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Processo n.º 243/05
1.ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1.ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos de recurso vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que
é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto recurso para o
Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70º, nº 1, alínea b),
da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional
(LTC), da decisão daquele Tribunal, de 24 de Fevereiro de 2005.
Proferida decisão sumária, ao abrigo do disposto no artigo 78º-A, nº 1, da LTC,
vem agora o recorrente reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no nº
3 deste artigo.
2. Em 5 de Abril de 2005, foi proferida decisão sumária no sentido de que não
podia conhecer-se do objecto do recurso em causa, com os seguintes fundamentos:
' (...) do despacho do Supremo Tribunal de Justiça, de 24 de Fevereiro de 2005,
resulta de forma inequívoca que este Tribunal não aplicou a norma constante do
artigo 400º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Penal, na interpretação cuja
constitucionalidade foi questionada pelo recorrente durante o processo e no
requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional.
Com efeito, durante o processo – na motivação do recurso interposto para o
Supremo Tribunal de Justiça do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 13
de Outubro de 2004, e na reclamação para o mesmo Tribunal do despacho do
Tribunal da Relação que não admite este recurso – o recorrente suscita a
inconstitucionalidade daquele artigo do Código de Processo Penal, por violação
dos artigos 32º, nº 1, e 18º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa,
quando interpretado
'no sentido de considerar que não são passíveis de recurso as decisões da
relação, proferidas em recurso, que respeitem a questões processuais penais' –
itálico nosso.
Louvando-se no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 597/2000, conclui que:
'a alínea c) do nº1 do artigo 400° do Código de Processo Penal não pode ser
interpretada no sentido de não permitir recurso de decisões dos Tribunais de
Relação que versem exclusivamente sobre questões processuais penais, uma vez que
o artigo 32°, nº1, da Constituição da República Portuguesa assim obriga' –
itálico nosso.
No requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, o
recorrente alega que:
'O entendimento de que a norma ínsita na alínea c) do artigo 400° do Código de
Processo Penal impede o recurso de Acórdãos dos Tribunais da Relação, proferidos
em recurso e que versem exclusivamente sobre questões processuais penais,
nomeadamente que rejeitem recursos interpostos de decisões proferidas em
primeira instância com fundamentos adjectivos, viola as normas constantes do n°
1 do artigo 32° e do n° 2 do artigo 18° da Constituição da República Portuguesa
e constitui interpretação não conforme com o direito à defesa e com o direito ao
recurso em processo criminal e violação do princípio da proporcionalidade por
constituir uma restrição intolerável a esse direito fundamental' – itálico
nosso.
Mais esclarecendo que
'Tanto no requerimento de interposição de recurso para o Supremo Tribunal de
Justiça de 6 de Dezembro de 2004 como na reclamação para o Exmº Senhor
Presidente do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Janeiro de 2005, o arguido
suscitou a inconstitucionalidade da norma constante da alínea c) do artigo 400°
do Código de Processo Penal quando interpretada no sentido de considerar que não
são passíveis de recurso as decisões dos Tribunais de Relação, proferidas em
recurso, que respeitem a decisões processuais penais por violação do direito de
defesa e de recurso e do princípio da proporcionalidade (artigos 32°, n° 1, e
18°, n° 2, da Constituição da República Portuguesa)' – itálico nosso.
Por seu turno, é o próprio despacho do Supremo Tribunal de Justiça que afasta
expressamente a interpretação restritiva da alínea c) do nº 1 do artigo 400º que
deu origem ao Acórdão do Tribunal Constitucional nº 597/2000, quando conclui que
'No acórdão do Tribunal Constitucional n.º 597/2000, de 20.12.2000 referido pelo
reclamante, o que estava em causa era saber se poderia ser considerada como não
pondo termo à causa, para efeitos da alínea c) do n.º 1 do art.º 400° do CPP uma
decisão motivada por razões puramente adjectivas.
Ora, no caso em apreço, a questão é outra, porquanto o acórdão impugnado não põe
termo à causa, pois o dito acórdão rejeitou o recurso de um despacho
interlocutório da 1ª instância, continuando o processo a correr os seus termos
normais, aguardando-se uma decisão final sobre o objecto do processo.
Essa situação cai na alçada do disposto no art.º 400º, n.º 1 alínea c) do CPP'.
