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Processo n.º 159/05
1.ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1.ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos de recurso vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que
é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto recurso para o
Tribunal Constitucional da decisão do Presidente daquele Supremo Tribunal que
confirmou, em sede de reclamação, despacho de não admissão de recurso de acórdão
proferido pelo Tribunal da Relação de Évora. Solicitou o recorrente a apreciação
da inconstitucionalidade do artigo 400º, nº 1, alínea e), do Código de Processo
Penal.
Proferida decisão sumária, ao abrigo do disposto no artigo 78º-A, nº 1, da Lei
de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), vem
agora o recorrente reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no nº 3
deste artigo.
2. Em 5 de Abril de 2005 (rectifica-se agora o lapso da menção, a fl. 602, ao
mês de Março, o qual decorria já do confronto com fl. 594), foi proferida
decisão sumária no sentido de negar provimento ao recurso, confirmando-se a
decisão recorrida no que respeita à questão de constitucionalidade,
reiterando-se anterior jurisprudência do Tribunal Constitucional. É o seguinte,
na parte que ora releva, o teor da decisão referida:
“A questão de constitucionalidade que o recorrente pretende ver apreciada foi já
objecto de anterior decisão do Tribunal Constitucional, na qual se decidiu pela
constitucionalidade do artigo 400º, nº 1, alínea e), do Código de Processo
Penal, na dimensão normativa também em causa nos presentes autos (Acórdão nº
49/03, Diário da República, II Série, de 16 de Abril de 2003).
De facto, objecto de apreciação foi, ali, precisamente como no caso vertente, ‘a
norma contida na alínea e) do nº 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal
quando aplicada a recursos interpostos de acórdãos condenatórios da Relação
proferidos em recursos interpostos de decisões absolutórias da 1ª instância
(...)’ (itálico nosso). Por outro lado, a doutrina que se extrai deste Acórdão é
inteiramente transponível para a questão de constitucionalidade suscitada nos
presentes autos, por invocação da violação do artigo 32º, nºs 1 e 2, da
Constituição da República Portuguesa, do nº 5 do artigo 14º do Pacto
Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e do nº 1 do artigo 2º do
Protocolo nº 7 Adicional à Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e
das Liberdades Fundamentais.
Quanto ao Acórdão citado pelo recorrente (Acórdão nº 686/04, Diário da
República, II Série, de 18 de Janeiro de 2005), importa destacar que, como,
aliás, este não deixa de ressalvar no requerimento de interposição de recurso,
não respeita à alínea e) do nº 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal, mas
antes à alínea c), versando sobre situação diversa da que está em causa nos
autos e que anteriormente foi apreciada pelo já referido Acórdão nº 49/2003. Na
decisão mencionada pelo recorrente, o Tribunal Constitucional julgou
‘inconstitucional por violação do nº 1 do artigo 32º da Constituição a norma do
artigo 400º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Penal, interpretada no
sentido de ser irrecorrível uma decisão do tribunal da relação que se pronuncie
pela primeira vez sobre a especial complexidade do processo, declarando-a
(...)’.
A questão colocada nos presentes autos ao Tribunal Constitucional é, pois,
simples, face à definição oferecida pelo artigo 78º-A, nº 1, da LTC, pois que se
não vislumbram razões (nem o recorrente as invoca) para afastar a mencionada
jurisprudência, justificando-se, por conseguinte, a presente decisão sumária.
Reitera-se, assim, o julgamento feito no Acórdão nº 49/2003, para o qual se
remete”.
3. Não se conformando com esta decisão, o recorrente apresentou a presente
reclamação, que fundamenta pela forma seguinte:
“(...) Por força da leitura da douta decisão sumária proferida nos autos, foi o
recorrente confrontado com a remissão aí feita para o acórdão n° 43/2003
[49/2003], de 29 de Janeiro, deste mesmo alto Tribunal (...)
