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Processo n.º 394/2005
2.ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Fernanda Palma
Acordam em Conferência na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Nos presentes autos foi proferida a seguinte Decisão Sumária:
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos
do Supremo Tribunal de Justiça, em que figura como recorrente A. e como
recorrido o Ministério Público, foi interposto recurso do acórdão da 1ª
instância que condenou o arguido na pena de 9 anos de prisão pela prática de um
crime de tráfico de estupefacientes.
O Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 8 de Outubro de 2003, entendeu,
entre o mais, o seguinte:
O arguido A. entende que o colectivo não podia dar como provado que o telemóvel
X. servia para contactar os seus clientes e fornecedores de droga; a quantia de
25.000$00, em notas do banco de Portugal era proveniente da venda de
estupefacientes; balança de precisão, encontrada em casa da B., era utilizada
pelo arguido A. para a pesagem e dosagem do estupefaciente, que depois era
devidamente embalado e vendido; um baú pequeno, de madeira, com diversos papéis
manuscritos onde era feita uma rudimentar contabilidade sobre venda de produtos
estupefacientes; a quantia de 7.050.000$00 era proveniente da venda de
estupefacientes (cocaína e heroína) levada a cabo pelo A.; o A. procedia à
divisão do estupefaciente e guardava o dinheiro da sua venda, deteve e vendeu
produtos estupefacientes com o fim de obter, como obteve, elevados lucros.
Nos termos do art. 127° do CPP, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a
prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da
entidade competente.
Não sendo a audiência nesta Relação uma repetição do julgamento em 1ª instância
em matéria de facto, apenas se deverá apurar se a convicção do tribunal
recorrido tem suporte razoável na prova presente nesta Relação.
Após ter participado activamente na audiência, fazendo um juízo crítico da
prova, o colectivo convenceu-se de como ocorreram os factos. Beneficiando da
imediação e da oralidade da prova, em conjugação com o contraditório, foi-lhe
possível dar credibilidade à prova testemunhal, no sentido de sustentação da
tese da acusação.
Entendemos que o tribunal 'a quo' apreciou criticamente as provas produzidas em
audiência de julgamento, fundamentando a opção que fez pela versão da prova que
foi no sentido da acusação. O colectivo da instância, devido à oralidade,
imediação e contraditório, está numa situação de privilégio para apreender as
emoções, a sinceridade, a isenção, as contradições, as solidariedades e
cumplicidades, que escapam no recurso, onde domina o papel, de modo a poder
proferir uma boa decisão de facto. Como se refere no Acórdão de 30/4/03,
proferido no recurso n° 295/03, desta Secção, citando Figueiredo Dias, in
Direito Processual Penal, lições coligidas por Maria João Antunes, 1988-9, pág.
158, a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes do
processo, no julgamento da 1ª instância permite obter uma percepção própria do
material que haverá de ter como base da sua decisão.
O colectivo fundamentou minuciosamente, ao longo de mais de 3 páginas, a decisão
de facto, analisando toda a prova em que se baseou e o motivo que o levou a
optar por dar credibilidade a determinadas declarações e não a outras.
Lida toda a prova testemunhal documentada vê-se que o tribunal recorrido optou
por acolher a prova que foi no sentido da acusação, pelo que a matéria de facto
dada como assente tem como fundamento e motivação a parte da prova que ao
tribunal pareceu credível e verdadeira, que de igual modo nos parece ser a
credível e verdadeira.
Das declarações de ambos os arguidos, conjugadas com os depoimentos dos agentes
da PJ que, mercê da vigilância montada, observaram todos os movimentos dos
arguidos e da busca efectuada à casa da B. e da ligação desta ao arguido A.,
consideramos que nenhuma censura nos merece a decisão de facto proferida.
Através da fundamentação da matéria de facto verifica-se a razoabilidade da
convicção do tribunal e as razões que o determinaram a optar por tal decisão e,
por concordarmos com ela e não padecer de qualquer dos vícios referidos no art.
410°, n° 2 do CPP, a mesma tem-se por assente.
Em consequência, o Tribunal da Relação do Porto negou provimento ao recurso,
tendo apenas concedido provimento ao pedido relativo à perda a favor do Estado
de um automóvel.
2. A. interpôs recurso do acórdão de 8 de Outubro de 2003 para o Supremo
Tribunal de Justiça. Nas respectivas alegações concluiu o seguinte:
1 - A decisão recorrida não ponderou o invocado erro de julgamento determinada
de matéria de facto com base na falta de prova sobre ela em audiência de
julgamento.
