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Processo n.º 627/06
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
Acordam em conferência na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1.A. vem reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo
78.º-A da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal
Constitucional (Lei do Tribunal Constitucional), da decisão sumária de 18 de
Julho de 2006, que decidiu não tomar conhecimento do recurso de
constitucionalidade por ela interposto e condená-la em custas, com sete unidades
de conta de taxa de justiça. Tal decisão teve o seguinte teor:
«1. Por acórdão tirado em conferência em 4 de Maio de 2006, o Supremo Tribunal
Administrativo julgou findo o recurso por oposição de julgados interposto por A.
do acórdão da 1.ª Secção daquele Supremo Tribunal, de 7 de Julho de 2004, que
manteve a sentença do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, datada de 12
de Outubro de 2002, que negara provimento ao recurso contencioso interposto por
ela da deliberação de 22 de Outubro de 1998, da Comissão de Inscrição da
Associação dos Técnicos Oficiais de Contas, de recusa da sua inscrição como
técnica oficial de contas. Pode ler-se nesse aresto de 7 de Julho de 2004:
[…]
Em primeiro lugar, impõe-se o conhecimento da arguida nulidade da sentença, por
omissão de pronúncia, por não ter conhecido quer da nulidade do Regulamento da
Comissão de Instalação da ATOC, de 3/6/98, quer dos restantes vícios imputados
às disposições desse mesmo Regulamento.
A nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 668.° do CPC só ocorre
quando o tribunal não conhece de questões de que devia tomar conhecimento, sendo
que tal não acontece quando a decisão dessas questões esteja prejudicada pela
solução dada a outras – artigo 660.°, n.º 2, do mesmo diploma.
No caso em apreço, a decisão baseou-se no facto de a recorrente não ter logrado
provar que possuía três anos de actividade como responsável directa de
contabilidade organizada, exigidos pelo artigo 1.° da Lei n.º 27/98, para a sua
inscrição como técnica oficial de contas, tendo-se entendido na própria sentença
que esta conclusão prejudicou o conhecimento dos vícios imputados ao
Regulamento.
Foi efectivamente este o caminho seguido pela decisão recorrida, pois aí se
começou por afirmar: “... impõe-se passar de imediato à apreciação do objecto do
presente recurso consistente nos vícios imputados à deliberação recorrida e, só
se for caso disso, aferir da eventual ilegalidade da norma regulamentar aplicada
ao caso sub judice”, tendo‑se, depois de se conhecer do vício de violação da Lei
n.º 27/98, concluído que “independentemente das eventuais ilegalidades do
Regulamento da ATOC”, a recorrente não logrou provar ... os três anos de
actividade como responsável directa de contabilidade organizada requeridos pelo
art.º 1.º da Lei n.º 27/98 para a sua inscrição como técnica oficial de contas”.
Desta forma, improcede a alegada nulidade de sentença.
Passemos agora ao erro de julgamento que a recorrente imputa à sentença
recorrida.
Em seu entender, esta lavra num manifesto erro de interpretação e aplicação do
disposto nos artigos 1.º e 2.° da Lei n.º 27/98.
A Lei n.º 27/98, de 3/6, veio permitir excepcionalmente a inscrição na ATOC,
como técnicos oficiais de contas, de profissionais contabilistas que não
preenchiam os requisitos previstos no Decreto-Lei n.º 265/95, de 17/10,
valorizando a sua experiência profissional obtida pelo exercício, durante não
menos de três anos, de responsabilidade directa por contabilidade organizada.
Para se requerer a inscrição como técnicos oficiais de contas, esta lei veio
exigir que desde 1 de Janeiro de 1989 até à data da publicação do DL n.º 265/95,
de 17/10, tenham sido, durante três anos, seguidos ou interpolados, responsáveis
directos por contabilidade organizada.
Acontece, porém, que a Comissão da ATOC veio elaborar um Regulamento em que se
impôs que a prova da qualidade de responsável directo por contabilidade
organizada se faça mediante entrega de cópias autenticadas ou certidões de
declarações Mod. 22 do IRC e/ou anexo das declarações Modelo 2 do IRS, relativo
a três exercícios, seguidos ou interpolados, compreendidos entre 1989 e 1994,
inclusive e cuja apresentação não seja posterior a 17 de Outubro de 1995.
Chegados a este ponto, importa discriminar as várias orientações que a
jurisprudência tem adoptado, no que concerne à relevância jurídica do referido
Regulamento.
Essencialmente, são três as orientações a registar:
- a tese segundo a qual a questão verdadeiramente importante não é a relativa
aos meios por que se poderia provar o exercício daquela contabilidade, mas se se
tinha exercido, no período mínimo exigido pela lei, a profissão de técnico de
contas.
Segundo tal orientação, havia a necessidade de os requerentes provarem que, no
período decorrido entre 1/1/89 e 17/10/95 e durante três anos seguidos ou
interpolados, foram responsáveis directos por contabilidade organizada, o que
decorreria da interpretação dada pelo Regulamento à Lei (cfr. Acórdãos n.ºs
308/02, de 6/11/2002, 47670, de 4/12/2001, e 47669, de 9/10/2001).
- Um outro entendimento exige que a prova da qualificação se faça através dos
elementos fixados no Regulamento de execução da Lei n.º 27/98, editado pela
Comissão Instaladora da ATOC, contendo normas procedimentais e elencando os
documentos com os quais o pedido de inscrição devia ser instruído, “tornando,
assim, mais segura e uniforme a concretização da prova a fazer pelos
interessados quanto ao tempo de exercício de funções de contabilistas e a sua
responsabilidade directa por contabilidade por eles organizada”.
Neste caso, atribui-se ao Regulamento a natureza de verdadeiro regulamento de
execução, “norma jurídica de carácter geral e execução permanente dimanada de
uma autoridade administrativa sobre matéria própria da sua competência, dotado,
pois, de inerente força vinculativa” e que não se substitui à lei habilitante,
antes a regulamenta (vide, entre outros, os Acórdãos n.ºs 613/03, 748/02 e
47812, respectivamente de 15/05/2003, de 13/11/2002 e de 24/04/2002.)
- Por último, mas não menos importante, há uma terceira via nas orientações
assumidas por este Tribunal em que se considera não ser compatível com o
objectivo da lei (reparação de situações de injustiça) as restrições relativas
aos meios de prova que, a existirem, viriam a inviabilizar inúmeras situações de
pessoas que se encontrassem em condições de demonstrarem a sua existência para
efeitos de inscrição, como técnicos oficiais de contas, ao abrigo daquela lei.
É que efectivamente, ao contrário da lei que não discrimina quais os meios de
prova necessários para a inscrição na ATOC, o Regulamento veio impor a
apresentação de cópias autenticadas de declarações modelo 22 do IRC e/ou o anexo
C às declarações modelo 2 do IRS relativas a três exercícios, seguidos ou
interpolados, compreendidos entre 1989 e 1994, inclusive, cuja data de
apresentação não seja posterior a 17/10/95.
Recentemente, o Pleno deste STA pronunciou-se sobre a questão das restrições dos
meios de prova no Regulamento em causa, no Acórdão de 18 de Maio último,
proferido no Proc. n.º 48397.
Escreveu-se nesse aresto:
“Nos casos concretos em que surgiram os Acórdãos divergentes, a Comissão
Instaladora da ATOC moveu-se no contexto já mencionado e emitiu antes da
abertura do prazo dos requerimentos dos interessados na inscrição como TOC uma
norma que limita a prova do exercício da actividade que é pressuposto da
inscrição aos documentos que enuncia na alínea d) do artigo 1.º da sua
deliberação de 3 de Junho de 1998.
Portanto, aquele comando que foi levado ao conhecimento dos interessados,
coarctava-lhes o direito de requererem outra prova que não fosse aquela que era
taxativamente vazada na norma proveniente do órgão competente.
Esta condicionante tinha reflexos necessários, em termos dos comportamentos
normais e exigíveis dos diversos candidatos à inscrição, desde logo na forma
como puderam desempenhar-se do ónus de provar o facto constitutivo do direito à
inscrição e depois em momento final, também, necessariamente, na decisão que foi
tomada de excluir os recorrentes.
De modo que por um lado a restrição probatória pôs em risco também um valor
fundamental do procedimento que é o de a decisão se conformar tanto quanto
possível com a verdade dos factos que interessam à composição dos interesses em
causa, violando o princípio da verdade material. Neste sentido os Ac. deste STA
de 15.12.94, Proc. 32949 e de 18.12.2003, Proc. 185/03, e Rui Machete, in
Estudos de Direito Público e Ciência Política, pág. 379.
E por outro lado, ao agir assim o órgão em causa além de se não conformar com a
norma mencionada do n.º 1 do artigo 87.º também viola a regra inserta no n.º 2
do artigo 88.º do CPA, restringindo sem fundamento, de modo genérico,
apriorístico e proibido a possibilidade de os particulares usarem os meios de
prova ao seu alcance e de requererem a produção dos que tivessem por adequados,
normas estas que eram aplicáveis conjuntamente com o regime substantivo
constante do artigo 1.º da Lei n.º 27/98, a qual sem prever restrições ou meios
específicos de prova dos pressupostos que enuncia, confere o direito de
inscrição às pessoas que, durante três anos seguidos ou interpolados, foram
responsáveis directos por contabilidade organizada nos termos do POC de
entidades que possuíssem ou devessem possuir contabilidade organizada durante o
período visado, isto é, entre 1 de Janeiro de 1989 e 17 de Outubro de 1995.
Efectivamente as normas em causa apresentam como fundamento a necessidade de
disposições que permitam a aplicação da Lei n.º 27/98, de 3/6, por exemplo
quanto a documentos que devem instruir os pedidos.
E, nos artigos 1.º e 2.º dispõe-se que o pedido de inscrição deve ser
acompanhado de cópias autenticadas das declarações de IRC ou IRS entregues nos
serviços de finanças até 17 de Outubro de 1995 e dos quais conste a assinatura
do candidato, relativas a três exercícios, entre 1989 e 1994.
É evidente que os interessados perante estas normas não podiam requerer outra
prova do exercício da actividade no período em causa senão pelas ditas
declarações de IRC e IRS.
Daí que possamos dizer que pela forma como estão redigidas as normas emanada da
Comissão Instaladora em 3 de Junho de 1998, denominadas “Regulamento”, e
relativas à inscrição a título excepcional permitido pela Lei n.º 2/79, pelo
momento em que foi emitida (isto é, antes da abertura do período de inscrição),
pela forma como foi imposta aos interessados (como condicionamento da instrução
do requerimento) e tal como foi aplicada (excluindo outro meio de prova)
torna-se evidente que não se tratou de sugerir uma forma mais adequada de prova,
mas sim de elevar os documentos exigidos a único meio de prova, afastando a
possibilidade de os interessados requererem e de a Comissão admitir qualquer
outra, pelo que foram ofendidos os artigos 87.º, n.º 1, e 88.º, n.º 2, do CPA e
o Acórdão recorrido que julgou ilegal o acto de recusa da inscrição decidiu
correctamente, pelo que deve manter-se”.
Acontece, porém, que, no caso dos autos, não ocorreu qualquer restrição dos
meios de prova.
Na verdade, como bem se decidiu na sentença recorrida, a recorrente não logrou
demonstrar o pressuposto vinculado de inscrição na ATOC estabelecido pelo art.º
1.° da Lei n.º 27/98.
É certo que o acto contenciosamente impugnado se baseia no citado Regulamento
para afirmar que a declaração relativa ao exercício de 1994 foi entregue fora do
prazo (17/10/95). Porém, mesmo que se considere relevante a apresentação feita
após aquela data, o certo é que a declaração relativa ao exercício de 1994 não
prova que a recorrente tivesse sido responsável directa por contabilidade
organizada no ano de 1994, ou no período relevante para efeitos da Lei n.º 27/98
do ano de 1995, ou seja, de 1-01 a 17-10.
Com efeito, como se refere na sentença recorrida: “Embora a actividade inerente
à responsabilidade directa por contabilidade organizada relativa aos exercícios
de 1992 e 1993 devesse ter sido desenvolvida ao longo desses anos, mesmo que a
apresentação da declaração não tivesse sido feita respectivamente em 1993 e
1994, mas tardiamente em 1994 e 1995, não tem que ter sido exactamente assim.
Com efeito, no mundo dos factos é possível que a actividade subjacente àquelas
declarações tivesse sido desenvolvida, não no período fiscal a que essas
declarações se referem mas, atendendo à data da sua apresentação às Finanças, ou
seja, para o que nos interessa, nos anos imediatamente seguintes aos respectivos
anos fiscais (em 1993 e em 1994). Esta mesma razão vale para a actividade
subjacente à declaração relativa ao exercício de 1994, apresentada em 1996, que
poderá ter sido desenvolvida não naquele ano mas apenas em 1995. Portanto, esta
última declaração não prova irrefutavelmente que a recorrente tivesse sido
responsável directa por contabilidade organizada no ano de 1994, ou no período
relevante para efeitos da Lei n.º 27/98 do ano de 1995, ou seja, de 1-01 a
17-10”.
Tem sido também este o entendimento do STA no caso de não se demonstrar o
exercício da actividade até 17/10/95, isto é a data da publicação do Decreto-Lei
n.º 265/95.
Aliás sobre tal matéria, debruçaram-se os Acórdãos n.ºs 863/03, de 7/10/2003,
47831, de 20/01/2003, e 47612, de 26/03/2003, entre outros, transcrevendo-se
deste último, o seguinte trecho: “O acto impugnado não aceitou a prova
apresentada pelo recorrente relativamente à responsabilidade directa por
contabilidade organizada, no período referenciado no art.º 1.° da Lei n.º 27/98.
E isto fundamentalmente, porque essa prova se baseava na apresentação de
declarações modelo 22 do IRC relativas a data posterior a 17 de Outubro de 1995.
Ou seja, muito embora as declarações se refiram a anos anteriores a essa data, a
verdade é que só foram apresentadas posteriormente, em 14 de Outubro de 1997 (v.
fls. 34-36 dos autos), não estando minimamente demonstrado que a actividade
contabilística referida em tais declarações se reportem a período anterior
àquela data, antes inculcando a ideia que se trata de declarações elaboradas
posteriormente.
Ora, quando o art.º 1.º da Lei n.º 27/98 exige prova de que os profissionais de
contabilidade “tenham sido, durante 3 anos seguidos ou interpolados,
responsáveis directos por contabilidade organizada”, refere-se obviamente à
actividade passada e não a actividade posterior a 17/10/95. Tratando-se, como se
disse, de um regime de excepção, foi intenção do legislador evitar que através
de expedientes pouco claros, um indivíduo sem habilitações e sem experiência
profissional, pudesse obter a sua inscrição como técnico oficial de contas.
Assim, no caso em apreço, a sentença recorrida concluiu, e bem, que o acto
contenciosamente impugnado estava em consonância com o preceituado no citado
art.º 1.º Lei n.º 27/98, ao recusar a inscrição do recorrente com base na prova
apresentada.
Nesta perspectiva, são irrelevantes os vícios assacados pelo recorrente ao
regulamento da Comissão Instaladora da ATOC, na medida em que, ainda que tais
vícios procedessem, o certo é que o recorrente não fez prova de que sendo
profissional de contabilidade, entre 1 de Janeiro de 1989 e até 17/10/95, tinha
durante 3 anos seguidos ou interpolados, individualmente ou sob a forma de
sociedade, exercido aquele tipo de actividade, não satisfazendo, assim, o
desiderato constante do citado normativo.
Apurado, pois, que o recorrente não poderia ser inscrito como técnico oficial de
contas ao abrigo do art.º 1.º da citada Lei n.º 27/98, por não preencher um dos
pressupostos vinculados para que tal pudesse ocorrer, é de todo despiciendo
apurar se as normas do Regulamento que interpretou a aplicação daquela lei,
sofrem, ou não das inconstitucionalidades ou ilegalidades, que o recorrente lhe
imputa, uma vez que, independentemente das normas fixadas naquele Regulamento, o
seu pedido de inscrição teria sempre que ser indeferido por não cumprir o
pressuposto fixado na lei que o regulamento pretendeu interpretar.
Efectivamente, estando em causa a impugnação de um acto administrativo e o
apuramento da verificação ou não dos pressupostos vinculados aí fixados, não há
que ter em conta, uma vez verificada a inexistência do pressuposto, se foram
violados os princípios da incompetência absoluta, a usurpação de poder, da boa
fé, da igualdade e da restrição dos meios de prova. De facto, uma vez que,
sempre e de todo o modo a Administração, perante a inexistência do pressuposto
vinculado teria de indeferir a pretensão formulada ao abrigo do referido art.º
1.º da Lei n.º 27/98, por não preenchimento do pressuposto do exercício efectivo
daquele tipo de actividade durante o período mínimo de 3 anos, não se coloca a
necessidade de apreciar, perante aquele indeferimento, se o mesmo poderia ser
ultrapassado face à existência de princípios gerais da actividade administrativa
que teriam sido violados pelo Regulamento, os quais só teriam que ser ponderados
se estivesse em causa um poder discricionário da Administração perante norma que
o permitisse – cfr. ac. deste STA, de 4/12/01, rec. 47670.”
Assim sendo, resta concluir que, no caso dos autos, independentemente das
eventuais ilegalidades do Regulamento da ATOC, de 3-6-98, a recorrente não
provou, de forma segura, possuir os três anos de actividade como responsável
directa de contabilidade organizada requeridos pelo artigo 1.º da Lei n.º 27/98
para a sua inscrição como técnica oficial de contas.
E não tendo a recorrente feito essa prova, não poderia ser inscrita como técnica
oficial de contas, ao abrigo do art.º 1.º da citada Lei n.º 27/98.
Pelo que a sentença recorrida não merece a censura que lhe vem dirigida,
improcedendo todas as conclusões da alegação da recorrente.»
2. Inconformada, a arguida dirigiu-se ao Tribunal Constitucional com o presente
recurso de constitucionalidade, interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do
artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal
Constitucional (Lei do Tribunal Constitucional), dizendo no seu requerimento de
recurso:
«A., recorrente nos autos de recurso à margem identificados, em que é recorrida
a COMISSÃO DE INSCRIÇÃO DA ASSOCIAÇÃO DOS TÉCNICOS OFICIAIS DE CONTAS, não
podendo conformar-se com o douto Acórdão deste S.T.A., de fls., de 07-07-2004,
vem, nos termos dos art.ºs 70.°, 75.° e 75.°-A da Lei n.º 28/82, de 15 de
Novembro, com as alterações introduzidas pelas Leis n.ºs 143/85, de 26/11,
85/89, de 7/09, 88/95, de 1/09, e 13-A/98, de 26/02, interpor recurso para o
Tribunal Constitucional, só o fazendo agora, por haver esgotado os recursos
ordinários, o presente recurso é tempestivo (n.ºs 5 e 6 do art.º 70.° da Lei n.º
28/82, de 15/11).
O recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do art.º 70.° da Lei n.º
28/82, de 15 de Novembro, porquanto o Acórdão recorrido fez aplicação de normas
– o Regulamento aprovado pela ATOC, em especial a alínea d) do n.º 1 do art.º
1.° e art.º 3.°, cuja inconstitucionalidade e ilegalidade tinha sido suscitada
nos autos, por violação do disposto nos art.ºs 13.°, 18.°, 112.°, n.º 8, e art.º
165.°, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa, bem como
violação do art.º 1.º da Lei n.º 27/98, de 3 de Junho, norma que aplicada com o
mesmo sentido e alcance do Regulamento foi inconstitucionalizada pelo Acórdão
recorrido, já que considerou não observado, pela recorrente, o exigido pelo
art.º 1.° da Lei n.º 27/98, de 3 de Junho, porquanto aceitou a limitação dos
meios de prova, inconstitucionalmente impostos por aquele Regulamento».
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentos
3. O presente recurso foi admitido no tribunal a quo, mas essa decisão não
vincula este Tribunal, como prevê o n.º 3 do artigo 76.º da Lei do Tribunal
Constitucional, e, entendendo-se que não se pode conhecer do recurso, lavra‑se a
presente decisão sumária, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A do
mesmo diploma.
4. Com efeito, para se poder tomar conhecimento de um recurso de
constitucionalidade como o presente, interposto ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1,
alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, é necessário, não só que tenham
sido esgotados os recursos ordinários e que a questão de constitucionalidade
tenha sido suscitada durante o processo, como também que a norma, ou
interpretação normativa, impugnada tenha sido aplicada, como ratio decidendi,
pela decisão recorrida: isto é, que tal norma ou interpretação normativa tenha
constituído fundamento decisivo para o tribunal recorrido. Este último requisito
não é, aliás, mais do que expressão da necessária utilidade da intervenção do
Tribunal Constitucional, em via de recurso, pois, se a norma impugnada não foi
ratio decidendi – mas antes é apenas mencionada num obiter dictum –, ou se
existe outro fundamento, só por si bastante para se chegar a decisão idêntica à
recorrida, a decisão do Tribunal Constitucional sobre a sua constitucionalidade,
qualquer que ela fosse, sempre seria insusceptível de alterar o sentido da
decisão do tribunal recorrido. Nestas condições, o Tribunal Constitucional não
pode tomar conhecimento do recurso.
Acresce que, no nosso sistema de fiscalização concentrada e incidental da
constitucionalidade, não cabe ao Tribunal Constitucional, nem controlar o modo
como a matéria de facto foi apurada pelos tribunais recorridos, nem sequer
controlar o mérito da decisão recorrida, em si mesma, ou, sequer, apurar se as
normas nela aplicadas correspondem ou não ao melhor direito. No recurso de
constitucionalidade tal como foi delineado pela Constituição da República e pela
Lei do Tribunal Constitucional, este é apenas um órgão de fiscalização da
constitucionalidade de normas, em si mesmas (isto é, numa interpretação
enunciativa) ou em determinada interpretação particular, aplicada na decisão
recorrida.
Ora, a recorrente pretende que o Tribunal Constitucional aprecie a
constitucionalidade “do Regulamento aprovado pela ATOC, em especial a alínea d)
do n.º 1 do art.º 1.° e art.º 3.°”, por entender que tais normas violam o
“disposto nos art.ºs 13.°, 18.°, 112.°, n.º 8, e art.º 165.°, n.º 1, alínea b),
da Constituição da República Portuguesa, bem como violação do art.º 1.º da Lei
n.º 27/98, de 3 de Junho”.
Contudo, lendo o acórdão recorrido – o acórdão do Supremo Tribunal
Administrativo de 7 de Julho de 2004 –, verifica-se claramente que não foi essa
norma aí aplicada, nem expressa, nem implicitamente, e muito menos constituiu a
ratio decidendi da decisão. Com efeito, o que esteve em causa foi a impugnação
de um acto administrativo e o apuramento da verificação dos pressupostos
exigidos à recorrente. No acórdão recorrido apenas se faz a análise da
suficiência da prova apresentada pela recorrente para se poderem dar como
preenchidos os pressupostos constantes do artigo 1.º da Lei n.º 27/98, da
verificação dos quais está dependente a admissão da sua inscrição como técnica
oficial de contas na Associação dos Técnicos Oficiais de Contas, concluindo pela
sua insuficiência. Pode ler-se nesse aresto que:
«(...)
Assim sendo, resta concluir que, no caso dos autos, independentemente das
eventuais ilegalidades do Regulamento da ATOC, de 3-6-98, a recorrente não
provou, de forma segura, possuir os três anos de actividade como responsável
directa de contabilidade organizada requeridos pelo artigo 1.º da Lei n.º 27/98
para a sua inscrição como técnica oficial de contas.
E não tendo a recorrente feito essa prova, não poderia ser inscrita como técnica
oficial de contas, ao abrigo do art.º 1.º da citada Lei n.º 27/98.
Pelo que a sentença recorrida não merece a censura que lhe vêm dirigida,
improcedendo todas as conclusões da alegação da recorrente.»
[sublinhado aditado]
Como se conclui pela simples leitura desta passagem da fundamentação da decisão
recorrida, a referência aí feita ao Regulamento da Associação de Técnicos
Oficiais de Contas, de 3 de Janeiro de 1998, não constituiu ratio decidendi.
Aliás, a decisão recorrida não chega sequer a debruçar-se sobre tal questão.
