à construção de duas áreas de serviço,
uma de cada lado da auto-estrada, com as inerentes construções de serviços com
fins lucrativos de restauração, hotelaria, supermercado e reparação automóvel,
conforme ressalta da resposta dada pelos Árbitros ao quesito 5º formulado pelos
expropriados.
Neste particular, bem salienta o Mmº Juiz a quo, na linha de pensamento do Ac TC
nº 20/2000, que cita ”destarte, sendo a expropriação justamente para edificação
de prédio urbano, então a integração na RAN não poderá prejudicar
injustificadamente os Expropriados, e beneficiar correspectivamente a
Expropriante, não podendo ser excluída a qualificação como “solo apto para
construção” para efeitos de indemnização, pois a potencialidade edificativa do
prédio é justamente confirmada pela utilização que irá ser dada por esta”.
Daí que não tenha sentido defender-se, como faz a expropriante, que a parcela em
causa deva ser classificada e avaliada como solo “para outros fins”.
Improcedem assim as conclusões da apelação».
3 – Alegando no Tribunal Constitucional, o recorrente
concluiu o seu discurso argumentativo do seguinte jeito:
«I. O douto acórdão da Relação de Guimarães confirmou a avaliação do solo
expropriado como apto para construção apesar de este estar inserido em zona
classificada como RAN – Reserva Agrícola Nacional.
II. O regime jurídico da Reserva Agrícola
Nacional, abreviadamente designada por R.A.N., encontra-se estabelecido no
Decreto-Lei n.º 196/89, que preceitua, no n.º 1 do artigo 8.º, que “os solos da
R.A.N. devem ser exclusivamente afectos à agricultura, sendo proibidas todas as
acções que diminuam ou destruam as suas potencialidades agrícolas”.
III. Os licenciamentos de construção, alvarás de
loteamentos e todos os actos administrativos que violem os regimes da R.A.N. ou
da R.E.N., são nulos (artigo 34.º do Decreto-Lei n.º 196/89 e 15.º Decreto-Lei
93/90).
IV. De acordo com o artigo 24.º, n.º 1, alínea a), do
Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, que estabelece o regime jurídico da
urbanização e edificação, o pedido de licenciamento é indeferido quando “violar
plano municipal de ordenamento do território, plano especial de ordenamento do
território, medidas preventivas, área de desenvolvimento urbano prioritário,
área de construção prioritária, servidão administrativa, restrição de utilidade
pública ou quaisquer outras normas legais e regulamentares aplicáveis”.
V. Conforme temos vindo a defender, a inserção
de um terreno na R.A.N. ou na R.E.N. constitui uma legítima restrição legal ao
“jus aedificandi”, que se repercute no seu valor venal.
VI. Só quando a expropriação tenha como fim a
edificação de um prédio urbano é que a valorização do solo como “para outros
fins” ofende os princípios constitucionais da justa indemnização e da igualdade.
Neste caso, a ausência de aptidão construtiva é desmentida, desde logo, pela
utilização visada com a expropriação.
VII. No acórdão n.º 20/2000, o T.C. defendeu que “a ratio
decidendi do acórdão n.º 267/97 se baseou (não na desvinculação de uma
utilização agrícola pela expropriação, ou na ilegitimidade de expropriação de
prédios impostos na R.A.N., mas) na circunstância de, nesse caso, a
interpretação normativa em apreço conduzir à não consideração como ‘solo apto
para construção’ de prédios expropriados justamente com a finalidade de neles
construir prédios urbanos, em que, portanto, a ‘muito próxima ou efectiva
potencialidade edificativa fica demonstrada pelo facto de a expropriação – aliás
acompanhada de desafectação da R.A.N. – ser efectuada para edificação de
construções urbanas” (Vd. Ac. do T.C. n.º 20/2000 de 11/01, proc. n.º 209/98 (2ª
Secção), publicado no D.R., IIª série de 28-04-2000).
VIII. Recentemente, o Tribunal Constitucional voltou a
debruçar-se sobre a justa indemnização de solos inseridos em RAN, no seu acórdão
n.º 275/2004, de 20 de Abril, decidindo: “julgar inconstitucional, por violação
do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição, as normas
contidas no n.º 1 do artigo 23.º e no n.º 1 do artigo 26.º do Código das
Expropriações (1999), quando interpretadas no sentido de incluir na
classificação de “solo apto para construção” e, consequentemente, de como tal
indemnizar, o solo, integrado na Reserva Agrícola Nacional, expropriado para
implantação de vias de comunicação”.
IX. Pelo que requeremos que seja declarada a
inconstitucionalidade, por violação dos princípios da igualdade e da justa
indemnização, das normas contidas no n.º 1 do artigo 23.º e no n.º 1 do artigo
26.º do Código das Expropriações (1999), quando interpretadas no sentido de
incluir na classificação de “solo apto para construção” e, consequentemente, de
como tal indemnizar, o solo, integrado na Reserva Agrícola Nacional, expropriado
para implantação de vias de comunicação”.
X. O n.º 12 do artigo 26.º do Código das
Expropriações não tem como intuito conferir aptidão construtiva a solos que não
possuem qualquer possibilidade de edificação.
XI. Apenas estabelece um critério de avaliação de
solos que são classificados como “aptos para construção”, de acordo com o art.º
25 do CE/99, mas contudo não possuem possibilidade real de edificar, por virtude
de limitação decorrente de plano urbanístico.
XII. O Tribunal Constitucional pronunciou-se recentemente,
no seu acórdão n.º 145/2005, de 16 de Março, e na sua decisão sumária proferida
nos autos de recurso 365/05, 1ª Secção, sobre o n.º 12 do art.º 26, julgando-o
inconstitucional por violação do princípio da igualdade consagrado no artigo
13.º da Constituição, quando interpretada no sentido de que, para efeitos da sua
aplicação, a aptidão edificativa da parcela expropriada não tem de aferir-se
pelos elementos objectivos definidos no artigo 25.º/2 do mesmo Código.
XIII. Não podendo o solo da parcela expropriada ter classificação
diversa da de “para outros fins”, conforme os argumentos supra aduzidos, devia
ter sido avaliado de acordo com o disposto no art.º 27 do CE.
XIV. Pelo que requeremos que seja declarada a
inconstitucionalidade do n.º 12 do artigo 26.º do C.E. por violar os princípios
da igualdade e da justa indemnização, quando interpretado no sentido de que,
para efeitos da sua aplicação, a aptidão edificativa da parcela expropriada não
tem de aferir-se pelos elementos objectivos definidos no artigo 25.º/2 do mesmo
Código.
XV. E que seja declarada a inconstitucionalidade do critério
de avaliação previsto no n.º 12 do artigo 26.º do C.E. por violar os princípios
da igualdade e da justa indemnização dado que estabelece um critério abstracto
sem qualquer correspondência com as reais aptidões do solo.
XVI. Na medida em que, apesar de existirem num perímetro de 300
metros solos com habitações ou em que é possível construir, pode suceder que o
solo expropriado não possua aptidão construtiva, por lhe faltarem as condições
materiais para a edificação (não dispõe de acesso, tem dimensão insuficiente, é
demasiado declivoso, etc.), ou devido a proibição legal ou regulamentar
(servidões non aedificandi” preexistentes, etc.).
XVII. Mesmo detendo aptidão construtiva, pode ser apto para a
construção de prédio urbano com valor diverso do resultante da média das
construções existentes ou que sejam possíveis de edificar na área envolvente».
4 – A recorrida A. contra-alegou, alegando como “questão
prévia” o seguinte:
«1. A recorrente estriba as suas alegações no pressuposto da expropriação
dos autos ter como objecto a construção de vias de comunicação, o que não
corresponde à verdade.
2. Ou seja, toda a fundamentação das alegações da recorrente parte de
pressupostos errados, forçando o Tribunal a tomar uma decisão inútil (vd.
conclusão 9ª da recorrente), porquanto se trata de matéria que já foi objecto de
decisão em questões idênticas, não sendo legítimo utilizar o Tribunal
Constitucional como a 4.ª instância das ordens jurisdicionais.
3. Aliás, o Acórdão da Relação de Guimarães ora recorrido, já tinha chamado a
atenção para a contradição da recorrente: “A expropriação a que se reportam os
autos não tem como objecto a construção de um sublanço da auto-estrada, como
pretende fazer entender a recorrente, na sua alegação de recurso, fazendo
assentar toda a sua argumentação nesta premissa. Sendo que a recorrente já havia
expropriado aos recorridos no mesmo local, a parcela 221 para a construção da
via de comunicação A11. A expropriação em causa nos presentes autos tem em vista
a construção da Área de Serviço de Guimarães (...)” (vd. págs. 3 e 4 do Ac.
cit.).
4. De resto, a recorrente nunca pôs em causa no processo de expropriação nem
nunca recorreu quanto ao facto, definitivamente assente, da expropriação ter por
objecto a construção de prédios urbanos destinados a actividade comercial».
E coroando as suas contra-alegações, a mesma recorrida
concluiu do seguinte modo:
«1ª) A expropriação dos autos não tem como objecto a construção de vias de
comunicação, mas sim a construção da Área de Serviço de Guimarães, com dois
complexos construtivos, um de cada lado da Auto-estrada.
2ª) Aliás, a recorrente já expropriou aos recorridos no mesmo local a parcela
221, para a construção da via de comunicação A11, tal como resulta do douto
acórdão recorrido.
3ª) De resto, a recorrente nunca pôs em causa no processo de expropriação nem
nunca recorreu quanto ao facto, definitivamente assente, da expropriação ter por
objecto a construção de prédios urbanos destinados a actividade comercial.
4ª) Todos os Acórdãos invocados pela recorrente são do entendimento de que, no
caso de expropriação de solos integrados na RAN para a construção de edificações
urbanas, a aptidão edificativa resulta precisamente do facto de o expropriante
lhe dar uma utilização para construção, pelo que toda a invocada jurisprudência
está em consonância com o que foi decidido no Acórdão n.º 267/97.
5ª) A jurisprudência do Tribunal Constitucional citada pela recorrente, não se
aplica ao caso dos autos, uma vez que não se trata aqui da construção de vias de
comunicação, mas sim da edificação de prédios urbanos destinados a actividade
comercial, nomeadamente, restaurante, snack bar, hotel, loja de venda de
jornais, bebidas e outros.
6ª) É assim legítimo concluir que o entendimento do Tribunal Constitucional
sobre a matéria em análise é o seguinte:
a) a desafectação dos terrenos da RAN para efeitos de expropriação com vista à
construção de vias de comunicação ou central de incineração de resíduos e
respectivo aterro sanitário não traz a tais terrenos uma maior potencialidade
edificativa (vd. acórdãos 20/2000, 247/2000, 219/2001, 243/2001, 121/2002,
172/2002 e 155/2002);
b) a desafectação dos terrenos da RAN para efeitos de expropriação com vista à
construção de edificações urbanas, confirma a potencialidade edificativa de tais
terrenos (vd. Acórdão 267/97).
7ª) Aliás, a própria recorrente vem dar razão aos expropriados, na medida em
que, com clara alusão ao Acórdão 267/97, reconhece que “só quando a expropriação
tenha como fim a edificação de um prédio urbano é que a valorização do solo como
“para outros fins” ofende os princípios constitucionais da justa indemnização e
da igualdade. Neste caso a ausência de aptidão construtiva é desmentida, desde
logo, pela utilização visada com a expropriação “– sic., pág. 4 das alegações e
conclusão 6ª das alegações da recorrente.
8ª) A Área de Serviço de Guimarães, com dois complexos construtivos, um de cada
lado da Auto-estrada, irá dispor de serviços com fins lucrativos de restauração,
hotelaria, supermercado e reparação automóvel (vd. Resposta ao quesito 5º
formulado aos árbitros pelos expropriados).
9ª) Efectivamente, citando a douta sentença recorrida, “teremos que concluir que
a expropriação sub judice tem por finalidade a construção de prédios urbanos
destinados a actividade comercial” – fls. 368 dos autos.
10ª) A situação dos autos quadra (rectius: vai mais além) nas premissas do
Acórdão n.º 267/97 do Tribunal Constitucional, em que estava em causa a
expropriação de um solo integrado na RAN para edificação de um quartel de
bombeiros em Chaves, e que decidiu – na vigência do anterior Código, mais
restritivo nesta matéria – que o solo em causa fosse classificado e valorizado
como apto para a construção”, visto que, o facto de nele se vir a instalar uma
construção denota a sua efectiva aptidão construtiva.
11ª) Por maioria de razão, a parcela dos autos tem efectivamente capacidade
construtiva e assim deverá ser avaliada, pois, mais do que uma escola ou
quartel, trata-se no caso dos autos, de expropriar para construir edifícios
urbanos comerciais explorados com fins lucrativos por parte de empresas
privadas.
12ª) O Acórdão nº 145/2005, invocado pela recorrente, não tem qualquer
relevância para a decisão dos autos, uma vez que tem subjacente um prédio que
não confrontava directamente com caminho público nem possuía infra-estruturas
rodoviárias, nem preenchia nenhuma das alíneas do n.º 2 do artigo 25º do Código
das Expropriações.
13ª) E tal situação não quadra de todo no caso dos autos, dado que a parcela
expropriada confina a Sul e Poente com caminho, com 4,00 metros de largura,
pavimentado em semi-penetração betuminosa, dispondo de redes de energia
eléctrica em baixa tensão e rede telefónica e situa-se na continuidade de um
aglomerado de moradias unifamiliares, servido por arruamentos pavimentados a
betuminoso e dotado de algumas das infra-estruturas urbanísticas correntes (vd.
factos provados, ponto 8) da douta sentença recorrida, a fls. 362 dos autos, e
respectivo Acórdão da Relação de Guimarães).
14ª) A parcela expropriada situa-se inclusivamente a algumas dezenas de metros
de um conjunto de moradias de construção relativamente recente, servidas por
arruamentos pavimentados a betuminoso e dotados de algumas das infra-estruturas
urbanísticas correntes, e é atravessada por um caminho público em terra batida
que, pela sua largura e traçado, permite a circulação de viaturas automóveis
(vd. resposta do perito nomeado pelo Tribunal ao quesito 4º formulado pelos
expropriados em anexo à vistoria ad perpetuam rei memoriam).
15ª) E o prédio de onde foi destacada a parcela confina com zona classificada
pelo PDM como “Zona de Construção de Transição” (vd. nº 9 dos factos provados,
constantes da douta sentença, a fls. 363 dos autos).
16ª) Resulta da matéria provada, que a parcela expropriada possui efectivamente
aptidões construtivas, o que é inclusivamente confirmado pelo facto da
expropriação se destinar à construção de edifícios comerciais e industriais
altamente lucrativos, tais como um restaurante, cafetaria, lojas, unidade
hoteleira e outros.
17ª) O normativo correspondente ao nº 12 do art. 26º do CE, embora incluído no
artigo que trata de “solos aptos para construção”, respeita exclusivamente a
“solos para outros fins”, a avaliar pela metodologia respeitante a solos aptos
para construção.
18ª) Quanto ao facto de a norma equivalente ao art. 26º, nº 12 do anterior CE de
91, estar inserida no artigo referente a “cálculo do valor do solo para outros
fins”, enquanto que agora passou para o artigo referente a “cálculo do valor do
solo apto para construção”, tal sistematização apenas se deve ao facto dos solos
classificados para instalação de infra-estruturas e equipamentos públicos serem
valorizados com as regras aplicáveis a “solos aptos para construção”.
19ª) No caso concreto dos autos não é, pois, inconstitucional, a aplicação do nº
12 do art. 26º do Código das Expropriações a solos inseridos na RAN, quando
destinados à construção de importantes e valiosos edifícios
comerciais/industriais, por resultar, no caso em apreço, uma muito reduzida e
injusta indemnização, face à elevada rentabilidade que as firmas concessionárias
vão usufruir com a exploração das áreas de Serviço, na qual pesam sobremaneira
as elevadíssimas margens de lucro sobre os produtos vendidos, as elevadas
receitas publicitárias e a exclusividade da venda de produtos de marca, e tendo
ainda em conta que a parcela expropriada confina com caminho público e possui as
infraestruturas urbanísticas referidas na conclusão 14ª)».
5 – O recorrente respondeu à “questão prévia” suscitada
pelo seguinte modo:
«Os recorridos alegam falsamente que “a recorrente nunca pôs em causa no
processo de expropriação nem nunca recorreu quanto ao facto, definitivamente
assente, da expropriação ter por objecto a construção de prédios urbanos
destinados a actividade comercial”.
Como se pode ler nas conclusões do nosso recurso de apelação:
“VIII – A expropriação em causa que não teve por fim a edificação ou construção
de qualquer prédio urbano, mas sim a construção da obra A11/1P9 –
Braga/Guimarães – A4/IP4 Sublanço Celeirós/Guimarães Oeste.
IV – As auto-estradas são compostas por uma série de equipamentos de uso
exclusivo dos seus utentes, nomeadamente as áreas de serviço que são:
“Instalações marginais às Auto-Estradas, destinadas à instalação de equipamento
do apoio aos utentes, designadamente postos de abastecimento de combustíveis,
estabelecimentos de restauração, hoteleiros e similares, e zonas de repouso e de
parqueamento de veículos”.
O objecto da expropriação é claro é pode ser comprovado na DUP da expropriação.
Os recorridos tentam injustamente provar a aptidão construtiva de um solo que
estava na altura da publicação da DUP em RAN.
E que foi expropriado, tal como os solos vizinhos, para a construção de uma
auto-estrada, a A11/IP9 – Braga/Guimarães – A4/IP4 Sublanço Celeirós/Guimarães
Oeste.
O facto de ser implantado no solo expropriado um dos equipamentos da
auto-estrada, não demonstra que o solo dispunha de aptidão edificativa na data
da publicação da DUP.
Note-se que, ao contrário do que os recorridos alegam, não há correspondência
entre “prédios urbanos destinados a actividade comercial” e todo o equipamento
existente numa área de serviço:
a) Postos de abastecimento de combustíveis
b) Estabelecimentos de restauração, hoteleiros e similares
c) Zonas de repouso
d) Zonas de parqueamento de veículos
e) Passeios
f) Arruamentos
g) Etc.
Nem mesmo com as construções existentes numa área de serviço, as quais ocupam
uma ínfima área da mesma.
Já que se tratam de construções cuja implantação depende intrinsecamente da
construção da auto-estrada que servem, existindo numa relação de absoluta
dependência com esta.
O facto de ser fisicamente possível a construção de uma área de serviço na zona
envolvente do solo expropriado não prova que ele, na data da publicação da DUP,
tinha a aptidão construtiva para a edificação de prédios urbanos.
Pois as infra-estruturas que vão servir a área de serviço (acesso automóvel por
auto-estrada, rede de electricidade, de água e de saneamento) não existiam na
data da publicação da DUP.
Termos em que, em conformidade com os argumentos acabados de alinhar, deve ser
julgada improcedente a questão prévia suscitada pelos recorridos, assim se
fazendo JUSTIÇA».
B – Fundamentação
6 – Da questão prévia
Antes de mais importa conhecer da questão suscitada pela
recorrida A. como consubstanciando uma “questão prévia”.
Como se sabe, não cabe na competência do Tribunal
Constitucional sindicar a correcção nem do juízo hermenêutico feito pelo acórdão
recorrido relativo à determinação do direito infraconstitucional aplicado à
decisão do caso, nem do julgamento da matéria de facto a que aplicou esse
direito, nem tão pouco do juízo de subsunção ao quadro normativo considerado
aplicável da factualidade que enforma materialmente a causa.
Ao Tribunal Constitucional compete apenas aferir se as
normas questionadas pelo recorrente e aplicadas como ratio decidendi da decisão
recorrida violam ou não a Constituição.
Sendo assim, consideram-se irrelevantes todas as
considerações feitas pelas partes nos articulados apresentados no Tribunal
Constitucional, atinentes a esses domínios da problemática jurídica.
Ao contrário do alegado pela recorrida, entende,
todavia, o Tribunal Constitucional que, essencialmente, o recorrente não
questiona, no recurso de constitucionalidade, o fim para cuja prossecução foi
declarada e determinada, por despacho administrativo, a expropriação por
utilidade pública do terreno pertencente aos expropriados, bem como a utilização
que em concreto foi dada à parte do terreno expropriado a que respeita o
problema de constitucionalidade do regime jurídico de indemnização que, em
relação a ela, foi seguido.
Na verdade, depreende-se, com suficiente clareza, quer
das suas alegações para a Relação, quer das alegações no Tribunal
Constitucional, que o que o recorrente sustenta é, simpliciter, que a resposta a
dar à questão da validade constitucional do regime jurídico de indemnização dos
terrenos que estão integrados na RAN, por força de planos de ordenamento de
território válidos e eficazes, que são expropriados para o fim de construção de
áreas de serviço de auto-estradas é, ao contrário do entendido no acórdão
recorrido, a mesma que se coloca em relação ao regime de indemnização
concernente aos terrenos que são expropriados para a construção das próprias
auto-estradas, por essas instalações serem apenas marginais às auto-estradas, e
que a solução deverá ser a da sua inconstitucionalidade, conforme se julgou no
Acórdão n.º 275/2004.
Colocado assim o problema, é fácil constatar que a
controvérsia não se prende nem com os factos materiais da causa dados como
provados nem com os fundamentos de direito infraconstitucional, relevados para a
decisão, mas antes, na parte que ora interessa, com o relevo que a circunstância
de os terrenos serem expropriados para a instalação de áreas de serviço é
susceptível de alcançar no domínio da decisão da questão de constitucionalidade.
A polémica versa, assim, sobre os fundamentos do alegado
juízo de inconstitucionalidade, não podendo o Tribunal Constitucional deixar de
os ponderar.
Improcede, pois, a questão.
7 – Da delimitação do objecto do pedido
No requerimento de interposição do recurso de
constitucionalidade, o recorrente identificou como constituindo objecto de
impugnação constitucional as normas constantes dos artigos 23.º, n.º 1 e 26.º,
n.º 1 do Código das Expropriações, sem precisar a concreta acepção normativa
cuja validade constitucional sindicava. Mas ela resulta clara das alegações
feitas para o tribunal a quo, porquanto o que o recorrente, essencialmente, aí,
controverte é o entendimento seguido na sentença impugnada no sentido de o valor
dos solos expropriados para a implantação de áreas de serviço das auto-estradas,
situados, por força de Plano Director Municipal, em “Zona de Salvaguarda
Estrita”, “RAN” e “Espaço Florestal”, mas em relação aos quais se verificam as
circunstâncias de possuírem “algumas, mas não todas, das infraestruturas
previstas na alínea a) do n.º 2 do art.º 25.º do C. E. 99”, e de se encontrarem
localizados “junto de um núcleo urbano”, ser determinado segundo as regras
estabelecidas para os solos aptos para construção, por força do disposto na
alínea b) do n.º 2 do art.º 25.º do mesmo código, de entre elas se contando o
n.º 1 do art.º 26.º do Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99,
de 18 de Setembro (CE/99).
É ainda de notar que, nas alegações apresentadas no
Tribunal Constitucional, o recorrente veio a incluir no âmbito do recurso de
constitucionalidade, também, o n.º 12 deste art.º 26.º do CE/99.