2 - Antes se restringiu a afirmar que a Relação tinha limitações na ponderação
da matéria de facto e, por força disso, não ponderou a alegada falta de prova
sobre o objectivamente questionado.
3 - Ao ter decidido dessa forma, omitiu a decisão recorrida o dever de pronúncia
sobre a questão concreta que lhe foi colocada.
4 - E tendo-o feito, está viciada de nulidade, face ao disposto no artigo 379º,
n° l, al. c) do CPP.
5 - A interpretação que a decisão recorrida fez do nº 1 do artigo 428° do CPP,
ao restringir o conhecimento da matéria de facto viola o artigo 32°, n° 1 da
CRP.
Em 16 de Março de 2005, o recorrente juntou aos autos o seguinte requerimento:
A., com os sinais dos autos, por mera cautela, e clarificando o n° 5 das suas
conclusões, no sentido de evitar qualquer dúvida de interpretação do mesmo,
desde já, vem arguir a inconstitucionalidade do artigo 428°, n° 1 do CPP, na
interpretação com que foi feita na decisão recorrida, isto é, considerando que,
em sede de recurso da matéria de facto, a Relação apenas terá que apurar se a
convicção do tribunal recorrido tem suporte razoável na prova presente na
Relação, sem, pois, ponderar, especificada e concretamente, como foi o caso, a
matéria de facto considerada erradamente julgada pelo recorrente e as razões
invocadas pelo mesmo para o efeito.
O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 16 de Março de 2005, entendeu o
seguinte:
Afirma o arguido recorrente que a decisão recorrida não ponderou o invocado erro
de julgamento de determinada matéria de facto, com base na falta de prova sobre
ela, em audiência de julgamento. Mas, sem razão no entanto.
Na verdade, para além de este Tribunal não poder sindicar a matéria de facto
(art. 434° do CPP), não se nos afigura que no acórdão recorrido haja omissão de
pronúncia.
O Tribunal da Relação ponderou toda a matéria de facto dada como assente no
tribunal de 1ª instância, já que este tribunal determinou transcrição da prova
produzida em audiência de julgamento e constante de gravação magnetofónica,
concluindo que 'o recurso em matéria de facto não é um segundo julgamento, e que
o tribunal de 1ª instância usufrui de uma situação de privilégio na apreciação
das provas, mercê dos princípios enformadores do nosso direito processual,
nomeadamente os de oralidade e imediação das provas, e do contraditório, em que
a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes do
processo, no julgamento da 1ª instância permite obter uma percepção própria do
material que haverá de ter como base da sua decisão, depois de se referir à
fundamentação minuciosa da decisão de facto, ao longo de mais de 3 páginas, por
parte do tribunal colectivo, em que se analisou toda a prova em que se baseou e
o motivo que o levou a optar por dar credibilidade a determinadas declarações e
não a outras'.
E continua:
'Lida toda a prova testemunhal, documentada, vê-se que o tribunal recorrido
optou por acolher a prova que foi no sentido da acusação, pelo que a matéria de
facto dada como assente tem como fundamento e motivação a parte da prova que ao
tribunal pareceu credível e verdadeira que, de igual modo, nos parece ser a
credível e verdadeira.
Através da fundamentação da matéria de facto verifica-se a razoabilidade da
convicção do tribunal e as razões que o determinaram a optar por tal decisão e,
por concordarmos com ela e não padecer dos vícios referidos no art. 410º, nº 2,
CPP, a mesma tem-se por assente'.
O acórdão recorrido apreciou, em concreto, a questão suscitada.
Por isso, a protestada omissão de pronúncia não se verifica, razão pela qual
também improcede a invocada nulidade do acórdão recorrido, cuja interpretação
dada ao art. 428°, nº 1, do CPP, não ofende qualquer preceito constitucional.
3. A., interpôs recurso para o Tribunal Constitucional nos seguintes termos:
A., com os sinais dos autos, não se podendo conformar com o douto acórdão
(decisão em oposição frontal com a proferida em 19 de Maio de 2004 e também
subscrita por V. Exa. - CJ, Ano XII, 3°, 192 a 195).
Do mesmo interpõe recurso para o Tribunal Constitucional, o que faz nos
seguintes termos:
1 - O recurso é interposto ao abrigo do artigo 70°, n° 1, al. b) da Lei 28/82,
de 15 de Setembro.