Consultado o mesmo, verificou ter incorrido em censurável truncagem – não há que
ter medo das palavras, tanto quanto é certo ter aprendido com o seu saudoso
MESTRE Eduardo Correia que errare humanum, diabolicum perseverare –
relativamente a uma norma que citou expressamente: a do art. 2° do Protocolo n°
7 Adicional à Convenção Europeia dos Direitos do Homem (conf. fs. 267 dos
presentes autos ou fs. 4 do recurso do acórdão do Tribunal da relação de Évora
para o ST J), obliterando o n° 2 de tal art. 2°. Comando legal este que
constituiu a clef argumentativa do citado aresto n° 43/2003 e que, na verdade,
parece arrumar a questão (...).
Com efeito, repete. a mera consideração do teor do assinalado n° 2 do art. 2°,
seria, prima facie, argumento decisivo para polvilhar todo o esforço
argumentativo expendido.(...)
Ao que vem de assinalar-se parece de adscrever a ‘mais-valia’ de possibilitar ao
reclamante a explicitação de razões que, embora já implícitas na anterior
récita, dela não resultam com a necessária clareza, como bem acentua a M.ma
Senhora Juíza Conselheira e se ficou a dever, acrescenta agora o recorrente, no
fundamental, à linearidade da solução tal como ele, erroneamente, não é demais
reenfatizá-lo, preconizou.
A2: Do assinalado Protocolo n° 7:
A2.1.: A norma em questão, repete-se, a uma primeira leitura, resolveria a
questão, como se julgou no acórdão de 29 de Janeiro de 2003.
Aliás, cumpre acentuar que o n° 2 do art. 2° pouco mais acrescenta, no âmbito do
Protocolo – fundamentalmente, o do direito ao recurso – que o parcialmente
óbvio. O direito assegurado pelo n° 1 do art. 2°, é o n° 2 que o assevera, ‘pode
ser objecto de excepções’ relativamente a infracções menores, definidas por lei,
ou quando o interessado tenha sido julgado em primeira instância pela mais alta
jurisdição. Ora, quanto a esta última excepção ninguém, por certo, em seu
perfeito juízo, se lembraria de contestá-la. E, embora no que toca a primeira
excepção, de iure constituto, face ao disposto no art. 32°, n° 1, segunda parte,
da CRP – norma esta directamente aplicável e cujo teor, nos termos do n° 2 do
art. 18° do diploma fundamental não pode, sem mais, ser coarctado pela lei – a
possibilidade da excepção ou restrição por via legal já seja de bem mais difícil
aceitação, a verdade é que o CPP não estabelece qualquer comando em matéria de
recursos que os restrinja, v. g., genérica e explicitamente, nos casos da
pequena ou da média criminalidade.
Mas há ainda, não podendo ser, de novo, obliterada, a excepção da parte final do
n° 2 do art. 2° em apreço: quando o interessado tenha sido declarado culpado e
condenado no seguimento de recurso contra a sua absolvição.
A2.2. Cabe abrir aqui um parêntese para acentuar que o presente recurso de
constitucionalidade, no rigor dos termos, foi interposto de uma decisão à qual o
entendimento dominante atribui cariz administrativo. Com efeito, o recorrente,
após ter sido notificado do acórdão condenatório proferido pelo Tribunal da
relação de Évora, começou por reagir contra o mesmo através de interposição de
recurso para o STJ, cujo não foi admitido. Mas não se quedou por aqui a sua
actuação processual, do que os autos de reclamação não dão conta, nem tinham de
dar, atenta a específica teleologia deste meio processual, a que os antigos
chamavam ‘recurso de queixa’. É que, o recorrente, a despeito do recurso
interposto para o STJ, outrossim, atempadamente e à cautela, invocou a nulidade
do mesmo aresto do Tribunal da relação, questão que não está ainda decidida.
Ora, como claramente resulta do teor do requerimento de ‘reclamação’ de fs. 9, o
recorrente lançou mão deste ‘recurso’, como no proémio se refere expressis
verbis, ‘por cautela’.
A2.2.1.: Por conseguinte, deste processo não consta, nem tinha de constar,
repete-se, todo o subsequente processado naquele principal, no qual se invocou a
nulidade do primeiro acórdão (aquele que, revogando a decisão da 1ª instância,
deu provimento ao titubeante recurso do Mº Pº e condenou o ora reclamante) e
subsequentemente, de um outro, sendo certo que, quanto a este incidente, não há
ainda decisão. Como assim, o acórdão condenatório proferido nos autos, não
transitou ainda em julgado. Logo, salvo melhor opinião, dever-se-ia ter
conhecido da problemática versada na ‘decisão sumária’; apenas quando o
processo, repete-se, principal, subisse ao Tribunal Constitucional – e, de
resto, se tal vier a conhecer –pois só perante todo o processado estarão V.as
Ex.as em condições de julgar a matéria que levou o recorrente a convocar-vos.
Aliás, perante a plenitude dos autos, por certo a M.ma Senhora Doutora Juíza
Conselheira Relatora, haveria de dar oportunidade ao agora reclamante para
produzir alegações e então, tudo seria ou poderia ser, radicalmente diferente.
A2.2.2.: Quer-se, com isto, significar que não ignorando o reclamante que a
jurisprudência do TC corre no sentido de que só é cabido recurso para o mesmo,
após esgotamento das vias ordinárias, a verdade é que a decisão do Juiz
Presidente do Tribunal ad quem não é, por rectas contas, em si mesma, objecto de
recurso, mas mera condição formal de admissibilidade pelo TC do recurso de um
julgado (de instância, poder-se-lhe-á chamar sem acentuado distorce ou qualquer
acinte). De resto, o recorrente, se é certo que interpôs recurso da decisão
administrativa do M.mo Juiz Conselheiro, menos exacto não é de que deu
conhecimento desta mesma decisão nos autos há longos meses jacentes em Évora.
Com efeito, caso a relação de Évora venha a reconhecer a razão que, salvo melhor
opinião, está totalmente do lado do recorrente, como justificar a subida
extemporânea do ‘processo’ ao Tribunal Constitucional e, para mais, de um
‘hemi-processo’ ou de autos sofrendo de handycap, quanto à possibilidade de
conhecimento esgotante, por banda do TC?
A3: O retomar da questão já precedentemente objecto de consideração
Como quer que seja: há que não obliterar que, como já adrede acentuado, neste
âmbito problemático outros comandos igualmente vinculantes na ordem jurídica
interna, nos termos do n° 1 do art. 16°, da CRP, são igualmente convocáveis. E,
de entre eles, o do n° 5 do art. 14°, do Pacto Internacional sobre Direitos
Civis e Políticos. Com efeito, esta norma, ao não prever qualquer restrição ao
seu conteúdo de garantia – vê-lo-emos já de seguida, infra, sob A3.1.2. –,
compagina-se, ponto por ponto, com o cariz ‘absoluto’ do direito ao recurso
assegurado, como já visto, pelo n° 1 do art. 32°, da CRP, a despeito do sector
válido do n° 2 do art. 2° do Protocolo n° 7. E se é verdade que esta feição do
direito recursal tem de ser entendido, de acordo com a própria natureza das
coisas, em termos hábeis (GOMES CANOTILHO, obra abaixo citada, 1277: ‘Limites
constitucionais não escritos ou restrições não expressamente autorizadas pela
Constituição’) como já acima se concedeu, menos exacto não parece ser que a
norma do n° 2 do art. 2° do Protocolo n° 7 não pode ser aplicada, no segmento
agora em apreço, por ser materialmente inconstitucional.