Lê-se na referida decisão, na parte em que transcreve o acórdão n.º 47612, de 26
de Março de 2003:
“[…]
Assim, no caso em apreço, a sentença recorrida concluiu, e bem, que o acto
contenciosamente impugnado estava em consonância com o preceituado no citado
art.º 1.º da Lei n.º 27/98, ao recusar a inscrição do recorrente com base na
prova apresentada.
Nesta perspectiva, são irrelevantes os vícios assacados pelo recorrente ao
regulamento da Comissão Instaladora da ATOC, na medida em que, ainda que tais
vícios procedessem, o certo é que o recorrente não fez prova de que sendo
profissional de contabilidade, entre 1 de Janeiro de 1989 e até 17/10/95, tinha
durante 3 anos seguidos ou interpolados, individualmente ou sob a forma de
sociedade, exercido aquele tipo de actividade, não satisfazendo, assim, o
desiderato constante do citado normativo.
Apurado, pois, que o recorrente não poderia ser inscrito como técnico oficial de
contas ao abrigo do art.º 1.º da citada Lei n.º 27/98, por não preencher um dos
pressupostos vinculados para que tal pudesse ocorrer, é de todo despiciendo
apurar se as normas do Regulamento que interpretou a aplicação daquela lei,
sofrem, ou não, das inconstitucionalidades ou ilegalidades, que o recorrente lhe
imputa, uma vez que, independentemente das normas fixadas naquele Regulamento, o
seu pedido de inscrição teria sempre que ser indeferido por não cumprir o
pressuposto fixado na lei que o regulamento pretendeu interpretar.
Efectivamente, estando em causa a impugnação de um acto administrativo e o
apuramento da verificação ou não dos pressupostos vinculados aí fixados, não há
que ter em conta, uma vez verificada a inexistência do pressuposto, se foram
violados os princípios da incompetência absoluta, a usurpação de poder, da boa
fé, da igualdade e da restrição dos meios de prova. De facto, uma vez que,
sempre e de todo o modo, a Administração, perante a inexistência do pressuposto
vinculado teria de indeferir a pretensão formulada ao abrigo do referido art.º
1.º da Lei n.º 27/98, por não preenchimento do pressuposto do exercício efectivo
daquele tipo de actividade durante o período mínimo de 3 anos, não se coloca a
necessidade de apreciar, perante aquele indeferimento, se o mesmo poderia ser
ultrapassado face à existência de princípios gerais da actividade administrativa
que teriam sido violados pelo Regulamento, os quais só teriam que ser ponderados
se estivesse em causa um poder discricionário da Administração perante norma que
o permitisse – cfr. ac. deste STA, de 4/12/01, rec. 47670.”
Conclui-se, pois, que, independentemente do juízo que agora se viesse a formular
sobre a constitucionalidade das normas indicadas pela recorrente – as do
“Regulamento aprovado pela ATOC, em especial a alínea d) do n.º 1 do art.º 1.° e
art.º 3.°” –, a decisão recorrida sempre seria a mesma. E forçoso é, também,
concluir que, não tendo a norma impugnada no presente recurso de
constitucionalidade sido aplicada, como ratio decidendi, pela decisão recorrida,
não pode, pois, tomar-se conhecimento do presente recurso de
constitucionalidade.»
2.Diz-se na reclamação apresentada:
«1. De recurso em recurso e de Tribunal em Tribunal avoluma-se o risco de
denegação de justiça e de verdadeira recusa, em termos efectivos, do acesso ao
Direito e aos Tribunais que a Constituição é suposto assegurar.
2. Basta ver os termos que foram introduzidos na Lei n.º 27/98, de 3 de Junho,
para perceber que o legislador quis, efectivamente, ultrapassar as resistências
corporativas, injustas e ilegais, da ATOC e da sua Comissão de Inscrição, ora
recorrida, que cerceavam (e continuam a cercear) o acesso à profissão de técnico
de contas a vários profissionais de contabilidade que reuniam os necessários
requisitos para tanto.
3. Publicada a Lei n.º 27/98 e estabelecidas até, face à previsível resistência
da recorrida e dos demais órgãos da ATOC, mecanismos de deferimento tácito de
pedidos de inscrição na ATOC, logo esta se apressou a aprovar o Regulamento que
foi junto como Doc. 5 com a petição de recurso.
4. Tal regulamento envolve um chorrilho de ilegalidades e de
inconstitucionalidades, que foram, oportuna e formalmente, suscitadas nos autos.
5. Aliás, levantou-se, oportunamente, a questão da inconstitucionalidade daquele
regulamento resultar da violação do disposto nos art.ºs 13.º, 18.º, 112.º, n.º
8, 115.º, n.º 5, e 165.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República
Portuguesa.
6. Em primeiro lugar regista-se, desde logo, a inconstitucionalidade que decorre
da circunstância dos órgãos da ATOC não terem competência para aprovar o
regulamento em causa, atento o princípio da primariedade ou da precedência da
lei, segundo o qual todos os regulamentos carecem de habilitação legal,
exigência que vem expressamente consagrada no n.º 8, do art.º 112.º da C.R.P.
7. Efectivamente, o Regulamento da ATOC veio, de motu proprio, executar a Lei
n.º 27/98, de 3 de Junho, sem para tal estar habilitado, quer pela própria Lei,
quer pelo Estatuto da Associação.
8. Na verdade, transcrevendo as doutas palavras do Prof. Vital Moreira[1]:
“Todo o poder regulamentar, incluindo o das administrações autónomas
corporativas, é um poder normativo derivado, conferido pela Constituição ou pela
lei, e não pode invadir a reserva de lei nem infringir a lei (prevalência da
lei). E um poder que carece de atribuição do legislador ou directamente da
Constituição, visto que não existe poder regulamentar inerente, sem lei. Como
frisa A. R. Queiró (1976:432), «a competência regulamentar autónoma carece de
atribuição expressa pelo legislador»”.
9. Aliás, como ensina aquele Professor[2]:
“O que distingue a administração legal da administração corporativa é o facto de
a primeira ter constitucionalmente reconhecido o seu poder regulamentar, não
podendo por isso este ser-lhe retirado pelo legislador, que pode delimitá-lo mas
não suprimi-lo, enquanto que tal não sucede com a segunda, pelo que este só
existe se reconhecido pelo legislador”.
10. Acresce que, de harmonia com o princípio da especificidade (art.º 267.º, n.º
3, da Constituição da República Portuguesa), o qual constitui «no dizer de
Eggert (...) a magna charta dos filiados obrigatórios das corporações públicas»,
as associações públicas “... só podem ter as atribuições públicas que lhe sejam
directamente confiadas pelo legislador ou pelo Estado-Administração mediante
credencial legislativa ...”.[3]
11. Tal princípio, comum a todas as pessoas colectivas públicas, significa, no
caso em apreço, que a ATOC só tem as atribuições definidas na lei ou nos
respectivos Estatutos e só pode exercer os poderes que lhe foram conferidos a
fim de desempenhar as referidas atribuições.
12. Por outro lado, a Lei n.º 27/98, ao contrário do que, ilegalmente, diga-se,
aconteceu com o Despacho n.º 8470/97, do Ministro das Finanças, que abriu o
concurso extraordinário para inscrição como técnico de contas (ponto 13), não
atribuiu à ATOC competência para regulamentar as condições da sua aplicação.
13. Não atribuiu, nem podia atribuir, uma vez que se trata de matéria relativa a
direitos, liberdades e garantias e de direitos de natureza análoga, a saber, o
direito de escolha e exercício de uma profissão, o direito à segurança no
emprego e o direito de iniciativa privada (art.ºs 47.º, 53.° e 61.° da
Constituição da República Portuguesa), direitos fundamentais sujeitos ao regime
qualificado do art.º 18.° da Constituição da República Portuguesa,
designadamente ao regime de reserva da lei material e formal.
14. A este respeito transcrevem-se, por elucidativas, as palavras do Prof. Vital
Moreira[4]:
“… a regulação corporativa tem de respeitar a reserva de lei constitucionalmente
estabelecida para a regulação dos direitos, liberdades e garantias, em especial
para o estabelecimento de restrições. Como se mostrou na altura própria, a
auto-regulação corporativa não afasta a reserva de lei, lá onde ela exista.
