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Processo n.º 421/05
1.ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1.ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos de recurso, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que
é recorrente A. e em que são recorridos B., C., D. e E., foi interposto recurso
para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70º, nº 1,
alínea b), da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal
Constitucional (LTC).
2. Em 14 de Junho de 2005, foi proferida decisão sumária, ao abrigo do previsto
no artigo 78º-A, nº 1, da LTC, pela qual se decidiu não conhecer do objecto do
recurso, com os seguintes fundamentos:
“Face à exigência contida na parte final do nº 2 do artigo 75º-A da LTC, o
recorrente indica haver suscitado a questão de inconstitucionalidade que
pretende que o Tribunal aprecie no requerimento de fls. 136 (Resposta à questão
prévia de inadmissibilidade suscitada pelo Digno Procurador-Geral da República
Adjunto). Sucede porém que, analisado o teor de tal requerimento, verifica-se
que não foi ali suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade normativa.
É o seguinte o teor de tal requerimento:
‘A., tendo sido notificado do Douto despacho de Vossa Excelência, proferido em
2004-09-22, vem expor e requerer a Vossa Excelência o seguinte:
1- Salvo o mais elevado e sempre devido respeito, a questão prévia a
que o mesmo se refere, enferma de um lapso manifesto:
2- Com efeito, diz-se, textualmente, naquele Douto Parecer: “Em causa
a denegação do pedido de notificação de dois notificandos ulteriormente
apresentado [ ... ]”.
3- Ora a verdade é que não houve qualquer apresentação ulterior de
notificandos, posteriormente à petição de notificação judicial avulsa,
mantendo-se inteiramente estável a indicação dos notificandos inicialmente
apresentada, em estreita conformidade com as Certidões Notariais anexas à
petição de notificação judicial avulsa.
4- A única alteração relativamente à petição inicial respeita à
identificação da morada dos notificandos E. e mulher, e mesmo esta alteração
imposta por errónea informação do Tribunal de Ponte de Lima, após também errónea
informação fornecida pelo 1º Notificando B. (sogro e pai daqueles notificandos)
no Acto da sua notificação judicial.
5- Neste termos, e para além de requerer a rectificação deste lapso,
ao abrigo do Artº 669, n.º 2 do C.P.C., vem dizer:
6- Deve manter-se inalterada a decisão tomada pelo Tribunal da
relação de admitir o recurso, independentemente da forma em que o foi, decisão
essa não objecto de Recurso, para o que se arrolam complementarmente os
seguintes elementos:
6.1- Os notificandos, E. e Mulher, têm efectivamente, e para além da residência
primitivamente indicada numa outra na mesma localidade de --------------- -
Ponte de Lima – como resultou da lista telefónica do minho e Douro Litoral
2003/2004, pag. 792. (Doc. n.º 1), sendo certo que:
6.2- Esse mesmo número de telefone, 258.xx xx xx, consta dos Registos da
Internet, de que igualmente se junta cópia (Doc. n.º 2).
6.3- Para perfeita elucidação e na medida em que tem interesse fundamental a
existência de residência daqueles notificandos na Comarca de Ponte de Lima,
requere-se a Vossa Excelência se digne ordenar seja requisitada à Portugal
Telecom cópia do contrato relativamente ao número de telefone 258.xx.xx.xx, que
o ora Requerente não pode obter.
Só assim se garantirá o acesso à Justiça, assegurado pelo Artº 20 da
Constituição da República Portuguesa.
E é quanto se lhe oferece requerer, requerendo-se a junção aos Autos deste
requerimento, e dos dois documentos que o acompanham’.
Da análise de tal requerimento resulta claro a inexistência da formulação de uma
questão de inconstitucionalidade normativa: o recorrente não indica qualquer
norma acerca da qual exprima um juízo de desconformidade constitucional, pelo
que apenas no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal
Constitucional foi suscitada a questão da inconstitucionalidade do artigo 262º,
nº 2, do Código de Processo Civil. Ora, “(…) a inconstitucionalidade de uma
norma jurídica só se suscita durante o processo, quando tal questão se coloca
perante o tribunal recorrido a tempo de ele a poder decidir e em termos de ficar
a saber que tem essa questão para resolver (...).
Bem se compreende que assim seja, pois que, se o tribunal recorrido não for
confrontado com a questão de constitucionalidade, não tem o dever de a decidir.