A3.1. Desde logo, ao restringir um direito constitucionalmente consagrado sob a
forma de uma regra (CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição,
7ª ed., Almedina, 2003, 1255) – aquele segundo o qual o processo criminal
assegura o direito ao recurso – para o qual o diploma fundamental, em princípio,
não admite excepções por via legal, diferentemente do que se passa, v. g., no
art. 32°, n° 3, in fine, 32°, n° 4 (‘... o qual poderá delegar, nos termos da
lei, ...), n° 5 (‘... actos instrutórios que a lei determinar subordinados
...’), e nos 6 e 7, mas não 8 e 9.
A3.1.1.: Com efeito, no seguimento da conceptualização perfilhada pela mais
pautada doutrina, há que distinguir normas constitucionais consagradoras de
direitos fundamentais, sob a forma de princípios, umas, e de regras, outras
(JORGE REIS NOVAIS, As restrições aos direitos fundamentais não expressamente
autorizadas pela Constituição, Coimbra Editora, 2003, 356 ss). Ora, se se
proceder a uma análise do teor de conteúdo do n° 1 do art. 32°, da CRP,
verificar-se-á facilmente que a respectiva primeira parte materializa um (mero)
princípio – ‘o processo criminal assegura todas as garantias de defesa’
–enquanto a segunda comina uma regra: o processo criminal assegura de entre as
garantias de defesa, o direito ao recurso’. Ainda que, em termos práticos, o que
vem de assinalar-se não conduza a grandes diferenças, ao nível da ‘liberdade’ do
legislador ordinário, a mesma conceptualização convoca um raciocínio fundante:
havendo outros subsídios aos quais cumpra dar observância, eles tornam-se
inescapáveis, sobrepondo-se, pois, à margem de manobra de que o legislador
interno poderia dispor. Por conseguinte, face ao art. 14°, n° 5, do Pacto
Internacional, e tendo em conta o disposto na segunda parte do n° 1 do art. 32°,
da CRP, a regra é a seguinte, à parte as excepções resultantes do n° 2 do art.
2° do Protocolo n° 7 jurídico-constitucionalmente atendíveis: o processo
criminal assegura, de entre as garantias de defesa, o direito ao recurso de
jeito que qualquer pessoa declarada culpada de crime terá o direito de fazer
examinar por uma jurisdição superior a declaração de culpabilidade e a sentença
em conformidade com a lei’.
A1.3.2.: Aliás, antes de prosseguir, deve acentuar-se que ao último inciso da
regra do n° 5 do art. 14° do Pacto Internacional, não pode atribuir-se,
razoavelmente, o sentido de constituir uma mera remissão ou abertura para o
direito interno pois, a ser assim, o direito assegurado seria muito fraco
direito e disporia, ao cabo e ao resto, de nulo asseguramento. Seria
(alegadamente) atribuir aos cidadãos um direito que ficaria na total
discricionaridade dos Estados aderentes, por conseguinte, potencialmente, um
cripto-não-direito.
A ‘conformidade com a lei’ só pode ter como significado a injunção de que o dito
recurso deverá sê-lo ordinário, no sentido que, em regra, a este propósito, é
conferido ao adjectivo em questão.
A1.3.3.: Como assim, materialmente inconstitucional, ainda, a última parte do n°
2 do art. 2° do Protocolo n° 7, porquanto ao restringir o disposto no já
assinalado n° 5 do art. 14° do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e
Políticos, norma esta que, em matéria de direitos fundamentais, como é o caso
daquele ao recurso é, também ela, directamente aplicável e vinculante na ordem
jurídica interna portuguesa, como resulta do já falado n° 1 do art. 16°, da CRP
.
Com efeito, vem a talho de foice acentuar que a doutrina considera que o velho
brocardo segundo o qual favorablia amplianda, odiosa restringenda, mantém plena
validade no campo do direito recursal.
E, por ser materialmente inconstitucional tem de ser rejeitada (art. 204°, da
CRP) por todos os tribunais deste Estado de direito democrático (art. 2°, da
CRP) – baseado, além do mais, ‘no respeito e na garantia de efectivação dos
direitos e liberdades fundamentais’ –, mas, em boa verdade, cada vez menos
democrático, como as negras nuvens que se acastelam no horizonte – além de
outras, de grandiloquente ‘roupagem’ – pressagiam, mas que, nos traços
essenciais, ainda não envergonha os portugueses. Porventura por pouco tempo
mais, mas, por enquanto ...
A1.3.4.: Por muito que se intentasse discretear acerca de uma eventual
hierarquização entre os art. 2° o Protocolo n° 7 e, mais genericamente, a
própria Convenção Europeia, por um lado e o Pacto Internacional, por outro,
deparar-nos-íamos com a seguinte inultrapassável realidade: sendo acervos de
regras e de princípios da mesma valência (o Protocolo n° 7 e o art. 14°, n° 5 do
Pacto Internacional), dever-se-á sempre das prevalência à regra ínsita neste
último por ser aquelaque assegura uma maior conformidade com a Constituição no
caso a plenitude do asseguramento das garantias de defesa.
Atentem, aliás, por favor, SENHORES JUÍZES CONSELHEIROS, que o recurso para o
STJ, do ora reclamante, cuja motivação e conclusões já constam dos autos, se
cinge estritamente à matéria de direito, razão acrescida para que, sub specie,
se deva considerar, além do mais acima dito, desproporcionada a restrição
decorrente da alínea e) do n° 1, do art. 400°, do CPP .
Por conseguinte, afora de toda a regula agendi que, para o legislador pode
decorrer do disposto no n° 1 do art. 18°, da CRP, na interpretação sufragada,
entre outros, por GOMES CANOTILHO e REIS NOVAIS, de que acima se deixou fugidia
nota.
É neste sentido, crê o reclamante, que V.as Ex.as acabarão por emitir pronúncia,
conhecida como é a actual orientação desse alto Tribunal no sentido de uma
jurisprudência predominantemente pontilhada pelas necessidades e realidades do
caso concreto, assim se perfilhando, e bem, uma fundamental corrente
metodológica que se aproxima das realidades de um case law – aquele concreto
caso sub judice –, destarte se eximindo, como tal, das incontáveis aporias que
andam, em regra, colimada às grandes construções generalizantes, volens, nolens,
tributárias de impenitentes conceptualismos.
É neste sentido, de resto, se bem se vêem as coisas que deve orientar-se a
jurisprudência de um Tribunal, no caso, de controlo da constitucionalidade de
normas legais aplicadas na prática judiciária. E, se a regra, em geral, parece
dever ser esta, afigura-se que a mesma se impõe de forma mais peremptória em
matéria do melindre da constituição processual penal, tomada a expressão no seu
mais amplo e abrangente sentido.
Termos em que o reclamante pensa poder estabelecer as seguintes
B: Conclusões
B1: O n° 2 do artigo 2° do Protocolo n° 7 anexo à Convenção Europeia dos
Direitos do Homem, ao estabelecer três excepções à regra decorrente do
respectivo n° 1, no que toca as duas primeiras, nad mais faz que realçar o
óbvio, pelo que, neste particular, não se afigura credor de qualquer especial
análise dialéctica. Porém,
B2: já não assim no que concerne a terceira de tais excepções, de cujo teor se
deixou nota na parte final do ponto A2.1. da motivação supra. Porém,
B3: antes de prosseguir na materialização dos raciocínios a expender, convém
acentuar que, salvo melhor opinião, deveriam V.as Ex.as sobrestar na decisão a
proferir na presente reclamação para a conferência, uma vez que, relativamente a
ela, os autos não estão completos, mais não constituindo do que o complexo das
peças processuais então julgadas necessárias para a estrita decisão da questão
posta ao M.mo Juiz Presidente do Tribunal ad quem. Porém,
B4: a não entenderem V.as Ex.as as coisas da forma acabada de preconizar, e
retomando o fio da récita conclusiva no ponto em que o mesmo foi entrecortado,
dir-se-á que o terceiro inciso do n° 2 do artigo 2° em questão é materialmente
inconstitucional, em especial no caso dos autos, por restringir
desproporcionadamente o conteúdo da regra segundo a qual o processo criminal
assegura, de entre as garantias de defesa, o direito ao recurso (artigo 32°, n°
1, da Constituição da República). É que,
B5: como dos mesmos autos, outrossim, consta, o que o recorrente pretende é
apenas discutir, em sede de revista, a errónea condenação a que se viu sujeito
por força de deficiente aplicação do direito adjectivo por banda do Tribunal da
relação de Évora. Ora,
B6: posto integradamente este último normativo com o assinalado artigo 14°, n° 5
do Pacto Internacional e compactadas as duas normas, terá de considerar-se que,
de iure constituto, o processo criminal assegura, de entre as garantias de
defesa, o direito ao recurso, de jeito que qualquer pessoa declarada culpada
(numa 1ª instância) de crime, tem direito a fazer examinar por uma jurisdição
superior a declaração de culpabilidade e a sentença, em conformidade com a lei.
Aliás,
B7: a última parte do n° 2 do artigo 2° do Protocolo é também inconstitucional,
ao restringir o disposto no n° 5 do artigo 15° do Pacto Internacional
B8: ao qual deverá dar-se prevalência, uma vez que mais conforme à Constituição
e, em especial, ao princípio decorrente da primeira parte do n° 1 do artigo 32°
do diploma fundamental. Por conseguinte,
B9: demonstrado se tendo deixado a inconstitucionalidade da alínea e) do n° 1 do
artigo 400°, do Código de Processo Penal, deverão V.as ex.as declará-la, com as
legais consequências”.
4. O Ministério Público respondeu, pugnando pela improcedência da reclamação,
que considerou manifestamente improcedente:
“2°
Na verdade - e face ao entendimento jurisprudencial reiterado - o ‘direito ao
recurso’, concedido ao arguido pelo artigo 32°, n° 1, da Constituição da
República Portuguesa (em termos que incluem a sua tutela pelos instrumentos de
direito internacional vinculantes do Estado Português) não compreende um acesso
irrestrito ao Supremo quanto a todas as decisões condenatórias, proferidas pelas
instâncias.
3°
Não violando, consequentemente, tal direito do arguido a inadmissibilidade de
aceder ao Supremo Tribunal de Justiça, num caso em que já ocorreu o duplo grau
de jurisdição (tendo o arguido plena oportunidade de contraditar o recurso do
Ministério Público, interposto da decisão absolutória em 1ª instância) e em que
a pena aplicada é de 18 meses de prisão, suspensos na sua execução por 2 anos”.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
1. Face ao teor da reclamação deduzida, importa antes de mais apreciar a questão
agora enunciada pelo reclamante, quanto ao não esgotamento dos meios
impugnatórios da decisão recorrida.
Sustenta o reclamante ter arguido a nulidade do acórdão condenatório proferido
em 30 de Janeiro de 2004 pelo Tribunal da Relação de Évora, não tendo sido ainda
notificado de decisão sobre tal arguição. Foi do mesmo acórdão condenatório que
interpôs o recurso que determinou a prolação da decisão recorrida nos presentes
autos, ou seja, aquela que confirmou o despacho de não admissão de tal recurso.
A posição do reclamante, nesta parte, é expressa pela seguinte forma:
“(...) o presente recurso de constitucionalidade, no rigor dos termos, foi
interposto de uma decisão à qual o entendimento dominante atribui cariz
administrativo. Com efeito, o recorrente, após ter sido notificado do acórdão
condenatório proferido pelo Tribunal da relação de Évora, começou por reagir
contra o mesmo através de interposição de recurso para o STJ, cujo não foi
admitido. Mas não se quedou por aqui a sua actuação processual, do que os autos
de reclamação não dão conta, nem tinham de dar, atenta a específica teleologia
deste meio processual, a que os antigos chamavam ‘recurso de queixa’. É que, o
recorrente, a despeito do recurso interposto para o STJ, outrossim,
atempadamente e à cautela, invocou a nulidade do mesmo aresto do Tribunal da
relação, questão que não está ainda decidida. Ora, como claramente resulta do
teor do requerimento de ‘reclamação’ de fs. 9, o recorrente lançou mão deste
‘recurso’, como no proémio se refere expressis verbis, ‘por cautela’.
