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Processo n.º 437/2005
2.ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Fernanda Palma
Acordam em Conferência na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Nos presentes autos foi proferida a seguinte Decisão Sumária:
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos
do Supremo Tribunal de Justiça, em que figura como recorrente A. e como
recorrido o Ministério Público, foi interposto recurso de revisão em processo em
que a recorrente havia sido condenada pela prática do crime de tráfico de
estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 21º, nº 1, do Decreto-Lei nº
15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 4 anos e 9 meses de prisão.
O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 14 de Abril de 2005, negou a
revisão.
2. A. interpôs recurso de constitucionalidade nos seguintes termos:
A., Recorrente nos autos supra identificados, notificada do douto acórdão e com
o mesmo não se conformando vem, muito respeitosamente, recorrer para o Tribunal
Constitucional,
O que faz ao abrigo do disposto nos art. 70º, nº 1 al. b) da Lei do Tribunal
Constitucional.
Porque está em tempo e tem legitimidade.
Mais informa que a norma cuja apreciação da inconstitucionalidade se requer são
as constantes dos arts. 1º, 2º, 13º, 20º, 27º, 32º todos da CRP, considerando as
mesmas violadoras do princípio da igualdade (art. 13º da C.R.P.) e do direito de
acesso ao direito (artigo 20º C.R.P.), tendo tal violação sido suscitada nas
alegações para o Venerando Supremo Tribunal de Justiça, o qual em sede do artº
456º do CPP negou a revisão pedida.
Cumpre apreciar.
3. Sendo o presente recurso interposto ao abrigo dos artigos 280º, nº 1, alínea
b), da Constituição e 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, é
necessário, para que se possa tomar conhecimento do seu objecto, que a questão
de constitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
O Tribunal Constitucional tem entendido este requisito num sentido funcional. De
acordo com tal entendimento, uma questão de constitucionalidade normativa só se
pode considerar suscitada de modo processualmente adequado quando o recorrente
identifica a norma que considera inconstitucional, indica o princípio ou a norma
constitucional que considera violados e apresenta uma fundamentação, ainda que
sucinta, da inconstitucionalidade arguida. Não se considera assim suscitada uma
questão de constitucionalidade normativa quando o recorrente se limita a
afirmar, em abstracto, que uma dada interpretação é inconstitucional, sem
indicar a norma que enferma desse vício, ou quando imputa a
inconstitucionalidade a uma decisão ou a um acto administrativo.
Por outro lado, o Tribunal Constitucional tem igualmente entendido que a questão
de constitucionalidade tem de ser suscitada antes da prolação da decisão
recorrida, de modo a permitir ao juiz a quo pronunciar-se sobre ela. Não se
considera assim suscitada durante o processo a questão de constitucionalidade
normativa invocada somente no requerimento de aclaração, na arguição de nulidade
ou no requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade (cf., entre
muitos outros, o Acórdão nº 155/95, D.R., II Série, de 20 de Junho de 1995).
É manifesto que no requerimento de interposição do recurso de
constitucionalidade não é identificada uma qualquer questão susceptível de
constituir objecto do recurso interposto ao abrigo do artigo 70º, nº 1, alínea
b), da Lei do Tribunal Constitucional. Com efeito, a recorrente limitou-se a
afirmar que pretende ver apreciados vários preceitos da Constituição.
Por outro lado, é igualmente manifesto que nas várias peças processuais da
recorrente não foi suscitada qualquer questão de constitucionalidade normativa,
tendo a recorrente apenas afirmado que foram violados vários preceitos
constitucionais e infraconstitucionais (cf. fls. 3 e ss., 127 e ss. e 209 e
ss.).
Não se verifica, portanto, o pressuposto processual do recurso da alínea b) do
nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, consistente na suscitação,
durante o processo, da questão de constitucionalidade normativa, pelo que não se
tomará conhecimento do objecto do presente recurso.
4. Em face do exposto, decide-se não tomar conhecimento do objecto do presente
recurso.
