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Processo n.º 793/05
Plenário
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional
1. O Partido Popular/CDS-PP interpõe o presente recurso para o Tribunal
Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 157.º da Lei Orgânica n.º
1/2001, de 14 de Agosto, pedindo que seja considerado nulo o acto eleitoral em
toda a área do concelho de Mondim de Basto devendo ser ordenada a repetição da
eleição para o segundo domingo posterior à decisão e, subsidiariamente, a
anulação do acto eleitoral em todas as mesas de voto em que protestou pelo facto
de terem votado pessoas dentro de viaturas por alegada deficiência física.
O requerimento de interposição de recurso tem o seguinte teor:
«O presente recurso tem por base duas reclamações que não foram atendidas pela
Assembleia de Apuramento Geral, a saber
(i) O facto de em diversas mesas de voto em diversas ocasiões se
terem deslocado elementos das mesas de votos com boletins de voto para fora do
local com vista a pessoas com dificuldades físicas poderem votar dentro de
viaturas.
(ii) O facto de existir dualidade de critérios na apreciação de
votos nulos (em algumas mesas de votos foram aceites votos com uma cruz em cima
do símbolo e em outras os mesmos foram considerados nulos.
II – Deslocação de votos para fora das em algumas mesas de voto as mesas os
elementos terem validado
1°
Nos termos do disposto no artº 115 o eleitor deve apresentar-se perante a mesa.
2º
Ora em várias mesas de voto em relação à eleição para os diversos órgãos do
Cons[c]elho de Mondim de Basto os membros da mesa deslocaram-se para fora do
local das mesas com boletins de voto por forma a proporcionar que pessoas idosas
ou com problemas de mobilidade pudessem exercer o seu voto dentro de viaturas
estacionadas no parque em frente às assembleias de voto.
3°
Foram apresentados protestos por essa situação, designadamente pelos delegados e
mandatário do CDS/PP na mesa.
4°
Foram apresentados protestos por delegados nas Assembleias de Voto.
5°
Tratou-se de uma situação generalizada que ocorreu com mais de 30 votos. Sucede
que a Assembleia de Apuramento Geral entendeu que a reclamação não seria
susceptível de influenciar o resultado o que é totalmente falso.
6°
Na realidade o CDS / PP não elegeu um vereador por apenas 9 votos de diferença.
Se os eleitores em causa não tivessem votado, o CDS /PP poderia ter elegido um
vereador.
7°
Uma vez que se tratou de uma prática generalizada, totalmente ilegal e que pode
ter afectado o apuramento geral deverá a eleição ser anulada em todo o Concelho
e designadamente em todas as mesas em que ocorreu protesto dessa situação,
designadamente nas Mesas 1 e 2 de Mondim e na Mesa de Paradança.
II - Dualidade de Critérios
8°
Em algumas mesas de voto foram considerados válidos os votos com uma cruz em
cima do símbolo partidário, tendo sido apresentado protesto, mas que não foram
re-analisados pela Assembleia de Apuramento Geral uma vez que esta apenas
apreciou os votos nulos.
9°
Em outras mesas os mesmos foram considerados nulos e Assembleia de Apuramento
Geral manteve a decisão das mesas.
10º
Ora das duas uma ou são considerados nulos em todas as mesas ou são considerados
válidos em todas as mesas.
11°
O que é totalmente inadmissível é que nalgumas mesas sejam considerados nulos e
noutras não.
12°
Acresce que nas mesas em que os votos nessa situação foram mais significativos
para o CDS / PP os mesmos foram considerados nulos e não contam tendo a
Assembleia de Apuramento Geral confirmado.
13°
Ao invés nas mesas em que os votos nessa situação beneficiaram o PSD
(designadamente na primeira e segunda mesa de Mondim na mesa de Paradança) já
foram os mesmos considerados válidos sendo que a Assembleia de Apuramento Geral
os não reapreciou porque entendeu que não poderia reabrir a contagem não
obstante os protestos.
