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Processo n.º 1101/04
1.ª Secção Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Notificada do teor do Acórdão n.º 90/05, pelo qual o Tribunal Constitucional decidiu não conhecer o objecto do recurso por si interposto, vem agora a recorrente A. requerer a respectiva aclaração, nos termos seguintes:
“I- Ponto 2: art. 19.º da Lei n.º144/99 Quanto à inconstitucionalidade suscitada do art. 19.º da Lei n.º 144/99, consagra-se na decisão que incidiu sobre a Reclamação (fls. 28 e 29 dessa decisão) que '... a ratio decidendi do acórdão do Supremo assenta precisamente na interpretação oposta, que ditou, aliás, a restrição do pedido de extradição, com exclusão da matéria já jurisdicionalmente apreciada em Portugal. Não se trata, por conseguinte, de recusar a apreciação da questão suscitada pela recorrente 'com fundamento numa interpretação restritiva do princípio 'ne bis in idem'. Acontece que é precisamente a dimensão interpretativa do art.19.º consagrada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que a ora requerente sempre questionou, propugnando pela sua aplicação em termos mais amplos, tal como consta da decisão de interposição de recurso, de acordo com o disposto no art. 29.º, n.º 5 da CRP. Ou seja, a requerente defende uma interpretação extensiva do princípio ne bis in idem assente no artigo 19° da Lei de Cooperação, nos moldes definidos no preceito constitucional ínsito no artigo 29º nº 5 da Lei Fundamental, mas na passagem da decisão deste Tribunal Constitucional cuja aclaração ora se requer, não se consegue vislumbrar qual o entendimento perfilhado sobre essa pretensão, não se compreendendo sequer se este Tribunal chega a plasmar uma posição sobre esta matéria. Com efeito, a ora requerente não alcança o sentido da conclusão expressa em tal decisão nos seguintes termos: 'as considerações que antecedem aquela conclusão e ela própria, já que a interpretação invocada não é sequer consentida pela letra da disposição legal questionada confirmam que, em boa verdade, o que se pretende questionar é a decisão recorrida ...'. Efectivamente, a requerente visou questionar a interpretação restritiva do princípio em apreço feita pelo tribunal recorrido que se crê inconstitucional, mas tendo-o feito em sede própria, não se alcança qual a posição deste tribunal sobre essa matéria; Pelo que se vem requerer a aclaração de tal decisão final, na parte referente à divergência de interpretações sobre o alcance do artigo l9º da Lei de Cooperação, na decisão recorrida e na dimensão pretendida pela requerente, bem como esclarecer em que medida esta última não é consentida pela letra da disposição legal questionada. II- Ponto 3: art. 31.º, n.º 2 da Lei n.º 144/99 Com o prévio esclarecimento de que a ora Requerente nunca pretendeu que o Tribunal Constitucional interpretasse quaisquer preceitos do Código Penal Indiano, mas tão só que ordenasse ao Supremo Tribunal de Justiça tal interpretação, em virtude do preceituado no art. 31.º, n.º 2 da Lei n.º 144/99, não vislumbra a ora Requerente o sentido e alcance da parte final que determina a não apreciação dessa parte do recurso, isto é:
« quanto à observação final da reclamante no sentido de que não podia, como se afirma na decisão reclamada, 'ter suscitado esta inconstitucionalidade com base na diferença de qualificação jurídica dos factos que lhe são imputados pelos dois ordenamentos em concurso, pois em causa está a imputação de factos diferentes', note-se apenas, para além desta afirmação não reproduzir de forma fiel o que é dito na decisão sumária, que os dois parágrafos seguintes demonstram que o problema, verdadeiramente, não é quanto aos factos, mas sim quanto à diferente qualificação jurídica dos mesmos.» Desde logo que dois parágrafos seguintes? Da decisão cuja aclaração ora se solicita ou da referida decisão sumária? E qual a razão determinante para a interpretação do art. 31.º, n.º 2? Com efeito, se sempre se tem vindo a reagir contra a incriminação errada de realidades fácticas distintas, utilizando-se uma falsa equiparação da criminal conspiracy no crime de associação criminosa (entendidas como a mesma qualificação jurídica), porque razão se afirma estar em causa a discussão de qualificações jurídicas diversas? Estará este Tribunal Constitucional a dizer-nos que, de facto, estamos perante qualificações jurídicas distintas quando o Supremo Tribunal de Justiça as afirmou equivalentes? Se assim é, sempre assistiria razão à ora requerente, pelo que não se compreende o alcance da decisão que se pretende ver aclarada”.
2. Notificados os recorridos, pronunciaram-se ambos pelo indeferimento do requerido. Sustentou o Ministério Público a inexistência de fundamento para o pedido formulado, considerando ainda justificada a remessa dos presentes autos ao Tribunal a quo, ao abrigo do disposto no artigo 84º, nº 8, da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC):
“1 – O douto acórdão, objecto do presente pedido de “aclaração de obscuridades”,
é perfeitamente claro e insusceptível de dúvida objectiva sobre o que nele se decidiu, acerca da inverificação dos pressupostos do recurso interposto.
2 – Efectivamente, o que careceria de ser “aclarado” é o pedido de aclaração ora deduzido, não se entendendo quais as “dúvidas” que a requerente pretende afinal ver esclarecidas – as quais, para além de revelarem uma discordância com o decidido por este Tribunal Constitucional que, sendo legítima, não pode justificar o indevido protelamento do processo, assentam numa leitura truncada e desfocada da decisão reclamada, cujo sentido normativo e fundamentação são inquestionavelmente claros.
3 – Não se compreende, deste modo, o pedido ora deduzido, o qual traduz uma utilização funcionalmente inadequada do incidente pós-decisório previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 669º do Código de Processo Civil; na verdade, sendo a decisão, proferida em conferência, acerca da inverificação dos pressupostos do recurso em causa perfeitamente clara e definitiva, é inadmissível que se pretenda protelar o normal prosseguimento da causa através da suscitação de incidentes pós-decisórios manifestamente infundados.
4 – Afigurando-se, deste modo, que será justificada a utilização do mecanismo processual previsto no artigo 84º, nº 8, da Lei do Tribunal Constitucional, remetendo-se os autos ao Tribunal “a quo”, até para possibilitar a apreciação dos pedidos entretanto apresentados pela extraditanda e que constam dos documentos que integram fls. 2090 e segs. dos autos – sendo certo que, como se decidiu a fls. 2092 verso, a apreciação e decisão de tal pedido “não se integram no âmbito dos poderes do Tribunal Constitucional”.
3. Para além de expressar o receio de que esta iniciativa processual tenha o efeito de protelar a decisão de extradição, a recorrida União Indiana pronunciou-se no sentido de que a decisão judicial em causa não enferma de qualquer obscuridade ou ambiguidade. Fê-lo nos seguintes termos:
“1. O Supremo Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso apresentado pela Extraditanda contra a decisão do Tribunal de Relação de Lisboa que deferira parcialmente o pedido da extradição.
2. A Extraditanda recorreu do mencionado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça para este Tribunal Constitucional, que proferiu uma decisão sumária considerando não poder conhecer-se do objecto do recurso por não estarem verificados os necessários pressupostos processuais.
3. A Extraditanda reclamou da referida decisão sumária para a Conferência deste Alto Tribunal, que indeferiu tal reclamação, confirmando a decisão reclamada no sentido do não conhecimento do objecto do recurso.
4. Entretanto, a Extraditanda intentou (mais) uma providência de habeas corpus, considerando estar ilegalmente presa/detida, por estarem, alegadamente, ultrapassados os prazos previstos no artigo 52.º da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto.
5. Em síntese, a Extraditanda, numa interpretação forçadamente literal do preceito em análise, sustentou que o prazo de três meses previsto no artigo
52.º, n.º 4 da Lei 144/99 deveria ser contado, não a partir da data da interposição do recurso para o Tribunal Constitucional, mas sim a partir da data da interposição do recurso do acórdão da Relação para o Supremo Tribunal de Justiça.
6. O Supremo Tribuna1 de Justiça, por acórdão de 3 de Março de 2005, considerou que o prazo de três meses a que alude o artigo 52.º, n.º 4 da Lei 144/99 deve ser contado a partir da data de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional, tendo assim indeferido a providência.
7. Deste modo, sabendo-se que a Extraditanda apresentou o seu recurso para o Tribunal Constitucional em meados do passado mês de Dezembro, o referido (e alegado) prazo de três meses estará à beira de terminar.
8. Foi agora a União Indiana notificada – sem grande surpresa, diga-se, dada a história das iniciativas processuais da Extraditanda nestes autos – de que a Extraditanda apresentou um requerimento neste Tribunal solicitando a aclaração de aspectos alegadamente obscuros e/ou ambíguos, impedindo assim (in extremis) o trânsito em julgado do acórdão da Conferência.
9. Sem que seja necessário complexo exercício de adivinhação, pode esperar-se para breve nova providência de habeas corpus, desta feita pugnando - por certo – pelo vencimento do prazo de três meses a contar da data da interposição de recurso para este Alto Tribunal.
10. E isto de par com outras iniciativas processuais já tomadas e, porventura, outras que se podem perspectivar para breve, todas tendo por efeito (mesmo que essa não seja a intenção) protelar a extradição, com possíveis consequências em matéria de prazos de prisão/detenção.
11. Ora - e sem prejuízo de não sufragarmos qualquer entendimento no sentido de estar para breve o vencimento de qualquer prazo máximo de prisão ou detenção in casu -, requer-se a Vossas Excelências, por cautela, que seja conferido a este processo um estatuto de especial urgência, decidindo-se a aclaração ora requerida o mais rapidamente possível.
12. Quanto ao mais, o que se nos oferece dizer é apenas que entendemos que a decisão da Conferência, como já a anterior da Excelentíssima Relatora, é clara, nada de obscuro ou de ambíguo havendo a apontar,
13. Devendo a decisão sobre tal aclaração, para além de rápida, ser exemplar, e de todas as perspectivas e tendo em conta todos os valores e interesses em presença”.
4. Conforme decorre do disposto nos artigos 669º, nº 1, alínea a) e 716º do Código de Processo Civil, aplicáveis por força da remissão operada pelo artigo
69º da LTC, proferida decisão, podem os recorrentes pedir o esclarecimento de alguma obscuridade ou ambiguidade que a mesma contenha. No caso presente, é invocada a obscuridade do acórdão, em dois passos, pois que refere a reclamante não alcançar/não vislumbrar o respectivo sentido. A análise dos trechos do Acórdão nº 90/05 que a recorrente destacou no pedido de aclaração, à luz do conteúdo global da decisão onde se inserem e daquilo que devemos entender por obscuridade da decisão – “a decisão judicial é obscura quando, em algum passo, o seu sentido seja ininteligível” (Acórdão do Tribunal Constitucional nº 533/04, não publicado) – aponta claramente no sentido de estarmos perante um incidente pós-decisório manifestamente infundado. Por esta razão e sem perder de vista a situação processual da extraditanda, nomeadamente no que se refere ao prazo máximo de detenção previsto no artigo 52º da Lei nº 144/99, de 31 de Agosto, e ao pedido por si formulado a fls. 2090 e seg., justifica-se que este incidente pós-decisório se processe em separado, nos termos previstos no artigo 720º do Código de Processo Civil, por remissão do artigo 84º, nº 8, da LTC.
5. Pelo exposto, decide-se: a) Mandar extrair traslado das peças processuais de fls. 1867 a 1872, 1893, 1911 a 1920, 1924 a 1967, 2008 a 2035, 2036 e seg., 2038 a 2040, 2043 a 2075, 2161 a
2165, 2166 e seg. e 2168 a 2171 para processamento em separado do presente pedido de aclaração, cuja decisão só será proferida uma vez pagas as custas em que a reclamante foi condenada neste Tribunal, as quais devem ser, entretanto, contadas; b) Ordenar que, extraído o traslado, sejam os autos de imediato remetidos ao Supremo Tribunal de Justiça.
Lisboa, 15 de Março de 2005
Maria João Antunes Rui Manuel Moura Ramos Artur Maurício