A2.2.1.: Por conseguinte, deste processo não consta, nem tinha de constar,
repete-se, todo o subsequente processado naquele principal, no qual se invocou a
nulidade do primeiro acórdão (aquele que, revogando a decisão da 1ª instância,
deu provimento ao titubeante recurso do Mº Pº e condenou o ora reclamante) e
subsequentemente, de um outro, sendo certo que, quanto a este incidente, não há
ainda decisão. Como assim, o acórdão condenatório proferido nos autos, não
transitou ainda em julgado. Logo, salvo melhor opinião, dever-se-ia ter
conhecido da problemática versada na ‘decisão sumária’; apenas quando o
processo, repete-se, principal, subisse ao Tribunal Constitucional – e, de
resto, se tal vier a conhecer –pois só perante todo o processado estarão V.as
Ex.as em condições de julgar a matéria que levou o recorrente a convocar-vos.
Aliás, perante a plenitude dos autos, por certo a M.ma Senhora Doutora Juíza
Conselheira Relatora, haveria de dar oportunidade ao agora reclamante para
produzir alegações e então, tudo seria ou poderia ser, radicalmente diferente.
A2.2.2.: Quer-se, com isto, significar que não ignorando o reclamante que a
jurisprudência do TC corre no sentido de que só é cabido recurso para o mesmo,
após esgotamento das vias ordinárias, a verdade é que a decisão do Juiz
Presidente do Tribunal ad quem não é, por rectas contas, em si mesma, objecto de
recurso, mas mera condição formal de admissibilidade pelo TC do recurso de um
julgado (de instância, poder-se-lhe-á chamar sem acentuado distorce ou qualquer
acinte). De resto, o recorrente, se é certo que interpôs recurso da decisão
administrativa do M.mo Juiz Conselheiro, menos exacto não é de que deu
conhecimento desta mesma decisão nos autos há longos meses jacentes em Évora.
Com efeito, caso a relação de Évora venha a reconhecer a razão que, salvo melhor
opinião, está totalmente do lado do recorrente, como justificar a subida
extemporânea do ‘processo’ ao Tribunal Constitucional e, para mais, de um
‘hemi-processo’ ou de autos sofrendo de handycap, quanto à possibilidade de
conhecimento esgotante, por banda do TC?”
Nesta matéria, importa antes de mais assinalar que, como expressamente refere o
reclamante, até ao presente momento os elementos constantes dos autos não
denunciavam a situação processual agora relatada. De facto, não foi pelo
recorrente, aquando da interposição de recurso, referida a arguição de uma
nulidade junto do Tribunal da Relação de Évora, nem tal elemento se retirava dos
autos remetidos a este Tribunal (cfr. fls. 21 e 579). Assim, só agora, e com
fundamento exclusivo na referência feita pelo reclamante, pois que os autos não
contém certidões ou cópias que a atestem, está o Tribunal em condições de se
pronunciar.
A questão levantada pelo reclamante prende-se com a definição, in casu, de qual
seja, a decisão recorrida, face à coexistência, num mesmo processo, de diversas
decisões entre si cindíveis. De facto, resulta claro que em apreço no presente
recurso está apenas a decisão de não admissão de recurso proferida pelo relator
no Tribunal da Relação de Évora, confirmada, em sede de reclamação, pelo
Presidente do Supremo Tribunal de Justiça. O presente recurso é, pois,
interposto em autos de reclamação, extraídos do processo principal. A decisão
final tomada nos autos de reclamação não comporta outros meios impugnatórios,
pelo que, no que diz respeito à observância do disposto no nº 2 do artigo 70º da
LTC, estava aberta a possibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional.
