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Processo n.º 168/05
3.ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
1. O relator proferiu a seguinte decisão sumária:
“1. A. e mulher B. interpuseram recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do
artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), do acórdão de 30 de
Janeiro de 2003, do Tribunal da Relação de Lisboa (fls. 174-182), que negou
provimento aos recursos de agravo e de apelação que haviam interposto,
respectivamente, do despacho que desatendeu a nulidade por falta de citação
(fls. 100-101) e da sentença (saneador-sentença; 107-115) que, julgando
procedente a acção interposta por C. (entretanto falecida, tendo-se habilitado
como seu sucessor D., declarou resolvido o contrato de arrendamento e os
condenou a entregar o locado e a pagar as rendas vencidas e vincendas e juros de
mora.
Justificam a interposição do recurso ( n.º 1 do artigo 75.º-A da LTC) nos
seguintes termos:
“(...)
Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade da norma do n.º 2, do art.º
238.º, do Código de Processo Civil, na redacção que lhe foi dada pelo Dec.-Lei
n.º 183/2000, de 10/8, interpretada com o sentido com que foi aplicada pelo
Acórdão recorrido, segundo a qual os recorrentes foram regularmente citados, por
a citação ter operado por carta simples, após frustração da citação por via
postal registada com aviso de recepção, não tendo, então, a falta de citação
arguida, aptidão para impugnar tacitamente a declaração do distribuidor postal,
impendendo sobre os recorrentes a obrigação de alegar e demonstrar que o
desenvolvimento do acto de citação por via postal simples se ficou a dever a
facto que não lhes era imputável, mostrando-se, assim, devidamente garantido o
exercício do contraditório, sendo plena e eficazmente válido o efeito
cominatório pleno que entretanto operou, por falar de contestação dos
recorrentes, com o consequente despejo decretado.
Tal norma, interpretada neste sentido, sabendo-se que é extremamente oneroso, ou
mesmo impossível, ilidir a presunção de depósito da carta simples, viola as
normas e princípios do Estado de Direito, designadamente, os princípios
constitucionais, da proibição da indefesa, do processo equitativo e do
contraditório, consagrados no art.º20.º da Constituição da República Portuguesa.
A inconstitucionalidade que se pretende que o Tribunal Constitucional aprecie
foi suscitada durante o processo, designadamente, no requerimento de
interposição de recurso de agravo, na al. A) das conclusões do recurso de
agravo, onde os recorrentes alegaram que não lhe foi dada oportunidade de se
defenderem, nas conclusões do recurso de apelação e na arguição de nulidade do
Acórdão.”
2. O recurso previsto na alínea b) do n.º1 do artigo 70.ºda LTC pressupõe que o
recorrente haja suscitado, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida,
de modo processualmente adequado, a questão de constitucionalidade da norma que
submete a apreciação pelo Tribunal Constitucional (artigos 70.º, n.º 1, alínea
b) e 72.º, n.º 2 da LTC).
A flagrante evidência proporcionada pela transcrição das conclusões que
apresentaram nos recursos de agravo e de apelação dispensa maiores
demonstrações de que, contrariamente ao que afirmam no requerimento de
interposição do recurso, os recorrentes não suscitaram qualquer questão de
constitucionalidade relativamente à norma do n.º 2 do artigo 238.ºdo Código de
Processo Civil.
Com efeito, tudo o que nessas peças dizem se resume ao seguinte:
(Agravo – fls. 124 e ss.)
A) Os agravantes arguiram a sua falta de citação com fundamento de que nunca
lhes fora dado conhecimento de que contra eles fora proposta acção de despejo,
não tendo tido oportunidade de nela se defenderem.
B) Os agravantes tomaram conhecimento de que fora frustrada a sua citação por
via postal registada, e de que foram considerandos citados por via postal
simples, através do despacho agravado.
C) A declaração de depósito do distribuidor do serviço postal deve considerar-se
impugnada tacitamente pelos fundamentos que serviram de base à arguição da falta
de citação, já que é de admitir que a impugnação de um documento seja feita de
modo implícito ou tácito, nos termos do disposto no art.º 217.º, ex vi do art.º
295.º, ambos do Código Civil – como foi decidido no Acórdão da Relação de
Lisboa, de 24/05/1994, in Col. Jur. 1994, 3º – 101.
D) Nas acções de despejo não tem lugar a citação por via postal simples, sendo o
despacho recorrido, que considerou os agravantes citados por esse via, ilegal.
E) Nos presentes autos à falta de citação dos agravantes por não terem chegado a
ter conhecimento do acto, não lhes sendo o facto imputável por a citação via
postal simples ser ilegal e se dever considerar impugnada.
F) Se assim não viesse a ser entendido, há nulidade da citação, por a citação
feita, por via postal simples, não ter cabimento, havendo preterição total das
formalidades prescritas na lei.
G) Tendo os agravantes arguido a nulidade da citação com base na sua falta, o
Mmo. Juiz “a quo” devia verificar a simples nulidade da mesma, por não ter sido
feita com a observância das formalidades legais, falta que prejudica os
agravantes por não poderem contestar.
H) O despacho recorrido viola a al. e) do art.º 195.º, os n.ºs 1 e 4 do art.º
198.º, as als. b) e c) do n.º 2 do art.º 233.º e o n.º 1 do art.º 236º-A, todos
do Código de Processo Civil.”
(Apelação – fls. 148 e ss.)