Desse modo carecem de fixação legislativa – estando precludida a regulamentação
corporativa – todos os aspectos que, por poderem configurar restrições à
liberdade de escolha de profissão (ou do seu exercício, quando afectem a
liberdade de escolha), pertencem à reserva de lei (Constituição da República
Portuguesa, art.º 18.º-3). Entre eles contam-se, além dos requisitos de
inscrição e de acesso às especialidades profissionais eventualmente existentes
(por exemplo, os colégios de especialidades na Ordem dos Médicos), as
incompatibilidades, os deveres deontológicos e outros que possam configurar
restrições àquele direito (v.g. proibição de publicidade profissional e fixação
corporativa de honorários), os pressupostos das penas de suspensão e de expulsão
(porquanto se traduzem em interdições de exercício profissional). O regulamento
corporacional não pode fazer mais do que organizar ou procedimentalizar as
restrições estabelecidas por lei. E dado que a lei não pode delegar no
regulamento a disciplina de matérias que entram na reserva de lei, está excluída
a possibilidade de o estatuto da associação pública ou outra lei habilitar esta
a fazê-lo. Como afirma J. Miranda (1988: 160), «as restrições têm de ser legais,
não podem ser instituídas por via regulamentária ou por acto administrativo».
15. Também Afonso Queiró[5] afirma peremptoriamente que no que concerne a
matérias reservadas à competência legislativa da Assembleia da República, a
interdição de regulamentação não pode ser superada pela própria lei, mediante
uma autorização de intervenção regulamentar, escrevendo “... a disciplina
integral destas matérias (...) cabe em princípio à lei, excepcionalmente ao
decreto-lei e nunca ao regulamento”.
16. Aliás, como realça o Prof. Vital Moreira[6]:
“No caso da administração autónoma não territorial a reserva de lei é,
juntamente com a tutela, um dos instrumentos de garantia do interesse geral
contra o perigo de uma regulamentação corporativista. (...) Como nota
pertinentemente Schuppert «quanto maior for a esfera da reserva de lei, maior é
o controlo sobre as corporações públicas profissionais».
17. Na obra “Auto-Regulação Profissional e Administração Pública”, aquele Mestre
refere expressamente a situação que nos ocupa, quando afirma “... lá onde esteja
constitucionalmente estabelecida uma reserva de lei – como sucede normalmente em
matéria de restrições aos direitos fundamentais, como é o caso da liberdade de
profissão – fica então o regulamento reduzido a um papel executivo da lei”. (Ora
basta ver o conteúdo do Regulamento para ver quanto excedeu substantivamente
esta natureza).
18. A dado passo, quando versa sobre as funções regulatórias das ordens
profissionais, mormente a regulamentação do acesso declara a natureza
“estritamente vinculada” da verificação dos seus pressupostos e requisitos,
esclarecendo que “...a garantia do direito fundamental à escolha da profissão
implica: primeiro, que os requisitos de acesso estejam definidos na lei,
segundo, que eles sejam objectivos, de modo a que a apreciação desses requisitos
seja vinculada, excluindo qualquer discricionariedade (o que afasta a utilização
de conceitos indeterminados de difícil densificação)”.[7]
19. A doutrina do Prof. Jorge Miranda é também clara, quando afirma que havendo
dever de inscrição como condição do exercício profissional, assiste a todos os
que preencham os requisitos legais um direito a essa inscrição, sem que a
associação tenha a possibilidade de a recusar, nem podendo haver
discricionariedade na possibilidade de recusa. (in “As Associações Públicas no
Direito Português”, RFDUL, XXVII, pág. 87 e segs.)
20. Do exposto resulta que a ATOC não dispõe, nem por via dos Estatutos, nem por
via da Lei n.º 27/98, de competência regulamentar, e, assim, de competência para
regulamentar a matéria tratada na Lei n.º 27/98, muito menos a Comissão
Instaladora da ATOC, às quais as Portarias do Ministério das Finanças n.º 36/96,
de 9/5 (D.R., II série, n.º 108, de 9/5) e n.º 61/96, de 1/7 (D.R., II série,
n.º 150, de 1/7/96) reconheceram tão-somente competência para a prática dos
«actos necessários para assegurar a respectiva gestão corrente» (n.º 3 da
Portaria n.º 36/96, de 9/5).
21. A Lei n.º 27/98, de 3 de Junho, estabelece no seu art.º 10.º o seguinte:
“No prazo de 90 dias a contar da publicação da presente lei, os profissionais de
contabilidade que desde 1 de Janeiro de 1989 e até à data da publicação do
Decreto-Lei n.º 265/95, de 17 de Outubro, tenham sido, durante três anos
seguidos ou interpolados, individualmente ou sob a forma de sociedade,
responsáveis directos por contabilidade organizada, nos termos do Plano Oficial
de Contabilidade, de entidades que naquele período possuíssem ou devessem
possuir contabilidade organizada podem requerer a sua inscrição como técnicos
oficiais de contas na Associação de Técnicos Oficiais de Contas (ATOC)”.
· A primeira dúvida que se levanta é a de saber, uma vez que
estávamos em Outubro de 1995, quando foi publicado o Dec-Lei n.º 265/95, ou
seja, praticamente a findar o ano fiscal, se, nos três anos a que a lei se
refere se incluía, ou não, o ano fiscal de 1995;
· Sobre isso havia o precedente do ponto 1, alínea e), do Despacho do
Ministro das Finanças n.º 8470/97, de 16/09 (V. doc. 2 junto com a petição) que,
com uma redacção em todo idêntica, a Comissão de Inscrição da ATOC interpretou e
fixou jurisprudência como incluindo o ano fiscal de 1995;
· Por isso se invocou o princípio da autovinculação, corolário do
princípio constitucional da igualdade (art.º 13.º da Constituição da República
Portuguesa), da boa fé e da tutela da confiança (art.º 6.º-A, do C.P.A. – V.
ponto 19 das conclusões de fls., de 2002-01-22);
· Apesar de a lei falar em três anos à data da publicação do Dec-Lei
n.º 295/95, ou seja, Outubro daquele ano e estando em causa um direito
fundamental – direito de acesso a uma profissão, e contrariando a posição
antecedente da Comissão de Inscrição e da ATOC, o Regulamento dito de execução
da Lei n.º 27/98, de 3 de Junho, junto como doc. 5 com a petição, veio, no n.º 1
do seu art.º 2.º, restringir ao período de 1989 a 1994 inclusive, excluindo,
arbitrária (e ilegalmente), o ano de 1995 que, relativamente a normativo com
idêntica redacção, aceitara como incluído.
· Por outro lado, e apesar do Preâmbulo do Dec-Lei n.º 265/95
reconhecer que deixava de ser exigível a assinatura, pelos responsáveis pela
contabilidade, do Modelo 22.
· Na verdade, escreve-se, no Preâmbulo daquele diploma:
“Com a aprovação do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas
e o das Pessoas Singulares, que começaram a vigorar em 1989, foi revogado o
referido Código da Contribuição Industrial, deixando de ser obrigatória a sua
assinatura nas declarações fiscais, desaparecendo, no plano institucional, a
figura do técnico de contas”.
· Não obstante assim ser, o Regulamento, cuja ilegalidade e
inconstitucionalidade foi arguida, como se reconheceu na decisão sumária ora em
causa, veio, como se pode ver nos seus art.ºs 1.º e 2.º, n.ºs 1 e 2, exigir,
para prova dos requisitos do art.º 1.º da Lei n.º 27/98, que as declarações Mod.
22 tivessem sido assinadas pelos interessados responsáveis pela contabilidade (o
que a lei não exigia, como se viu).
22. Ora, como se pode ver do doc. 1 junto com a petição, o acto impugnado,
invocando o Regulamento em causa, recusou a inscrição da recorrente na ATOC, por
falta de tais documentos e recusou considerar, ilegalmente, e contra a sua
prática anterior (autovinculação) e em obediência ao ilegal e inconstitucional
Regulamento, os documentos apresentados pela recorrente.
23. É, pois, manifesto, que o acto impugnado nos autos, bem como o Acórdão
recorrido, aplicaram e fundamentaram-se no citado Regulamento, cuja
inconstitucionalidade e ilegalidade foram suscitadas nos autos.
