Imprimir acórdão
Processo nº 430/02
3ª Secção
Relatora: Conselheiro Vitor Gomes
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I- Relatório
1. O Tribunal Cível da Comarca de Lisboa (11ª Vara Cível)
deferiu o pedido de ratificação judicial de embargo de obra nova formulado por
A., Lda., contra Refer – Rede Ferroviária Nacional, E.P. e B., S.A.,
determinando a suspensão imediata das obras promovidas pela REFER (dono da obra)
e executadas pela B. ( empreiteira) no local identificado nos autos, “até ao
momento em que seja constituído um acesso fácil e em segurança para o
estabelecimento da requerente, incluindo para camiões de mercadoria” e impondo
uma sanção compulsória, por cada dia de atraso no cumprimento.
Na oposição apresentada pela REFER, tinha sido invocada, para o
que agora interessa, a incompetência do Tribunal comum em razão da matéria,
pedindo-se a absolvição da instância. Para o efeito, a REFER sustentou estar em
causa uma obra promovida por uma empresa pública, que tem a natureza de pessoa
colectiva pública e por objecto o serviço público de gestão das infra-estruturas
ferroviárias, sujeita à tutela do Estado e exercendo prerrogativas de
autoridade, que a equiparam a entidade administrativa. Como tal, por força do
disposto no artigo 414.º do Código de Processo Civil, não poderia a obra ser
embargada, devendo a requerente socorrer-se dos meios previstos no contencioso
administrativo.
Na decisão proferida foi a excepção julgada improcedente, com o
fundamento de que a requerida não estava a desenvolver actos de gestão pública
enquanto, por outro lado, a requerente visava a defesa da sua “propriedade
privada”.
2. Inconformada, recorreu a REFER para o Tribunal da Relação de
Lisboa – recurso recebido como agravo, a subir em separado e imediatamente, com
efeito meramente devolutivo –, o qual, por acórdão de 14 de Março de 2002,
julgou procedente o recurso e revogou a decisão recorrida, considerando que,
face ao estatuído no artigo 414.º do Código de Processo Civil, a obra em causa
não podia ser embargada e que a defesa dos interesses da requerente,
eventualmente lesados, deveria processar-se na jurisdição administrativa,
através dos meios processuais próprios ou subsidiariamente aplicáveis.
Para tanto, recusou aplicação da norma contida no n.º 1 do
artigo 32.º dos Estatutos da REFER, E.P., aprovados pelo Decreto-Lei nº 104/97,
de 29 de Abril, por inconstitucionalidade, com dois fundamentos: ao atribuir
competência aos tribunais judiciais para o julgamento de todos os litígios em
que figure como parte a REFER, “retirando-a aos tribunais administrativos, mesmo
no caso das acções (principais ou instrumentais) em que, sendo parte a REFER,
estejam em causa relações jurídicas administrativas”, a norma é materialmente
inconstitucional, violando o disposto no n.º 3 do artigo 212.º da Constituição;
além disso, enferma de inconstitucionalidade orgânica, dado “emanar do Governo,
introduzindo uma solução inovatória em matéria da competência dos tribunais, sem
credencial legislativa bastante” – artigo 165.º, n.º 1, alínea p), da
Constituição”.
3. Desta decisão interpuseram recurso para o Tribunal
Constitucional, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei nº 28/82,
de 15 de Novembro, o Ministério Público e a requerente, A..
O Ministério Público concluiu do seguinte modo as suas
alegações:
“1º A matéria atinente à definição da “competência dos tribunais” situa-se
inteiramente no âmbito da competência legislativa reservada da AR, não sendo
admissível que uma norma constante de diploma, não parlamentarmente credenciado,
disponha inovatoriamente sobre a repartição de competências entre tribunais
judiciais e administrativos.
2º Situam-se no âmbito do conceito de “relação jurídica administrativa” os actos
que consubstanciam a realização, mediante empreitada de obras públicas, de obra
nova em infraestruturas do domínio público ferroviário, por iniciativa da pessoa
colectiva pública em que o Estado “delegou” as tarefas de gestão e manutenção de
tais bens.
3º A norma a que se reporta o presente recurso, quando interpretada no sentido
de implicar a atribuição ao foro cível de competência para dirimir o litígio
atinente a tal relação jurídico-administrativa, é organicamente
inconstitucional, por violação do artigom165º, nº 1, alínea p) da Constituição
da República Portuguesa.
4º Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade constante
da decisão recorrida.”
Por sua vez, A. rematou as suas alegações com as seguintes
conclusões:
“I. O artigo 212º/3. CRP não consagra uma reserva absoluta de competência dos
tribunais administrativos, apenas os estabelece como “tribunais comuns” para
dirimir litígios emergentes de relações jurídico-administrativas;
II. É, assim, constitucionalmente legítima a atribuição pelo legislador a outras
ordens de tribunais de competências pontuais, desde que fundamentadas;
III. Mas o artigo 32 Estatutos REFER mantém, no seu nº 2, a atribuição da
competência dos tribunais administrativos para dirimir litígios emergentes de
relações jurídico-administrativas;
IV. Atribuindo, pelo seu nº 1, competência aos tribunais judiciais apenas para
as restantes relações jurídico-privadas;
V. Aliás, a REFER enquanto empresa pública, desenvolve a sua actividade
principalmente sob o regime de direito privado, nos termos do artigo 3º DL nº
260/76, de 8-4 (e hoje do artigo 7º DL nº 558/99, de 17-12).
VI. O artigo 32º Estatutos REFER vem repetir, quase palavra por palavra, o texto
do artigo 46º DL nº 260/76, limitando-se a manter, sem novidades, uma tradição
jurídica do regime das empresas públicas;
VII. Não há, assim, qualquer incompatibilidade com o artigo 212º/3 CRP;
VIII. Também, a natureza não inovatória do artigo 32º Estatutos REFER, de mera
reprodução da tradição jurídica constante já do artigo 46º DL nº 260/76,
retira-lhe qualquer inconstitucionalidade orgânica que pudesse ter;
IX. De acordo com jurisprudência pacífica e reiterada deste Tribunal
Constitucional.
Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas., deve o julgamento de
inconstitucionalidade recorrido ser anulado, declarando-se a plena
constitucionalidade do artigo 32º/1. Estatutos REFER e ordenando-se a repetição
do julgamento em conformidade, como é da Constituição e de Justiça!”
Por seu turno, a REFER defende a decisão recorrida,
acompanhando os seus fundamentos e as alegações do Ministério Público,
considerando que a competência para dirimir este tipo de litígios está
constitucionalmente reservada aos tribunais administrativos, de acordo com o n.º
3 do artigo 212.º da Constituição.
II - Fundamentação
4. O Decreto-Lei n.º 104/97, de 29 de Abril, criou a Rede
Rodoviária Nacional – REFER E.P., pessoa colectiva de direito público, “dotada
de autonomia administrativa e financeira e de património próprio, estando
sujeito à tutela dos Ministros das Finanças e do Equipamento, do Planeamento e
da Administração do Território” (n.º 1 do artigo 2.º), a qual se rege pelo
Decreto-Lei nº 260/76, de 8 de Abril, com as alterações posteriores, “com o
estatuto que constitui o anexo I ao [...] diploma, que dele faz parte
integrante, e pela demais legislação aplicável (n.º 1 do artigo 1.º do mesmo
diploma).
Nesse estatuto figura um preceito do seguinte teor:
“Artigo 32.º
Tribunais competentes
1 - Sem prejuízo decorrente do disposto na alínea d) do n.º 2 do
artigo 3.º, compete aos tribunais judiciais o julgamento de todos os litígios em
que seja parte a REFER, E.P., incluindo as acções para efectivação da
responsabilidade civil dos titulares dos seus órgãos para com a respectiva
empresa.
2 - São da competência dos tribunais administrativos os julgamentos
dos recursos dos actos dos órgãos da REFER, E.P. que se encontrem sujeitos a um
regime de direito público, bem como o julgamento das acções sobre a validade,
interpretação e execução dos contratos administrativos celebrados pela empresa.
A norma cuja constitucionalidade é questionada é a do n.º 1 do
transcrito artigo 32.º, na interpretação de que atribui competência aos
tribunais judiciais para o julgamento de todos os litígios em que figure como
parte a REFER, mesmo no caso das acções em que estejam em causa relações
jurídicas administrativas. Foi essa a norma que o acórdão recorrido entendeu que
seria chamada a disciplinar o caso e afastou por inconstitucionalidade, o que
significa que implicitamente considerou não caber a situação em qualquer das
outras normas de competência que o preceito comporta.
5. Considerando o disposto no n.º 3 do artigo 212.º da
Constituição da República – nos termos do qual “compete aos tribunais
administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que
tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas
administrativas e fiscais” – o acórdão recorrido considerou aquele preceito não
só materialmente inconstitucional (por violação desta última norma), como
organicamente inconstitucional, por emanar do Governo, introduzindo uma solução
inovatória no tocante à competência dos tribunais, sem credencial legislativa
bastante, infringindo a reserva relativa de competência legislativa da
Assembleia da República, constante da alínea p) do n.º 1 do artigo 165.º da Lei
Fundamental. Assentou esse entendimento na qualificação do litígio como
reportado a uma relação jurídico‑administrativa, em função da natureza da obra e
dos fins com ela prosseguidos e do enquadramento institucional da acção
desenvolvida pela REFER, enquanto gestora do domínio público ferroviário
infra-estrutural, por um lado, e do fim visado pela requerente do embargo, por
outro, devendo a defesa dos interesses desta processar-se pelos meios do
contencioso administrativo e nos tribunais dessa jurisdição.
A este propósito, escreveu-se no acórdão:
“Estatui o artº 414º do C. Processo Civil que ‘Não podem ser embargadas, nos
termos desta subsecção, as obras do Estado, das demais pessoas colectivas
públicas e das entidades concessionárias de obras ou serviços públicos quando,
por o litígio se reportar a uma relação jurídico-administrativa, a defesa dos
direitos ou interesses lesados se deva efectivar através dos meios previstos na
lei de processo administrativo contencioso’.
Defende a recorrente que é uma empresa pública, com a natureza de pessoa
colectiva pública, com prerrogativas de autoridade pública, que tem por objecto
a gestão da infra-estrutura integrante da rede ferroviária nacional e que foi no
âmbito dessas suas atribuições que lançou a obra que a recorrida embargou e cuja
ratificação de embargo obteve do tribunal recorrido, com violação do disposto na
citada norma.
Deriva do estatuído no DL nº 104/97, de 29 de Abril, que a requerida, pessoa
colectiva de direito público sujeita à tutela dos Ministros das Finanças e do
Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território (art. 2º/1), tem
por objecto principal a prestação do serviço público de gestão da
infra-estrutura integrante da rede rodoviária nacional, constando, entre as suas
atribuições, para além de outras, ‘a construção, instalação e renovação das
infra-estruturas ferroviárias’, integrando-se nestas, desde que façam parte das
vias principais e de serviço, designadamente, os terrenos, a estrutura e
plataformas da via (aterros, trincheiras, valas, valetas, muros de
revestimentos, de vedação, bermas, etc.), ‘obras de arte: pontes, pontões e
outras passagens superiores, túneis, valas cobertas e outras passagens
inferiores...’, passagens de nível, pátios das gares, instalações de segurança,
sinalização e telecomunicações, de iluminação etc. (cfr. artº 3º/1 e anexo II do
mesmo diploma).
Para além disso, deriva dos Estatuto da Refer, E.P., publicados em anexo ao
mesmo diploma (Anexo I), que o dito objecto principal da Refer, E.P., ‘consiste
no serviço público de gestão da infra-estrutura integrante da rede rodoviária
nacional, desenvolvendo as actividades pertinentes ao seu objecto de acordo com
os princípios de modernização e eficácia, de modo a assegurar o regular e
contínuo fornecimento do serviço público, utilizando para o efeito os meios mais
adequados à actividade ferroviária’ (art. 2º/1).
E acrescenta-se no seu artº 3º/1, sob a epígrafe ‘Prossecução do objecto’, que a
Refer, E.P., pode praticar todos os actos de gestão necessários ou convenientes
à prossecução do seu objecto, e “conserva os direitos e assume as
responsabilidades atribuídas ao Estado relativamente ao domínio público
ferroviário nas disposições legais e regulamentares aplicáveis,...’ (nº 2 da
mesma norma, com sublinhado nosso).
Ora, inserindo-se a obra em questão – execução da ligação ferroviária norte-sul,
através da Ponte 25 de Abril (troço Chelas-Entrecampos), (v. Despacho nº 21
989/98, publicado no DR, 2ª Série, de 19-12-98 e planta anexa) – nas atribuições
próprias da recorrida, mas inerentes ao domínio público ferroviário, que normal
e tradicionalmente caberiam no núcleo de actuações do Estado (cfr. preâmbulo do
DL 104/97 e Lei de Bases do Sistema de Transportes Terrestres, onde a
responsabilidade pela construção, renovação e conservação da infra-estrutura
integrante da rede ferroviária nacional está atribuída ao Estado ou a ‘entidade
actuando por sua concessão ou delegação’ (artº 10º e 11º/1) – e que este, por
opção estratégica colocou na requerida), e estando verdadeiramente em causa o
acesso da recorrida à via pública, tem de concluir-se que a ameaça dos eventuais
direitos que a requerente procurou, provisoriamente, proteger com recurso ao
embargo extrajudicial, seguido de pedido de ratificação judicial do mesmo, se
reporta a uma relação jurídico-administrativa.”
Desta caracterização e face ao artigo 414.º do Código de Processo Civil
decorreria, segundo o acórdão recorrido, não poder a obra em causa ter sido
embargada nos termos em que o foi, devendo a defesa dos interesses daqueles que
aleguem ser ou poder ser afectados por ela processar-se nos tribunais
administrativos, “através dos seus meios processuais próprios ou por elas
subsidiariamente aplicáveis” (Aliás, além desta norma geral, é uma constante do
sistema jurídico a introdução de cautelas excepcionais relativamente à
possibilidade de embargo de obras promovidas pela empresa a que incumbe a
construção e gestão das infra-estruturas ferroviárias, como resultava do
preceituado no artigo 4.º do Regulamento para a Exploração e Polícia dos
Caminhos de Ferro, constante do Decreto-Lei n.º 39.870, de 21 de Agosto de 1954
e consta do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 276/2003, de 4 de Novembro).
Entendeu, porém, o acórdão recorrido que o n.º 1 do artigo 32.º dos Estatutos da
REFER impediria esta solução de remessa da requerente para os meios do
contencioso administrativo. Mas afastou este obstáculo, considerando que o n.º 1
do artigo 32.º do Estatuto, “na parte em que atribui competência aos tribunais
judiciais para o julgamento de todos os litígios em que seja parte a REFER,
E.P., retirando-a aos tribunais administrativos, mesmo no caso das acções
(principais ou instrumentais) em que, sendo parte a REFER, estejam em causa
relações jurídicas administrativas, é materialmente inconstitucional, por violar
o disposto no n.º 3 do artigo 212.º da Constituição e é, também, organicamente
inconstitucional por emanar do Governo, introduzindo uma solução inovatória em
matéria de competência dos Tribunais, sem credencial legislativa bastante,
infringindo a reserva de competência legislativa consagrada na alínea p) do n.º
1 do artigo 165.º da Constituição.
Reconduzindo a apreciação da situação apenas aos restantes
preceitos citados, o acórdão recorrido decidiu que a obra em causa não podia ser
embargada e, consequentemente, o pedido de ratificação do embargo extrajudicial
deveria ter sido julgado improcedente. Deve, aliás, notar-se que não se trata
propriamente de uma decisão de incompetência, isto é, de verificação da falta de
um pressuposto processual relativo ao tribunal, mas de uma decisão de
improcedência do pedido por insusceptibilidade de embargo da obra pública nos
termos pretendidos. A norma de competência a que é recusada aplicação é
convocada pela decisão recorrida porque – integrando o regime de excepção às
regras da defesa cautelar por embargos de obra nova que consta do artigo 414.º
do CPC – obstaria a que os interesses da requerente 'devessem' ser defendidos
pelos meios do contencioso administrativo, na medida em que subtrairia a causa à
jurisdição (ao conjunto dos tribunais da ordem jurisdicional) onde esses meios
têm aplicação.
6. Deve começar-se por observar que ao Tribunal Constitucional
compete, tão somente, a apreciação da conformidade ou desconformidade com regras
ou princípios constitucionais, sejam os invocados da decisão recorrida e nas
alegações do recurso, sejam outros que o Tribunal entenda pertinentes, da norma
a que a decisão recorrida recusou aplicação (artigo 79.º-C da LTC). Assim, está
fora da sua competência saber se a situação litigiosa, tal como o acórdão
recorrido a caracteriza, cai no âmbito do n.º 1 do artigo 32.º dos Estatutos da
REFER.
Na verdade, como salienta o Ministério Público, poderia
justificar-se a interrogação sobre se a norma dos Estatutos tem o sentido com
que foi tomada, ou se a norma de competência contenciosa não deveria antes ser
interpretada como corolário do princípio geral de que as empresas públicas
actuam segundo o direito privado, isto é, que a fiscalização da actividade das
empresas públicas não fica submetida aos tribunais administrativos justamente
porque fazem gestão privada e na exacta medida em que o fazem. Interrogação que,
face à nova disciplina que, quanto ao regime geral das empresas públicas, foi
introduzida pelo Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de Dezembro, poderia levar-se ao
ponto de questionar a própria vigência dessa norma ou, pelo menos, se não
deveria ser interpretada em conformidade com o novo desenho geral do regime
jurídico dos entes públicos empresariais. Todavia, como adiante se verá, a
controvérsia jurisprudencial existente a este propósito impede que o Tribunal
encare a hipótese de proceder a uma interpretação conforme, ao abrigo do n.º 3
do artigo 80.º da Constituição.
A mesma aceitação do decidido pelo tribunal a quo tem de
observar-se quanto à definição da situação jurídica litigiosa, designadamente
com o enquadramento dos trabalhos embargados e a identificação da pretensão da
ora recorrida, que levou o tribunal da causa a qualificar o litígio como
reportado a uma situação jurídica administrativa. Sem prejuízo de sempre
competir ao Tribunal Constitucional, se tanto se revelar necessário, dizer se,
para efeitos do n.º 3 do artigo 212.º da Constituição, a situação, tal como é
recortada pelo tribunal a quo quanto aos factos pertinentes e ao direito
ordinário que os rege, integra o conceito constitucionalmente relevante de
relação jurídica administrativa, porque aí já se trata de determinar o conceito
constitucionalmente relevante.