“A. Os apelantes não contestaram, sendo revéis, não tendo actuado nessa fase o
princípio do contraditório;
B. Antes de conhecer do mérito da causa no despacho saneador, o Mmo. Juiz “a
quo” devia fazer actuar, nessa fase, o princípio do contraditório;
C. A douta decisão recorrida não deva considerar provados por confissão, factos
onde aquele princípio não actuou;
D. A decisão recorrida não podia fazer uso da cominação plena, não podendo os
factos alegados pela A. serem considerados provados por confissão, sendo a douta
decisão recorrida nula.
E. A douta decisão recorrida viola a al. b), do n.º 1, do art.º 508.º-A, a al.
b), do n.º 1, do art.º 510.º, a al. c), do n.º 1, do art.º 668.º, e o n.º 1, do
art.º 787.º, todos do Código de Processo Civil.”
Não há, nestas peças, senão questões de interpretação e aplicação de normas de
direito infraconstitucional, sem qualquer vislumbre de problemas de
constitucionalidade normativa.
E também não é exacto que tivessem suscitado a questão que agora querem submeter
ao Tribunal Constitucional na arguição de nulidade, em que somente censuraram o
acórdão recorrido por omissão de pronúncia e falta de fundamentação (alíneas b)
e d) do n.º 1 do artigo 668.º ex vi do artigo 716.ºdo CPC). Faz-se esta
referência apenas porque os recorrentes invocam a arguição de nulidade no
requerimento de interposição do recurso. Não porque se colocasse, com um mínimo
de plausibilidade a hipótese de considerar verificado um daqueles casos, de todo
excepcionais e anómalos, em que, num entendimento funcional dos pressupostos do
recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, esse pudesse ser
considerado modo processualmente adequado para suscitar a questão, por não
terem disposto antes de oportunidade para fazê-lo. Efectivamente, a questão da
interpretação e aplicação da norma do n.º 2 do artigo 238.º está em discussão
desde a arguição de nulidade da citação perante o tribunal de 1ª instância, não
envolvendo a resposta do Tribunal da Relação qualquer aspecto com que não
devessem razoavelmente contar.
3. Decisão
Pelo exposto, ao abrigo do n.º 3 do artigo 76.º e do n.º 1 do artigo 78.º-A da
LTC, decide-se não tomar conhecimento do objecto do recurso e condenar os
recorrentes nas custas, fixando a taxa de justiça em 8 (oito) unidades de conta.
2. Os recorrentes reclamaram para a conferência, ao abrigo do n.º 3 do
artigo 78.º-A da LTC, sustentando:
“1. Os ora reclamantes, com o devido respeito, que é total, invocaram violação
de princípios, com dignidade constitucional, ao longo do processo.
2. Fizeram-no, não muito claramente, em primeira instância, na arguição da
nulidade da falta de citação, onde alegaram a falta de oportunidade de defesa,
sendo, embora de forma não expressa, aflorado o princípio constitucional da
proibição da indefesa na alínea A) das Conclusões de Agravo.
3. E fizeram-no, claramente, nas Conclusões de Apelação, onde disseram que não
tinha sido feito actuar o princípio do contraditório e que não deviam ser
considerados provados por confissão factos onde esse princípio não actuou.
4. Os reclamantes, no mínimo, invocaram o princípio do contraditório, não tinham
que escrever o vocábulo constitucional, o princípio não tem outra dignidade a
não ser essa.
5. E porque, efectivamente, é uma surpresa o Venerando Tribunal da Relação de
Lisboa validar o efeito cominatório pleno, operado em despacho saneador, em
citação feita por carta simples, os reclamantes arguiram a nulidade do douto
Acórdão, por padecer de vícios, fundados em inconstitucionalidade, por, no seu
entender, constituir um sacrifício incomportável para os reclamantes terem que
alegar e provar que a falta de citação feita por carta simples se deveu a facto
que não lhes é imputável.
6. Mostra-se, assim, minimamente satisfeito o requisito de interposição de
recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, por, pelo menos, em
sede de Apelação, os reclamantes expressamente terem invocado a violação do
princípio do contraditório, princípio constitucional.”
3. A reclamação é manifestamente improcedente, nada dizendo os recorrentes que
seja susceptível de conduzir à revisão da decisão recorrida.
Efectivamente, percorridas as alegações do agravo e da apelação não se vislumbra
aí qualquer referência à desconformidade da norma do n.º 2 do artigo 238.ºdo
Código de Processo Civil – sem importar agora saber a qual destes recursos
interessa a aplicação desta norma – com normas ou princípios constitucionais.
Aliás, a reclamação tem por único argumento o de que, para satisfazer o ónus de
suscitar a questão de constitucionalidade, de modo processualmente adequado,
perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, basta terem os
recorrentes invocado a violação do princípio do contraditório, porque este
princípio não tem outra dignidade a não ser a constitucional. Ora, além de a
simples referência a um princípio da “constituição processual” não bastar para
que o tribunal da causa deva saber que tem para decidir uma questão de
desconformidade com a Constituição das normas (ou de qualquer das normas)
processuais de direito ordinário que nessas peças se dizem violadas, nem sequer
é exacto que a referência ao princípio do contraditório remeta o juiz, imediata
e necessariamente, para o confronto com a Constituição. Pelo contrário, embora
ínsito na proibição constitucional da “indefesa” ou no direito a um processo
equitativo (artigo 20.º, da CRP), onde o princípio do contraditório é objecto de
referência expressa é no direito ordinário (artigo 3.º do Código de Processo
Civil).
3. Decisão
Pelo exposto, acordam em indeferir a reclamação e condenar os
recorrentes nas custas, fixando a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 10 de Maio de 2005
Vítor Gomes
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Artur Maurício