Não merece, pois, provimento, o requerido pelo reclamante, no sentido de o
Tribunal Constitucional sobrestar na decisão a proferir.
2. No que concerne ao mérito da decisão sumária, desde já se adianta que o
reclamante não alinha quaisquer razões que possam levar ao afastamento da
jurisprudência invocada quanto à questão em causa, para a qual se remeteu, ao
abrigo do artigo 78º-A, nº 1, da LTC, na parte em que dispõe que “Se entender
(...) que a questão a decidir é simples, designadamente por a mesma já ter sido
objecto de decisão anterior do Tribunal (...) o relator profere decisão sumária,
que pode consistir em simples remissão para anterior jurisprudência do Tribunal”
(itálico nosso).
Por outro lado, o reclamante parece sustentar agora a inconstitucionalidade da
parte final do nº 2 do artigo 2º do Protocolo nº 7 anexo à Convenção Europeia
dos Direitos do Homem, o que faz da seguinte forma:
“B1: O n° 2 do artigo 2° do Protocolo n° 7 anexo à Convenção Europeia dos
Direitos do Homem, ao estabelecer três excepções à regra decorrente do
respectivo n° 1, no que toca as duas primeiras, nad mais faz que realçar o
óbvio, pelo que, neste particular, não se afigura credor de qualquer especial
análise dialéctica. Porém,
B2: já não assim no que concerne a terceira de tais excepções, de cujo teor se
deixou nota na parte final do ponto A2.1. da motivação supra (...) o terceiro
inciso do n° 2 do artigo 2° em questão é materialmente inconstitucional, em
especial no caso dos autos, por restringir desproporcionadamente o conteúdo da
regra segundo a qual o processo criminal assegura, de entre as garantias de
defesa, o direito ao recurso (artigo 32°, n° 1, da Constituição da República). É
que,
B5: como dos mesmos autos, outrossim, consta, o que o recorrente pretende é
apenas discutir, em sede de revista, a errónea condenação a que se viu sujeito
por força de deficiente aplicação do direito adjectivo por banda do Tribunal da
relação de Évora. Ora,
B6: posto integradamente este último normativo com o assinalado artigo 14°, n° 5
do Pacto Internacional e compactadas as duas normas, terá de considerar-se que,
de iure constituto, o processo criminal assegura, de entre as garantias de
defesa, o direito ao recurso, de jeito que qualquer pessoa declarada culpada
(numa 1ª instância) de crime, tem direito a fazer examinar por uma jurisdição
superior a declaração de culpabilidade e a sentença, em conformidade com a lei.
Aliás,
B7: a última parte do n° 2 do artigo 2° do Protocolo é também inconstitucional,
ao restringir o disposto no n° 5 do artigo 15° do Pacto Internacional
B8: ao qual deverá dar-se prevalência, uma vez que mais conforme à Constituição
e, em especial, ao princípio decorrente da primeira parte do n° 1 do artigo 32°
do diploma fundamental....” (sublinhados aditados).
Porém, tal alegação em nada abala a decisão sumária proferida. No acórdão para o
qual então se remeteu – Acórdão nº 49/2003 – a norma agora referida foi
utilizada somente depois de se ter concluído pela não inconstitucionalidade do
artigo 400º, nº 1, alínea e) do Código de Processo Penal, à luz do disposto no
artigo 32º, nº 1, da CRP. O juízo formulado sempre se manteria, pois,
independentemente da utilização do argumento adicional retirado daquela norma do
Protocolo.
Também por esta razão, resta, pois, concluir pelo indeferimento da reclamação.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência,
confirmar a decisão reclamada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 24 de Maio de 2005
Maria João Antunes
Rui Manuel Moura Ramos
Artur Maurício