24. É uma falácia, do Acórdão recorrido, concluir que a recorrente não fez prova
do exercício, durante três anos, seguidos ou interpolados, da actividade
contabilística entre 1 de Janeiro de 1989 e 17/10/95, e que, tanto basta, para
que não se ponha a questão dos vícios do Regulamento, designadamente a sua
inconstitucionalidade, por essa apreciação estar prejudicada. (Veja-se o Acórdão
de 7 de Fevereiro de 2006, Proc. n.º 0419/04, do Pleno da Secção, do S.T.A., in
Antologia de Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo e Tribunal Central
Administrativo, Ano IX – N.º 2, Janeiro-Março 2006, p. 3 e segs., e em
www.dgsi.pt/jsta).
25. Só que, inadmissivelmente, esqueceu-se que aquela prova não foi feita,
porquanto o Regulamento aprovado e aplicado pela entidade recorrida e,
consequentemente, também pelo Acórdão sob recurso, limita tal prova à
apresentação de um Modelo 22 assinado pelo responsável pela contabilidade,
quando a lei não o exigia, como se demonstrou.
26. Não cerceasse o Regulamento os meios de prova e a recorrente teria feito,
por outros meios – a prova dos requisitos do art.º 1.º da Lei n.º 27/98, sem
necessidade de recorrer ao ano de 1995 porque o Modelo 22 era o exigido pelo
Regulamento e estava por si assinado, sendo que a interpretação em causa
inconstitucionaliza o próprio art.º 1.° da Lei n.º 27/98.
27. Efectivamente, a recorrente só não viu admitida a sua inscrição como Técnico
Oficial de Contas na ATOC porque não dispunha dos documentos que, restritiva e
ilegalmente, o Regulamento exigia, ou seja, modelos 22 assinados pela
recorrente, exactamente quando a lei o deixara de exigir. (anteriormente a
Outubro de 1995)
28. Na verdade, como se decidiu no Acórdão do STA, de 16 de Abril de 2002,
proferido no Proc. 48.397:
«Não tendo a Associação dos Técnicos Oficiais de Contas competência legislativa
própria na matéria nem lhe tendo sido atribuída legalmente competência
regulamentar, o «regulamento» emitido pela Comissão Instaladora da ATOC
pretendendo regulamentar aquela Lei n.º 27/98, não tem nenhuma relevância
jurídica no plano da apreciação da legalidade do acto impugnado.
Ora, nos termos do art.º l.º do citado diploma legal, os profissionais de
contabilidade que pretendam a sua inscrição como técnicos oficiais de contas
apenas têm que demonstrar, “por qualquer meio de prova em direito admissível”,
que foram, durante três anos seguidos ou interpolados, contados dentro do
período de 1 de Janeiro de 1989 até 17 de Outubro de 1995, individualmente ou
sob a forma de sociedade, responsáveis directos por contabilidade organizada,
nos termos do Plano Oficial de contabilidade, de entidades que naquele período
possuíssem ou devessem possuir contabilidade organizada.
A lei não estabelece como obrigatório qualquer meio de prova para a verificação
dos requisitos nela estabelecidos, não excluindo o uso de qualquer deles pelo
que todos são utilizáveis.
Uma vez que, como se diz no relatório preambular do DL n.º 265/95, de 17 de
Outubro, que aprovou o Estatuto dos Técnicos Oficiais de Contas, deixou de ser
obrigatória, a partir de 1989, a assinatura por técnicos de contas das
declarações fiscais, tendo desaparecido no plano institucional aquela figura do
técnico de contas, mas continuando as entidades a isso obrigadas a ter a sua
contabilidade organizada, é evidente que o profissional de contabilidade que
tinha a seu cargo ou tomava conta da organização da contabilidade dessas
entidades só perante elas passou a ser responsável pela organização da
respectiva contabilidade.
Isto é, com a entrada em vigor dos Códigos do Imposto sobre Rendimento das
Pessoas Colectivas e das Pessoas Singulares, em 1989, o profissional de
contabilidade que organizava as contas (a contabilidade) deixou de ter obrigação
de assinar as declarações fiscais das entidades para as quais prestava tal
serviço de contabilidade, deixando também de ser obrigado por tais declarações
perante a Administração Fiscal.
Não há, portanto, qualquer documento que, no período indicado no art.º 1.º da
Lei n.º 27/98, prove a responsabilidade directa ou indirecta dos profissionais
de contabilidade perante a Administração Fiscal, pela organização da
contabilidade de quaisquer entidades, porque essa responsabilidade não existia.
Responsável pela declaração era apenas o contribuinte.
É claro que a assinatura do profissional de contabilidade, voluntariamente
aposta nas declarações fiscais mod. 22 e anexo C ao mod. 2, pode ser um meio de
prova atendível e relevante para demonstrar que o subscritor ou a sociedade de
que fazia parte tinham organizado a contabilidade que estava na base de tais
declarações, mas não é seguramente o único.
De outro modo não poderia ser provada a responsabilidade directa do requerente
pela organização da contabilidade de qualquer entidade no período de tempo entre
1 de Janeiro e 17 de Outubro de 1995.
Ora se a lei estabelece como requisito da inscrição na ATOC o facto de o
requerente ter sido responsável directo pela contabilidade organizada também
durante aquele período, isso implica que ele possa demonstrar que teve essa
qualidade durante esse lapso de tempo e que o possa fazer, nos mesmos termos que
relativamente a qualquer outro período legalmente relevante, por qualquer meio
de prova, não podendo ser excluída a apreciação de qualquer dos documentos de
prova apresentados pelo requerente que se reportam ao período legalmente
relevante”.
29. O acto impugnado nos autos que está contido em oficio de fls. (doc. 1 junto
com a p.i. a fls. 24 e 25) remetido à recorrente em 31 de Julho de 1998 e que se
transcreve:
“Porque aqueles requisitos não podem comprovar-se por nenhum dos documentos
previstos no referido artigo 11.º do Estatuto dos Técnicos Oficiais de Contas,
esta Associação, para cumprir com o mandato que a Lei lhe conferiu, emitiu o
Regulamento de que se junta cópia.
De acordo com aquele Regulamento a prova da responsabilidade directa pela
contabilidade organizada durante o período considerado relevante terá de ser
feita através da entrega com o requerimento de inscrição de cópias autenticadas
de declarações modelo 22 do IRC e/ou o anexo C às declarações modelo 2 do IRS,
assinadas pelo profissional de contabilidade no quadro destinado pelas mesmas ao
responsável pela escrita.
Verifica-se que a documentação apresentada por V. Exa. não está conforme com o
exigido pelos referidos Estatuto e Regulamento ...” (sic)
30. Claro fica, pois, que o acto impugnado nos autos aplicou o Regulamento em
causa e por isso restringiu ilegalmente os meios de prova dos requisitos do
art.º 1.° da Lei n.º 27/98 (doc. 5 junto com a p.i.).
31. Há uma questão que se nos afigura óbvia sobre a efectiva aplicação do
Regulamento em causa, por parte do Acórdão recorrido.
32. É que o acto impugnado nos autos, como já se demonstrou, aplicou o
Regulamento, pelo que o Acórdão recorrido, ao considerar que o acto está
conforme à lei e não enferma de vício, não pode deixar de aplicar também o
Regulamento, sendo uma falácia dizer que a recorrente não fez prova dos
requisitos do art.º 1.º da Lei n.º 27/98, quando o Regulamento restringiu,
ilegalmente, os meios de prova.
33. Aliás, o que é preciso é, efectivamente, não pactuar com a habilidade do
Acórdão recorrido (e de outros) de, uma vez que vem suscitada a
inconstitucionalidade do Regulamento, contornaram essa questão falando-se na Lei
n.º 27/98, o que é uma fraude.