Por outras palavras, no caso em apreço não foi feita qualquer interpretação
restritiva do disposto na alínea c) do nº 1 do artigo 400º do Código de
Processo, não se aplicou a norma no sentido de que não são susceptíveis de
recurso para o Supremo Tribunal de Justiça os acórdãos proferidos, em recurso,
pelas relações que versem sobre questões de direito processual penal, pelo que
não se aplicou a norma na interpretação cuja constitucionalidade foi questionada
pelo recorrente. O despacho recorrido aplicou o disposto naquela alínea, porque
considerou que o acórdão impugnado não põe termo à causa, não tendo procedido,
pois, a qualquer distinção fundada na natureza das questões aí versadas'.
3. Da decisão sumária vem agora o então recorrente reclamar para a conferência,
invocando o seguinte:
'Dispõe o despacho de 5 de Abril de 2005 que o despacho do Supremo Tribunal de
Justiça, de 24 de Fevereiro de 2005, não aplicou a norma consagrada no artigo
400°, nº1, alínea c) do Código de Processo Penal no sentido que o recorrente
imputa inconstitucional.
Na verdade, considerou-se que '(...) não foi feita qualquer interpretação
restritiva do disposto na alínea c) do nº1 do Artigo 400° do Código de Processo
Penal.'
Mas será que assim foi ?
Com o seu requerimento de interposição de recurso de 6 de Dezembro de 2004, o
arguido recorrente argumentou que: 'Conforme resulta do teor do recurso
interposto, a decisão instrutória é, pelo menos nessa parte, injusta, ilegal e
viola um conjunto de direitos fundamentais constitucionalmente
consagrados.(...)', '(...) será inconstitucional por violação do artigo 32°, n°
1, da Constituição da República Portuguesa a interpretação do artigo 400°,
alínea c) do Código de Processo Penal, no sentido de considerar que não são
passíveis de recurso as decisões da relação, proferidas em recurso, que
respeitem a questões processuais penais, nomeadamente, aquelas decisões em que,
por razões meramente processuais, se rejeitem os recursos interpostos de
decisões de primeira instância que decidam sobre nulidades arguidas (...)'.
Ou seja, no entender do arguido recorrente será inconstitucional a interpretação
da citada norma quando interpretada no sentido de não considerar admissíveis os
recursos interpostos de decisões das relações meramente processuais,
nomeadamente de decisões das relações que rejeitem recursos interpostos e
admitidos na primeira instância, independentemente de implicarem ou não o termo
da causa.
Ora, se a norma em causa estatui que não são passíveis de recurso as decisões da
relação que não ponham termo à causa, ter-se-á que considerar que a tanto o
despacho do Tribunal da Relação de Lisboa, de 4 de Janeiro de 2005, como o
despacho de 24 de Fevereiro de 2005 do Supremo Tribunal de Justiça, que não
admitiram o recurso interposto pelo arguido com o fundamento que a decisão em
causa não punha termo à causa, interpretaram aquela norma no sentido de que não
são admissíveis os recursos interpostos de decisões das relações
independentemente de versarem exclusivamente sobre questões processuais penais
e, em concreto, independentemente de decidirem a rejeição de recursos
interpostos e admitidos na primeira instância.
Note-se que, o arguido invocou o Acórdão deste Tribunal Constitucional 597/2000
de 20 de Dezembro mas alertou para as diferenças em relação ao caso sub judice.
Aliás, se assim não fosse teria recorrido para este Tribunal Constitucional, ao
abrigo da norma constante da alínea g) do n° 1 do artigo 70° da Lei do Tribunal
Constitucional e não ao abrigo da alínea b) do mesmo artigo como fez.
A verdade é que esse acórdão julgou inconstitucional a norma do artigo 400°, n°
1, alínea c) julgou '(...) inconstitucional, por violação do artigo 32°, nº1, da
Constituição, a interpretação do artigo 400°, nº1, alínea c) do Código de
Processo Penal segundo a qual não são susceptíveis de recurso para o Supremo
Tribunal de Justiça os acórdão proferidos, em recurso, pelas relações que versem
sobre questões de direito processual penal.'
O arguido recorrente secundou-se na estatuição desse acórdão embora conhecesse,
e disso fez menção, as diferenças ao nível do circunstancialismo e de
fundamentação em relação ao presente caso.