Considera, todavia, o Tribunal Constitucional que essa
inclusão não corresponde a qualquer proibida ampliação do pedido formulado no
recurso de constitucionalidade.
Na verdade, é de considerar que a sua impugnação de
constitucionalidade do critério normativo de determinação do valor dos solos que
estão na “posição situacional” do aqui em causa, segundo as regras próprias
estabelecidas para os solos aptos para construção, envolve a consideração como
elemento integrante desse regime também do disposto no n.º 12 do art.º 26.º do
CE/99, na medida em que o n.º 1 do mesmo artigo remete para ele (e outros
números) a densificação do concreto critério de cálculo do valor do solo a
aplicar no caso.
É nesta linha argumentativa que o acórdão recorrido
convoca a aplicação do n.º 12 do artigo 26.º do CE/99.
Deste modo, considera-se como constituindo objecto do
recurso de constitucionalidade as normas constantes dos artigos 23.º, n.º 1, e
26.º, nºs 1 e 12, ambos do Código das Expropriações (1999), quando interpretadas
no sentido de incluírem na classificação de “solo apto para a construção, e a
serem indemnizados de acordo com as regras constantes deste n.º 12, os solos
adquiridos em data anterior à entrada em vigor de Plano Director Municipal que
os integrou em “Zona de Salvaguarda Estrita”, “RAN” e “Espaço Florestal” e
expropriados para a implantação de “áreas de serviço” de auto-estradas.
Por último, importa referir que o acórdão recorrido
dividiu a área do solo expropriado em duas partes para efeitos da sua valoração,
aplicando a uma delas as regras legais estabelecidas para o “solo apto para a
construção” e à outra as do “solo apto para outros fins”, por haver considerado
que apenas em relação a uma delas se verificavam as condições estabelecidas para
a sua classificação como “solo apto para construção”, cingindo-se agora a
controvérsia apenas à validade constitucional do regime aplicado à valoração do
solo como terreno apto para construção.
8 – Do mérito do recurso de constitucionalidade
8.1 – As normas sub judicio dispõem do seguinte jeito:
“Artigo 23.º
Justa indemnização
1 – A justa indemnização não visa compensar o benefício alcançado
pela entidade expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado
advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo
com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal, à data
da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as
circunstâncias e condições de facto existentes naquela data.
2 - ….
…”.
“Artigo 26.º
Cálculo do valor do solo apto para construção
1 – O valor do solo apto para a construção calcula-se por referência
à construção que nele seria possível efectuar se não tivesse sido sujeito a
expropriação, num aproveitamento económico normal, de acordo com as leis e os
regulamentos em vigor, nos termos dos números seguintes e sem prejuízo do
disposto no n.º 5 do art.º 23.º
…
12 – Sendo necessário expropriar solos classificados como zona verde,
de lazer ou para instalação de infra-estruturas e equipamentos públicos por
plano municipal de ordenamento de território plenamente eficaz, cuja aquisição
seja anterior à sua entrada em vigor, o valor de tais solos será calculado em
função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar
nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a
300 m do limite da parcela expropriada”.
8.2 – O Tribunal Constitucional já teve oportunidade,
por diversas vezes, e a propósito de norma de sentido paralelo ao precisado,
constante do n.º 5 do artigo 24º do Código das Expropriações, de 1991, aprovado
pelo Decreto-Lei n.º Decreto-Lei n.º 438/91, de 9 de Novembro (preceito que
assim dispunha: “Para efeitos da aplicação do presente Código é equiparado a
solo para outros fins o solo que, por lei ou regulamento, não possa ser
utilizado na construção”), de se pronunciar sobre questões da
constitucionalidade próximas da que ora está em causa.
Assim, aquela norma foi julgada inconstitucional,
“enquanto interpretada por forma a excluir da classificação de solo apto para a
construção os solos integrados na RAN expropriados justamente com a finalidade
de neles se edificar para fins diferentes de utilidade pública agrícola”, pelo
Acórdão n.º 267/97 (publicado no Diário da República II Série, de 21 de Maio de
1997).
Mas o juízo de inconstitucionalidade não se repetiu nos
casos julgados posteriormente. Deste modo, no Acórdão 20/2000 (publicado no
Diário da República II Série, de 28 de Abril de 2000), decidiu-se “não julgar
inconstitucional a norma do n.º 5 do artigo 24.º do Código das Expropriações
vigente, interpretada por forma a excluir da classificação de 'solo apto para a
construção' solos integrados na Reserva Agrícola Nacional expropriados para
implantação de vias de comunicação”. E esta jurisprudência foi posteriormente
acolhida e desenvolvida pelo Tribunal, não só em relação a solos integrados na
Reserva Agrícola Nacional expropriados para implantação de vias de comunicação,
mas também expropriados para outros fins, nomeadamente nos Acórdãos nºs
247/2000, 346/2003, 347/2003 e 425/2003 (disponíveis em
www.tribunalconstitucional.pt), bem como, entre outros, nos Acórdãos nºs
219/2001, 243/2001, 172/2002, 121/2002, 155/2002, 417/2002, 419/2002, 333/2003 e
557/2003 (publicados no Diário da República II Série, respectivamente, de 6 e 4
de Julho de 2001, 3 de Junho de 2002, 12, 30, 17 e 31 de Dezembro de 2002, 17 de
Outubro de 2003 e de 23 de Janeiro de 2004).
Apreciando a questão discorreu-se, no referido Acórdão
n.º 346/03, do seguinte modo:
«[…]
8.2. O art. 62º, n.º 2 da CRP prescreve que a expropriação por
utilidade pública só pode ser efectuada com base na lei e mediante o pagamento
de justa indemnização. Não diz explicitamente, todavia, tal comando
constitucional o que deve ter-se por justa indemnização e, muito menos, os
factores ou critérios de cuja aplicação a mesma resulta.
Sendo assim, não pode deixar de reconhecer-se ao legislador ordinário uma certa
discricionariedade normativo-constitutiva quanto à conformação desses critérios.
Ponto é que eles se revelem como modos adequados de realizar essa justa
indemnização que este Tribunal reconheceu ser, a propósito da inconformidade
constitucional dos n.os 1 e 2 do art.º 30.º do Código das Expropriações de 1976
(aprovado pelo DL. n.º 845/76, de 11/12), um direito fundamental de natureza
análoga à dos direitos, liberdades e garantias, pelo que as restrições que lhe
forem impostas se devem limitar ao necessário para a salvaguarda de outros
direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (cf. Acórdãos n.os 131/88
e 52/90, publicados no Diário da República, I Série, de 29 de Junho de 1988 e de
30 de Março de 1990, respectivamente), o que, então, não acontecia relativamente
aos terrenos que se situassem fora dos aglomerados urbanos ou em zonas
diferenciadas desses mesmos aglomerados em que não se levava em conta a
potencial aptidão edificativa e com o que saíam violados os princípios
constitucionais da justa indemnização e da igualdade dos cidadãos perante a lei.
É dentro desta perspectiva, segundo a qual “o ius aedificandi deveria ser
considerado como um dos factores de fixação valorativa, ao menos naquelas
situações em que os respectivos bens envolvam uma muito próxima ou efectiva
potencialidade edificativa”, que devem ser entendidos os critérios estabelecidos
pelo art.º 24.º do CE/91, de divisão dos solos em solos aptos para a construção,
e solos para outros fins e a densificação que o mesmo artigo faz de tais
conceitos.
Aliás, cabe registar aqui que à conformação de tais critérios não foi alheia,
como se verifica pelo discurso do exórdio do diploma que aprovou o código, quer
a vinculação constitucional referida, quer o entendimento que dela fazia a
jurisprudência constitucional relativamente à não consideração da aptidão
edificativa dos solos expropriados nas apontadas circunstâncias. Daí que o
legislador tenha construído os referidos critérios em torno da ideia da
existência ou inexistência da potencial aptidão edificativa dos solos, revelada
não pela simples existência do solo, dado que, em princípio, “todo o solo,
incluindo o integrado em prédios rústicos, é passível de construção”, mas pela
“situação” em que esses solos se encontram no que tange à sua sujeição ou não
sujeição a restrições ou até proibições de construir decorrentes da lei ou de
regulamento e por esta tidas como constitucionalmente necessárias e adequadas.
A questão da densificação do conceito constitucional de justa indemnização e a
sua imbricação com o direito de edificar enquanto factor de fixação valorativa,
pelo menos naquelas situações em que os respectivos bens envolvam uma muito
próxima ou efectiva potencialidade edificativa, já foi objecto de inúmeras
decisões deste Tribunal.
Assim, no Acórdão n.º 194/97 (Diário da República II Série, de 27 de Janeiro de
1999), que concluiu pela conformidade constitucional das normas das várias
alíneas do n.º 2 do art.º 24.º, precisamente do CE/91, aos princípios da justa
indemnização e da igualdade, consagrado no art.º 13.º da CRP, escreveu-se,
fazendo uma resenha da evolução legislativa e jurisprudencial verificada:
«5.1. No domínio do Código das Expropriações de 1976 (aprovado pelo Decreto-Lei
nº 845/76, de 11 de Dezembro), a questão da justa indemnização a pagar aos
particulares pela expropriação dos seus terrenos para fins de utilidade pública
foi objecto de inúmeras decisões deste Tribunal, que acabou por declarar
inconstitucionais, com força obrigatória geral, os nºs 1 e 2 do artigo 30º
daquele Código.
Ponderou então o Tribunal que, sendo o direito à justa indemnização um direito
fundamental de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias, as
restrições que lhe forem impostas devem limitar-se ao necessário para a
salvaguarda de outros direitos ou interesse constitucionalmente protegidos. Ora
– frisou –, nos nºs 1 e 2 daquele artigo 30º, para o cálculo do montante da
indemnização a pagar aos expropriados, não se levava em linha de conta a
potencial aptidão edificativa dos terrenos que se situassem fora dos aglomerados
urbanos ou em zonas diferenciadas desses mesmos aglomerados – com o que se
violavam os princípios constitucionais da justa indemnização e da igualdade dos
cidadãos perante a lei (cf. Acórdãos nºs 131/88 e 52/90, publicados no Diário da
República, I série, de 29 de Junho de 1988 e de 30 de Março de 1990,
respectivamente).
Claro é que – como nessa jurisprudência se acentuou – a Constituição não tutela
expressamente o direito a edificar como um direito que se inclua, necessária e
naturalmente, no direito de propriedade. Apesar disso, porém – sublinhou-se no
Acórdão nº 341/86 (publicado no Diário da República, II série, de 19 de Março de
1987) e repetiu-se no citado Acórdão nº 131/88 – parece que, 'mesmo naqueles
casos em que a Administração impõe aos particulares certos vínculos que, sem
subtraírem o bem objecto do vínculo, lhe diminuem, contudo, a utilitas rei, se
deverá configurar o direito a uma indemnização, ao menos quando verificados
certos pressupostos'. E mais: o ius aedificandi 'deverá ser considerado como um
dos factores de fixação valorativa, ao menos naquelas situações em que os
respectivos bens envolvam uma muito próxima ou efectiva capacidade edificativa'.
A indemnização, com efeito, só é justa se conseguir ressarcir o expropriado do
prejuízo que efectivamente ele sofreu. Não pode, por isso, ser de montante tão
reduzido que a torne irrisória ou meramente simbólica, mas também não pode ser
desproporcionada à perda do bem expropriado. Não deve, assim, atender a factores
especulativos ou outros que distorçam, para mais ou para menos, a proporção que
deve existir entre o prejuízo imposto pela expropriação e a compensação a pagar
por ela (cf., sobre isto, FERNANDO ALVES CORREIA, O Plano Urbanístico e o
Princípio da Igualdade, Coimbra, 1990, p. 533).