14°
Esta situação pura e simplesmente alterou o apuramento de mandatos para a Câmara
uma vez que o CDS/PP não elegeu um vereador por apenas 9 votos.
15°
A situação em causa foi objecto de reclamação tendo a Assembleia de Apuramento
Geral entendido que a mesma não influenciou o resultado o que para o caso do
CDS/PP é totalmente falso».
O recorrente juntou certidão da acta da Assembleia de Apuramento Geral para a
eleição dos órgãos das autarquias de Mondim de Basto e requereu a junção aos
autos de todo o processo eleitoral do Concelho de Mondim, designadamente de
todas as actas das mesas e do original da acta da Assembleia de Apuramento
Geral.
2. Notificados os representantes dos partidos políticos e grupos de cidadãos
intervenientes na eleição, nos termos e para os efeitos previstos no n.º 3 do
artigo 159.º da Lei Orgânica n.º 1/2001, responderam o Partido Socialista e o
Grupo de cidadãos Bilhó rumo ao futuro, manifestando a sua concordância com o
requerimento de interposição de recurso.
O PPD/PSD – Partido Social Democrata pronunciou-se pela improcedência do
recurso, por falta de prova, falta de fundamentação e por não estarem em causa
os resultados finais. Argumentou, para o que agora releva, o seguinte:
«1°
O Partido Popular divide em dois o objecto do recurso: (i) a deslocação de
elementos de mesa com boletins de voto para fora da secção de voto e (ii)
dualidade de critérios na apreciação de votos nulos.
2°
Em relação à primeira parte do objecto do recurso (i) refira-se a falta de
objectividade e fundamentação apresentada pelo Partido Popular.
3°
Em primeiro lugar porque o PP refere na cláusula 5ª que foi “uma situação
generalizada que ocorreu com mais de trinta votos” e repete-o na cláusula 7ª,
esclarecendo que tal procedimento “ocorreu em todas as mesas” No entanto acaba
por exemplificar apenas, as mesas nºs 1 e 2 e sem quantificar o número de votos
que ocorreram em cada uma delas.
4°
Em segundo lugar, consultadas as actas de todas as mesas, podemos verificar que
a situação referida ocorreu apenas na secção de voto n° 1 de Mondim de Basto e
apenas com três eleitores com deficiência física que se encontravam impedidos de
exercer o seu direito de voto naquela secção, atentas as dificuldades de acesso.
5º
Esclarecemos aquilo que o PP se esqueceu no seu recurso: a referida secção de
voto nº1, encontrava-se localizada no primeiro andar de um edifício de difícil
acesso.
6°
Mas, mesmo entendendo que apesar da unanimidade da mesa, em facilitar esta forma
anómala do exercício de voto, que deveria ser considerado nula, refira-se que
esta ocorrência se verificou apenas com três eleitores, na secção de voto nº1 e
não “uma prática generalizada” como é alegado e não provado.
7°
Atentas as actas das várias secções de voto, apenas existe uma reclamação na
secção de voto de voto nº1 e apenas referente aos três casos acima mencionados.
8°
Na secção de voto nº2 não existe qualquer reclamação ou protesto mencionada na
acta daquela mesa.
(…)
13°
Em relação à segunda parte do objecto do recurso (ii) – dualidade de critérios
na apreciação dos votos nulos, refira-se o desconhecimento do PP sobre a
competência da AAG em matéria de reapreciação dos boletins de voto.
14°
O artº 149° da LO é muito claro quanto a esta matéria, ao referir que apenas
serão reapreciados os votos nulos segundo um critério uniforme e aqueles em
relação aos quais tenha havido reclamação ou protesto.
15°
Ora, a AAG fixou os critérios para a apreciação de votos nulos (vd. Pág. 4 da
acta da AAG) e clarificou que aqueles decorriam da interpretação do artº 133° da
LO e dando a conhecer decisões já proferidas pelo Tribunal Constitucional.
(…)
20°
Se as mesas de voto tiveram critérios diferentes na apreciação dos boletins e
estes não foram protestados e reclamados, não cabe nas atribuições da AAG,
requalificar aqueles votos. Se foram mal validados não pode a AAG substituir-se
à mesa de voto e dar-lhes qualificação diferente.
21°
A AAG procedeu com correcção e lisura ao fixar critérios uniformes no início dos
trabalhos e aplicá-los a todas as situações que foram apresentadas e se
encontram demonstrados na acta que foi elaborada e assinada por todos».
3. Em 14 de Outubro de 2005, o Tribunal requisitou ao Governador Civil de Vila
Real cópia das actas das operações de voto e apuramento das secções de voto n.ºs
1 e 2 da freguesia de Mondim de Basto e da assembleia de voto de Paradança, as
quais vieram a dar entrada no Tribunal no dia 18 de Outubro.
4. Quanto à primeira questão levantada pelo recorrente – em diversas mesas de
voto em diversas ocasiões deslocaram-se elementos das mesas de voto com boletins
de voto para fora do local com vista a pessoas com dificuldades físicas poderem
votar dentro de viaturas – importa ter presente, desde logo, que decorre do
próprio requerimento de interposição de recurso que apenas estão em causa as
secções de voto n.ºs 1 e 2 da freguesia de Mondim de Basto e a assembleia de
voto de Paradança. Com efeito, apesar de o recorrente referir uma “situação
generalizada”, especifica apenas estas secções e assembleia de voto.
4.1. Analisadas as actas das operações eleitorais das secções e assembleia de
voto referidas, conjugadamente com a acta da Assembleia de Apuramento Geral,
conclui-se que só a acta da secção de voto n.º 1 da freguesia de Mondim de Basto
refere a realização de protesto/reclamação, pelo candidato nas listas do CDS/PP,
“em virtude de o Presidente da Mesa e o escrutinador (…) terem permitido a
votação de três eleitores no exterior da secção de voto, ao fundo das escadas da
mesma secção e dentro de uma viatura pertença da Santa Casa da Misericórdia,
tendo os mesmos votado um de cada vez, por dificuldades de subir as referidas
escadas”.
Significa o exposto que este Tribunal não pode conhecer do objecto do recurso na
parte que se refere à secção de voto n.º 2 da freguesia de Mondim de Basto e à
assembleia de voto de Paradança, por força do disposto no artigo 156.º, n.º 1,
da Lei Orgânica n.º 1/2001, do qual decorre que as irregularidades ocorridas no
decurso da votação e no apuramento local ou geral podem ser apreciadas em
recurso contencioso, desde que hajam sido objecto de reclamação ou protesto
apresentado no acto em que se verificaram. Não se verifica, pois, este
pressuposto do recurso contencioso para o Tribunal Constitucional (sobre este
pressuposto, cf., entre outros, os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs
597/01 e 5/02, publicados no Diário da República, II série, de 21 de Fevereiro
de 2002 e de 29 de Janeiro de 2002).
4.2. Muito embora se verifique este pressuposto do recurso, na parte em que este
se refere à secção de voto n.º 1 da freguesia de Mondim de Basto, há que
concluir pela improcedência desta parte do objecto do recurso, uma vez que
qualquer que fosse a decisão deste Tribunal esta em nada influiria no resultado
geral da eleição da Câmara Municipal de Mondim de Basto (cf. artigo 160.º, n.º
1, da Lei Orgânica n.º 1/2001), já que estão em causa apenas três eleitores –
aqueles cuja votação foi objecto de protesto/reclamação do candidato nas listas
do CDS/PP.
Por um lado, resulta da própria alegação do recorrente que “o CDS/PP não elegeu
um vereador por apenas 9 votos de diferença”; por outro lado, tal conclusão
resulta da análise da Acta da Assembleia de Apuramento Geral, quando refere o
Total do apuramento geral para a câmara municipal (p. 27 da Acta):
“Número de eleitores inscritos: 8159; ……………………………………………
Número de Eleitores votantes: 5121; ……………………………………………
Número de Votos em branco: 75; ………………………………………………...
Número de Votos nulos: 71; ……………………………………………………
Número de votos obtidos por cada lista: ……………………………………….
Partido Comunista dos Trabalhadores Portugueses PCTP/MRPP: 46; …………
Partido Socialista PS: 2088; …………………………………………………….
Coligação Democrática Unitária CDU: 24; ………………………………………
Partido Popular CDS-PP: 698; ……………………………………………………
Partido Social Democrata PPD/PSD: 2119; ……………………………………
Distribuição de mandatos por cada lista: ……………………………………
Partido Socialista: Dois mandatos – Segundo e Quarto. …………………………
PPD/PSD: Três mandatos – Primeiro; Terceiro e Quinto (…)”.
5. Relativamente à segunda questão enunciada pelo recorrente – existência de
dualidade de critérios na apreciação de votos nulos, por em algumas mesas de
votos terem sido aceites votos com uma cruz em cima do símbolo e em outras os
mesmos terem sido considerados nulos – desde já se adianta que, também nesta
parte, não pode o Tribunal conhecer do objecto do recurso.
Na verdade, como decorre da argumentação do recorrente quanto a este ponto, a
sua discordância resulta da inexistência de um critério uniforme quanto à
qualificação dos boletins em que se apresentava uma cruz sobre o símbolo do
partido: em algumas mesas, tais votos foram considerados nulos e, noutras mesas,
válidos. Porém, no que toca aos votos considerados válidos, no momento de tal
validação (ou seja, aquando do apuramento local) não houve lugar a qualquer
reclamação ou protesto. Na verdade, pese embora o recorrente refira a
apresentação de “protesto” (artigos 8.º e 13.º do requerimento de interposição
de recurso), esta referência é relativa a um protesto feito perante a Assembleia
de Apuramento Geral (p. 29 da Acta), não tendo esta Assembleia apreciado
qualquer reclamação ou protesto sobre a matéria que tenham sido apresentados
aquando do apuramento local.
Ora, não cabendo à Assembleia de Apuramento Geral a reapreciação de votos
considerados válidos que não tenham sido objecto de protesto ou reclamação
(assim, Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 857/93 e 597/01, Diário da
República, II série, respectivamente, de 31 de Março de 1994 e de 21 de
Fevereiro de 2002), apenas os votos qualificados como nulos no apuramento local
foram apreciados pela Assembleia de Apuramento Geral, tudo conforme o disposto
nos artigos 137.º, n.º 1, e 146.º, n.º 1, alíneas b) e f), da Lei Orgânica n.º
1/2001. O facto de, em consequência, poderem coexistir, num mesmo concelho,
votos com iguais características que foram, nuns casos considerados válidos e
noutros nulos, resulta apenas de, no acto de apuramento local, não ter havido
qualquer reclamação ou protesto pelo facto de os votos com cruz sobre o símbolo
terem sido considerados válidos. Se tal tivesse ocorrido, tais votos integrariam
já o universo de apreciação da Assembleia de Apuramento Geral, segundo critério
uniforme (artigos 146.º, n.º 1, alínea f), e 149.º, n.º 1).
Verifica-se, pois, não estar preenchido um pressuposto do recurso interposto:
não houve reclamação ou protesto, no acto de apuramento local, quanto à
classificação como válidos de boletins que mostravam a aposição de uma cruz
sobre o símbolo partidário.
Importa assim, também nesta parte, concluir pelo não conhecimento do objecto do
recurso.
6. Pelo exposto, decide-se negar provimento ao recurso na parte em que dele se
conhece.
Lisboa, 20 de Outubro de 2005
Maria João Antunes
Mário José de Araújo Torres
Vítor Gomes
Benjamim Rodrigues
Gil Galvão
Bravo Serra
Paulo Mota Pinto
Rui Manuel Moura Ramos