Mas, na verdade essa estatuição, esse comando de desvalor jurídico de não
conformidade da norma legal com a norma constitucional complementa a própria
argumentação expendida pelo arguido, porquanto determina a recorribilidade de
decisões do tribunal da relação meramente adjectivas.
Como se refere no despacho de 5 de Abril de 2005, são requisitos de admissão do
recurso de constitucionalidade, nos termos da alínea b) do artigo 70°, n° 1, b)
da Lei do Tribunal Constitucional: a aplicação pelo tribunal recorrido, como
ratio decidendi, da norma cuja constitucionalidade é questionada pelo
recorrente; a suscitação da inconstitucionalidade normativa durante o processo e
o esgotamento de todos os recursos ordinários que no caso caibam.
Quanto à aplicação como ratio decidendi da norma constante do artigo 400°, n° 1,
alínea c) do Código de Processo Penal, refira-se também que na decisão recorrida
refere-se que: 'Segundo a Jurisprudência do Tribunal Constitucional, (...) o
princípio constitucional das garantia de defesa apenas impõe ao legislador que
consagre a faculdade de os arguidos recorrerem das sentenças condenatórias, e
bem assim o direito de recorrerem de quaisquer actos judiciais que, no decurso
do processo, tenham como efeito a privação ou restrição da liberdade ou de
quaisquer outros dos seus direitos fundamentais.' e 'Ora, não é desse tipo de
decisão que se pretende seja apreciada por este S.T.J., uma vez que se reporta a
nulidades respeitantes a perícias e escutas telefónicas'.
Resulta claro dos dois parágrafos acima transcritos que o Supremo Tribunal de
Justiça considerou que, uma vez que a decisão em causa - rejeição do recurso
interposto da decisão instrutória de 13 de Março de 2004 - não privava ou
restringia quaisquer direitos fundamentais do arguido, a interpretação da norma
do n° 1, alínea c) do artigo 400° do Código de Processo Penal conforme o artigo
32°, n° 1, da Constituição da República Portuguesa não implicava considerar
recorríveis decisões dos Tribunais de Relação que versem exclusivamente sobre
questões adjectivas, ou mais concretamente que rejeitem recursos interpostos de
decisões interlocutórias de primeira instância, independentemente de
significarem ou não o termo da causa.
Como está bom de ver, considerou-se na decisão recorrida que como a decisão em
causa se reportava a um 'problema de nulidades respeitantes a perícias e escutas
telefónicas' não era violado aquele direito fundamental, pelo que não se poderia
falar em interpretação restritiva da norma em crise.
Conclui-se, assim, que o Supremo Tribunal de Justiça interpretou a norma
constante do artigo 400°, n° 1, alínea c) do Código de Processo Penal, no
sentido de não serem admissíveis recursos de decisões dos Tribunais de Relação
que não ponham termo à causa, independentemente de estarem em causa decisões
puramente adjectivas ou mesmo decisões que rejeitam recursos interpostos e
anteriormente admitidos na primeira instância.
Por isso o arguido recorrente, aqui reclamante, não compreende o sentido do
despacho de 5 de Abril de 2005.
Poderá, é verdade, ter suscitado alguma confusão a questão do paralelismo com o
Acórdão do Tribunal Constitucional, 597/2000 de 20 de Dezembro, mas a verdade é
que o recorrente alertou para o facto de estarem em causa situações e
fundamentos diferentes, embora a letra da estatuição desse acórdão encontrasse
como encontra plena aplicação no caso sub judice.
Certo é que o Supremo Tribunal interpretou aquela norma de forma literal quando
uma interpretação conforme o artigo 32°, nº1, da Constituição da República
Portuguesa implica considerar que independentemente de essas decisões
determinarem o termo da causa, as mesmas são recorríveis quando versarem sobre
questões processuais penais e, sobretudo, quando rejeitarem recursos
anteriormente admitidos pelo tribunal 'a quo'.
A interpretação da norma constitucional sufragada pelo arguido recorrente impõe
considerar que sempre que uma decisão da relação rejeite um recurso
anteriormente admitido tem poder sindicada perante o Supremo Tribunal de
Justiça.
Foi este o entendimento que o arguido recorrente suscitou e foi este o
entendimento que o Supremo Tribunal de Justiça não aplicou ao não admitir o
recurso interposto'.