7. De uma norma como aquela que está em apreciação, cujo objecto
é a determinação da jurisdição competente, isto é, a escolha entre atribuir a
apreciação jurisdicional de determinado tipo de litígios à ordem dos tribunais
judiciais ou à ordem dos tribunais administrativos e fiscais, pode seguramente
afirmar-se que incide sobre matéria da reserva relativa de competência
legislativa da Assembleia da República, que ao tempo da edição da norma constava
da alínea q) do n.º 1 do artigo 168.º e actualmente figura na alínea p) do n.º 1
do artigo 165.º da Constituição ('Organização e competência dos tribunais…). É
actualmente pacífico que a reserva abrange toda a matéria da competência dos
tribunais (Cfr., entre outros, acórdãos nºs 25/88, 3/89, 356/89 e 172/96 e
588/99, publicados em Acórdãos do Tribunal Constitucional, vols. 11º, pág.. 541
e segs., 13º, II, pág. 619 e segs., 13º, I, pág. 443 e segs. e 33º, pág. 361 e
segs. e Diário da República, II Série, de 20 de Março de 2000, respectivamente).
De todo o modo, mesmo quem propugnasse uma interpretação restritiva do preceito
constitucional, aceitaria que a repartição dos litígios entre as duas ordens
jurisdicionais está seguramente compreendida na extensão mínima desta reserva.
Assim, pode assentar-se que um conteúdo normativo como aquele
que consta da norma em causa só pode, em princípio, constar de decreto-lei
mediante prévia lei parlamentar de autorização legislativa.
8. Todavia, de acordo com a jurisprudência reiterada do
Tribunal, para que se afirme a inconstitucionalidade orgânica não basta que nos
deparemos com produção normativa não autorizada do Governo em determinado
domínio onde este órgão só poderia intervir com credencial parlamentar bastante.
Com efeito, o facto de o Governo aprovar actos normativos respeitantes a
matérias inscritas no âmbito da reserva relativa de competência da Assembleia da
República não determina, por si só e automaticamente, a invalidação das normas
que assim decretem, por vício de inconstitucionalidade orgânica. Desde que se
demonstre que tais normas não criaram um ordenamento diverso do então vigente,
limitando-se a retomar e a reproduzir substancialmente o que já constava de
textos legais anteriores emanados do órgão de soberania competente, no
seguimento de jurisprudência constitucional que remonta à Comissão
Constitucional (Cfr., aliás com posição discordante, a indicação de JORGE
MIRANDA, Manual de Direito Constitucional, tomo V, págs. 234/235), vem o
Tribunal entendendo não existir invasão relevante da esfera de competência
reservada (Sobre o carácter inovatório de um preceito como critério decisivo
para aferir da sua compatibilidade com o artigo 168.º, nº 1, alínea q) da
Constituição – actualmente, artigo 165.º, n.º 1, alínea p) – cfr., por exemplo,
o acórdão nº 123/04 (Plenário), publicado no Diário da República, I Série-A, de
30 de Março de 2004].
Ora, a recorrida objecta ao juízo de inconstitucionalidade
orgânica, precisamente, com o facto de a norma em causa se limitar a reproduzir
o que já constava do regime geral das empresas públicas vigente ao tempo da sua
edição. Refere-se ao artigo 46.º do Decreto-Lei n.º 260/76, de 8 de Abril, que
dispunha o seguinte:
“Artigo 46.º
(Tribunais Competentes)
1. Salvo o disposto no números seguintes, compete aos tribunais judiciais o
julgamento de todos os litígios em que seja parte uma empresa pública, incluindo
as acções para efectivação da responsabilidade civil por actos dos seus órgãos,
bem como a apreciação da responsabilidade civil dos titulares desses órgãos para
com a respectiva empresa.
2. São da competência dos tribunais administrativos os julgamentos dos recursos
dos actos definitivos e executórios dos órgãos das empresas públicas sujeitos a
um regime de direito público, nos termos do n.º 2 do artigo 3º, bem como o
julgamento das acções sobre validade, interpretação ou execução dos contratos
administrativos celebrados por essas mesmas empresas.”
O cotejo das duas disposições imediatamente revela a sua
essencial similitude de conteúdo normativo, sobretudo no que respeita à norma
que agora está em apreciação, aquela que entrega aos tribunais judiciais a
competência regra para conhecer dos litígios em que seja parte uma empresa
pública. Assim, o n.º 1 do artigo 32.º dos Estatutos da REFER não correspondeu a
uma qualquer actuação inovadora do Governo em matéria de reserva relativa da
Assembleia da República, limitando-se a reiterar, para o caso de uma certa
empresa pública, algo que a legislação em vigor já genericamente dispunha. Não
pode, consequentemente, concluir-se pela inconstitucionalidade orgânica porque,
suposta a bondade da interpretação que conduziu à recusa de aplicação que
considera a situação abrangida por essa determinação de que todos os litígios em
que seja parte a empresa cabem, em princípio aos tribunais judiciais, o Governo
nada terá inovado.
Não se ignora que, ao tempo da propositura da acção, o
Decreto-Lei n.º 260/76 já não se encontrava em vigor, tendo sido substituído
pelo Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de Dezembro, que introduziu profundíssimas
alterações no regime jurídico geral do sector empresarial do Estado, passando a
determinação dos 'tribunais competentes' a constar do artigo 18.º deste último
diploma em termos que poderiam justificar a interrogação sobre a vigência da
disposição particular do artigo 32.º dos Estatutos da REFER ou, pelo menos,
sobre a repercussão da evolução do regime geral na determinação do sentido dessa
norma estatutária particular.
Todavia, esse aspecto da evolução do regime quadro não
interfere nos termos de apreciação da questão da inconstitucionalidade orgânica
a que no presente processo cumpre proceder. Por um lado, o acórdão recorrido
teve apenas em consideração a norma dos Estatutos, nos seus estritos termos
literais, sendo que a determinação da vigência e a interpretação do direito
ordinário aplicado ou a que é recusada aplicação com fundamento em
inconstitucionalidade é matéria da competência do tribunal da causa, que o
Tribunal Constitucional tem de aceitar como um dado, com ressalva de hipóteses
excepcionais de imposição de interpretação conforme ao abrigo do n.º 3 do artigo
80.º da LTC que, no caso, se não justifica desde logo porque a solução é
efectivamente e na prática judiciária controversa (cfr. por exemplo, em sentidos
opostos, acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 30/06/2005, Proc.
3378/2005-6 e Proc. 20/10/2005, Proc 9174/2005-6 e o acórdão do Tribunal dos
Conflitos de 6/7/2006, Conflito n.º 28/05). Por outro lado, para efeitos da
verificação do carácter inovatório da solução normativa questionada, enquanto
critério da relevância da falta de credencial parlamentar específica, o quadro
normativo que importa considerar é aquele que se verificava no momento em que
essa norma passou a integrar o ordenamento jurídico (é por referência à situação
nesse momento verificada que produz ou não modificação substancial do
ordenamento), sendo irrelevantes as modificações posteriores.
Deste modo, face à regra geral de atribuição aos tribunais
comuns da competência para conhecer dos litígios em que fosse parte uma empresa
pública, instituída pelo artigo 46.º do Decreto-Lei n.º 260/76, a norma agora em
causa, embora especial para certa empresa pública, não se reveste de carácter
inovatório, pelo que importa passar à apreciação da inconstitucionalidade
material de que o acórdão recorrido também entendeu estar a norma inquinada.
9. Como no acórdão se salienta, o dono da obra embargada (a REFER) é uma empresa
pública, com a natureza de pessoa colectiva de direito público e forma de
“entidade pública empresarial” (cfr. artigo 23.º do Decreto-Lei n.º 558/99 de 17
e Dezembro), cujo escopo principal é a gestão da infra-estrutura integrante da
rede ferroviária nacional. Incumbe-lhe, não apenas a gestão da capacidade,
conservação e manutenção da infra-estrutura instalada, mas também a própria
construção, instalação e renovação das infra-estruturas ferroviárias (artigos
2.º e 3.º do Decreto-Lei n.º 194/97 e artigo 2.º dos Estatutos aprovados por
este mesmo diploma legal). Nessa qualidade, a REFER conserva os direitos e
assume as responsabilidades atribuídas ao Estado relativamente ao domínio
público ferroviário.
Dispõe o actual n.º 3 do artigo 212.º da Constituição
(anteriormente à Lei Constitucional n.º 1/97, era o n.º 3 do artigo 214.º) que
compete aos tribunais administrativos [e fiscais] o julgamento das acções e
recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das
relações jurídicas administrativas [e fiscais]”. O Tribunal já foi por diversas
vezes confrontado com a questão de determinar o alcance da reserva
constitucional da jurisdição administrativa, no duplo sentido de que, por um
lado, os tribunais administrativos só poderão julgar questões de direito
administrativo e, por outro lado, de que só eles poderão julgar tais questões,
tendo-lhe respondido, em jurisprudência cujos pressupostos se mantêm, que o
preceito contém uma regra definidora de um modelo típico, compatível com
adaptações ou desvios em casos especiais desde que não fique prejudicado o seu
núcleo caracterizador.
