Imprimir acórdão
Processo n.º 283/2005
3.ª Secção
Relator: Conselheiro Bravo Serra
1. Em 18 de Abril de 2005 o relator proferiu decisão com
o seguinte teor:-
“1. Tendo A., deduzido oposição à execução que, pelo 2º Juízo do
Tribunal do Trabalho de Almada, lhe foi movida por B., o Juiz daquele Juízo, por
sentença de 30 de Junho de 2003, considerou-a improcedente, condenando ainda a
oponente, como litigante de má fé, no pagamento de uma multa no montante de €
2.500.
Do assim decidido recorreu a A. para o Tribunal da Relação de Lisboa
que, por acórdão de 20 de Outubro de 2004, negou provimento ao recurso.
De novo inconformada, agravou a A. para o Supremo Tribunal de Justiça
no tocante à confirmação, pelo acórdão tirado pelo Tribunal da Relação de
Lisboa, da sua condenação como litigante de má fé.
Na alegação adrede produzida, a agravante, de todo em todo, não
suscitou qualquer questão de desconformidade com a Lei Fundamental por banda de
norma ou normas ínsitas no ordenamento jurídico infra-constitucional,
apresentando as seguintes «conclusões»:-
‘I - A Sociedade Comercial A., não pode ser condenada em multa, como litigante
de má fé.
II - O Acórdão Recorrido - com a Sentença do Tribunal de 1.ª Instância - violou
frontalmente o estatuído nos artigos 456.º e 458.º do Código de Processo Civil,
por erro de interpretação e de aplicação’.
Tendo o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 10 de Março de
2005, decidido não conhecer do recurso, por não ser ele legalmente inadmissível,
em face do que se prescreve no nº 3 do artº 456º do Código de Processo Civil e
do montante da multa, veio a A. interpor recurso para o Tribunal Constitucional
ao abrigo das alíneas b) e ‘i)’ do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de
Novembro.
No requerimento consubstanciador do recurso disse a impugnante
pretender ‘ver apreciada a inconstitucionalidade da interpretação com que foi
aplicado o artigo 456.º, n.º s 1 e 2, do Código de Processo Civil, na decisão
recorrida: no sentido de a condenação em multa por litigância de má fé não
pressupor a prévia audição do interessado em termos de este poder alegar o que
tiver por conveniente’, pois que ‘foi confrontada com a utilização daquela norma
quando lhe foi notificada a decisão recorrida, não podendo, assim, em momento
anterior, suscitar a sua inconstitucionalidade, nem lhe sendo exigível um
qualquer juízo prévio de prognose relativo à sua aplicação, em termos de se
antecipar ao proferimento da condenação, levantando a questão da
inconstitucionalidade’, aditando que a aplicação dos citados números 1 e 2 do
artº 456º foi efectuada ‘em desconformidade com o anteriormente decidido sobre a
questão pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 357/98, proferido em 1998
Maio 12, pela 2.ª Secção, Processo n.º 135/97 - aderindo aos fundamentos do
Acórdão n.º 440/94, proferido em 1994 Junho 07, pela 1.ª Secção. Processo n.º
510/92 -, em www.tribunalconstitucional.pt’, e que (‘não’) se aplicou ‘o artigo
458.º, do Código de Processo Civil, em desconformidade com o anteriormente
decidido pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 103/95, proferido em 1995
Fevereiro 22, pela 2.ª Secção do Tribunal Constitucional, Processo n.º 595/93,
publicado no Diário da República, II Série, de 1995 Junho 17, páginas 6674 a
6676’.
O recurso foi admitido por despacho lavrado em 6 de Abril de 2005 pelo
Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça.
2. Não obstante tal despacho, porque o mesmo não vincula este Tribunal
(cfr. nº 3 do artº 76º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro) e porque se entende
que ele não deveria ter sido admitido, elabora-se, ex vi do nº 1 do artº 78º-A
da mesma Lei, a vertente decisão, por via da qual se não toma conhecimento da
presente impugnação.
Na verdade, como resulta do relato supra efectuado, pretende a
recorrente submeter à censura deste Tribunal o acórdão prolatado em 10 de Março
de 2005 pelo Supremo Tribunal e Justiça, tendo em consideração a aplicação que
teria levado a efeito das normas constantes dos artigos 456º, números 1 e 2, e
458º, ambos do diploma adjectivo civil, aplicação essa que desrespeitaria o
anteriormente decidido pelo Tribunal Constitucional referentemente a questões de
apreciação da inconstitucionalidade atinente a esses normativos.
Simplesmente, as indicadas normas não constituíram ratio juris da
decisão tomada por aquele Alto Tribunal, que, no aresto desejado pôr em crise,
se limitou a não tomar conhecimento do objecto do recurso, por ser ele
inadmissível em face do que é consagrado no nº 3 do citado artº 456º e do
montante da multa aplicada.
Vale isto por dizer que o Supremo Tribunal de Justiça não aplicou os
normativos cuja apreciação se intentou submeter a este órgão de fiscalização
concentrada da constitucionalidade, pelo que falece, in casu, o pressuposto do
recurso - seja ele o esteado na alínea b) do nº 1 do artº 70º (não se entrando
aqui na questão de saber se os demais requisitos pressupositores dessa forma de
impugnação se encontravam reunidos), seja o ancorada na alínea g) do mesmo
número e artigo [crendo-se que só por lapso mero lapso de escrita a recorrente
mencionou a alínea ‘i)’].
Neste contexto, não se toma conhecimento do objecto do recurso,
condenando-se a impugnante nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça
em sete unidades de conta”.
Da transcrita decisão reclamou a A. nos termos do nº 3
do artº 78º-A da Lei nº 28/82, dizendo, no que ora releva:-
“(...)
OBJECTO DA RECLAMAÇÃO
13. Não pretendeu nem ‘pretende a recorrente submeter à censura deste Tribunal o
acórdão prolatado em 10 de Março de 2005 pelo Supremo Tribunal ‘de Justiça
antes, sim e aliás, como resulta do requerimento consubstanciador do recurso,
pretendeu e pretende a Recorrente submeter à censura do Tribunal Constitucional
a ‘decisão que a condenou como litigante de má fé’ e esta decisão foi proferida
por Tribunal diferente do Supremo Tribunal de Justiça, a saber, pelo Tribunal da
Relação de Lisboa e por isso mesmo não endereçou aquele requerimento ao
Excelentíssimo Senhor Conselheiro Relator antes e sim ao ‘EXCELENTÍSSIMO SENHOR
RELATOR’, não obstante ter entregue aquele requerimento no Supremo Tribunal de
Justiça, por aí se encontrar o processo.
14. A questão que se suscita é estritamente procedimental: o Despacho de
admissão do recurso interposto pela Reclamante para o Tribunal Constitucional
foi admitido pelo Supremo Tribunal de Justiça e não pelo Tribunal da Relação de
Lisboa.
15. O recurso de constitucionalidade foi admitido pelo Excelentíssimo Senhor
Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça, que não dispunha da
necessária competência, atento o disposto no n.º 1, do artigo 76.º, da Lei do
Tribunal Constitucional.
16. Aquela admissão do recurso foi proferida ‘a non j[u]dice’.
17. Impõe-se, por isso, eliminar aquela situação, para que o requerimento de
interposição do recurso de constitucionalidade possa ser despachado pelo
‘tribunal que tiver proferido a decisão recorrida’ - artigo 76.º, n.º 1, da Lei
do Tribunal Constitucional -.
18. O Tribunal Constitucional:
- No Acórdão 3/96, decidiu que proferido Despacho por Juiz incompetente em razão
da matéria, devem os autos ser submetidos à entidade competente para apreciação
do requerimento de interposição de recurso constitucional;
- No Acórdão 515/96, deferiu reclamação e ordenou a remessa dos autos para ser
proferido despacho sobre o requerimento de interposição do recurso
constitucional pela entidade competente.
ASSIM E EM CONCLUSÃO
I - Pretendeu e pretende a Recorrente submeter à censura do Tribunal
Constitucional a ‘decisão que a condenou como litigante de má fé’ e esta decisão
foi proferida por Tribunal diferente do Supremo Tribunal de Justiça, a saber,
pelo Tribunal da Relação de Lisboa e por isso mesmo não endereçou aquele
requerimento ao Excelentíssimo Senhor Conselheiro Relator antes e sim ao
‘EXCELENTÍSSIMO SENHOR RELATOR’, obstante ter entregue aquele requerimento no
Supremo Tribunal de Justiça, por aí se encontrar o processo.
II – O recurso de constitucionalidade foi admitido pelo Excelentíssimo Senhor
Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça, que não dispunha da
necessária competência, atento o disposto no n.º 1, do artigo 76.º, da Lei do
Tribunal Constitucional.
III - Aquela admissão do recurso foi proferida ‘a non j[u]dice’.
IV - Impõe-se, por isso, eliminar aquela situação, para que o requerimento de
interposição do recurso de constitucionalidade possa ser despachado pelo
‘tribunal que tiver proferido a decisão recorrida’ - artigo 76.º, n.º 1, da Lei
do Tribunal Constitucional -.”
Notificado da reclamação, o recorrido B. não veio
efectuar qualquer pronúncia.
Cumpre decidir.
2. O requerimento de interposição de recurso para este
Tribunal foi entregue pela ora reclamante no Supremo Tribunal de Justiça,
iniciando-se ele com a menção “SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PROCESSO N.º 167/05 -
4.ª SECÇÃO” e sendo endereçado ao “EXCELENTÍSSIMO SENHOR RELATOR”, seguindo-se o
seguinte texto:-
“A., Recorrente no processo à margem referenciado, não se conformando
com a decisão que a condenou como litigante de má fé, vem, mui respeitosamente,
ao abrigo das alíneas b ), e i), do artigo 70.º, da Lei n.º 28/82, de Novembro
15, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 143/85, de Novembro 26, pela Lei
n.º 85/89, de Setembro 07, pela Lei n.º 88/95, de Setembro 01 e pela Lei n.º
13-A/98, de Fevereiro 26- Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal
Constitucional -,
dela interpor Recurso para o TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, pretendendo ver
apreciada a inconstitucionalidade da interpretação com que foi aplicado o artigo
456.º, n.º s 1 e 2, do Código de Processo Civil, na decisão recorrida: no
sentido de a condenação em multa por litigância de má fé não pressupor a prévia
audição do interessado em termos de este poder alegar o que tiver por
conveniente.
Tal interpretação viola o princípio de acesso aos tribunais ou a tutela
jurisdicional consagrada no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República
Portuguesa.
A A., foi confrontada com a utilização daquela norma quando lhe foi
notificada a decisão recorrida, não podendo, assim, em momento anterior,
suscitar a sua inconstitucionalidade, nem lhe sendo exigível um qualquer juízo
prévio de prognose relativo à sua aplicação, em termos de se antecipar ao
proferimento da condenação, levantando a questão da inconstitucionalidade.
por violação do princípio de acesso aos tribunais ou a
tutela jurisdicional consagrada no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da
República Portuguesa, ao aplicar o artigo 456.º, n.ºs 1 e 2, do Código de
Processo Civil em desconformidade com o anteriormente decidido sobre a questão
pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 357/98, proferido em 1998 Maio 12,
pela 2.ª Secção, Processo n.º 135/97 - aderindo aos fundamentos do Acórdão n.º
440/94, proferido em 1994 Junho 07, pela 1.ª Secção. Processo n.º 510/92 -, em
www.tribunalconstitucional.pt
(não) aplicar o artigo 458.º, do Código de Processo
Civil, em desconformidade com o anteriormente decidido pelo Tribunal
Constitucional no Acórdão n.º 103/95, proferido em 1995 Fevereiro 22, pela 2.ª
Secção do Tribunal Constitucional, Processo n.º 595/93, publicado no Diário da
República, II Série, de 1995 Junho 17, páginas 6674 a 6676
dela interpor Recurso restrito à (s) questão (ões) de
natureza jurídico-constitucional (is) implicada (s) na decisão recorrida para o
TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
PORQUE ESTÁ EM TEMPO, TEM LEGITIMIDADE E A DECISÃO É RECORRÍVEL,
REQUER A VOSSA EXCELÊNCIA SE DIGNE ADMITIR O RECURSO E FEITO SUBIR COM O EFEITO
PRÓPRIO, SEGUINDO-SE OS DEMAIS TERMOS LEGAIS”
Do teor, ora totalmente transcrito, do indicado
requerimento, não resulta minimamente qualquer indício de onde se extraia que a
intenção da ora reclamante foi a de impugnar perante o Tribunal Constitucional o
acórdão tirado pelo Tribunal da Relação de Lisboa e não o aresto proferido no
Supremo Tribunal de Justiça.
Mas, ainda que o contrário resultasse, o que é certo é
que, aquando da notificação do despacho de admissão de recurso lavrado pelo
Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça, deveria a ora reclamante ter
suscitado a questão de não ter pretendido recorrer do acórdão daquele Supremo e,
consequentemente, tal despacho ter sido proferido por juiz a non domino.
Ora, como o não foi isso que sucedeu in casu, e, por
isso, veio o recurso a ser admitido pela entidade que carecia de competência
para tanto, a solução não pode deixar de ser a de este Tribunal não tomar
conhecimento do objecto da impugnação, na sequência da posição decisória
maioritária assumida por este Tribunal e que se extrai, por entre outros, das
Decisões Sumárias nºs 178/2004, 558/2004, 53/2005 e 109/2005 e dos Acórdãos nºs
613/2003, 129/2004, 622/2004 e 176/2005 disponíveis em
www.tribunalconstitucional.pt, e demais jurisprudência neles citada.
Termos em que se indefere a reclamação, condenando-se a
impugnante nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em vinte
unidades de conta.
Lisboa, 2 de Junho de 2005
Bravo Serra
Gil Galvão
Artur Maurício