Há, pois – como se sublinhou no Acórdão nº 184/92 (publicado no Diário da
República, II série, de 18 de Setembro de 1992) –, que observar aqui um
princípio de igualdade e de proporcionalidade – um princípio de justiça, em
suma.
A Constituição, impondo que a indemnização a pagar ao expropriado seja justa,
exige, na verdade, que o legislador ordinário defina um critério do quantum
indemnizatório capaz de realizar o princípio da igualdade dos expropriados entre
si e destes com os não expropriados.
É que, a expropriação por utilidade pública – que é imposta aos particulares em
vista da satisfação de um determinado interesse público – coloca aqueles que a
sofrem numa situação de desigualdade em confronto com os demais cidadãos.
Ora, num Estado de Direito, tem que haver igualdade de tratamento,
designadamente perante os encargos públicos. Por isso, a desigualdade imposta
pela expropriação tem que compensar-se com o pagamento de uma indemnização que
assegure 'uma adequada restauração da lesão patrimonial sofrida pelo
expropriado' (cf. o citado Acórdão nº 52/90 e o Acórdão 381/89, publicado no
Diário da República, II série, de 8 de Setembro de 1989). Só desse modo, com
efeito, se restabelecerá o equilíbrio que a igualdade postula.
O princípio da igualdade, por outro lado, proíbe se dê tratamento jurídico
desigual aos expropriados colocados em idêntica situação, só podendo
estabelecer-se distinções de tratamento ali onde exista um fundamento material
para tanto. Por isso, não é constitucionalmente admissível que a alguns
expropriados se imponha uma 'onerosidade forçada e acrescida' sem que exista
justificação material para a diferença de tratamento (cf. o citado Acórdão n.º
131/88); - recte, do ponto de vista constitucional, é inadmissível, por exemplo,
que, 'em regra, se atenda ao valor real e corrente dos prédios expropriados e
que nas situações particulares dos nºs 1 e 2 do artigo 30º do Código das
Expropriações (de 1986) se considere, em muitos casos, um valor abaixo do real e
corrente' (cf. o Acórdão nº 109/88, publicado no Diário da República, II série,
de 1 de Setembro de 1988).
O desiderato de justiça, postulado pelo reconhecimento de um direito fundamental
dos expropriados ao recebimento de uma justa indemnização pela perda do bem de
que são privados por razões de utilidade pública, alcança-se, seguramente,
quando o legislador opta pelo critério do valor do mercado do bem expropriado.
Outros critérios são, porém, possíveis. Questão é que eles realizem os
princípios de justiça, de igualdade e de proporcionalidade que a indemnização
tem que cumprir – acentuou-se no já citado Acórdão nº 184/92.
5.2. No novo Código das Expropriações (aprovado pelo Decreto-Lei nº 438/91, de 9
de Novembro), o legislador teve em conta a jurisprudência do Tribunal
Constitucional, cujos traços essenciais se indicaram e que aqui se adopta na
íntegra.
Depois de citar expressamente os Acórdãos nºs 131/88 e 52/90, acima referidos,
escreveu-se no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 438/91:
Relativamente à jurisprudência do Tribunal Constitucional, e partindo da ideia
básica desta jurisprudência de que a não consagração na lei da potencial aptidão
de edificabilidade dos terrenos expropriados e localizados fora dos aglomerados
urbanos ou em zona diferenciada de aglomerado urbano violaria os princípios
constitucionais da justa indemnização e da igualdade dos cidadãos perante a lei
(artigos 62.º, n. º2, e 13.º, n.º 1, da Constituição), entendeu-se, para efeitos
do valor a atribuir aos particulares pela expropriação dos seus terrenos,
classificar o solo em apto para a construção e para outros fins.
O legislador começou por acentuar que a indemnização 'não visa compensar o
benefício alcançado, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da
expropriação', e, logo a seguir, definiu como critério ou medida geral dessa
indemnização o valor do bem expropriado, 'tendo em consideração as
circunstâncias e as condições de facto existentes à data da declaração de
utilidade pública' (cf. artigo 22.º, n.º 2).
Para o efeito do cálculo dessa indemnização, o legislador deixou de classificar
os terrenos em terrenos situados fora dos aglomerados urbanos, em zona
diferenciada do aglomerado urbano ou em aglomerado urbano. Passou, antes, a
classificá-los em solo apto para construção e solo para outros fins (cf. artigo
24.º, n.º 1), à semelhança do que fazia o Decreto-Lei n.º 576/70, de 24 de
Novembro, que falava em terrenos para construção e terrenos para outros fins
(cf. artigo 6.º e 7.º).
No artigo 24.º, n.º 2, – que é a norma que aqui está sub iudicio –, passou o
legislador a definir o que é um solo apto para construção. Dispõe-se aí, com
efeito:
[...]
O legislador, ao definir solo apto para construção, não adoptou 'um critério
abstracto de aptidão edificatória já que, abstracta ou teoricamente, todo o
solo, incluído o integrado em prédios rústicos, é passível de edificação –, mas
antes um critério concreto de potencialidade edificativa' sublinha Fernando
Alves Correia, na Introdução ao Código das Expropriações e outra Legislação
Sobre Expropriações por Utilidade Pública, Aequitas, Editorial Notícias, 1992.
O legislador, ao proceder à identificação dos solos aptos para a construção,
teve, na verdade, em conta – como refere o mesmo Autor (loc. cit.) – 'elementos
certos e objectivos, espelhados na dotação do solo com infraestruturas
urbanísticas [artigo 24.º, n.º 2, alínea a)], na sua inserção em núcleo urbano
[artigo 24.º, n.º 2, alínea b)], na qualificação do solo como área de edificação
por um plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz [artigo
24.º, n.º 2, alínea c)] ou na cobertura do mesmo por alvará de loteamento ou
licença de construção em vigor no momento da declaração de utilidade pública
[artigo 24.º, n.º 2, alínea d)]'.
5.3. Esta definição de solo apto para a construção, assente nos elementos certos
e objectivos apontados, será capaz de responder satisfatoriamente ao desiderato
de justiça de que antes se falou como achando-se implicado no direito
fundamental do expropriado a uma justa indemnização?
Perguntando de outro modo: será que uma tal definição conduz a que, no cálculo
do valor dos bens expropriados, o ius aedificandi seja, efectivamente,
considerado 'como um dos factores de fixação valorativa, ao menos naquelas
situações em que os respectivos bens envolvam uma muito próxima ou efectiva
potencialidade edificativa'?
A resposta tem que ser afirmativa.
Na verdade, só pode dizer-se que os bens expropriados envolvem 'uma muito
próxima ou efectiva potencialidade edificativa', quando, no mínimo, estejam
destinados a ser dotados de infra-estruturas urbanísticas, 'de acordo com plano
municipal de ordenamento do território plenamente eficaz' [alínea c) do n.º 2 do
artigo 24.º] ou, pelo menos, quando possuam 'alvará de loteamento ou licença de
construção em vigor no momento da declaração de utilidade pública' [alínea d) do
n.º 2 do artigo 24.º].
Se, como pretendem os recorrentes, não devesse exigir-se, para o reconhecimento
da aptidão edificativa de um terreno, a sua prévia qualificação como solo para
construção por um 'plano municipal de ordenamento do território plenamente
eficaz' ou a existência de um 'alvará de loteamento ou licença de construção em
vigor no momento da declaração de utilidade pública', o resultado seria, muito
decerto, ter que reconhecer-se essa capacidade a quase todos os terrenos, senão
mesmo a todos eles. A tanto conduziria, com efeito, o critério que propõem de se
reconhecer aptidão construtiva 'por parâmetros objectivos e naturais', como,
aliás, parece inculcar a sua afirmação 'havendo sempre lugar à indemnização, no
caso de expropriação, tendo em conta a valorização natural quanto à aptidão
construtiva de um terreno expropriado'.
É que, em teoria, seria, de facto, possível construir em todos os solos, mesmo
que incluídos na Reserva Agrícola Nacional (disciplinada pelo Decreto-Lei n.º
196/89, de 14 de Junho) ou na Reserva Ecológica Nacional (regulada pelo
Decreto-Lei n.º 93/90, de 19 de Março) e, mesmo, sem observar os respectivos
planos municipais de ordenamento do território (planos directores municipais,
planos de urbanização ou planos de pormenor. Cf. o Decreto-Lei n.º 69/90, de 2
de Março), senão, inclusive, sem loteamento (cujo regime jurídico consta do
Decreto-Lei n.º 448/91, de 29 de Novembro, alterado pelos Decretos-Lei n.º
302/94, de 18 de Dezembro e 334/95, de 28 de Dezembro, tendo este último sido
alterado pela Lei nº 26/94, de 1 de Agosto) ou sem licença de construção (sobre
o licenciamento das obras dos particulares, cf. o Decreto-Lei n.º 445/91, de 20
de Novembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 250/94, de 15 de Outubro, que o
republicou, e pela Lei n.º 22/96, de 26 de Julho).
Mais ainda: se não se exigisse que a capacidade edificativa do terreno
expropriado existisse já no momento da declaração de utilidade pública, poderiam
criar-se artificialmente factores de valorização que, depois, iriam distorcer a
avaliação. E, então, a indemnização podia deixar de traduzir apenas 'uma
adequada restauração da lesão patrimonial sofrida pelo expropriado' (cf. citado
Acórdão n.º 381/89) e ser 'desproporcionada à perda do bem expropriado' (cf.
Acórdão n.º 184/92, citado).
Ora, só quando os terrenos expropriados 'envolvam uma muito próxima ou efectiva
potencialidade edificativa' (cf. o citado Acórdão n.º 131/88) é que se impõe
constitucionalmente que, na determinação do valor do terreno expropriado, se
considere o ius aedificandi entre os factores de valorização. Tal, porém, só
acontece, quando essa potencialidade edificativa seja uma realidade, e não
também quando seja uma simples possibilidade abstracta sem qualquer
concretização nos planos municipais de ordenamento, num alvará de loteamento ou
numa licença de construção.
A definição de solo apto para a construção, constante das várias alíneas do n.º
2 do artigo 24.º, responde, pois, às exigências feitas pelo princípio
constitucional da justa indemnização, consagrado no artigo 62º, n.º 2, da Lei
Fundamental.
Como tais normas se adequam à finalidade de assegurar o pagamento de
indemnizações justas aos expropriados, não desfavorecem elas o expropriado no
confronto com os proprietários não abrangidos pela expropriação –, e, por isso,
não violam o princípio da igualdade, no âmbito externo. E, como não estabelecem
distinções de tratamento entre terrenos que se encontrem em situação idêntica,
não violam a igualdade entre os expropriados».
8.3. Por seu lado, mais recentemente, escreveu-se no mesmo sentido no Acórdão
n.º 243/2001 (Diário da República, II Série, de 4 de Julho de 2001):
«Ora, a indemnização só é justa, se conseguir ressarcir o expropriado do
prejuízo que efectivamente sofreu. Não pode ser de montante tão reduzido que a
torne irrisória ou meramente simbólica, mas também não pode ser desproporcionada
à perda do bem expropriado. E, por isso, não deve atender a factores
especulativos ou outros que distorçam a proporção que deve existir entre o
prejuízo imposto pela expropriação e a compensação a pagar por ela, para mais ou
para menos. Há, consequentemente, que observar aqui um princípio de igualdade e
de proporcionalidade – um princípio de justiça, em suma. O quantum
indemnizatório a pagar a cada expropriado há-de realizar a igualdade dos
expropriados entre si e a destes com os não expropriados: trata-se de assegurar
que haja igualdade de tratamento perante os encargos públicos.