A recorrente vem agora reclamar para a Conferência, ao abrigo do artigo 78º-A,
nº 3, da Lei do Tribunal Constitucional, concluindo o seguinte:
1ª Foi pedida revisão de sentença injusta e violadora de direitos fundamentais
e de princípios sagrados à C.R.P. nos termos do disposto do art. 457 nº 1 do CPP
como muito bem o reconhece o STJ, e que nos termos do disposto nos arts. 459 nº
1 do CPP devia ser notificado o MP para a prova e ordenados os actos o urgentes
que o caso requeria como requerido art. 320 do CPP o que não foi feito em
manifesta violação da lei processual e constitucional.
2ª Diz o douto Supremo Tribunal de Justiça que no seu entender, os factos ou
meios de prova referidos na al. d) do n.º 1 do art. 449.° do CPP devem ser novos
no sentido de não terem sido apresentados no processo que conduziu à acusação se
bem que não fossem ignorados pelo arguido ou embora não fossem ignorados pelo
arguido na ocasião em que teve lugar o julgamento, o que como se viu é redutor
da previsão legal, já que estes podem ser combinados com aqueles factos novos e
que desta conjugação permitam concluir pela injustiça da decisão.
3ª O caso julgado cede perante a injustiça patente; Ou que os cidadãos
injustamente condenados têm direito à Revisão de Sentença; Nos termos da alínea
d) do art. 449.º do CPP impõe-se reflectir da Justiça ou garantia da sentença de
condenação.
4ª ao contrario do que diz o aliás douto acórdão recorrido
Pode-se, pois, afirmar, como o exigiria a procedência do presente recurso, que a
descoberta de novos factos ou meios de prova que, confrontados com os que foram
apreciados no processo, suscitem dúvidas sobre a justiça da condenação [art.
449º nº 1 al d)].
“A recorrente teve, ainda, como violados pela decisão revivenda, os princípios
do in dúbio pro reo, do igual tratamento face à lei, da verdade material e da
supremacia da dignidade da pessoa humana, sobre os errores in procedendo.”
5ª Recusou, apreciar novas provas que lhe foram apresentadas, o que fez pura e
simplesmente; Depois da condenação sem factos concretos no dizer da sentença
condenatória, com base em depoimentos falsos, como se provou, mas reconhecendo
que condenou sem provas suficientes;
O Tribunal de recurso vinha agora rejeitar factos e provas absolutamente novas;
6ª Agora tornava-se inequívoco e inquestionável; A Constituição da República
Portuguesa é um instrumento fundamental na vida do nosso Povo e garante da
Soberania dos Tribunais e da Liberdade e Justjça do Povo e é nesse sentido que
aqui e agora se reclama para a conferência.
O que se levantou em sede do recurso de revisão foi a questão de, apesar da
insuficiência de prova, como se reconheceu, com o recurso para experiência e
senso comuns, a arguida foi condenada a uma pena de 4 anos e 9 meses de prisão,
acrescida de pena acessória de expulsão e proibição de entrar no território
nacional durante um período de 5 anos.
7ª Ou seja, apesar de a acusação não ter conseguido provar factos que
suportassem a sua tese, a douta sentença que o douto acórdão de Revisão não
alterou, entendeu aplicar as regras gerais do seu “senso comum” para condenar a
arguida, o que é manifestamente inconstitucional, até porque essa expressão
“senso comum” não é necessariamente a do nosso povo; Ou seja, apesar de a
acusação não ter conseguido provar os factos que suportassem a sua tese, a douta
Sentença que o douto acórdão de Revisão não alterou, entendeu aplicar as regras
gerais do senso comum para condenar a arguida, o que é manifestamente
inconstitucional, até porque essa expressão senso comum não é necessariamente
aquilo que faria o bonus pater familiae.
8ª Foi requerida a junção e visualização do registo das imagens gravadas no
aeroporto de Lisboa, que confirmassem quem levantou as malas contendo os
produtos estupefacientes; que confirmassem quem entregou as malas à mente aquilo
que faria o bonus pater familiae.