4. O representante do Ministério Público junto deste Tribunal, notificado desta
reclamação, respondeu nos seguintes termos:
'1°
No caso dos autos, afigura-se que a questão de constitucionalidade suscitada
pelo recorrente é a seguinte: violará o direito ao recurso a interpretação
normativa da alínea c) do n° 1 do artigo 400° do Código de Processo Penal que
considera irrecorríveis (para o STJ) as decisões interlocutórias das relações,
versando sobre matéria adjectiva, e que se traduzem em julgar inadmissível, por
razões procedimentais, – intempestividade – um recurso interposto do segmento da
decisão instrutória que apreciou a questão da existência de nulidades de certos
meios probatórios?
2°
Ora, mesmo admitindo que foi esta a dimensão normativa questionada e aplicada no
acórdão recorrido, afigura-se que – face à jurisprudência uniforme e reiterada
deste Tribunal acerca do âmbito do direito ao recurso – este deverá
configurar-se como manifestamente infundado.
3°
Na verdade, não estando em causa a prolação da decisão final do processo
(acórdão 597/00), nem de uma decisão que contenda directamente com medidas de
coacção privativas da liberdade (cfr. Acórdão 686/04), não se vê por que razão
deveria ser sempre admissível o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de
meras decisões interlocutórias, proferidas pelas relações na apreciação de
precedentes recursos, versando sobre decisões da 1ª instância'.
II. Fundamentação
A decisão sumária, agora reclamada, foi no sentido de não se poder conhecer o
objecto do recurso de constitucionalidade, interposto ao abrigo da alínea b) do
nº 1 do artigo 70º da LTC, por não se poder dar como verificado um dos seus
requisitos – a aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, da norma
cuja constitucionalidade é questionada pelo recorrente.
Entendeu-se, concretamente, por um lado, que o Supremo Tribunal de Justiça não
aplicou o artigo 400º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Penal (CPP) no
sentido de que não são susceptíveis de recurso para este Tribunal os acórdãos
proferidos, em recurso, pelas relações, que versem sobre questões de direito
processual penal; e, por outro, que o recorrente suscitou, durante o processo e
no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, a
inconstitucionalidade daquela norma, quando interpretada neste sentido.
1.1. Quanto ao primeiro aspecto, o próprio reclamante conclui que
' (...) o Supremo Tribunal de Justiça interpretou a norma constante do artigo
400°, n° 1, alínea c) do Código de Processo Penal, no sentido de não serem
admissíveis recursos de decisões dos Tribunais de Relação que não ponham termo à
causa, independentemente de estarem em causa decisões puramente adjectivas ou
mesmo decisões que rejeitam recursos interpostos e anteriormente admitidos na
primeira instância'.
Ou seja, reproduzindo as palavras que constam da decisão reclamada, o Supremo
Tribunal de Justiça aplicou o disposto na alínea c) do nº 1 do artigo 400º,
porque considerou que o acórdão impugnado não pôs termo à causa, não tendo
procedido a qualquer distinção fundada na natureza (adjectiva ou substantiva)
das questões aí versadas. Por outras palavras, este Tribunal entendeu que são
recorríveis os acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que versem sobre
questões de direito processual penal, desde que ponham termo à causa.
O que não pode é afirmar-se, como faz reclamante, que
'(...) se a norma em causa estatui que não são passíveis de recurso as decisões
da relação que não ponham termo à causa, ter-se-á que considerar que a tanto o
despacho do Tribunal da Relação de Lisboa, de 4 de Janeiro de 2005, como o
despacho de 24 de Fevereiro de 2005 do Supremo Tribunal de Justiça, que não
admitiram o recurso interposto pelo arguido com o fundamento que a decisão em
causa não punha termo à causa, interpretaram aquela norma no sentido de que não
são admissíveis os recursos interpostos de decisões das relações
independentemente de versarem exclusivamente sobre questões processuais penais
e, em concreto, independentemente de decidirem a rejeição de recursos
interpostos e admitidos na primeira instância'.