O desiderato de justiça, postulado pelo reconhecimento do direito fundamental
dos expropriados ao recebimento de uma justa indemnização pela perda do bem de
que são privados por razões de utilidade pública – sublinhou-se no Acórdão n.º
194/97 (publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 36º, página
407) – alcança-se, seguramente, quando o legislador opta pelo critério do valor
do mercado do bem expropriado, mas são possíveis outros critérios. Questão é que
realizem os princípios da justiça, da igualdade e da proporcionalidade que a
indemnização tem que cumprir. Ora, quando os solos tenham aptidão edificativa,
os princípios da justiça, da igualdade e da proporcionalidade só são
respeitados, se essa potencialidade for levada em conta no cálculo da
indemnização a pagar ao expropriado.
Sublinhou-se a propósito no Acórdão n.º 131/88 (publicado nos Acórdãos do
Tribunal Constitucional, volume 11º, página 475), repetindo o que se escrevera
no Acórdão n.º 341/86, que o ius aedificandi deve ser considerado como 'um dos
factores de fixação valorativa, ao menos naquelas situações em que os
respectivos bens envolvam uma muito próxima ou efectiva capacidade edificativa'
No citado Acórdão n.º 194/97, o Tribunal concluiu que as normas constantes das
várias alíneas do n.º 2 do artigo 24º do Código das Expropriações de 1991 não
são inconstitucionais, pois que não violam o direito à justa indemnização, nem o
princípio da igualdade.
Para assim concluir, o Tribunal começou por fazer notar que, nesse n.º 2 do dito
artigo 24º, o legislador, ao definir solo apto para a construção, adoptou um
critério concreto de potencialidade edificativa, que é o único critério idóneo
para o efeito tido em vista – ou seja: para o efeito de, no cálculo da
indemnização a pagar pelo bem expropriado, se valorizar efectivamente o ius
aedificandi. É o único critério idóneo – frisou –, porque, em abstracto, todos
os solos, incluindo o dos prédios rústicos, mesmo que fazendo parte,
designadamente, da Reserva Agrícola Nacional, são aptos para neles se construir.
Acrescentou-se nesse aresto que, «se não se exigisse que a capacidade
edificativa do terreno existisse já no momento da declaração de utilidade
pública, poderiam criar-se artificialmente factores de valorização que, depois,
iriam distorcer a avaliação. E, então, a indemnização podia deixar de traduzir
apenas 'uma adequada restauração da lesão patrimonial sofrida pelo expropriado'
e ser 'desproporcionada à perda do bem expropriado'». E precisou-se aí mais o
seguinte:
Ora, só quando os terrenos expropriados 'envolvam uma muito próxima ou efectiva
potencialidade edificativa' [...] é que se impõe constitucionalmente que, na
determinação do valor do terreno expropriado, se considere o ius aedificandi
entre os factores de valorização. Tal, porém, só acontece quando essa
potencialidade edificativa seja uma realidade, e não também quando seja uma
simples possibilidade abstracta sem qualquer concretização nos planos municipais
de ordenamento, num alvará de loteamento ou numa licença de construção».
8.4. Também a questão da conformidade do n.º 5 do art.º 24.º do CE/91 aos
parâmetros constitucionais da justa indemnização e dos princípios da igualdade e
da proporcionalidade já foi, por várias vezes, objecto de apreciação por banda
deste Tribunal.
Assim, o Acórdão n.º 267/97 (Diário da República, II Série, de 21/5/1997), no
qual os recorrentes fundamentam a sua pretensão, julgou a norma inconstitucional
por violação do princípio da igualdade “enquanto interpretada por forma a
excluir da classificação de «solo apto para a construção» os solos integrados na
RAN expropriados justamente com a finalidade de neles se edificar para fins
diferentes de utilidade pública agrícola, na medida em que impõe um sacrifício
desproporcionado (acrescido aos particulares). Estava-se perante uma situação em
que uma parcela de terreno foi desafectada da RAN para nela se construir, tendo
a expropriação subsequente sido efectuada para nela se construir um quartel de
bombeiros.
Mas diferentes foram os juízos feitos, posteriormente, sobre a conformidade
constitucional de tal norma: em todos eles conclui-se pela sua compatibilidade
com a Constituição. Foi assim no Acórdão n.º 20/2000 (Diário da República, II
Série, de 28/4/2000) em que se estava perante uma situação jurídica quase em
tudo coincidente com a que ocorre no caso sub judicio, pois, enquanto ali a
situação jurídica apreciada dizia respeito a uma parcela que não tinha sido
desafectada da RAN, nela continuando, pois, ainda incluída, e a expropriação se
destinou à construção de uma auto-estrada, aqui a situação respeita a uma
parcela de terreno que estava também incluída na RAN, à data da declaração de
utilidade pública e da sua publicação, e a expropriação teve lugar para nela ser
construída uma variante de uma estrada. O único traço que não se sobrepõe
exactamente ao deste acórdão, na situação sub judicio, é o de que a parte
sobrante do prédio em que se integrava a parcela expropriada passou, por virtude
de alteração do Plano Director Municipal de C., ocorrida após aqueles momentos a
incluir-se em zona urbanizável.
Foi assim, também, nos Acórdãos nos 247/00 (inédito), 219/2001, 243/2001,
121/2002, 417/2002 e 155/2002 (Diários da República, II Série, respectivamente,
de 6/7/2001, 4/7/2001, 12/12/2002, 17/12/2002 e 30/12/2002) relativos a
situações de terrenos incluídos na RAN ou na REN e que foram expropriados, ou
para a construção de vias de comunicação, ou para a construção de centrais de
incineração de resíduos sólidos ou de incineração.
Como se sublinhou nos Acórdãos nºs 20/2000 e 219/2001, acabados de referir, a
ratio decidendi daquele Acórdão n.º 267/97 baseou-se «não na desvinculação de
uma utilização agrícola pela expropriação, mas na circunstância de, nesse caso,
a interpretação normativa em apreço conduzir à não consideração como “solo apto
para construção” de prédios expropriados justamente com a finalidade de neles
construir prédios urbanos, em que, portanto, a muito próxima ou efectiva
potencialidade edificativa fica demonstrada pelo facto de a expropriação – aliás
acompanhada de desafectação da RAN – ser efectuada para edificações urbanas».
O que releva, porém, para efeitos da “justa indemnização” não é o facto do
terreno deixar de ter aptidão agrícola, como sucede nos casos em que se
constróiem nele vias de comunicação ou centrais de incineração, mas sim a
circunstância dos terrenos passarem a ter uma muito próxima ou efectiva aptidão
edificativa que se poderá revelar pelo motivo que justifica a expropriação ou
pelo destino que o expropriante concretamente lhe dá, usando-o na construção
(neste exacto sentido o citado Acórdão 20/2000). Pense-se nos casos singelos de
solos integrados na RAN ou na REN que sejam expropriados com vista à construção
de casas de habitação, ou de edifícios para comércio ou indústria. É evidente
que estas situações enquadram dimensões jurídicas que não poderão ser acolhidas
pelos princípios constitucionais da justa indemnização e da igualdade nos
encargos públicos, segundo a densificação que deles se deixou feita, a coberto
da sua qualificação dentro do n.º 5 do art.º 24.º de “solos para outros fins”.
8.5. É tempo de voltar à dimensão jurídica do n.º 5 do art.º 24.º em questão
neste recurso. Ora, numa situação em que o prédio de que faz parte a parcela
expropriada se integra, como acontece no caso dos autos, na RAN, verifica-se o
que o Prof. Dr. Fernando Alves Correia designa por «vinculação situacional da
propriedade do solo, o qual legitima... restrições às faculdades de utilização
dos terrenos que não são acompanhados do dever de indemnização» pela sua
inclusão em tal situação jurídica (cf. O Plano Urbanístico e o Princípio da
Igualdade, 1989, págs. 45/456). Enquanto integrado na RAN, não poderá o seu
proprietário (ou outros potenciais adquirentes do mesmo) ter em relação a ele
expectativas legalmente fundadas quanto “à sua muito próxima ou efectiva
potencialidade edificativa”. Na verdade, de acordo com o ordenamento jurídico
que rege a situação dos terrenos abrangidos pela RAN (DL. n.º 196/89, de 14/6,
alterado pelos DLs. nos 274/92, de 12/12 e 278/95, de 25/10), não é possível vir
a construir-se neles. Trata-se de restrições que se mostram necessárias e
funcionalmente adequadas para acautelar uma reserva de terrenos agrícolas que
propiciem o desenvolvimento da actividade agrícola e dos interesses públicos que
lhe andam indissociadamente ligados. Estamos, pois, perante restrições
constitucionalmente legítimas. E que não violam, quer o princípio da justa
indemnização, dada aquela sua “vinculação situacional”, nem os princípios da
igualdade e da proporcionalidade, pois atingem todos os proprietários e outros
interessados que estão, quer em concreto, quer em abstracto, dentro da mesma
situação jurídica. No que tange a este último parâmetro constitucional, haverá
que acentuar que o juízo feito pelo legislador, quanto à necessidade e concreta
extensão física de inclusão dos terrenos na RAN, deve ser acolhido pelo
Tribunal, por respeito à sua competência legislativa constitucional e à
discricionariedade que a mesma comporta. Só nos casos em que se evidenciasse uma
distorção grosseira que fosse passível de censura segundo os cânones do
princípio do Estado de Direito, ínsito no art.º 2º da CRP, que aqui nada
evidencia, é que o Tribunal poderia invalidar a restrição efectuada.
A circunstância da “vinculação situacional se alterar, ainda que apenas em
relação à parte do prédio não abrangida pela expropriação, após a prática do
acto expropriativo, deixando o terreno em que se inclui a parcela expropriada de
estar abrangido pela RAN para passar a constar de uma zona urbanizável, segundo
o PDM de C., como consequência da alteração posterior deste, não altera a
natureza das coisas, pois não é susceptível de evidenciar qualquer comportamento
da administração de manipulação das regras urbanísticas (cf. Fernando Alves
Correia, A Jurisprudência Constitucional sobre Expropriações por Utilidade
Pública e o Código das Expropriações de 1999, Coimbra, 2000, págs. 52)”. Não se
poderá falar de um direito dos donos dos prédios sujeitos a “vinculação
situacional” a ver alterada essa situação, nem cabe aqui a invocação da
protecção da tutela da confiança postulada pelo princípio do Estado de Direito.
A possibilidade de alteração de tal situação há-de ver-se como uma faculdade
incluída naquela discricionariedade normativo-constitutiva e censurável apenas
nas hipóteses que se referiram.
Finalmente, e em termos decisivos para o caso dos autos, que numa situação em
que a parcela expropriada se destina à construção de uma estrada não é possível
ver, aí, acoplada qualquer alteração quanto à existência de uma muito próxima ou
efectiva aptidão edificativa que a sua inclusão na RAN anteriormente afastava,
nem sequer uma mudança quanto à sua qualificação legal de terreno com destinação
agrícola. Numa situação em que cesse a via de comunicação construída, o terreno
volta a estar sujeito a uma efectiva destinação agrícola».
Da análise da jurisprudência do Tribunal sobre a matéria
distrai-se a conclusão de que a norma do n.º 5 do artigo 24º do Código das
Expropriações de 1991 apenas foi julgada inconstitucional naquele único caso em
que a Administração classificara uma parcela de terreno, dotada de todas as
infra-estruturas, como de utilidade pública agrícola e a integrara, por isso, na
RAN, para, posteriormente e uma vez desvalorizada, vir a adquiri-la, pagando por
ela um valor correspondente ao de solo não apto para construção (a que acresce o
facto de que a sua apropriação ter ocorrido apenas uma semana antes da
publicação da Portaria n.º 380/93, que, por sua vez, veio desafectar da RAN todo
o terreno em que se situava a referida parcela).
