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Processo n.º 711/04
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Mário Torres
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
1. Relatório
A. deduziu oposição à execução fiscal contra si
revertida, na sua qualidade de sócio gerente da primitiva devedora B., para
cobrança da quantia de 9 205 468$00, relativa a dívidas de IRC dos anos de 1992
e 1993, devido à inexistência de bens penhoráveis da sociedade sua representada,
suscitando desde logo, além do mais, a questão da inconstitucionalidade
orgânica da norma do artigo 13.º do Código de Processo Tributário, aprovado pelo
Decreto-Lei n.º 154/91, de 23 de Abril, por esse preceito conter disposições de
direito substantivo e a Lei n.º 37/90, de 10 de Abril, ao abrigo da qual aquele
diploma foi editado, apenas ter concedido autorização legislativa ao Governo
para “elaborar um Código de Processo Tributário em substituição do actual Código
de Processo das Contribuições e Impostos”, isto é, para editar normas de direito
adjectivo.
Por sentença de 13 de Outubro de 2000, o Tribunal
Tributário de 1.ª Instância do Porto desatendeu a questão de
inconstitucionalidade suscitada, mas julgou a oposição parcialmente procedente,
por entender que o oponente lograra afastar, relativamente ao período posterior
a Fevereiro de 1993, a presunção de que o gerente de direito é também gerente de
facto, pelo que declarou “extinta a execução quanto ao oponente no que tange à
dívida posterior a Fevereiro de 1993, devendo a mesma prosseguir em relação à
demais”.
Desta sentença interpuseram recurso o oponente e a
Fazenda Pública, tendo aquele suscitado nas respectivas alegações, além do mais,
a mesma questão da inconstitucionalidade orgânica do artigo 13.º do Código de
Processo Tributário.
Por acórdão de 3 de Fevereiro de 2004, o Tribunal
Central Administrativo (Secção de Contencioso Tributário) concedeu provimento
ao recurso da Fazenda Pública, negando-o ao do oponente e, em consequência,
julgou totalmente improcedente a oposição. Para se atingir esse resultado,
desenvolveu-se a seguinte argumentação:
“Quid juris quanto ao acerto da decisão recorrida?
A decisão recorrida não se pode manter. Com efeito, a
reversão foi legal, sendo o oponente responsável subsidiário pela dívida
exequenda mesmo relativamente ao IRC de 1993. Por outro lado, não se verifica
qualquer inconstitucionalidade do artigo 13.º do CPT.
Mas vejamos melhor:
Insiste o oponente/recorrente na inconstitucionalidade
do artigo 13.° do CPT, mas, como observa o Ministério Público, não tem qualquer
razão quando invoca tal inconstitucionalidade, sendo que em sentido uniforme, e
oposto ao que defende, tem decidido a jurisprudência do STA ao considerar que
tal preceito não é materialmente inconstitucional, designadamente por alegada
violação dos princípios constitucionais da necessidade, da proporcionalidade,
da proibição do excesso e da capacidade contributiva, nem por conter uma
presunção de culpa insuficientemente justificada, nem por ter criado um novo
sujeito passivo (por todos, o Acórdão de 26 de Maio de 1999, in rec. n.° 23
769). De resto, revemo-nos na fundamentação da sentença de 1.ª Instância quanto
a esta parte, que fazemos nossa.
Depois, defende o recorrente/oponente que não podia ter
havido reversão porquanto o n.° 3 do artigo 154.º do Código dos Processo
Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência proíbe a instauração de
qualquer acção executiva depois da declaração de falência e que com a
instauração da execução em data posterior à data da declaração de falência da
devedora, permitindo a posterior reversão contra o oponente, a Administração
Pública não respeitou os direitos e interesses legalmente protegidos do mesmo
oponente, violando o n.° 1 do artigo 266.° da Constituição da República
Portuguesa, pois com a instauração da execução em data posterior à data da
declaração de falência da devedora, permitindo a posterior reversão contra o
oponente, o órgão administrativo e o respectivo agente não se subordinaram à
lei nem actuaram, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios
da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade, violando,
assim, o n.° 2 do artigo 266.° da Constituição da República Portuguesa.
Mas cremos não ter razão o oponente pois, como resulta
dos autos, foi proferida decisão judicial em 5 de Maio de 1997, que solicitou a
conversão do registo da falência em definitivo e julgou extinta a lide por
inutilidade e com o fundamento de que a falida não tinha quaisquer bens. Ora, as
certidões de dívida que deram origem ao processo de execução fiscal de que a
presente oposição à execução é incidente só foram extraídas em 21 de Novembro
de 1997, conforme resulta de fls. 88 e 89 dos autos. Assim sendo, na data em que
foi instaurado o processo executivo fiscal (data necessariamente posterior à da
extracção das ditas certidões), não havia lide de falência, pelo que nada
obstava a que fosse intentado o mesmo processo executivo fiscal e por isso não
há violação do artigo 154.º do CPEREF, uma vez que o mesmo processo não existia
quando foi decretada a falência.
Finalmente, quanto à dívida de IRC de 1993, que é
incindível, sendo certo que resulta do probatório que o oponente cessou funções
de gerente em Fevereiro de 1993, mesmo assim responde pelo pagamento da dívida
desse período de 1993 (incindível), como constitui jurisprudência do STA, na
qual nos louvamos, publicada no Apêndice ao Diário da República, de 31 de Julho
de 1997, pág. 813 e seguintes e 843 e seguintes e a qual foi seguida pelo
Acórdão deste TCA, de 3 de Novembro de 1999, proferido no rec. n.° 1098/98. Esta
mesma jurisprudência responsabiliza o oponente pelo pagamento de dívida quando a
sua gerência tenha coincidido com o período de nascimento da dívida ou da sua
cobrança voluntária (responsabilidade por ambos os períodos) e é a que
maioritariamente tem sido seguida neste TCA e em cuja fundamentação nos louvamos
por não se vislumbrar desproporcionalidade ou ilegalidade, atento o teor do
artigo 13.° do CPT e a natureza de tal responsabilidade.
IV – Decisão:
Pelo exposto, acordam os juízes que constituem este
Tribunal em conceder provimento ao recurso da Fazenda Pública, negando-o ao
recurso do oponente e, em consequência, revogar a decisão recorrida, na parte em
que julgou parcialmente procedente a oposição, julgando ser a mesma totalmente
improcedente, com as legais consequências.”
É deste acórdão que, pelo oponente, vem interposto o
presente recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1
do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal
Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, alterada, por
último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), pretendendo ver
apreciada a inconstitucionalidade das normas dos artigos 13.º e 264.º, n.ºs 1, 4
e 5, do Código de Processo Tributário, acrescentando-se no respectivo
requerimento de interposição de recurso:
“No que respeita ao artigo 13.º do Código de Processo Tributário considera-se
violado o disposto nos artigos 161.º, alínea d), 165.º, n.º 1, alínea i), e n.º
2, 166.º, n.º 3, e 204.º da Constituição da República Portuguesa. A
inconstitucionalidade foi suscitada na petição inicial da oposição, nas
alegações de direito apresentadas em 1.ª instância e nas alegações de recurso.
No que respeita ao artigo 264.º, n.ºs 1, 4 e 5, do Código de Processo
Tributário, considera-se violado o disposto nos artigos 18.º, n.º 1, 13.º e
266.º, n.º 2. A inconstitucionalidade só agora é suscitada por resultar da
decisão proferida quanto à ilegalidade da instauração da execução em momento
posterior à declaração de falência da devedora originária (cf. artigo 154.º, n.º
3, do Código dos Processos Especiais de Recuperação de Empresa e de Falência).
Apesar de o acórdão não referir expressamente o artigo 264.º do Código de
Processo Tributário, não pode ter fundamentado a sua decisão em outra
disposição legal. Caso se considere que esta decisão foi tomada sem estar
fundamentada, enferma ela própria de inconstitucionalidade por violação do
artigo 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa,
inconstitucionalidade que expressamente se invoca.”
No Tribunal Constitucional, o relator proferiu despacho
determinando a produção de alegações, nele se consignando que “devem as partes
pronunciar-se, desde já, sobre a eventualidade de o Tribunal Constitucional vir
a decidir não conhecer do objecto do recurso na parte relativa à questão de
inconstitucionalidade da norma do artigo 264.º, n.ºs 1, 4 e 5, do Código de
Processo Tributário, quer por não ter sido suscitada antes de proferida a
decisão recorrida, quer por tal norma não ter sido aplicada, como ratio
decidendi, no acórdão impugnado, quer por não competir ao Tribunal
Constitucional apreciar inconstitucionalidades de decisões judiciais, em si
mesmas consideradas, designadamente por falta de fundamentação, mas tão-só
apreciar inconstitucionalidades de normas jurídicas”.
O recorrente apresentou alegações, no termo das quais
formulou as seguintes conclusões:
“1 – A Lei n.º 37/90, de 10 de Agosto, autorizou o
Governo a legislar em matéria de direito adjectivo, com algumas excepções
expressamente previstas quanto a matérias de direito substantivo.
2 – O Governo não foi autorizado a legislar sobre a
responsabilidade subsidiária dos administradores e gerentes das empresas e
sociedades (direito substantivo).
3 – A norma do artigo 13.º do Código de Processo
Tributário é direito substantivo.
4 – O artigo 13.º do Código de Processo Tributário é
organicamente inconstitucional.
5 – A matéria da norma do artigo 13.º do Código de
Processo Tributário constitui reserva relativa de competência legislativa da
Assembleia da República, prevista na alínea i) do n.º 1 do artigo 168.º da
Constituição da República Portuguesa (actual artigo 165.º).
6 – Pelo disposto no artigo 207.º da Constituição da
República Portuguesa, os tribunais não podem aplicar a norma inconstitucional
do artigo 13.º do Código de Processo Tributário.”
A recorrida Fazenda Pública contra-alegou, propugnando o
improvimento do recurso, por não padecer de inconstitucionalidade orgânica a
norma do artigo 13.º do Código de Processo Tributário, conforme o Tribunal
Constitucional já decidiu no Acórdão n.º 153/2002.
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
2. Fundamentação
Tendo o recorrente, nas suas alegações, omitido qualquer
referência à questão da inconstitucionalidade das normas do artigo 264.º, n.ºs
1, 4 e 5, do CPT, relativamente à qual, no despacho que determinara a
apresentação de alegações, o relator suscitara dúvidas quanto à sua
cognoscibilidade, o objecto do presente recurso encontra-se limitado à questão
da inconstitucionalidade orgânica da norma do artigo 13.º, n.º 1 (o n.º 2
respeita à responsabilidade dos membros dos órgãos de fiscalização e revisores
oficiais de conta, sendo, por isso, inaplicável ao recorrente, que tinha a
qualidade de gerente), do Código de Processo Tributário, aprovado pelo
Decreto-Lei n.º 154/91, de 23 de Abril, que dispunha (na redacção originária,
anterior à que lhe foi dada pelo artigo 52.º, n.º 1, da Lei n.º 52-C/96, de 27
de Dezembro – Orçamento do Estado para 1997, tendo sido aquela a aplicada na
decisão recorrida por ser a vigente à data dos factos geradores de
responsabilidade):
“1 – Os administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam
funções de administração nas empresas e sociedades de responsabilidade limitada
são subsidiariamente responsáveis em relação àquelas e solidariamente entre si
por todas as contribuições e impostos relativos ao período de exercício do seu
cargo, salvo se provarem que não foi por culpa sua que o património da empresa
ou sociedade de responsabilidade limitada se tornou insuficiente para a
satisfação dos créditos fiscais.”
Sobre esta questão o Tribunal Constitucional já se
pronunciou no Acórdão n.º 396/2002 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 54.º
vol., pág. 379), julgando-a improcedente, com a seguinte fundamentação:
“4. O recorrente sustenta a inconstitucionalidade orgânica do artigo 13.º do
Código de Processo Tributário.
O Tribunal Constitucional já procedeu à apreciação da conformidade à
Constituição de tal norma. Com efeito, no Acórdão n.º 400/2001 (Diário da
República, II Série, de 7 de Novembro de 2001), entre outros, o Tribunal
Constitucional decidiu não julgar materialmente inconstitucional essa norma.
Porém, o recorrente suscita nos presentes autos a inconstitucionalidade orgânica
do artigo 13.º do Código de Processo Tributário, por violação do artigo 168.º,
n.º 1, alínea i), da Constituição.
A Lei n.º 37/90, de 10 de Agosto, autorizou o Governo a elaborar um Código de
Processo Tributário, em substituição do actual Código de Processo das
Contribuições e Impostos.
O recorrente sustenta que interpretar tal disposição no sentido de a mesma
conferir autorização ao Governo para legislar sobre as matérias abrangidas pelo
anterior Código de Processo das Contribuições e Impostos viola a Constituição.
No entanto, não indica qual o preceito ou princípio constitucional violado e
apresenta estes argumentos no contexto da arguição da inconstitucionalidade
orgânica do actual artigo 13.º do Código de Processo Tributário.
Ora, a inconstitucionalidade orgânica desta disposição só poderia resultar de a
matéria por ela regulada (pressupondo que integra a reserva relativa da
Assembleia da República, o que agora não se discutirá) não estar abrangida pela
respectiva lei de autorização legislativa.
Contudo, a Lei n.º 37/90, de 10 de Agosto, autorizou o Governo a elaborar um
código que substituísse o Código de Processo das Contribuições e Impostos. O
Código de Processo das Contribuições e Impostos, no artigo 16.º, regulava a
responsabilidade subsidiária dos administradores e gerentes das sociedades. O
artigo 13.º do Código de Processo Tributário veio regular precisamente essa
matéria.
Não existe razão para considerar que tal matéria não estava abrangida pela lei
de autorização legislativa (uma vez que esta autorizou a substituição de todo um
código e, portanto, das matérias concretamente nele tratadas), não se
vislumbrando, por outro lado, em que medida é que a interpretação da lei de
autorização legislativa neste sentido – que corresponde a uma estrita
interpretação declarativa – é inconstitucional (como o recorrente afirma sem,
porém, o demonstrar ou fundamentar ainda que minimamente).
Improcede, pois, o presente recurso quanto a esta questão.”
É este entendimento que ora se reitera, consignando-se
que, no que concerne à questão da inconstitucionalidade material, para além do
citado Acórdão n.º 400/2001 (Diário da República, II Série, n.º 258, de 7 de
Novembro de 2001, pág. 18 420; e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 51.º
vol., pág. 139), a mesma já havia sido julgada improcedente pelo Acórdão n.º
681/99 e voltaria a sê-lo pelos Acórdãos n.ºs 467/2001 (Diário da República, II
Série, n.º 276, de 28 de Novembro de 2001, pág. 19 782; e Acórdãos do Tribunal
Constitucional, 51.º vol., pág. 317) e 552/2001, todos disponíveis em
www.tribunalconstitucional.pt, que analisaram a questão à luz dos princípios do
Estado de direito democrático, da igualdade, da proporcionalidade e da
capacidade contributiva.
3. Decisão
Em face do exposto, acordam em:
a) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 13.º do
Código de Processo Tributário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 154/91, de 23 de
Abril, enquanto estabelece o regime de responsabilidade tributária subsidiária
dos gerentes de sociedades de responsabilidade limitada; e, consequentemente,
b) Negar provimento ao recurso, confirmando a decisão
recorrida, na parte impugnada.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em
20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 25 de Maio de 2005
Mário José de Araújo Torres
Benjamim Silva Rodrigues
Paulo Mota Pinto
Maria Fernanda Palma
Rui Manuel Moura Ramos