Com efeito, se o Supremo Tribunal de Justiça não admitiu o recurso interposto
pelo arguido com o fundamento de que a decisão em causa não punha termo à causa,
não é legítimo concluir desta aplicação da alínea c) do nº 1 do artigo 400º do
CPP que o tribunal recorrido a interpretou no sentido de que são inadmissíveis
os recursos interpostos de decisões das relações independentemente de versarem
exclusivamente sobre questões processuais penais e, em concreto,
independentemente de decidirem a rejeição de recursos interpostos e admitidos na
primeira instância. Só é legítimo concluir que aquele Tribunal aplicou aquela
alínea interpretando-a literalmente, ou seja, considerando que não é admissível
recurso de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que não ponham termo
à causa.
De resto, é disto bem expressivo o texto da decisão recorrida:
'(...) o acórdão impugnado não põe termo à causa, pois o dito acórdão rejeitou o
recurso de um despacho interlocutório da 1ª instância, continuando o processo a
correr os seus termos normais, aguardando-se uma decisão final sobre o objecto
do processo.
Essa situação cai na alçada do disposto no art.º 400º, n.º 1 alínea c) do CPP'.
E, diferentemente do que defende o reclamante, a conclusão – o tribunal
recorrido interpretou e aplicou o artigo 400º, nº 1, alínea c), do CPP no
sentido de que não admitem recurso os acórdãos proferidos, em recurso, pelas
relações, que não ponham termo à causa – em nada é posta em causa por o Supremo
Tribunal de Justiça se ter pronunciado, da forma como o fez, sobre a
conformidade constitucional da norma, à luz do disposto no artigo 32º, nº 1, da
Constituição da República Portuguesa (CRP). Deste juízo, fundado na
jurisprudência do Tribunal Constitucional, resulta apenas que aquele Tribunal
considerou que não é inconstitucional a norma que dita a irrecorribilidade dos
acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que não ponham termo à causa.
Por outras palavras e contrariando uma das afirmações do reclamante, o Supremo
Tribunal de Justiça decidiu que não era admissível o recurso do acórdão
impugnado, porque estava em causa uma decisão que não punha termo à causa, não
contrariando esta solução o disposto na CRP, uma vez que não se trata no caso de
uma decisão condenatória ou de um acto judicial que tenha como efeito a privação
ou a restrição da liberdade ou de quaisquer outros dos seus direitos
fundamentais. O que não pode é concluir-se, como faz o reclamante que:
'Resulta claro (...) que o Supremo Tribunal de Justiça considerou que, uma vez
que a decisão em causa - rejeição do recurso interposto da decisão instrutória
de 13 de Março de 2004 - não privava ou restringia quaisquer direitos
fundamentais do arguido, a interpretação da norma do n° 1, alínea c) do artigo
400° do Código de Processo Penal conforme o artigo 32°, n° 1, da Constituição da
República Portuguesa não implicava considerar recorríveis decisões dos Tribunais
de Relação que versem exclusivamente sobre questões adjectivas, ou mais
concretamente que rejeitem recursos interpostos de decisões interlocutórias de
primeira instância, independentemente de significarem ou não o termo da causa'
(itálico nosso).
Resulta claro do texto da decisão recorrida que o juízo de constitucionalidade
formulado pressupunha a solução legal da irrecorribilidade dos acórdãos
proferidos pelas relações, em recurso, que não ponham termo à causa,
independentemente de estes incidirem ou não sobre questões adjectivas.
1.2. Quanto ao segundo aspecto – a circunstância de o recorrente ter questionado
a constitucionalidade da norma, quando interpretada no sentido de que não são
susceptíveis de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça os acórdãos
proferidos, em recurso, pelas relações, que versem sobre questões de direito
processual penal – importa destacar, desde logo, que o reclamante acrescenta
agora a expressão 'independentemente de implicarem ou não o termo do processo':
'(...) no entender do arguido recorrente será inconstitucional a interpretação
da citada norma quando interpretada no sentido de não considerar admissíveis os
recursos interpostos de decisões das relações meramente processuais,
nomeadamente de decisões das relações que rejeitem recursos interpostos e
admitidos na primeira instância, independentemente de implicarem ou não o termo
da causa' (itálico nosso);
'Certo é que o Supremo Tribunal interpretou aquela norma de forma literal quando
uma interpretação conforme o artigo 32°, nº1, da Constituição da República
Portuguesa implica considerar que independentemente de essas decisões
determinarem o termo da causa, as mesmas são recorríveis quando versarem sobre
questões processuais penais e, sobretudo, quando rejeitarem recursos
anteriormente admitidos pelo tribunal 'a quo' (itálico nosso).
De facto, este inciso faz toda a diferença, pois dele resulta uma outra dimensão
normativa da alínea c) do nº 1 do artigo 400º do CPP. Só que tal dimensão não
foi questionada no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal
Constitucional, onde não consta o inciso agora acrescentado. Atendendo ao teor
deste (e às restantes peças processuais onde é suscitada a questão de
inconstitucionalidade), não é sequer de admitir que a questão de
constitucionalidade que o recorrente pretendia ver apreciada seja aquela que o
Ministério Público enuncia:
'violará o direito ao recurso a interpretação normativa da alínea c) do n° 1 do
artigo 400° do Código de Processo Penal que considera irrecorríveis (para o STJ)
as decisões interlocutórias das relações, versando sobre matéria adjectiva, e
que se traduzem em julgar inadmissível, por razões procedimentais, –
intempestividade – um recurso interposto do segmento da decisão instrutória que
apreciou a questão da existência de nulidades de certos meios probatórios?'.
De resto, o próprio reclamante não demonstra que em tal requerimento tenha sido
enunciada uma outra dimensão normativa da alínea c) do nº 1 do artigo 400º do
CPP e que tenha sido esta a aplicada pela decisão recorrida, concretamente que a
alínea c) do nº 1 do artigo 400º é inconstitucional, quando interpretada no
sentido de que são irrecorríveis os acórdãos proferidos, pelas relações, em
recurso, sobre questões processuais penais, que não ponham termo à causa.
Não demonstra – nem poderia demonstrar –, na medida em que não foi requerida ao
Tribunal Constitucional a apreciação desta outra dimensão normativa, o que pode
ser comprovado através da reprodução do requerimento do recorrente para este
Tribunal:
'O despacho de 24 de Fevereiro de 2005, ao considerar inadmissível o recurso
interposto para este Supremo Tribunal de Justiça em face da alínea c) do artigo
400° do Código de Processo Penal, violou a norma consagrada no n° 1 do artigo
32° e o próprio princípio da proporcionalidade consagrado no n° 2 do artigo 18°
da Constituição da República Portuguesa.
É verdade que a norma constante do artigo 32°, n° 1, da Constituição da
República Portuguesa não exige um triplo grau de jurisdição no processo
criminal, em que as decisões proferidas em recurso pelos Tribunais de Relação
possam ser impugnadas perante o Supremo Tribunal de Justiça, para que seja
respeitado o direito constitucional de defesa e de recurso em processo criminal.
Contudo, quando o Tribunal da Relação decida em sede de recurso sobre questões
exclusivamente processuais, nomeadamente quando decida rejeitar um recurso por
razões adjectivas, impõe-se considerar que o respeito pelo direito fundamental
de defesa e de recurso exige que essa decisão possa ser sindicada pelo Supremo
Tribunal de Justiça.
Por outro lado, a interpretação sufragada pelo despacho de 24 de Fevereiro de
2005 implica considerar que a norma em crise limita de forma intolerável o
direito fundamental à defesa e ao recurso em processo criminal, uma vez que o
núcleo essencial desse direito fundamental exige que as decisões proferidas em
processo criminal possam ser sindicadas por um tribunal superior e que se esse
tribunal de segunda instância se recusar a sindicar a decisão de primeira
instância essa decisão tem de ser ela própria sindicável.
Considerar que as decisões dos Tribunais de Relação que rejeitam recursos com
fundamento em questões meramente processuais são insindicáveis, nos termos da
sobredita norma do Código de Processo Penal, implica considerar que decisões
porventura ilegais e inconstitucionais proferidas por tribunais de primeira
instância transitem em julgado sem controlo algum.
O direito à defesa e ao recurso em processo criminal obrigam a, pelo menos, que
a decisão de não sindicar uma decisão de primeira instância por razões
exclusivamente processuais possa ser sindicada pelo Supremo Tribunal de Justiça.
O entendimento de que a norma ínsita na alínea c) do artigo 400° do Código de
Processo Penal impede o recurso de Acórdãos dos Tribunais da Relação, proferidos
em recurso e que versem exclusivamente sobre questões processuais penais,
nomeadamente que rejeitem recursos interpostos de decisões proferidas em
primeira instância com fundamentos adjectivos, viola as normas constantes do n°
1 do artigo 32° e do n° 2 do artigo 18° da Constituição da República Portuguesa
e constitui interpretação não conforme com o direito à defesa e com o direito ao
recurso em processo criminal e violação do princípio da proporcionalidade por
constituir uma restrição intolerável a esse direito fundamental.
Note-se que, no caso concreto, a decisão em causa proferida pela primeira
instância – Tribunal Central de Instrução Criminal de Lisboa – não foi ainda,
por razões adjectivas, controlada ainda por qualquer outro tribunal.
Não existiu triplo grau de jurisdição.
Existiu apenas um (...).
Tanto no requerimento de interposição de recurso para o Supremo Tribunal de
Justiça de 6 de Dezembro de 2004 como na reclamação para o Exmº Senhor
Presidente do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Janeiro de 2005, o arguido
suscitou a inconstitucionalidade da norma constante da alínea c) do artigo 400°
do Código de Processo Penal quando interpretada no sentido de considerar que não
são passíveis de recurso as decisões dos Tribunais de Relação, proferidas em
recurso, que respeitem a decisões processuais penais por violação do direito de
defesa e de recurso e do princípio da proporcionalidade (artigos 32°, n° 1, e
18°, n° 2, da Constituição da República Portuguesa)' (itálico nosso).
Com efeito, o que resulta do teor do requerimento é que o recorrente pretendia a
apreciação da inconstitucionalidade da norma contida na alínea c) do nº 1 do
artigo 400º do CPP, quando interpretada no sentido de que não são susceptíveis
de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça os acórdãos proferidos, em
recurso, pelas relações, que versem sobre questões de direito processual penal.
O mesmo decorrendo da motivação do recurso interposto para o Supremo Tribunal de
Justiça do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 13 de Outubro de 2004, e
do teor da reclamação para o Supremo Tribunal de Justiça do despacho desta
Relação, de 4 de Janeiro de 2005. Nestas peças processuais, para além de se
afirmar expressamente que
'(...) quando foi criada a norma ínsita na alínea c) do artigo 400º do Código de
Processo Penal o legislador ordinário não distinguiu as decisões das relações
com conteúdo substantivo das decisões exclusivamente processuais',
afirma-se, relativamente ao Acórdão do Tribunal Constitucional nº 597/200 que:
'Apesar de nesse recurso o caso sub judice assumir contornos distintos da
presente situação a verdade é que a estatuição desse mesmo acórdão encontra in
casu plena aplicação'.
O que é demonstrativo de que se está a questionar a constitucionalidade da norma
numa sua interpretação restritiva, ou seja, quando interpretada no sentido de
não serem susceptíveis de recurso os acórdãos proferidos, em recurso, pelas
relações, que versem sobre questões de direito processual penal. Sendo certo que
– repita-se – o Supremo Tribunal de Justiça interpretou e aplicou a alínea c) do
nº 1 do artigo 400º no sentido de que aqueles acórdãos só não são susceptíveis
de recurso quando não ponham termo à causa.
Apesar da argumentação do reclamante, não pode deixar de se anotar que o
requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional termina
com uma formulação da questão de inconstitucionalidade em tudo coincidente com a
fórmula decisória do Acórdão nº 597/2000 e que nesta decisão o que esteve sob
apreciação foi, precisamente, aquela interpretação restritiva da alínea c) do nº
1 do artigo 400º do CPP. O que, por si só, não permitiria, de todo o modo, a
interposição de um recurso ao abrigo do disposto na alínea g) do nº 1 do artigo
70º da LTC.
2. Como o reclamante não contrariou o sustentado na decisão sumária,
demonstrando que o Supremo Tribunal de Justiça aplicou a norma constante da
alínea c) do nº 1 do artigo 400º do CPP na interpretação cuja
constitucionalidade foi questionada pelo recorrente, resta concluir pelo
indeferimento da presente reclamação, mantendo a decisão de não conhecimento do
objecto do recurso interposto para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do
disposto no artigo 78º-A da LTC.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência,
confirmar a decisão reclamada no sentido do não conhecimento do objecto do
recurso.
Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 4 de Maio de 2005
Maria João Antunes
Rui Manuel Moura Ramos
Artur Maurício