Assim, sem preocupações de apresentar um elenco exaustivo,
decidiu o Tribunal que não violavam o disposto no mencionado preceito
constitucional:
- O artigo 61.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 48 953, de 5 de
Abril de 1969 (redacção do Decreto-Lei n.º 693/70, de 31 de Dezembro), que
atribuía aos tribunais tributários competência para cobrar dívidas de que fosse
credora a Caixa Geral de Depósitos (cfr. acórdãos nºs 371/94, 372/94, 508/94,
Diário da República, II série, de 3 de Setembro de 1994, 7 de Setembro de 1994 e
13 de Dezembro de 1994, respectivamente) e 574/94, 610/94 e 629/94,
www.tribunalconstitucional.pt);
- O artigo 36.º, n.º 1, da Portaria n.º 640/76, de 26 de
Outubro – norma que prevê recurso contencioso para os tribunais administrativos
dos actos de registo de imprensa - não violava o disposto naquele preceito da
Constituição (cfr. acórdão n.º 607/95, Diário da República, II série, de 15 de
Março de 1996).
- Os preceitos do Código das Expropriações (na espécie, o
aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 438/91, de 9 de Novembro) que atribuem aos
tribunais judiciais a competência para julgar a questão da indemnização por
expropriação por utilidade pública (cf. o acórdão n.º 746/96, Diário da
República, II série, de 4 de Setembro de 1996).
- A atribuição ao Supremo Tribunal de Justiça da competência
para julgar os recursos interpostos das deliberações do plenário do Conselho
Superior da Magistratura, feita pelo n.º 1 do artigo 168.º do Estatuto dos
Magistrados Judiciais, não viola o referido artigo 212.º, n.º 3, da Constituição
(cf., os acórdãos n.ºs 347/97 e 290/99, publicados no Diário da República, II
Série, de 25 de Julho de 1997 e 15 de Novembro de 2000, respectivamente, e o
acórdão n.º 421/2000, disponível em www.tribunalconstitucional.pt);
- As normas que cometem aos tribunais judiciais a competência
para a apreciação do recurso dos actos relativos a certos actos de registo em
sede de propriedade industrial, apesar de se reconhecer o carácter publicístico
destes (cfr. acórdão n.º 550/2000, publicado no Diário da República, II Série,
de 1 de Fevereiro de 2001) e para a impugnação dos actos dos conservadores do
registo predial (cfr. acórdão n.º 284/2003, Diário da República, II Série, de 18
de Julho de 2003).
Desta jurisprudência ressalta o entendimento, várias vezes
sublinhado, de que a introdução, pela revisão constitucional de 1989, no então
artigo 214.º, n.º 3, da Constituição, da definição do âmbito material da
jurisdição administrativa, não visou estabelecer uma reserva absoluta, quer no
sentido de exclusiva, quer no sentido de excludente, de atribuição a tal
jurisdição da competência para o julgamento dos litígios emergentes das relações
jurídicas administrativas e fiscais. O preceito constitucional não impôs que
todos estes litígios fossem conhecidos pela jurisdição administrativa (com total
exclusão da possibilidade de atribuição de alguns deles à jurisdição “comum”),
nem impôs que esta jurisdição apenas pudesse conhecer desses litígios (com
absoluta proibição de pontual confiança à jurisdição administrativa do
conhecimento de litígios emergentes de relações não administrativas), sendo
constitucionalmente admissíveis desvios num sentido ou noutro, desde que
materialmente fundados e insusceptíveis de descaracterizar o núcleo essencial de
cada uma das jurisdições.
É conclusão que o Tribunal vem sustentando, no essencial, tendo
em consideração, por um lado, que o preceito (inicialmente o n.º 3 do artigo
214.º) se explica historicamente na sequência da alteração do então artigo 211.º
(actualmente artigo 209.º) que consagrou a ordem jurisdicional administrativa
como de existência necessária e não meramente facultativa. Neste contexto é
normal que, num texto como o da Constituição, se tenha utilizado, na definição
da área própria dessa ordem jurisdicional, a técnica da cláusula geral, sem que
isso signifique um propósito de estabelecer uma reserva material absoluta. Por
outro lado, uma interpretação rigorosamente chegada aos estritos termos literais
colocaria dúvidas perturbadoras do normal funcionamento dos tribunais em áreas
de grande importância prática e de longa tradição de competência dos tribunais
judiciais, designadamente em matéria de contencioso de actos de registo, de
impugnação de decisões em matéria de contra-ordenações, de fixação da
indemnização na expropriação por utilidade pública, bem como depararia com a
impossibilidade de os tribunais administrativos, na organização judiciária
administrativa então existente, dado o seu escasso número e distribuição
geográfica, darem resposta adequada e acessível à avalanche de litígios com que
se viriam confrontados. Só perante uma inequívoca vontade do legislador
constituinte se poderia assumir uma tal 'revolução'.