2 - Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade da norma ínsita no artigo
428°, n° 1 CPP, quando interpretada no sentido, com que o fez a decisão
recorrida, isto é, considerando que, em sede de recurso da matéria de facto, a
Relação apenas terá que apurar se a convicção do tribunal recorrido tem suporte
razoável na prova presente na Relação, sem, pois, ponderar, especificada e
concretamente, como foi o caso, a matéria de facto considerada erradamente
julgada pelo recorrente e as razões invocadas pelo mesmo para o efeito.
3 - A aludida norma, nos termos em que foi interpretada viola o artigo 32°, n° 1
da CRP.
4 - A questão da inconstitucionalidade foi atempadamente levantada, tendo-o sido
quer na motivação do recurso para o STJ, quer no requerimento endereçado aos
autos em 15 de Março, e foi decidida na decisão recorrida numa singular linha
(cfr. fls. 9, ¾ de linhas 8 e ¼ de linhas 9).
O recurso sobre imediatamente, nos autos, e com efeito suspensivo.
Cumpre apreciar.
4. O recorrente pretende submeter à apreciação do Tribunal Constitucional o
artigo 428º, nº 1, do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de, em
sede de recurso da matéria de facto, o Tribunal da Relação ter apenas de apurar
se a convicção do tribunal recorrido tem suporte razoável nos factos
considerados provados, sem ponderar, especificada e concretamente, a matéria de
facto erradamente julgada (na perspectiva do recorrente) e as razões por si
invocadas.
Ora, o Supremo Tribunal de Justiça considerou que o Tribunal da Relação do
Porto, no acórdão então recorrido, ponderou toda a matéria de facto dada como
assente no tribunal de 1ª instância. Consequentemente, concluiu que o acórdão
então impugnado apreciou as questões citadas.
E na verdade, o Tribunal da Relação do Porto, no acórdão de 8 de Outubro de
2003, depois de sublinhar que o tribunal de 1ª instância apreciou criticamente
as provas em audiência de julgamento, fundamentando a decisão tomada, não deixou
de proceder ele próprio a uma ponderação da prova produzida, aderindo
expressamente aos fundamentos da decisão da 1ª instância. E fê-lo não apenas
através de uma análise da coerência meramente objectiva entre as conclusões
alcançadas no julgamento e a prova constante dos autos, mas também por ser essa
a convicção do tribunal, que ponderou e apreciou a prova realizada em sede de
recurso. É igualmente manifesto que essa ponderação e essa apreciação tiveram
presente a argumentação e os fundamentos invocados pelo recorrente (o Tribunal
da Relação do Porto refere expressamente a perspectiva do recorrente, à qual dá
resposta – cf. transcrição realizada supra).
O recorrente, no presente recurso, destaca uma afirmação constante do acórdão do
Tribunal da Relação do Porto, segundo a qual: “não sendo a audiência nesta
Relação uma repetição do julgamento em 1ª instância em matéria de facto, apenas
se deverá apurar se a convicção do tribunal recorrido tem suporte razoável na
prova presente nesta Relação”). Para o recorrente, tal afirmação tem o sentido
de que a Relação não teria de ponderar especificada e concretamente a matéria de
facto que o recorrente considerou erradamente julgada. O recorrente parte,
assim, do princípio de que o Tribunal da Relação do Porto procedeu somente à
apreciação da coerência externa do texto da decisão recorrida, construindo desse
modo a questão de constitucionalidade que pretende ver apreciada.
No entanto, como se demonstrou, o Tribunal da Relação do Porto, no acórdão
recorrido, apreciou a prova que o recorrente impugnou, fazendo precisamente
aquilo que no presente recurso o recorrente sustenta não ter sido feito.
O sentido da afirmação do acórdão do Tribunal da Relação do Porto que o
recorrente destaca não é, pois, o que lhe é atribuído no presente recurso de
constitucionalidade. Tal é materialmente demonstrado pela substância das
decisões proferidas nos autos.
Por estas razões, deve concluir-se que a dimensão normativa impugnada nos
presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade não foi aplicada
pela decisão recorrida. Assim, qualquer juízo que o Tribunal Constitucional
viesse a formular não teria a virtualidade de alterar a decisão recorrida e
seria inútil.
Por último, cabe explicitar que a interpretação que se faz dos autos,
nomeadamente do acórdão do Tribunal da Relação do Porto, é corroborada pelo
acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, do qual o recorrente interpõe o presente
recurso de constitucionalidade.
Não se tomará, portanto, conhecimento do objecto do presente recurso.
5. Em face do exposto, decide-se não tomar conhecimento do objecto do presente
recurso.
2. O recorrente vem agora reclamar para a Conferência, ao abrigo do artigo
78º-A, nº 3, da Lei do Tribunal Constitucional.
O reclamante, depois de proceder à transcrição de várias peças processuais
constantes dos autos, afirma o seguinte:
c) Isto é, a Relação não se pronunciou sobre as razões pelas quais foi
considerada definitivamente apurada a especificada matéria de facto questionada
com o argumento de nenhuma prova ter sido produzida sobre a mesma, mas, em
termos genéricos, perorou sobre a sindicância da convicção probatória,
mostrando-se desatenta à impugnação que da matéria de facto lhe foi peticionada,
abstendo-se de a reponderar nos termos dos artigos 412°, nº 3, 428°, n° 1 e
431°, todos do CPP.
d) De tal decisão interpôs recurso o reclamante. invocando a nulidade do
acórdão da Relação por omissão de pronúncia, desde logo trazendo à liça a
inconstitucionalidade da interpretação que a decisão da Relação fez sobre os
seus poderes quanto à ponderação da matéria de facto.
e) Em tempo oportuno, em 15 de Março, clarificou tal arguição, concretizando
que a inconstitucionalidade invocada tinha a ver com a interpretação feita na
decisão recorrida do artigo 428°, n° 1 do CPP, isto é, considerando que, em sede
de recurso da matéria de facto, a Relação apenas terá que apurar se a convicção
do tribunal recorrido tem suporte razoável na prova presente na Relação, sem,
pois, ponderar, especificada e concretamente, como foi o caso, a matéria de
facto considerada erradamente julgada pelo recorrente e as razões invocadas pelo
mesmo para o efeito.
f) O STJ entendeu, à revelia do que fizera em situação similar, que não havia
omissão de pronúncia, citando, para o efeito, parte do acórdão de 2ª instância,
fazendo realçar o privilégio da ponderação da prova pela 1ª instância e que,
através da fundamentação, se verifica a razoabilidade da convicção do tribunal.
g) Em nenhum sítio, na 2ª instância, se indagou que razões concretas levaram a
que a matéria de facto impugnada fosse considerada provada, face à invocada
ausência de prova, remetendo-se antes para genéricos critérios de razoabilidade
da convicção do tribunal, e o STJ não ponderou tal ocorrência da Relação.
h) Segundo a decisão do Sra. Dra. Juiz Conselheira Relatora, a dimensão
normativa impugnada nos presentes autos não foi aplicada pele decisão recorrida.
16 - Salvo melhor juízo, carece de fundamento a posição de S. Exa. como se passa
a demonstrar:
a) O Tribunal da Relação não conheceu das razões pelas quais se considerou
determinada matéria de facto erradamente julgada, com a invocação expressa de
que sobre a mesma não tinha sido produzida qualquer prova.
O Tribunal da Relação não indicou a prova que permitiria sustentar como provada
a matéria de facto que se questionava, invocando, para o efeito, limites legais
ou de princípio na viabilidade do seu conhecimento.
Assim sendo, ainda hoje é legítimo perguntar:
a) Que elementos de prova foram utilizados para se poder exarar que o
recorrente contactava os seus clientes e fornecedores de droga com um telemóvel
da marca 'X.', modelo --------?
b) Que elementos de prova foram utilizados para se poder exarar que a quantia
de 25 000$00, em notas do Banco de Portugal era proveniente da venda de
estupefacientes e não o pagamento de metade do preço do transporte?
c) Que elementos de prova foram utilizados para exarar que o recorrente
utilizava uma balança de precisão de pesagem e dosagem de estupefaciente, que
depois era devidamente embalado e vendido?
d) Que elementos de prova foram utilizados para se poder exarar que o dinheiro
encontrado em casa da B., 7 050 000$00, era proveniente da venda de
estupefaciente levada a cabo pelo recorrente?
e) Que elementos de prova foram utilizados para se poder exarar que o
recorrente procedia à divisão do estupefaciente e guardava o dinheiro
proveniente da sua venda?
f) Que elementos de prova foram utilizados para se poder exarar que o
recorrente comprou, vendeu e deteve produtos estupefacientes com o fim de obter,
como obteve elevados lucros?
Em vão se pode tentar encontrar resposta para tais questões na decisão do
Tribunal da Relação. É que o Tribunal da Relação não as analisou como o devia
ter feito.
O Tribunal da Relação não ponderou a matéria de facto questionada na vertente de
não poder ser considerada provada por míngua de prova, mas, exclusivamente,
fazendo incidir a sua atenção na análise e confirmação da validade, consistência
e credibilidade dos meios probatórios constantes da fundamentação da decisão de
1ª instância, em geral, mas nem sequer reportados às especificidades do
questionado.
O Tribunal da Relação quedou-se pela mera sindicância da convicção probatória,
mostrando-se desatento à impugnação que da matéria de facto lhe foi peticionada,
abstendo-se de a reponderar, nos termos dos arts. 412°, nº 3, 428°, nº 1, e
431º, do CPP, invocando limites para o seu poder de conhecer.
b) Verifica-se, pois, a omissão de pronúncia aduzida pelo recorrente, como se
verifica a inconstitucionalidade arguida, consistentes, a primeira, no facto de
não ter ponderado, especificada e concretamente, como foi o caso, a matéria de
facto considerada erradamente julgada pelo recorrente e as razões invocadas pelo
mesmo para o efeito, e a segunda, por se ter regido com limites ao conhecimento
do recurso que a lei não impõe.
c) O STJ ratificou a decisão da 2ª instância sem ter ponderado como aquela
tinha usado os poderes-deveres de conhecer a matéria de facto e dos limites que
ela se tinha auto-imposto.
d) Foi, pois, aplicada na decisão recorrida a dimensão normativa impugnada.
O Ministério Público, por seu turno, pronunciou-se nos seguintes termos:
1 - A presente reclamação é manifestamente improcedente.
2 - Na verdade, a argumentação do reclamante apenas confirma que em termos
substanciais - o reclamante não suscita uma verdadeira questão de
inconstitucionalidade normativa, apenas questionando a valoração dos factos e
provas feitas pela 2ª instância.
3 - Matéria que obviamente não constitui objecto idóneo da fiscalização da
constitucionalidade cometida a este Tribunal Constitucional.
Cumpre agora apreciar.
3. O reclamante reitera que impugnou o artigo 428º, nº 1, do Código de Processo
Penal, interpretado no sentido de, “em sede de recurso da matéria de facto, a
Relação apenas [ter] que apurar se a convicção do tribunal recorrido tem suporte
razoável na prova presente na Relação, sem, pois, ponderar, especificada e
concretamente, como foi o caso, a matéria de facto considerada erradamente
julgada pelo recorrente e as razões invocadas pelo mesmo para o efeito”.
Não acrescenta, porém, qualquer argumento que infirme a fundamentação da Decisão
Sumária. Desse modo, remete-se para a Decisão Sumária a demonstração de que esta
dimensão normativa não foi aplicada nos autos.
4. O reclamante formula, de seguida, várias questões sobre o acórdão proferido
pelo Tribunal da Relação e invoca ainda a sua nulidade.
Cabe realçar que ao Tribunal Constitucional apenas compete, no âmbito do recurso
interposto, apreciar questões de constitucionalidade normativa, não constando do
elenco dos seus poderes proceder à apreciação do modo como as instâncias
decidiram as questões infraconstitucionais suscitadas. Assim, não compete ao
Tribunal Constitucional proceder à apreciação da nulidade das decisões
proferidas pelas instâncias.
5. O reclamante conclui a reclamação afirmando que “a inconstitucionalidade
arguida” consiste em o tribunal “se ter regido com limites ao conhecimento do
recurso que a lei não impõe” .
Como se referiu e demonstrou na Decisão Sumária reclamada, o tribunal a quo
apreciou as questões que devia apreciar, ao contrário do que o reclamante mais
uma vez afirma, sem porém o demonstrar.
Apenas se sublinhará, por último, que a argumentação do reclamante na presente
reclamação desloca a impugnação de uma dada dimensão normativa alegadamente
aplicada nos autos (o que, como se demonstrou na Decisão Sumária, não aconteceu)
para as próprias decisões proferidas nos autos. Na verdade, parte significativa
da argumentação do reclamante traduz-se na impugnação do modo como o Tribunal da
Relação do Porto apreciou a prova. Tal questão nunca poderia, porém, constituir
objecto do presente recurso de constitucionalidade.
Improcede, pois, a presente reclamação.
4. Ante o exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente
reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UCs.
Lisboa, 7 de Julho de 2005
Maria Fernanda Palma
Benjamim Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos