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Processo n.º 487/2005
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Mário Torres
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
1. Notificado do Acórdão n.º 426/2005 – que, negando
provimento aos recursos interpostos, não julgou inconstitucional a norma do
artigo 188.º, n.ºs 1, 3 e 4, do Código de Processo Penal (CPP), interpretado no
sentido de que são válidas as provas obtidas por escutas telefónicas cuja
transcrição foi, em parte, determinada pelo juiz de instrução, não com base em
prévia audição pessoal das mesmas, mas por leitura de textos contendo a sua
reprodução, que lhe foram espontaneamente apresentados pela Polícia
Judiciária, acompanhados das fitas gravadas ou elementos análogos –, veio o
recorrente a. requerer a sua aclaração, nos seguintes termos:
“Como é salientado na parte final do douto aresto agora em análise
[fls. 70, 1.º parágrafo], distinguiu-se muito bem o plano da lei ordinária e da
lei constitucional. Em todo o caso, e não obstante o brilhantismo que
reconhecemos imediatamente à fundamentação da decisão, poder-se-ão levantar
algumas dúvidas quanto ao alcance exacto do juízo de não inconstitucionalidade.
Repare-se,
O recorrente admite, sem dificuldade, que não ofenderá a lei
fundamental a situação de o juiz de instrução basear a sua decisão em
reprodução das sessões telefónicas que foram indicadas pelo órgão de polícia
criminal.
Mas aquilo que o recorrente também colocou em causa é saber qual o
critério que deve presidir a tal selecção, por relevante para a prova. Ou seja,
se é ou não lesivo dos direitos de defesa do arguido o facto de o juiz não ter
em consideração todo o material gravado, ouvindo-o (coadjuvado ou não pelo
órgão de polícia criminal), e seleccionar as sessões a transcrever com o seu
«crivo» judicial.
Não será tão importante analisar se o juiz tomou ou não conhecimento
(ouvindo ou lendo um resumo) do conteúdo das conversas telefónicas indicadas
pelo órgão de polícia criminal, como saber se o juiz deve ou não tomar
conhecimento do resto do material gravado e que não foi indicado ou resumido
pelo órgão de polícia criminal.
Até porque, como é sabido, o material gravado e não mandado
transcrever é desmagnetizado antes da acusação e portanto fica fora do
conhecimento posterior do arguido.
Saber, no fundo, qual deve ser a intervenção do juiz no resto do
material gravado (não indicado pela polícia e não resumido) e se é ainda
conforme à Constituição quando o juiz dessa parte não tomou contacto com o seu
conteúdo.
Se o critério da relevância, sendo o policial, não ofende a
Constituição.
Na nossa opinião, as garantias de defesa do arguido estão aqui claramente
violadas.”
Notificado deste pedido, o representante do Ministério
Público no Tribunal Constitucional respondeu, afirmando que “o acórdão reclamado
dirimiu, com integral clareza, todas as questões que lhe cumpria apreciar”, pelo
que carece “manifestamente de fundamento o pedido de esclarecimentos
«complementares» ora apresentado, o qual deverá naturalmente ser rejeitado”.
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
2. O pedido de aclaração de decisões judiciais visa o
esclarecimento de alguma obscuridade ou ambiguidade de que a decisão aclaranda
padeça (a decisão é obscura quando contém algum trecho cujo sentido seja
ininteligível; é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações
diferentes). Não é lícita a utilização dessa figura para se obter, por via
oblíqua, a modificação do julgado ou para se solicitar a emissão de opinião do
tribunal sobre o modo de resolução de questões jurídicas, designadamente quando
se mostrem estranhas ao objecto do recurso, objecto que, no presente caso, tal
como foi definido pelo relator, com concordância de todos os intervenientes
processuais, respeitava à constitucionalidade do regime de aquisição processual
de provas obtidas por escutas telefónicas e não à constitucionalidade de
eventual sistema que conduza à imediata destruição de gravações.
Não identificando o recorrente qualquer passagem do
acórdão questionado que considere obscura ou ambígua, o pedido de aclaração
formulado é manifestamente improcedente.
3. Em face do exposto, acordam em indeferir o presente
pedido de aclaração.
Custas pelo reclamante a., fixando-se a taxa de justiça
em 15 (quinze) unidades de conta.
Lisboa, 21 de Setembro de 2005
Mário José de Araújo Torres
Benjamim Silva Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos