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Processo n.º 377/2007
1ª Secção
Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
Acordam em Conferência no Tribunal Constitucional
1. A., inconformado com a decisão sumária pela qual se decidiu
não conhecer do recurso interposto para este Tribunal, vem reclamar para a
conferência ao abrigo do artigo 78º-A n.º 3 da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro
(LTC), nos seguintes termos:
[...] corridos os olhos pelo necessariamente sucinto requerimento recursivo, se
verificará que:
I) - “(...)sempre constituirá grave excesso de pronúncia qualquer alusão
injustificada a uma anterior condenação criminal de um qualquer sujeito
processual, ainda mais se se trata de imputação inverdadeira e sem utilidade
processual, logo difamatória até, e por isso carecida de sanação adequada por
forma a retirar do processado qualquer referência a esse facto não
verdadeiro(..)”, é matéria que, ainda que reportada à decisão concreta onde a
arguida inconstitucionalidade interpretativa terá ocorrido, textualmente se
mostra abstracta quantum satis quanto à interpretação considerada correcta da
norma contida na alínea c) do n.º 1 do artigo 379.º do Código de Processo Penal.
II) - De igual sorte se afigura ao recorrente que o texto “(..)pese embora a
diferença qualitativa entre a instrução criminal e o julgamento, sempre a
decisão tomada nesta sede pressupõe que a respectiva acusação ultrapassou essa
fase preliminar e acessória, logo de maior valor qualitativo segundo o princípio
accessorium sequitor principale(..)” é aplicável a qualquer abstracta situação
semelhante à dos presentes autos, quando se analisa o n.º 1 do artigo 437.º do
Código de Processo Penal.
III) - Outrossim, a interpretação tida como correcta das normas dos n.ºs 1 e 3
do artigo 437.º do Código de Processo Penal e plasmada no texto “(...)não tendo
existido modificação substancial do texto legislativo se tem que ter a norma
como única e semelhante em suficiência para manter a questão controvertida
carecida de uniformização(...)” nada contém em si mesma que impossibilite uma
adopção genérica em relação a qualquer outro aresto que não o aqui concretamente
recorrido.
IV) - E também em relação às normas jurídicas, devidamente conjugadas, do n.º 1
do artigo 180.º do Código Penal e do n.º 1 do artigo 308.º do Código de Processo
Penal, a interpretação dada no requerimento de interposição do recurso aqui a
ajuizar de que “(...)a formulação de um juízo de valor sobre determinada pessoa,
mesmo que sob a forma de suspeita, que seja inútil para a apreciação da causa
onde é produzida, é tida como objectiva e subjectivamente atentatória da honra,
bom nome e consideração devida ao visado com tal juízo(..) desviando-se um juízo
assim formulado do interesse legítimo e da boa fé, ainda mais se o agente do
indiciado ilícito for pessoa conhecedora do direito vigente e do real alcance
desse juízo e suas consequências desvalorizantes e potencialmente
ofensivas,(...) sem que se possam considerar quaisquer atenuantes pelo facto de
ser Magistrado, até por na especificidade das suas funções se não incluir a
formulação de juízos, estes prerrogativa da magistratura judicial,(..) preenche
a totalidade elementos consubstanciadores do crime, pelo que implica a pronúncia
do Arguido e sua consequente submissão a juízo(...).” tem um cariz genérico e
abstracto que extravasa os simples limites da crítica ao acórdão recorrido,
podendo ser adequado a um qualquer recurso que aplicasse tais regras penais em
situação abstractamente semelhante.
Este conjunto de apreciações pontuais não afastam ou escamoteiam o indispensável
rigor da concreta aplicabilidade de teses diferentes no aresto em crise, não se
podendo olvidar que este Tribunal Constitucional também só pode apreciar
questões cuja utilidade processual seja patente e relevante para o que sempre se
tem que concretizar um mínimo de correspondência entre a interpretação abstracta
das normas e a concreta utilidade da sua aplicação ao caso sub judice.
Utilidade processual, de resto, exigida em vasta jurisprudência deste Tribunal,
pelo que não pôde o recorrente deixar de explanar essa necessária interligação
entre a tese abstracta e a utilidade concreta, até em submissão ao são princípio
quod abundat non vitiat.
Destarte é convicção firme do recorrente que o seu requerimento recursivo é
perfeito, traduz quod erat demonstrandum, carecendo, por isso, de apreciação
pontual em conferência, o que se requer.
2. O representante do Ministério Público responde à reclamação
nos seguintes termos:
1º
A presente reclamação e manifestamente improcedente.
2º
Na verdade, a argumentação do reclamante – e a formulação que apresenta para as
várias questões – apenas vem confirmar que não pretende questionar a
constitucionalidade de qualquer critério normativo, dotado de generalidade e
vocação para se aplicar a uma pluralidade de casos – mas antes as específicas,
peculiares e particulares decisões que, no caso concreto, foram proferidas na
ordem dos tribunais judiciais.
3. A decisão reclamada é do seguinte teor:
Não é possível conhecer do recurso interposto por A. ao abrigo da alínea b) do
n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro em virtude de o
recorrente pretender sindicar directamente as decisões recorridas (embora com
referência expressa a determinados preceitos legais), sem questionar
verdadeiramente a conformidade constitucional de regras jurídicas, dotadas de
generalidade e abstracção, que terão sido aplicadas naquelas decisões.
Na verdade, a alusão ao artigo 379º n.º 1 alínea c) do Código de Processo Penal
encobre uma censura às razões que conduziram o Tribunal recorrido a decidir pela
inexistência da pretensa nulidade; a invocação do n.º 1 do artigo 437º do mesmo
Código ocorre para censurar a decisão 'obscura' sobre a inexistência de oposição
de julgados; é invocado o mesmo artigo 437º n.ºs 1 e 3 para criticar a decisão
de não ter deferido o pedido esclarecimento; finalmente, a suscitação da questão
resultante da conjugação do n.º 1 do artigo 180º do Código Penal com o n.º 1 do
artigo 308º do Código de Processo Penal serve para questionar a decisão de
rejeição do recurso extraordinário com fundamento na inexistência de oposição de
julgados nos acórdãos em confronto.
Nestes termos, decide-se, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78-A da LTC, não conhecer
do recurso.
4. Como é sabido, o recurso intentado pelo reclamante ao
abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC é disciplinado por regras
próprias, nele não cabendo uma crítica directa à decisão recorrida.
Impõe-se, por isso, que o recorrente indique com precisão qual a norma que,
aplicada naquela decisão apesar da acusação de inconstitucionalidade, visa, por
essa razão, impugnar.
Ora, quando o recorrente pretende sujeitar ao julgamento do Tribunal
Constitucional um enunciado que, em vez de condizer com uma regra afastada das
particularidades do caso concreto, representa, na sua essência, a própria
decisão recorrida, é manifesto que não se mostram verificados os requisitos
legais, por faltar ao recurso a necessária natureza normativa.
É a situação do presente caso, onde, pelas razões já referidas na decisão
sumária reclamada – que a presente reclamação não infirma – se constata que o
recurso não tem natureza normativa.
5. Em face do exposto, cumpre confirmar tal decisão,
indeferindo-se a reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 8 de Maio de 2007
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria João Antunes
Gil Galvão