Como diz VIEIRA DE ANDRADE (A Justiça Administrativa -
(Lições), 8.ª edição, pág. 113) essa definição constitucional do 'âmbito-regra,
que corresponde à justiça administrativa em sentido material, deve ser entendida
como uma garantia institucional, da qual deriva para o legislador ordinário
tão-somente a obrigação de respeitar o núcleo essencial da organização material
das jurisdições'. O preceito constitucional proíbe a descaracterização ou
desfiguração da jurisdição administrativa, enquanto jurisdição própria ou
principal nesta matéria. Mas não fica proibida a atribuição pontual do
julgamento de questões substancialmente administrativas aos tribunais judiciais,
admitindo-se a razoabilidade dessas 'remissões', que podem ter justificações
diversas e muitas delas tradicionais na nossa organização judiciária – por
exemplo, a apreciação das decisões das autoridades administrativas em matéria de
contra-ordenações, os litígios relativos à indemnização por expropriação, o
contencioso de actos de registo e notariais –, e designadamente naquelas
situações de fronteira em que há dúvidas de qualificação ou zonas de intersecção
entre as matérias administrativas e as restantes.
Em termos práticos, significa isto que, perante norma legal a
definir concretamente qual a jurisdição competente, há que indagar qual a
natureza da relação jurídica de que emerge o litígio e, se se concluir que
possui natureza administrativa, se impõe averiguar se a solução descaracteriza
a jurisdição administrativa, enquanto jurisdição própria ou principal nesta
matéria.
10. Vejamos, então, se isto acontece com a atribuição de
competência aos tribunais judiciais para conhecer dos litígios em que seja parte
a REFER, mesmo nos casos de acções emergentes de obras por esta promovidas e
sujeitas a um regime de direito administrativo, no âmbito das suas atribuições
inerentes ao domínio público ferroviário – foi esse o pressuposto de que partiu
a decisão recorrida para qualificar a relação como relação jurídica
administrativa –, alegadamente geradoras de prejuízos para terceiros por
perturbarem as condições de acesso destes à via pública.
A resposta a esta questão surgirá facilitada se começarmos por ter presente que
o litígio não versa directamente sobre qualquer acto jurídico unilateral
relativo à utilização, protecção e gestão das infra-estruturas afectas ao
serviço público (cfr. artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 558/99 e n.º 2 do artigo
2.º do Decreto-Lei n.º 104/97), nem sobre aspectos respeitantes à interpretação,
validade ou execução do contrato de empreitada ao abrigo do qual a obra estava a
ser realizada. Efectivamente, o objecto imediato da reacção da embargante, a
causa da lesão que quer prevenir ou afastar, são as operações materiais em que a
execução da obra se traduz, que atingiam os seus interesses sem pré-existência
de um acto jurídico individual, emitido no exercício de poderes ou prerrogativas
de autoridade, que a sujeitasse a tais consequências, nos termos em que o
acórdão recorrido configura a causa porque se assim não fosse teria atendido ao
n.º 2 do citado artigo 32.º. A embargante não estava constituída noutra relação
com a actividade jurídica da REFER de que as obras emergem que não seja a que
resulta da vizinhança do local das obras e só por via da execução destas se
estabelece entre ambas a relação de que emerge a pretensão conservatória ou
restaurativa em que a acção se traduz.
Ora, nesta perspectiva e mesmo admitindo que as alterações das
condições de acesso à via pública por parte da recorrida que daí advêm tenha de
ser resolvido pela aplicação de normas de direito administrativo, trata-se de um
daqueles domínios em que a remissão para os tribunais comuns não pode ser
considerado atentatório do modelo típico que a Constituição quis consagrar
quanto ao âmbito material da justiça administrativa. Com efeito, a fonte causal
imediata da actuação alegadamente lesiva de que emerge o litígio são as
referidas operações materiais e estas apresentam-se como juridicamente neutras
ou ambivalentes. Assim, não põe dizer-se que, mesmo praticadas num contexto
vivencial de direito público, a atribuição dos litígios delas emergentes, quando
da responsabilidade de uma empresa pública em que a regra é preferência pelo
princípio da gestão privada, atinja o núcleo essencial da organização material
das jurisdições nos termos em que a jurisprudência do Tribunal, que não se vê
razões para rever, interpreta o n.º 3 do artigo 212.º da Constituição.
Pelo exposto, não se verificando os vícios de
inconstitucionalidade (orgânica e material) que levaram o acórdão recorrido a
recusar aplicação ao n.º 1 do artigo 32.º dos Estatutos da REFER, o recurso deve
ser julgado procedente.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se conceder provimento ao recurso e
ordenar a reforma da decisão recorrida em conformidade com o presente juízo de
não inconstitucionalidade.
Sem custas.
Lisboa, 21 de Março de 2007
Vítor Gomes
Bravo Serra
Gil Galvão
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Artur Maurício