E, não a decidindo, o Tribunal Constitucional, se interviesse em via de recurso,
em vez de ir reapreciar uma questão que o tribunal recorrido julgara, iria
conhecer dela ex novo” (Acórdão do Tribunal Constitucional nº 569/94, Diário da
República, II Série, de 10 de Janeiro de 1995).
Importa, pois, concluir pela não suscitação de uma questão de
inconstitucionalidade normativa, durante o processo, circunstância que obsta ao
conhecimento do objecto do recurso e justifica a presente decisão sumária
(artigos 70º, nº 1, alínea b), e 78º-A, nº 1, da LTC)”.
3. Desta decisão vem agora o recorrente reclamar para a conferência, nos termos
do nº 3 do artigo 78º-A da LTC:
“ 1 - O presente Recurso corre contra Recorridos devidamente identificados, mas
dois deles ainda não notificados, ou sejam: D. e E. (Relatório, n.º 1),
2 - para serem notificados da pendência de uma Notificação Judicial Avulsa da
existência de um ónus de colação registado e renovado que impende sobre a casa
da Rua ------------, --- na Cidade do Porto, presentemente à venda
3 - O Recorrente é beneficiário desse ónus (Registo Predial junto aos Autos).
4 - A notificação judicial avulsa foi considerada “já cumprida” na 1ª Instância
(o que a Douta Decisão Sumária acolheu), e não revogada.
5 - Em Recurso, a discussão tem-se centrado em torno do ART.º 262, n.º 2 do
C.P.C. não aplicável à hipótese, na medida em que a (sua) notificação foi
ordenada, e a sua aplicação, essa, sim, “a fortiori”, constitui errónea
aplicação, da Lei de Processo (ARTº 755 n.º 1 alínea b) e, nesta errónea
interpretação, violadora de Direitos Constitucionalmente Protegidos (ART.º 20,
n.ºs 1, 4 e 5 da C.R.P.), arguidas essas Inconstitucionalidades ao longo do
Processo.
6 - Porém, na Douta Decisão Singular em apreço, diz-se a certo ponto: “[...] se
o Tribunal recorrido não for confrontado com a questão de constitucionalidade,
não tem o dever de a decidir. E, não a decidindo, o Tribunal Constitucional, se
interviesse em via de recurso, em vez de ir reapreciar uma questão que o
tribunal recorrido julgara, iria conhecer dela “ex novo”.
7 - Ora a situação dos Autos é bem diversa daquela a que se reporta esta
transcrição e o Douto Acórdão que a sustenta.
8 - Com efeito, foi a questão de Constitucionalidade da norma convocada, em
obediência ao disposto pelo ART.º 72, n.º 2 da LTC invocada sucessivamente, ao
longo do Processo, designadamente:
8.1. - Requerimento de fls. 104 em que foi arguida a Inconstitucionalidade do
despacho de fls. 97 (ulteriormente completado a fls. 107) por violadora dos
preceitos ínsitos no ART.º 20, n.º 1 e 205 da C.R.P., os quais não foram
apreciados pelo Meritíssimo Julgador, nem posteriormente em Conferência, até ao
presente. Não se está assim a requerer a intervenção do T.C. “ex novo”, mas sim
a correcção (suprimento) de decisões Inconstitucionais, regular e
tempestivamente arguidas ao longo do processo.
8.2. - A fls. 119 (Alegações de Recurso), no 9, pode ler-se “se restringindo o
acesso à Justiça, como garante o ART.º 20, n.º 1 da C.R.P.” e
8.3. - A fls. 119 v., nas Conclusões (mesma peça proc.): 5: Verifica-se assim
violada a norma do ART.º 20, n.º 1 da C.R.P.
8.4. - A fls. 146, aponta-se o “deficit” de fundamentação, o que além de
constituir nulidade é, simultaneamente, violadora dos ART.ºs 2 e 205 da C.R.P.,
como na altura se arguiu.
8.5. - A fls. 147 se invocava ainda o “Direito a tutela jurisdicional efectiva”,
a qual não vinha a ser concedida em violação do n.º 5 do Art.º 20 da C.R.P.,
situação que subsiste, como até aqui, sem apreciação do Meretíssimo Julgador.
8.6. - A fls. 156, é declarada “a inexistência da Inconstitucionalidade arguida”
mas esta sobre o tema incidental da exorbitância das Custas, face à situação
patrimonial do requerente, descrita no Doc. de pedido de concessão de Apoio
Judiciário. O preceito violado era o ART.º 262, n.º 2 da C.R.P.
8.7. - A fls. 159 é arguida a desconformidade da decisão com os ART.ºs 20, n.º 1
e n.º 2 da C.R.P.
9 - Assim, não faltam anteriores arguições de Inconstitucionalidade, o que impõe
ao Tribunal a obrigação de apreciar (LTC, ART.º 72, nº 2).
10. A total ausência (exceptua-se a situação de fls. 156) de apreciação, não
retira ao T.C. a obrigação (e não só a simples possibilidade) de as apreciar,
por se encontrarem reunidos todos os requisitos impostos pela LTC.
11 - Por isso, o T.C. tem não só poder de apreciar as Inconstitucionalidades
arguidas, mas de, o que se diz sem quebra do mais elevado Respeito, a obrigação
de o fazer.
12 - A Douta Promoção do Digno Magistrado do Ministério Público (acolhida pelo
S.T.J. a fls. ) pela interpretação que dá ao ART.º 262, n.º 2 da C.P. Civil,
enferma de violação do ART.º 20, n.º 1 da C.R.P., disposição esta que tem sido
sucessivas vezes violada, como decorre dos Autos e é, agora, repetida em apoio
de posições anteriores.
13 - Saliente-se que o problema de Inconstitucionalidade encontra-se no âmbito
do T.C., como decorre da Dissertação Doutoral de Rui Medeiros “O Recurso de
Inconstitucionalidade” a qual põe em confronto as várias “soluções” adoptadas
pelos tribunais Constitucionais na Europa.
14 - No Direito Português é o Tribunal Constitucional quem define a latitude da
sua Capacidade Jurisdicional.
Demonstra-se, assim, em Conclusão:
A) A existência de uma Inconstitucionalidade sucessivamente suscitada ao longo
do processo, o que comete para o âmbito decisório do T.C. o conhecimento desta
Inconstitucionalidade sistematicamente invocada.
B) Dir-se-á ainda, e adicionalmente, que a Doutrina do Acórdão invocado na Douta
Decisão Sumária em apreço não é contrariada pela posição tomada pelo Recorrente,
na medida em que o T.C. “não iria conhecer dela ex novo”, mas sim apreciar
questões suscitadas, ainda que não apreciadas.
C) A legitimidade para Recorrer é assegurada pelo n.º 2 do ART.º 72 da LTC”.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
A decisão sumária que é objecto desta reclamação concluiu pelo não conhecimento
do objecto do recurso para o Tribunal Constitucional, com fundamento na não
suscitação de uma questão de inconstitucionalidade normativa, durante o processo
(artigos 70º, nº 1, alínea b), e 72º, nº 2, da LTC).
Ora, através da presente reclamação não demonstrou o reclamante que, afinal,
havia suscitado tal questão em momento processual anterior ao requerimento de
interposição de recurso para o Tribunal Constitucional. Pelo contrário,
analisado o teor do ponto 8. da presente reclamação e confrontadas as fls. do
processo aí mencionadas, o que continua a resultar é que o recorrente, durante o
processo, não questionou qualquer norma do ponto de vista
jurídico-constitucional
Ou seja, o ora reclamante não suscitou, durante o processo, qualquer questão de
inconstitucionalidade normativa, pois suscitar tal questão pressupõe que o
recorrente indique a norma cuja inconstitucionalidade pretende que o Tribunal
aprecie, para além da norma ou princípio constitucional que considera violado
(artigos 70º, nº 1, alínea b), 72º, nº 2, e 75º-A, nºs 1 e 2, da LTC).
Como o reclamante não contrariou o sustentado na decisão sumária, demonstrando
que suscitou uma questão de inconstitucionalidade normativa durante o processo,
resta concluir pelo indeferimento da presente reclamação. E é óbvio que tal
demonstração cabia ao reclamante, uma vez que sobre os recorrentes impende o
ónus da suscitação da questão de constitucionalidade durante o processo (artigos
70º, nº 1, alínea b), 75º-A, nºs 1, 2, 5, 6 e 7, e 76º, nº 2, da LTC).
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência,
confirmar a decisão reclamada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 14 de Julho de 2005
Maria João Antunes
Rui Manuel Moura Ramos
Artur Maurício