Em todos os demais casos referidos, mesmo quando a
expropriação se não destinara à implantação de vias de comunicação mas sim de
edifícios públicos – como, por exemplo, escolas –, o Tribunal Constitucional,
não detectando a existência de “qualquer actuação pré-ordenada da Administração
corporizada em «manipulação das regras urbanísticas» tendente a desvalorizar
artificiosamente o terreno reservado, de acordo com os planos de ordenamento, a
uso agrícola, para mais tarde o adquirir por um valor diminuído, destinando-o
então à construção de edificações urbanas de interesse público”, não julgou a
norma inconstitucional.
Em data mais recente, o Tribunal Constitucional foi
confrontado, no Acórdão n.º 275/04, publicado no Diário da República II Série,
de 8 de Junho de 2004, com o problema de saber se a interpretação das normas
contidas no nº 1 do artigo 23º.° e no nº 1 do artigo 26° do Código das
Expropriações, agora já de 1999, que conduz a incluir na classificação de “solo
apto para a construção” e, consequentemente, a indemnizar como tal, o solo,
integrado na Reserva Agrícola Nacional, expropriado para implantação de vias de
comunicação ofendia os princípios da justa indemnização e da igualdade
consagrados, respectivamente, no art. 62.º, n.º 2, e 13.º da Constituição da
República Portuguesa.
A tal questão deu resposta positiva, fundamentando-se no
seguinte discurso:
«Decisivo para o juízo que se vier a fazer sobre aquela interpretação
normativa, afigura-se a consideração do respeito pelo princípio da igualdade
perante os encargos públicos, que o princípio da “justa indemnização” postula.
Ora, neste contexto, o princípio da igualdade desdobra-se em dois níveis de
comparação, a saber: no âmbito relação interna e no domínio da relação externa.
No âmbito da relação interna, o princípio da igualdade obriga o legislador a
estabelecer critérios uniformes de cálculo da indemnização, que evitem
tratamentos diferenciados entre os particulares sujeitos a expropriação. No
domínio da relação externa, comparam-se os expropriados com os não expropriados,
devendo a indemnização por expropriação ser fixada de tal forma que impeça um
tratamento desigual entre estes dois grupos.
Ora, é precisamente em relação a este domínio da relação externa que a
interpretação normativa efectuada pela decisão recorrida e questionada nestes
autos coloca em crise aquele princípio. De facto, no caso concreto, os solos
integrados na Reserva Agrícola Nacional são expropriados exclusivamente para
construção de uma via de comunicação – uma das limitadas utilizações que, por
força do interesse público, os solos agrícolas integrados na RAN podem ter, nos
termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 9º do Decreto-Lei n.º 196/89, de 14 de
Junho. Por outro lado, as parcelas de terreno circundante mantêm-se igualmente
integradas na RAN, também sem qualquer aptidão edificativa. Assim sendo,
considerar-se como terreno apto para construção, como tal devendo ser
indemnizado em caso de expropriação destinada a uma das limitadas utilizações
legalmente permitidas, um terreno onde o proprietário não pode construir, por
força da sua integração na RAN, conduz não só à atribuição de uma indemnização
que não corresponde ao seu “justo valor” – para o determinar há que atender ao
valor que o bem terá num mercado onde não entrem em consideração factores
especulativos ou anómalos e o valor de um terreno integrado na RAN está,
necessariamente, condicionado pelo fim específico a que tal solo está destinado
–, mas também a uma intolerável desigualdade em relação a todos os restantes
proprietários de terrenos integrados naquela Reserva que não tenham sido
contemplados com a expropriação. Nesse sentido, escreveu-se nos Acórdãos nºs
333/2003 e 557/2003 já citados:
“[...] Não tendo o proprietário, pela integração do terreno na RAN, expectativa
razoável de ver o terreno desafectado e destinado à construção, não poderia
invocar o princípio da 'justa indemnização', de modo a ver calculado o montante
indemnizatório com base numa potencialidade edificativa dos terrenos que era
para ele legalmente inexistente, e com a qual não podia contar.
E, em rigor, a não ser assim, poderia, eventualmente, vir a configurar-se uma
situação de desigualdade entre os proprietários de parcelas contíguas, consoante
fossem ou não contemplados com a expropriação, com um ocasional locupletamento
injustificado destes últimos. Na verdade, enquanto os expropriados viriam a ser
indemnizados com base num valor significativamente superior ao valor de mercado,
os outros, proprietários de prédios contíguos igualmente integrados na RAN e na
REN e delas não desafectados, se acaso pretendessem alienar os seus prédios, não
alcançariam senão o valor que resultava da limitação edificativa legalmente
estabelecida. Ora, se é verdade que o “princípio da igualdade de encargos” entre
os cidadãos, a que o Tribunal Constitucional já fez apelo por diversas vezes, a
propósito da apreciação de regras de definição do cálculo da indemnização,
obriga a que o expropriado não seja penalizado no confronto com os não
expropriados, também não se afigura curial que, pela via da expropriação, devam
os expropriados vir a ser manifestamente favorecidos em relação aos não
expropriados. De facto, se é verdade que a indemnização só é justa se conseguir
ressarcir o expropriado do prejuízo que ele efectivamente sofreu, e, por isso,
não pode ser irrisória ou meramente simbólica, também não poderá ser
desproporcionada à perda do bem expropriado para fins de utilidade pública.
Assim, se a parcela a expropriar não permite legalmente a construção, não pode
ser paga com o preço que teria se pudesse ser-lhe implantada uma construção.”
Pelo exposto, há que considerar que a interpretação das normas contidas no nº 1
do artigo 23° e no nº 1 do artigo 26° do Código das Expropriações (1999), que
conduz a incluir na classificação de “solo apto para a construção” e,
consequentemente, a indemnizar como tal, o solo, integrado na Reserva Agrícola
Nacional, expropriado para implantação de vias de comunicação, viola o princípio
da igualdade, consagrado no artigo 13° da Constituição».
Abonando-se numa fundamentação idêntica, veio, também, o Acórdão n.º
145/05 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt) a julgar inconstitucional a
norma do n.º 12 do artigo 26.º do Código das Expropriações, aprovado pela Lei
n.º 168/99, de 18 de Setembro, interpretada no sentido de que, para efeitos da
sua aplicação, a aptidão edificativa da parcela expropriada não tem de aferir-se
pelos elementos objectivos definidos no artigo 25.º, n.º 2, do mesmo Código.
Relativamente à questão de saber “se a interpretação perfilhada
pelo tribunal recorrido, para além de não satisfazer o apontado objectivo de
evitar a manipulação das regras urbanísticas, conduz à atribuição de uma
indemnização excessiva ao expropriado, desproporcionada em relação ao real
sacrifício representado pela expropriação e conducente a uma intolerável
desigualdade em relação a todos os restantes proprietários de terrenos
integrados na área classificada como ‘espaço canal’ que não tenham sido
contemplados com a expropriação” afirmou-se:
«Salientou-se, a este propósito, no acórdão n.º 275/2004, de 20 de Abril
(publicado no Diário da República II Série, n.º 134, de 8 de Junho de 2004, p.
8866 ss), em que também não estava em causa uma actuação pré-ordenada da
Administração, traduzida em manipulação das regras urbanísticas:
“[...]
9. A situação que ora se nos oferece representa como que o espelho da situação
anterior, sem que igualmente se questione “qualquer actuação pré-ordenada da
Administração, traduzida em manipulação das regras urbanísticas” a que atrás se
fez referência. Isto é, quando anteriormente se considerava inconstitucional a
norma contida no n.º 5 do artigo 24º do Código das Expropriações (1991),
interpretada com o sentido de excluir da classificação de «solo apto para a
construção» o solo, integrado na Reserva Agrícola Nacional, expropriado,
nomeadamente, para implantação de vias de comunicação, entende-se, agora,
interpretar as normas do nº 1 do artigo 23° e do nº 1 do artigo 26° do Código
das Expropriações (1999) por forma a incluir na classificação de «solo apto para
a construção» e, consequentemente, a indemnizar como tal, o solo, integrado na
Reserva Agrícola Nacional, expropriado, precisamente, para implantação de vias
de comunicação.
[...]
A questão de constitucionalidade que vem submetida à consideração deste Tribunal
pode, assim, formular-se do seguinte modo: é inconstitucional a interpretação
das normas contidas no nº 1 do artigo 23° e no nº 1 do artigo 26° do Código das
Expropriações (1999) que conduz a incluir na classificação de «solo apto para a
construção» e, consequentemente, a indemnizar como tal, o solo, integrado na
Reserva Agrícola Nacional, expropriado para implantação de vias de comunicação?
[...]
Decisivo para o juízo que se vier a fazer sobre aquela interpretação normativa,
afigura-se a consideração do respeito pelo princípio da igualdade perante os
encargos públicos, que o princípio da “justa indemnização” postula. Ora, neste
contexto, o princípio da igualdade desdobra-se em dois níveis de comparação, a
saber: no âmbito da relação interna e no domínio da relação externa. No âmbito
da relação interna, o princípio da igualdade obriga o legislador a estabelecer
critérios uniformes de cálculo da indemnização, que evitem tratamentos
diferenciados entre os particulares sujeitos a expropriação. No domínio da
relação externa, comparam-se os expropriados com os não expropriados, devendo a
indemnização por expropriação ser fixada de tal forma que impeça um tratamento
desigual entre estes dois grupos.
Ora, é precisamente em relação a este domínio da relação externa que a
interpretação normativa efectuada pela decisão recorrida e questionada nestes
autos coloca em crise aquele princípio. De facto, no caso concreto, os solos
integrados na Reserva Agrícola Nacional são expropriados exclusivamente para
construção de uma via de comunicação – uma das limitadas utilizações que, por
força do interesse público, os solos agrícolas integrados na RAN podem ter, nos
termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 9º do Decreto-Lei n.º 196/89, de 14 de
Junho. Por outro lado, as parcelas de terreno circundante mantêm-se igualmente
integradas na RAN, também sem qualquer aptidão edificativa. Assim sendo,
considerar-se como terreno apto para construção, como tal devendo ser
indemnizado em caso de expropriação destinada a uma das limitadas utilizações
legalmente permitidas, um terreno onde o proprietário não pode construir, por
força da sua integração na RAN, conduz não só à atribuição de uma indemnização
que não corresponde ao seu «justo valor» – para o determinar há que atender ao
valor que o bem terá num mercado onde não entrem em consideração factores
especulativos ou anómalos e o valor de um terreno integrado na RAN está,
necessariamente, condicionado pelo fim específico a que tal solo está destinado
–, mas também a uma intolerável desigualdade em relação a todos os restantes
proprietários de terrenos integrados naquela Reserva que não tenham sido
contemplados com a expropriação.
[...]
Pelo exposto, há que considerar que a interpretação das normas contidas no nº 1
do artigo 23° e no nº 1 do artigo 26° do Código das Expropriações (1999), que
conduz a incluir na classificação de «solo apto para a construção» e,
consequentemente, a indemnizar como tal, o solo, integrado na Reserva Agrícola
Nacional, expropriado para implantação de vias de comunicação, viola o princípio
da igualdade, consagrado no artigo 13° da Constituição.
[...].”.
Colocadas, porém, idênticas questões, com relação ao
art. 26.º, n.º 12 do Código das Expropriações, de 1999, referentemente a
terrenos incluídos na Reserva Agrícola Nacional expropriados para a implantação
de vias de comunicação e, no primeiro caso, classificados como terrenos “aptos
para construção” por resultarem satisfeitos em relação aos mesmos os critérios
enquadráveis na alínea a) do n.º 2 do art. 25.º do mesmo código, e, no segundo
caso, “quando possam ser avaliados em função do valor médio das construções
existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área
envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela
expropriada”, veio o Tribunal Constitucional, nos Acórdãos nºs 114/2005 e
234/07, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt, ambos com um voto de
vencido do ora relator, a concluir pela sua não inconstitucionalidade.
Disse-se no Acórdão n.º 114/2005:
«Será tal norma efectivamente violadora dos princípios da igualdade e
da justa indemnização?
A ofensa ao princípio da igualdade invocada parece, porém, fundar-se num juízo
sobre uma hipotética não indemnização nos mesmos termos de proprietários em
idênticas condições a expropriar futuramente. No entanto, o próprio princípio da
igualdade somente impõe a comparação de realidades existentes, extrapolando da
sua racionalidade uma violação com fundamento na circunstância de outros
proprietários na mesma situação poderem não vir a beneficiar de uma indemnização
nos mesmos termos.
Coisa diferente seria a invocação do princípio da igualdade por quem, nas mesmas
circunstâncias, não viesse efectivamente a beneficiar de uma indemnização
idêntica – veja-se o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 194/97, publicado no
Diário da República II Série, de 27 de Janeiro de 1999, em que se diz:
Ora, num Estado de Direito, tem que haver igualdade de tratamento,
designadamente perante os encargos públicos. Por isso, a desigualdade imposta
pela expropriação tem que compensar-se com o pagamento de uma indemnização que
assegure “uma adequada restauração da lesão patrimonial sofrida pelo
expropriado” (cf. o citado Acórdão nº 52/90 e o Acórdão 381/89, publicado no
Diário da República II Série, de 8 de Setembro de 1989). Só desse modo, com
efeito, se restabelecerá o equilíbrio que a igualdade postula.
O princípio da igualdade, por outro lado, proíbe que se dê tratamento jurídico
desigual aos expropriados colocados em idêntica situação, só podendo
estabelecer-se distinções de tratamento ali onde exista um fundamento material
para tanto. Por isso, não é constitucionalmente admissível que a alguns
expropriados se imponha uma “onerosidade forçada e acrescida” sem que exista
justificação material para a diferença de tratamento (cf. o citado Acórdão nº
131/88); – recte, do ponto de vista constitucional, é inadmissível, por exemplo,
que, “em regra, se atenda ao valor real e corrente dos prédios expropriados e
que nas situações particulares dos nos 1 e 2 do artigo 30º do Código das
Expropriações (de 1986) se considere, em muitos casos, um valor abaixo do real e
corrente” (cf. o Acórdão nº 109/88, publicado no Diário da República, II série,
de 1 de Setembro de 1988).
Mas não é esse o caso de que agora se trata. A invocação pela Administração da
violação da igualdade fundamenta-se apenas em que não será possível realizar no
solo expropriado uma construção semelhante às existentes e possíveis de edificar
na zona envolvente e assim na previsão de que outros expropriados não serão
tratados equitativamente, eventualmente pela interpretação subjacente à solução
aplicada ser incorrecta. Contra esta consideração, milita desde logo a
circunstância de o terreno objecto de expropriação no caso concreto satisfazer
as condições do artigo 25º, nº 2, alínea a) do Código das Expopriações de 1999.
Mas, a consideração de que, de acordo com o critério normativo sob análise, não
será exigível a possibilidade de realizar no solo expropriado construção
semelhante às existentes pressupõe que a Constituição concebe a justa
indemnização confinada a limites mínimos, e que não admite que o legislador
possa utilizar critérios de valoração do solo diversos, mas com semelhante
expressão no valor da indemnização.
Por outro lado, o raciocínio hipotético segundo o qual esta solução viola a
igualdade porque outros expropriandos não beneficiarão dela não pode ser
pertinente, não podendo a igualdade aferir-se pelo confronto com situações
hipotéticas. Aliás, a ponderação realizada no caso para alcançar o valor da
indemnização, dada a respectiva especificidade, impede uma comparação automática
com hipotéticas situações de proprietários, eventualmente expropriáveis, de
parcelas contíguas igualmente integradas na RAN mas que não foram expropriadas,
quer considerando a indemnização por uma eventual futura expropriação quer o
valor de mercado que os proprietários obterão se porventura decidirem vender os
prédios.
Finalmente, a Constituição, em particular o artigo 62º, não configura deste modo
restritivo o dever de indemnizar, em que está em causa acautelar a compensação
do expropriado pela ablação do seu direito em nome do interesse público. Só
perante uma manifesta desproporção entre o valor fixado e o valor do bem, o que
não está em questão nos presentes autos ou que pelo menos o Tribunal
Constitucional não pode avaliar, por neste caso concreto só poder surgir com uma
dimensão de aplicação de critérios, é que se poderá colocar um problema de
eventual ultrapassagem da justa indemnização por excesso».
No Acórdão n.º 234/07, recuperaram-se quer os
fundamentos aduzidos no aresto acabado de transcrever quer os expendidos no voto
de vencido aposto ao Acórdão n.º 145/05 (pelo Cons.º Rui Manuel Moura Ramos),
referindo-se:
«[…]
Importa, com efeito, atender aos fundamentos adiantados, na
declaração de voto referida, para fundamentar a posição no sentido da
inexistência de inconstitucionalidade:
«(…)
1.2. Preliminarmente, porém, há que ter presente a circunstância de,
recentemente, no Acórdão n.º 114/05 da 2.ª Secção, este Tribunal ter apreciado a
constitucionalidade da norma aqui em causa – face aos princípios da igualdade e
da justa indemnização – concluindo, então, pela conformidade constitucional da
referida norma.
Não obstante entender que este anterior pronunciamento do Tribunal (no sentido
da não inconstitucionalidade) deveria ter sido o adoptado igualmente na presente
situação, cumpre sublinhar a existência de uma importante dissemelhança entre
ambos os casos, em termos tais que a questão de constitucionalidade configurada
não pode ser considerada a mesma nas duas situações.
Com efeito, estando em causa aplicações da mesma norma, assentou cada uma delas
em interpretações distintas. É que, no presente caso, o artigo 26.º, n.º 12, do
CE, enquanto norma objecto do recurso, é apreciado quando interpretado no
sentido de prescindir da determinação concomitante da aptidão edificativa da
parcela expropriada, através dos critérios do artigo 25.º, n.º 2, do CE.
Diversamente, na situação apreciada pelo Acórdão n.º 114/05, a aptidão
edificativa (sempre determinada nos termos desse artigo 25.º, n.º 2) era
encarada como pressuposto do cálculo do valor do terreno com base no critério
estabelecido no n.º 12, do artigo 26.º, do CE.
Estando, embora, em causa interpretações diversas da mesma norma ou, por outras
palavras, aplicações dessa norma baseadas em interpretações distintas, não
creio, porém, salvo melhor entendimento, que o resultado em termos de
conformidade constitucional deva ser, na presente situação, não obstante as
especificidades interpretativas dos dois casos, contrário ao alcançado no citado
Acórdão n.º 114/05.
2. A primeira divergência refere-se, como anteriormente disse, ao sentido que o
Tribunal atribui ao princípio da igualdade relativamente à relação externa da
expropriação. Ou seja, saber se a aplicação do critério de cálculo constante do
n.º 12, do artigo 26.º, do CE, “conduz à atribuição de uma indemnização
excessiva ao expropriado, desproporcionada em relação ao real sacrifício
representado pela expropriação e conducente a uma intolerável desigualdade em
relação a todos os restantes proprietários de terrenos integrados na área
classificada [...] que não tenham sido contemplados com a expropriação” (item 11
do Acórdão).
Para responder afirmativamente a esta questão (existe desigualdade relativamente
aos não expropriados) o Tribunal acaba por ponderar – implicitamente, pelo menos
– o valor que obteriam estes (os “que não tenham sido contemplados com a
expropriação”) se procedessem à venda das respectivas parcelas, concluindo que
esse valor, não se verificando os elementos do artigo 25.º, n.º 2, do CE, nunca
seria o de um “solo apto para a construção” (o “do valor médio das construções
existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área
envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela
expropriada”, como diz o n.º 12, do artigo 26.º, do CE). Esta conclusão, porém,
não se nos afigura evidente, por assentar na comparação entre realidades
intrinsecamente distintas: as regras, normativas, de cálculo da indemnização no
caso de expropriação, e as regras de comportamento dos agentes actuando no
mercado.
Este – o mercado – “é a interacção do conjunto dos vendedores e compradores,
actuais ou potenciais, que se interessam pela transacção de determinado produto”
(Fernando Araújo, Introdução à Economia, Vol. I, 2ª. ed., Coimbra, 2004, pág.
232) e funciona com base numa lógica insusceptível de assimilação a uma
realidade que se expressa através de conteúdos normativos. Significa isto que
não sendo irrelevantes, na formação dos preços de um terreno no mercado
concorrencial, constrangimentos administrativos à construção, estes não excluem
que, em função de múltiplos factores (desde logo das possíveis expectativas de
ulterior alteração desses constrangimentos, decorrentes, por exemplo, da
evolução previsível do statu quo traduzido numa proximidade de 300 m de terrenos
aptos para construção), no mercado, a interacção entre a oferta e a procura
produza preços equivalentes aos valores que, sem a verificação dos elementos
elencados no n.º 2, do artigo 25.º, do CE, seriam alcançados com base no n.º 12,
do artigo 26.º, do CE.
É certo que este Tribunal, em sede de controlo da relação externa da
expropriação, afasta habitualmente possíveis objecções deste tipo, falando em
“valor de mercado do bem [expropriado] normativamente entendido”, o que
expressaria “a quantia que teria sido paga pelo bem [...] se este tivesse sido
objecto de um livre contrato de compra e venda descontados os factores
especulativos” (Fernando Alves Correia, caracterizando a jurisprudência do
Tribunal Constitucional, no estudo: “Propriedade de Bens Culturais – Restrições
de Utilidade Pública, Expropriações e Servidões Administrativas”, in Direito do
Património Cultural, Lisboa, 1996, pág. 407). Porém, descontados esses factores,
ou quaisquer outros actuantes no mercado, e pressupondo (o que não é certo) que
esse desconto seja possível, o que fica já não é o valor de mercado e,
consequentemente, a comparação entre quem é expropriado – que queira ou não o é
– e quem hipoteticamente vendesse, já não tem qualquer sentido, pois já não
expressa a realidade, mas uma mera ficção desta.
A solução não é, obviamente, prescindir de toda a comparação entre expropriados
e não expropriados, mas restringir tal comparação ao que, pela sua natureza, é
susceptível de uma comparação efectiva. Foi o que sucedeu no Acórdão n.º 422/04
(poderíamos citar igualmente os Acórdãos nºs 314/95 e 86/03) no qual o Tribunal
procedeu ao controlo da relação externa da expropriação comparando expropriados
com não expropriados no que diz respeito à sujeição daqueles e destes a encargos
públicos. É que a Contribuição Autárquica ou o Imposto Municipal Sobre Imóveis
(em causa no Acórdão n.º 422/04) pagavam-no, efectivamente, tanto o proprietário
expropriado como aquele que o não era, podendo-se quantificar – e por isso
comparar – os encargos reais de um e de outro. Aqui, diversamente, o que se
compara é o que existe (a expropriação daquele concreto bem num determinado
momento) com o que só hipoteticamente existiria e, mesmo assim, produziria
efeitos – e são estes efeitos que o Tribunal pretende comparar – com base em
modelos que, por não expressarem realidades normativas, actuam de forma e com
resultados substancialmente distintos.
Daí que, citando as palavras do mencionado Acórdão n.º 114/05, da 2ª Secção,
entendamos, também na situação sub judicio, que “o [...] princípio da igualdade
somente impõe a comparação de realidades existentes, extrapolando da sua
racionalidade uma violação com fundamento na circunstância de outros
proprietários poderem não vir a beneficiar de uma indemnização nos mesmos
termos”.
3. A isto acresce – e abordamos agora a outra divergência relativamente à
posição da maioria – que a caracterização da norma em termos de pretender obstar
às chamadas “classificações dolosas” (classificação de certa área como zona
verde, expropriando-a como terreno não apto para construção, destinando-a
posteriormente a fim diverso que conduziria, não fora a classificação, a uma
mais elevada indemnização; v. Fernando Alves Correia, Código das Expropriações,
Lisboa, 1992, pág. 23; cfr. José Osvaldo Gomes, Expropriações por Utilidade
Pública, Lisboa, 1996, pág. 195), tal caracterização, dizíamos, não esgota o
sentido possível da norma e não justifica, por isso, a «redução teleológica» que
o Tribunal efectua, assente na interpretação de Fernando Alves Correia (“A
Jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre Expropriações por Utilidade
Pública e o Código de Expropriações de 1999”, in Revista de Legislação e
Jurisprudência Ano 133, págs. 53/54) e que se expressa na seguinte passagem do
Acórdão:
“[...]
Tendo o tribunal recorrido prescindido da averiguação da aptidão ou vocação
objectiva para a edificabilidade do solo a que respeitava a parcela expropriada
– ou, dizendo de outro modo, tendo o tribunal recorrido decidido que a aptidão
edificativa da parcela expropriada não tem de aferir-se pelos elementos
objectivos definidos no artigo 25.º, n.º 2, do CE –, conclui-se que a norma do
n.º 12 do artigo 26º do mesmo Código foi aplicada num sentido que, seguindo o
raciocínio de Fernando Alves Correia, não satisfez, em boa verdade, o objectivo
de «evitar as classificações dolosas de solos ou a manipulação das regras
urbanísticas por parte dos planos municipais».
[...]”
Suscita-nos esta interpretação algumas dúvidas. Nada exclui que uma norma com as
características da do n.º 12 do artigo 26.º do CE possa fundar-se igualmente
numa ratio distinta, a saber: a proximidade até 300 m de áreas de construção, ou
onde seja possível construir, pode implicar expectativas de valorização
fundiária, a curto, médio ou longo prazo (mesmo sem as características indicadas
no nº 2 do artigo 25º do CE) – expectativas estas que são definitivamente
cortadas ao expropriado com a ablação do direito de propriedade, contrariamente
ao não expropriado que mantém intactas essas expectativas – que, traduzindo um
elemento não irrelevante na relação do proprietário com o bem, devem ser tidas
em conta, na avaliação do sacrifício imposto ao expropriado, no momento da
cessação coactiva dessas expectativas. Atente-se em que na formação dos preços,
as expectativas relativas a acontecimentos futuros são determinantes do
comportamento dos agentes e constituem um elemento imprescindível na análise dos
mercados (v. Joseph Stiglitz, John Driffill, Economics, Nova Iorque, 2000, pág.
104), o que, aliás, é especialmente relevante na formação dos preços da
propriedade imobiliária, relativamente às possíveis alterações do estatuto
fundiário, através da projecção de futuras transferências de solo rural para
solo urbano (v. Robert Ekelund, Robert Tollison, Economics, 4ª ed., Nova Iorque,
págs. 370/373).
Nada nos permite excluir este sentido como um dos possíveis relativamente à
norma apreciada. Bem vistas as coisas ao atender-se, na procura de um valor
justo para a compensação do sacrifício decorrente da expropriação à extinção de
expectativas (que, note-se, persistem incólumes relativamente ao não
expropriado), estar-se-á ainda a realizar a justiça entre expropriados e não
expropriados.
4. Como nota final, e sem prejuízo de uma indagação mais aprofundada agora
quanto ao sentido do princípio da justa indemnização, plasmado no artigo 62º, nº
2 da CRP (norma que se refere ao direito de propriedade privada), temos também
sérias reservas quanto à possibilidade de ao abrigo deste preceito
constitucional serem inviabilizadas normas que garantam uma indemnização que,
não sendo inferior ao valor do bem, possa ser considerada (ao abrigo de algum
critério) como mais ampla que um valor «aceitável» desse bem.
Perturba-nos, enfim, e não temos por seguro que o artigo 62º, nº 2 da CRP o
autorize, que a suposta afirmação dos direitos de terceiros não parte na relação
expropriativa (os outros proprietários não expropriados) possa servir ao
expropriante para lograr a diminuição do valor a satisfazer ao expropriado pelo
sacrifício que lhe impõe.
A prossecução da igualdade entre expropriados e não expropriados deve assim,
salvo melhor entendimento, assentar em bases distintas daquelas que conduziram
ao presente juízo de inconstitucionalidade.»
5.As considerações que antecedem, constantes da declaração de voto referida, são
procedentes, e conduzem, no presente caso, a uma solução de não
inconstitucionalidade, quer em face do princípio da igualdade (artigo 13.º),
quer quanto à garantia de justa indemnização em caso de expropriação (artigo
62.º, n.º 2, também da Constituição).
Com efeito, a indemnização por expropriação por utilidade pública visa compensar
os expropriados do prejuízo que sofrem, e nada na Constituição da República
Portuguesa proíbe que na determinação da aptidão edificativa da parcela
expropriada para a construção de vias de comunicação, integrada na Reserva
Agrícola Nacional seja tomado em consideração o valor médio das construções
existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área
envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela
expropriada.
Essa proibição não resulta, por um lado, do princípio da igualdade, desde logo
porque, mesmo aceitando a comparação com hipotéticos expropriados na mesma
situação, se não sabe se idêntica interpretação e procedimento não serão também
seguidos quanto a eles. Aliás, não está no presente recurso em questão uma
comparação entre proprietários de terrenos integrados na área classificada,
“porquanto as parcelas de terreno envolventes não estão todas classificadas como
RAN, mas bem pelo contrário, como resulta dos factos assentes”, e se pode ler na
decisão do tribunal a quo.
Mas também não resulta, por outro lado, da garantia consagrada no artigo 62.º,
n.º 2 da Constituição, de justa indemnização. Pode, desde logo, duvidar-se de
que esta garantia proíba (embora não seja isso que está decisivamente em causa
na presente dimensão normativa) que – considerando o sacrifício imperativamente
sofrido pelo expropriado – o Estado entenda valorizar a parcela expropriada
mesmo em montante considerado superior ao que lhe poderia vir a ser atribuído
pelo jogo do mercado. Mas, de todo o modo, o que é certo é que essa garantia não
imporá certamente uma limitação da indemnização em nome da “suposta afirmação
dos direitos de terceiros não parte na relação expropriativa (os outros
proprietários não expropriados)”, e da igualdade com eles, assim possibilitando
ao expropriante “lograr a diminuição do valor a satisfazer ao expropriado pelo
sacrifício que lhe impõe”.
8.3 – Como se verifica da definição da dimensão
normativa em causa no presente recurso, não existe paralelismo entre ela e
aquelas outras dimensões normativas dos mesmos preceitos que foram objecto de
julgamentos divergentes nos Acórdãos nºs 114/05, 145/05 e 234/07.
Nestas, a hipótese da norma constitucionalmente
sindicada respeitava a terrenos incluídos na RAN expropriados para a implantação
de vias de comunicação, em relação aos quais se mostravam satisfeitos os
requisitos estabelecidos no art.º 25.º n.º 2, alíneas a) e b) e art.º 26.º, n.º
12, ambos do CE/99.
No caso em apreço, ela respeita a terrenos expropriados
para a construção de “áreas de serviço” de auto-estradas (concretamente da A11),
cuja inclusão na RAN, por plano de ordenamento de território, aconteceu depois
da sua aquisição, e em relação aos quais resultam satisfeitos os requisitos
estabelecidos no art.º 25.º, n.º 2, alínea b), e 26.º, n.º 12, ambos do CE/99.
Ora, estes aspectos específicos de se tratar de solos
destinados à construção de “áreas de serviço” de auto-estradas que foram
incluídos na RAN, por plano de ordenamento de território posterior à sua
aquisição, e que podem ser avaliados em função do valor médio das construções
existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área
envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela
expropriada, não podem deixar de influenciar a solução da questão de
constitucionalidade do respectivo regime de indemnização segundo “solos aptos
para construção”.
Em tal caso, os terrenos expropriados são destinados,
directamente, não à implantação das vias de comunicação, mas à edificação de
construções de simples apoio, de comodidade, de repouso ou de conforto de quem
circula nelas, em termos correspondentes aos que acontecem com estruturas
semelhantes disseminadas por todo o território nacional, ao longo ou nas
imediações das vias de acesso incondicionado ao pagamento de qualquer taxa de
utilização, como sejam as estações de abastecimento de combustível, estações de
serviço automóvel, cafetarias, restaurantes, hotéis, etc.
O acesso a esses bens apenas está garantido, por regra,
a quem pague o respectivo uso ou consumo, não derivando, de qualquer jeito,
apenas da utilização da via de comunicação e do pagamento da taxa devida por
esta.
Trata-se de serviços prestados, na sua quase totalidade,
em regime de actividade comercial, conquanto ao abrigo de contratos de
subconcessão das respectivas instalações, celebrados entre a concessionária da
auto-estrada e o prestador dos mesmos, sendo que os seus preços são fixados
segundo as regras do mercado e, não raras vezes, por valores bem superiores ao
valor médio cobrado em estabelecimentos similares situados fora das “margens”
das auto-estradas.
Por outro lado, os contratos de subconcessão não deixam
de reflectir, no preço a pagar pelo prestador dos serviços, as condições de
mercado em que a actividade nele é levada a cabo.
Sendo assim, pode concluir-se que a construção de
edificações nas “áreas de serviço”, ainda que “marginais às auto-estradas”
segundo a qualificação constante das Bases do Contrato de Concessão, aprovadas
pelo Decreto-Lei n.º 248-A/99, de 6 de Julho, para cujo fim os solos sejam
expropriados, não deixa de traduzir, a se, numa concretização da aptidão ou
vocação edificativa que seria expectável para tais solos anteriormente à sua
inclusão na RAN por plano de ordenamento de território posterior e ocorrem as
demais circunstâncias objectivas previstas no art.º 26.º, n.º 12, do CE/99.
Por outros termos, pode dizer-se que a edificação das
“áreas de serviço” e a actividade e fins que, prevalentemente, prosseguem mais
não representa, quando se verifica a situação prevista no art.º 26.º, n.º 12, do
CE/99, do que a manifestação de uma objectiva aptidão anterior de
edificabilidade, pelo que a valoração do solo como sendo para construção não
deixa de corresponder a uma forma de “evitar a manipulação das regras
urbanísticas por parte dos planos municipais” (cf. Fernando Alves Correia, “A
Jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre Expropriações por Utilidade
Pública e o Código das Expropriações de 1999, in Revista de Legislação e
Jurisprudência, Ano 133, pp. 53/54).
Numa tal situação, a expectativa do expropriado em nada
sai privilegiada relativamente a outros não expropriados que tenham os seus
terrenos sujeitos a idêntico regime jurídico “situacional”.
Temos, assim, de concluir que a norma questionada não
ofende nem o princípio da justa indemnização nem o princípio da igualdade, na
sua vertente externa.
Nesta perspectiva, mesmo para quem defenda a tese que
fez vencimento nos Acórdãos nºs 275/04 e 145/05 não deixará de encontrar razão
material bastante para afastar a violação do princípio da igualdade.
À nossa conclusão mais facilmente chega quem defenda a
solução de constitucionalidade sustentada nos Acórdãos nºs 114/05, 234/07 e
239/07.
C – Decisão
9 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal
Constitucional decide negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa
em 20 UCs.
Lisboa, 2 de Maio de 2007
Benjamim Rodrigues
João Cura Mariano
Rui Pereira
Mário José de Araújo Torres
Rui Manuel Moura Ramos