34. É esta habilidade que conduziu ao não conhecimento do recurso por oposição
de acórdãos, como já aconteceu em casos similiares, merecendo, porém, no Acórdão
de 13-10-2004, do Pleno da Secção do S.T.A., (Proc. n.º 47.612/01), o seguinte
voto de vencido:
“Entendo que a oposição existe porque o Acórdão recorrido diz expressamente que
a sentença recorrida decidiu bem quando reconduziu toda a apreciação aos
requisitos da Lei n.º 27/98, o que tem como consequência necessária ter decidido
também que o regulamento não interessava para apreciar a situação, quando o
Acórdão fundamento considerou e decidiu ser essencial na mesma situação de facto
enfrentar a questão de legalidade das normas regulamentares sobre a prova.
E, mais evidente é a contradição quando se tem de esclarecer que as normas
regulamentares (ou apenas infra-procedimentais, não importa agora distinguir)
impedem “a priori” que se faça prova diferente daquela que prevê pelo que é
falacioso dizer que o Acórdão recorrido decidiu “em virtude de o recorrente não
possuir os requisitos legais, quando ele se queixa é de não lhe ter sido
permitido fazer prova sobre aqueles requisitos”.
35. Ora, foi o Regulamento em causa, que o acto administrativo impugnado nos
autos aplicou, como se pode ver pelo ofício junto à petição como doc. 1, onde se
refere expressamente:
“De acordo com aquele Regulamento a prova da responsabilidade directa pela
contabilidade organizada durante o período considerado relevante terá de ser
feita através da entrega com o requerimento de inscrição de cópias autenticadas
de declarações modelo 22 do IRC e /ou o anexo C às declarações modelo 2 do IRS,
assinadas pelo profissional de contabilidade no quadro destinado pelas mesmas aí
responsável pela escrita”.
36. Isto é do mais bloqueador do acesso à profissão, já que, ao tempo, além do
mais, as declarações fiscais em causa não tinham de ser assinadas pelos
profissionais de contabilidade, como se decidiu, e bem, no Acórdão do S.T.A., de
16.04.2002, proferido no Proc. n.º 48.397, da 2:ª Subsecção, da 1.ª Secção.[8]
37. Ora, o Acórdão sob recurso, ao confirmar a sentença da 1.ª Instância, é
óbvio que, pelo menos implicitamente, aplicou o Regulamento cuja ilegalidade e
inconstitucionalidade foi suscitada nos autos.
38. O que o Acórdão decidiu efectivamente é que a recorrente não podia ser
admitida na ATOC porque não apresentara os documentos que o Regulamento em causa
ilegal e inconstitucionalmente exige, de nada valendo ao Acórdão em causa dizer
que aplica tão-só a Lei n.º 27/98, pois tal lei admitia (e admite) todo e
qualquer meio de prova, o que foi vedado à recorrente, porque se aceitou as
restrições do Regulamento, o que o Acórdão recorrido, espantosamente, achou bem.
39. Assim sendo, como é, e com o devido respeito, constitui um artifício
falacioso falar tão-só na Lei, quando se aplicou, de facto, o Regulamento, já
que se a lei dissesse o que diz o Regulamento, para além dos demais vícios
deste, também era inconstitucional.
40. O que está em causa é a promessa da ATOC, quando foi publicada a Lei n.º
27/98, de que tudo faria para que esta jamais fosse cumprida ou executada. E foi
com esse propósito que elaborou e aprovou o Regulamento cuja
inconstitucionalidade foi suscitada.
41. E tanto assim que em comunicado junto aos autos como Doc. 11, a ATOC,
referindo-se à Lei n.º 27/98, afirmava o seguinte:
“A Associação dos Técnicos Oficiais de Contas a quem compete representar os
interesses profissionais dos Técnicos Oficiais de Contas, e superintender em
todos os aspectos relacionados com a profissão irá promover todas as iniciativas
que estejam ao seu alcance a fim de evitar a concretização deste atentado à
dignidade das funções”.
42. É com esta obstrução à aplicação e execução daquela Lei, cirurgicamente
traçada e até agora obtida pelo Regulamento, cuja inconstitucionalidade foi
oportunamente suscitada, que o Tribunal Constitucional não pode pactuar,
cumprindo lembrar o Acórdão do S.T.A., de 18-05-2004, (Proc. n.º 48.397) que foi
proferido no âmbito da uniformização da Jurisprudência, por ter prevalecido a
doutrina correcta.
43. Igualmente este Tribunal Constitucional no seu notável Acórdão de 6 de Julho
de 2005, (Autos de Recurso n.º 119/04, 1.ª Secção), também entendeu conhecer, em
situação totalmente similar à dos autos, da inconstitucionalidade das
disposições do Regulamento em causa.
Demonstrado fica, pois, à saciedade, que o Acórdão recorrido aplicou um
Regulamento, ilegal e inconstitucional, e normas do mesmo Regulamento, cuja
ilegalidade e inconstitucionalidade foi suscitada, a devido tempo, e tanto basta
para que devam ser conhecidas as ilegalidades e inconstitucionalidades em causa,
devendo recair Acórdão da Conferência, admitindo-se o recurso e ordenando-se o
seu prosseguimento, sendo que a interpretação dada ao art.º 1.º da Lei n.º 27/98
pelo Acórdão recorrido inconstitucionalizou aquela disposição.»
3.Por parte da entidade recorrida não foi apresentada resposta à reclamação.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentos
4.A presente reclamação é improcedente, já que a argumentação aduzida pela
recorrente não abala os fundamentos da decisão reclamada.
Com efeito, nos termos do respectivo requerimento, o recurso vem intentado ao
abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal
Constitucional, pretendendo a recorrente ver apreciada a constitucionalidade das
normas “do Regulamento aprovado pela Associação dos Técnicos Oficiais de Contas,
em especial a alínea d) do n.º 1 do art.º 1.º e art.º 3.º”, por entender que
tais normas violam o “disposto nos art.ºs 13.°, 18.°, 112.°, n.º 8, e art.º
165.°, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa, bem como
violação do art.º 1.º da Lei n.º 27/98, de 3 de Junho”. Como foi já dito na
decisão sumária reclamada, para se poder conhecer de tal recurso torna-se
necessário, a mais do esgotamento dos recursos ordinários, que a
inconstitucionalidade das normas impugnadas tenha sido suscitada durante o
processo e que estas normas tenham sido aplicadas como ratio decidendi pelo
tribunal recorrido.
Ora, este último requisito não se verifica, no presente caso, quanto às normas
impugnadas – as normas da alínea d) do n.º 1 do art.º 1.º e do art.º 3.º do
Regulamento da Associação de Técnicos Oficiais de Contas de 3 de Janeiro de 1998
–, como se afirmou na decisão reclamada e se reitera.
Consultando a decisão de que se pretendeu recorrer, que é o acórdão do Supremo
Tribunal Administrativo proferido em 7 de Julho de 2004, verifica-se, como se
disse já na decisão reclamada, que as normas impugnadas não foram aí aplicadas,
nem expressa nem implicitamente, e muito menos como rationes decidendi da
decisão. Nessa decisão apenas estava em causa a impugnação de um acto
administrativo e o apuramento da verificação dos pressupostos exigidos à
reclamante para a admissão da sua inscrição como técnica oficial de contas na
respectiva Associação. E, para tal, o acórdão recorrido limitou-se a analisar a
suficiência da prova apresentada para o preenchimento dos requisitos constantes
do artigo 1.º da Lei n.º 27/98, da verificação dos quais está dependente a
admissão da inscrição da recorrente, concluindo pela insuficiência da prova
apresentada pela reclamante. Isso mesmo resulta das passagens da decisão
recorrida já transcritas na decisão sumária reclamada, nas quais se lê:
«(...)
Assim sendo, resta concluir que, no caso dos autos, independentemente das
eventuais ilegalidades do Regulamento da ATOC, de 3-6-98, a recorrente não
provou, de forma segura, possuir os três anos de actividade como responsável
directa de contabilidade organizada requeridos pelo artigo 1.º da Lei n.º 27/98
para a sua inscrição como técnica oficial de contas.
E não tendo a recorrente feito essa prova, não poderia ser inscrita como técnica
oficial de contas, ao abrigo do art.º 1.º da citada Lei n.º 27/98.
Pelo que a sentença recorrida não merece a censura que lhe vem dirigida,
improcedendo todas as conclusões da alegação da recorrente».
[sublinhado aditado]
E ainda:
«[…]
Aliás, sobre tal matéria debruçaram-se os Acórdão n.ºs 863/2003, de 7/10/2003,
47831, de 20/01/2003, e 47612, de 26/03/2003, entre outros, transcrevendo-se
deste último, o seguinte trecho: “o acto impugnado não aceitou a prova
apresentada pelo recorrente relativamente à responsabilidade directa por
contabilidade organizada, no período referenciado no art.º 1.º da Lei n.º 27/98,
e isto fundamentalmente, porque essa prova se baseava na apresentação de
declarações modelo 22 do IRC relativas a data posterior a 17 de Outubro de 1995.
Ou seja, muito embora as declarações se refiram a anos anteriores a essa data, a
verdade é que só foram apresentadas posteriormente, em 14 de Outubro de 1997 (v.
fls. 34-36 dos autos), não estando minimamente demonstrado que a actividade
contabilística referida em tais declarações se reporte a período anterior àquela
data, antes inculcando a ideia que se trata de declarações elaboradas
posteriormente.
Ora, quando o art.º 1.º da Lei n.º 27/98 exige prova de que os profissionais de
contabilidade ‘tenham sido, durante 3 anos seguidos ou interpolados,
responsáveis directos por contabilidade organizada’, refere‑se obviamente à
actividade passada e não a actividade posterior a 17/10/95. Tratando-se, como se
disse, de um regime de excepção, foi intenção do legislador evitar que através
de expedientes pouco claros, um indivíduo sem habilitações e sem experiência
profissional, pudesse obter a sua inscrição como técnico oficial de contas.
Assim, no caso em apreço, a sentença recorrida concluiu, e bem, que o acto
contenciosamente impugnado estava em consonância com o preceituado no citado
art.º 1.º Lei n.º 27/98, ao recusar a inscrição do recorrente com base na prova
apresentada.
Nesta perspectiva, são irrelevantes os vícios assacados pelo recorrente ao
regulamento da Comissão Instaladora da ATOC, na medida em que, ainda que tais
vícios procedessem, o certo é que o recorrente não fez prova de que sendo
profissional de contabilidade, entre 1 de Janeiro de 1989 e até 17/10/95, tinha
durante 3 anos seguidos ou interpolados, individualmente ou sob a forma de
sociedade, exercido aquele tipo de actividade, não satisfazendo, assim, o
desiderato constante do citado normativo.
Apurado, pois, que o recorrente não poderia ser inscrito como técnico oficial de
contas ao abrigo do art.º 1.º da citada Lei n.º 27/98, por não preencher um dos
pressupostos vinculados para que tal pudesse ocorrer, é de todo despiciendo
apurar se as normas do Regulamento que interpretou a aplicação daquela lei,
sofrem, ou não das inconstitucionalidades ou ilegalidades, que o recorrente lhe
imputa, uma vez que, independentemente das normas fixadas naquele Regulamento, o
seu pedido de inscrição teria sempre que ser indeferido por não cumprir o
pressuposto fixado na lei que o regulamento pretendeu interpretar.
Efectivamente, estando em causa a impugnação de um acto administrativo e o
apuramento da verificação ou não dos pressupostos vinculados aí fixados, não há
que ter em conta, uma vez verificada a inexistência do pressuposto, se foram
violados os princípios da incompetência absoluta, a usurpação de poder, da boa
fé, da igualdade e da restrição dos meios de prova. De facto, uma vez que,
sempre e de todo o modo a Administração, perante a inexistência do pressuposto
vinculado teria de indeferir a pretensão formulada ao abrigo do referido art.º
1.º da Lei n.º 27/98, por não preenchimento do pressuposto do exercício efectivo
daquele tipo de actividade durante o período mínimo de 3 anos, não se coloca a
necessidade de apreciar, perante aquele indeferimento, se o mesmo poderia ser
ultrapassado face à existência de princípios gerais da actividade administrativa
que teriam sido violados pelo Regulamento, os quais só teriam que ser ponderados
se estivesse em causa um poder discricionário da Administração perante norma que
o permitisse – cfr. ac. deste STA, de 4/12/01, rec. 47670».
[sublinhados aditados]
No Acórdão recorrido afirma-se, aliás, que, no caso, “não ocorreu qualquer
restrição dos meios de prova”, por aplicação do Regulamento da Associação dos
Técnicos Oficiais de Contas em que se contêm as normas impugnadas pela
recorrente
5.A reclamante insurge-se contra a decisão reclamada afirmando que existe uma
“falácia” no acórdão recorrido, “ao concluir que a recorrente não fez prova do
exercício, durante três anos, seguidos ou interpolados, da actividade
contabilística entre 1 de Janeiro de 1989 e 17/10/95”, bem como quando se afirma
que “tanto basta, para que não se ponha a questão dos vícios do Regulamento,
designadamente a sua inconstitucionalidade, por essa apreciação estar
prejudicada”. Diz, mesmo, que se trataria de uma “habilidade do Acórdão
recorrido (e de outros)”, os quais “uma vez que vem suscitada a
inconstitucionalidade do Regulamento, contornaram essa questão falando-se na Lei
n.º 27/98, o que é uma fraude”.
Admite-se que a reclamante discorde da recondução da ratio decidendi, no Acórdão
recorrido, à prova dos requisitos exigidos pela lei, independentemente dos
termos em que era exigida pelo Regulamento da Associação dos Técnicos Oficiais
de Contas. Mas tal discordância, ou censura em relação à correcção na aplicação
do Direito pelo tribunal recorrido, já não é algo que compita ao Tribunal
Constitucional apreciar. Como se tem salientado em abundante jurisprudência, ao
Tribunal Constitucional a norma que foi, bem ou mal, aplicada pelo tribunal
recorrido como ratio decidendi chega já como um dado, cuja escolha e
interpretação, independentemente de questões de constitucionalidade normativa
não compete a este Tribunal controlar. Ora, da decisão recorrida conclui-se que
se não pretendeu fazer aplicação do Regulamento contestado, e que se concluiu
pela falta de prova do requisito legal mesmo não tomando em conta restrições
regulamentares de prova. E independentemente da correcção da decisão recorrida
nesta parte (que, repete‑se, não cumpre ao Tribunal Constitucional controlar), o
que é certo é que, portanto, a decisão recorrida não fez aplicação, expressa ou
implícita, das normas do Regulamento ora impugnadas.
E por aqui se vê, como também já ficou dito, que qualquer que fosse a decisão
sobre a constitucionalidade das normas impugnadas, ela em nada poderia alterar o
sentido da decisão recorrida.
6.Contra a conclusão no sentido da falta do referido pressuposto para se poder
tomar conhecimento do recurso não depõe também uma argumentação, como a da
reclamação, no sentido de que a questão de constitucionalidade foi por si
atempadamente suscitada, pois não foi com esse fundamento que se recusou o
conhecimento do presente recurso.
E do mesmo modo, pelos motivos acima expostos, não se pode agora conhecer do
problema, suscitado pela reclamante, da falta de competência regulamentar da
Associação de Técnicos Oficiais de Contas, ou da Comissão Instaladora dessa
mesma Associação. Qualquer juízo que se viesse a formular sobre esse problema
não teria a capacidade de alterar o decidido no acórdão referido, uma vez que –
mais uma vez se repete – a norma aplicada como verdadeira ratio decidendi, como
fundamento decisório, desse acórdão foi a norma extraída do artigo 1.º da Lei
n.º 27/98, de 3 de Junho, e esta não foi impugnada pela reclamante.
A presente reclamação tem, pois, de ser desatendida, confirmando-se a decisão
sumária reclamada.
III Decisão
Pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a presente reclamação e condenar
a reclamante em custas, com 20 ( vinte ) unidades de conta de
taxa de justiça.
Lisboa, 23 de Janeiro de 2007
Paulo Mota Pinto
Mário José de Araújo Torres
Rui Manuel Moura Ramos
[1] in Administração Autónoma e Associações Públicas, Coimbra Editora, 1997, p.
183/184.
[2] in obra citada, p. 186.
[3] in obra citada, p. 504.
[4] in obra citada, p. 471 e 472.
[5] in Lições de Direito Administrativo, 2 edição, Coimbra, p. 437 e segs.
[6] in obra citada, p. 190.
[7] in obra citada, p. 266 e 267.
[8] in www.dsi.pt/jsta.