Era à acusação que cabia provar a culpa da arguida e não a defesa provar a sua
inocência; Na douta sentença tudo se inverteu, até as presunções legais, o que é
manifestamente ilegal, injusto e inconstitucional; E a Constituição é um pilar
fundamental cuja defesa a todos se impõe, para salvaguarda da vida em
comunidade; Inverteram-se todos e os mais elementares princípios do nosso
direito para acusar e condenar, como resulta da leitura da sentença em questão:
repetimos resulta da leitura da sentença em questão.
9ª Foi requerida a junção e visualização do registo das imagens gravadas no
aeroporto de Lisboa, que confirmassem quem levantou as malas contendo os
produtos estupefacientes; que confirmassem quem entregou as malas à Arguida;
Para que se provasse a falsidade destes factos na acusação.
autos de Recurso de Revisão, sob pena de se concluir pela falsidade desta prova
prestada em julgamento sob juramento e ser instaurado o competente procedimento
criminal; Não se provou qualquer benefício económico; o douto despacho de
Revisão veio condizer esse facto irrelevante;
10ª Pode-se ser de direita ou esquerda na visão política, se é que esta
dicotomia faz hoje algum sentido na sociedade portuguesa; Mas temos todos de ser
a favor da Constituição e da defesa dos direitos humanos, se bem que há pessoas
que ao escreverem ou decidirem não têm consciência da gravidade e do mal que
fazem à CRP. questão a decidir é se feitas as inversões ilegais dos princípios
de direito, se pode condenar, sem que isso tenha necessariamente uma repulsa da
Comunidade jurídica e do nosso Tribunal Constitucional, sendo que a resposta só
pode ser positiva.
11ª Com a maior leviandade, e com recurso para o “senso comum” inverteram-se
princípios e inventaram-se factos vertidos na sentença que hoje se vem admitir
que eram falsos. E quem responde pela vida de duas crianças, “PRESAS” e
impossibilitadas do direito ao afecto; à ternura; ao carinho; ao conselho de sua
mãe.
12ª Normas violadas:
- Princípio do in dubio pro reo: o douto Acórdão recorrido, negando a revisão e
mantendo o acórdão da 1.ª Instância veio a “compactuar” com o mesmo na total
violação deste princípio com refracção constitucional, aceitando a condenação
“in dubio contra reo”; De facto não obstante ter sido reconhecida a
insuficiência da prova houve acórdão condenatório e não absolutório como se
impunha. De facto não se provou que foi a arguida quem transportou o produto
estupefaciente uma vez que não se apurou o momento exacto em que ela terá tomado
contacto com as malas, sendo certo não ter sido ela a embarcá-las - deste modo
teria, entendemos nós, que ser observado o princípio fundamental, e que
constitui também uma garantia do processo penal, do in dubio pro reo; Ou de
forma mais flagrante ter proferido acórdão condenatório quando se alegou e se
poderia provar que as malas não eram efectivamente dela (recorrente), se o
aeroporto tivesse o seu sistema de vídeo em funcionamento, como não tinha
condenou-se, em caso de dúvida contra a Ré, o que é inconstitucional.
- Princípio do igual tratamento face à lei e Princípio da verdade material: a
nossa lei fundamental estabelece no seu artº 13º o princípio da igualdade, nos
termos do qual todos os cidadãos são iguais perante a lei, ora essa igualdade
certamente não se reflectiu ao longo deste processo de natureza penal uma vez
que, e felizmente, não existe uma lei que em alguns casos permite que em caso de
dúvida se condena e outra que em caso de dúvida se absolva; Existe apenas uma
lei que diz que em caso de dúvida se absolve e no caso sub judice as dúvidas
eram muitas mas em total violação dos princípios fundamentais e deste princípio
especificamente condenou-se porque em vez da lei foi aplicado o “senso comum”;
Também em matéria penal vigora como garantia do próprio processo penal e para
realização da justiça material, o princípio da descoberta da verdade material.
No processo penal não se exigem verdades únicas, estanques ou imutáveis;
exigem-se verdades aproximadas à realidade e a realidade foi que sempre a
recorrente afirmou que as malas não eram suas e fê-lo desde sempre e mesmo antes
de as mesmas serem abertas por um dos controladores aéreos, que o admitiu no
processo. Mas ainda assim foram requeridas outras provas em sede recurso de
revisão que permitiriam chegar mais perto desta verdade material e que foram
negadas, em total violação deste princípio e do artº 32º da CRP, que prevê
precisamente as garantias que assistem ao processo penal.
- Princípio da supremacia da dignidade da pessoa humana, sobre os errores in
procedendo: a nossa lei fundamental logo no seu artº 1º estabelece que “Portugal
é uma República Democrática baseada na dignidade da pessoa humana e empenhada na
construção de uma sociedade livre, justa e solidária” - ora o douto acórdão
recorrido violou este preceito constitucional onde está consagrado este
princípio fundamental que é o da dignidade da pessoa humana ao manter uma
sentença injusta, pejada de erros judiciários e contrária também ao princípio da
verdade material; uma sentença que aplicou, ao contrário de todos os preceitos
legais vigentes o “in dubio contra reo”; uma sentença que não tendo realizado
toda a prova material decide com base no “senso comum” e em total ignorância
pela dignidade da pessoa humana, que merece ver de forma justa e equitativa os
seus direitos respeitados. O douto acórdão recorrido fazendo boa aplicação do
supra citado preceito deveria ter considerado procedente o recurso de revisão
porquanto foram levados ao conhecimento do douto Tribunal a quo novos factos que
provaram a efectiva injustiça da condenação, impondo-se a procedência da revisão
para repor a justiça que não foi feita desde há já dois anos a esta parte,
direito este que a própria CRP prevê no seu artigo 29º, nº 6.
VEXAS revogando o aliás douto acórdão e confirmando a Revisão pela violação dos
princípios constitucionais violados, ou seja o principio do direito de todos a
um julgamento justo e imparcial; o Princípio do igual tratamento face à lei; o
Princípio da verdade material; o principio da supremacia da dignidade da pessoa
humana, sobre os errores in procedendo e o princípio do in dubio pro reo, farão
a sempre desejada justiça.
O Ministério Público pronunciou-se nos seguintes termos:
1° A presente reclamação carece obviamente de fundamento sério, só podendo,
aliás, explicar-se pelo facto de indesculpavelmente a reclamante não ter
presente que o objecto dos recursos de fiscalização concreta tem carácter
necessariamente “normativo”.
2° Não cabendo - como é entendimento uniforme e reiterado - ao Tribunal
Constitucional sindicar de alegados actos ou decisões, com reflexos
pretensamente inconstitucionais na esfera jurídica dos interessados.
Cumpre apreciar.
2. A reclamante, na presente reclamação, elenca uma série de vicissitudes que
terão ocorrido nos presentes autos e insurge-se contra o que foi decidido pelas
instâncias, invocando a violação de vários preceitos constitucionais e
infraconstitucionais. Na sua argumentação, formula ainda várias questões.
No entanto, como se sublinhou na Decisão Sumária, o recurso previsto no artigo
70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, apenas tem por objecto
normas jurídicas que tenham sido aplicadas pelo tribunal recorrido.
Ora, a reclamante, mais uma vez, não identifica a norma que, tendo sido aplicada
pela decisão recorrida, considera inconstitucional.
Não basta, para identificar um objecto idóneo do recurso interposto, isto é, uma
questão de constitucionalidade normativa, afirmar que o que sucedeu nos autos
viola “de forma grosseira a nossa Constituição”. Com efeito, a reclamante teria
de ter imputado o vício de inconstitucionalidade a uma norma ou dimensão
normativa (critério geral e abstracto da decisão de casos concretos) e não a
ocorrências ou decisões alegadamente verificadas no processo.
Assim, não se verifica o pressuposto processual do recurso interposto,
consistente na suscitação de uma questão de constitucionalidade normativa. Nessa
medida, o Tribunal Constitucional não pode apreciar o objecto do recurso, pelo
que a presente reclamação será indeferida.
3. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente
reclamação, confirmando consequentemente a Decisão Sumária reclamada.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UCs.
Lisboa, 7 de Julho de 2005
Maria Fernanda Palma
Benjamim Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos