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Processo n.º 702/2005
Plenário
Relatora: Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional:
1. A fls. 5113, foi proferido pelo juiz do Tribunal Judicial de Celorico da
Beira o despacho previsto no n.º 2 do artigo 25º da Lei Eleitoral dos Órgãos das
Autarquias Locais, aprovada pela Lei Orgânica nº 1/2001, de 14 de Agosto, no
processo relativo à apresentação de candidaturas às eleições autárquicas a
realizar no próximo dia 9 de Outubro para o concelho de Celorico da Beira.
Notificado deste despacho, e apenas para o que agora interessa, o mandatário do
Partido Socialista veio, a fls. 5147, impugnar a elegibilidade de Carlos Morgado
Portugal, cabeça da lista de candidatos à Assembleia de Freguesia de Cortiçô da
Serra apresentada pelo Partido Social Democrata, porque “desempenha, ou é
titular, do cargo de Chefe de Divisão no Município de Celorico da Beira,
encontrando-se destacado no município de Almeida” (al. d) do n.º 1 do artigo 7º
da Lei Eleitoral).
E veio ainda, a fls. 5148, impugnar a elegibilidade de Carlos Abel Gonçalves da
Silva Patrocínio, cabeça da lista de candidatos à Assembleia de Freguesia de
Açôres apresentada pelo Partido Social Democrata, alegando que o referido
candidato “desempenha funções de chefia da Empresa Municipal Celoricense
(EMCEL), (...) cujo capital social é detido a 100% pela Câmara Municipal de
Celorico da Beira”, e que não suspendeu o respectivo exercício (mesma al. d) do
n.º 1 do artigo 7º).
Pelo despacho de 25 de Agosto, de fls. 5225, foram desatendidas ambas as
impugnações.
Relativamente à elegibilidade de Carlos Morgado Portugal, o tribunal entendeu
que
“existem já elementos nos autos que permitem afirmar que o dito candidato exerce
funções de Director do Departamento Administrativo e Financeiro na Câmara
Municipal de Almeida, desde 20 de Novembro de 2001, em regime de comissão de
serviço.
O artigo 7º, nºs 1, e 2, da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais,
prevê inelegibilidades meramente locais ou territoriais (na terminologia de
Maria de Fátima Mendes & Jorge Miguéis, in Lei Eleitoral dos Órgãos das
Autarquias Locais, anotada e comentada, 2001, p. 15), que poderemos denominar
como inelegibilidades relativas por contraponto com as absolutas (previstas no
artigo 6º da Lei Eleitoral dos órgãos das Autarquias Locais).
Se, nestes casos, a capacidade eleitoral passiva se encontra absolutamente
coarctada, não podendo nenhuma das pessoas aí previstas constituir-se como
candidatos a qualquer um dos órgãos autárquicos, na norma seguinte está em causa
um conjunto de indivíduos cuja incapacidade eleitoral passiva é delimitada por
um critério territorial: só não serão elegíveis para os órgãos das autarquias
locais dos círculos eleitorais onde exercem funções ou jurisdição.
Cada círculo eleitoral identifica-se com o território de cada autarquia local,
sendo distintos os círculos eleitorais de Almeida e de Celorico da Beira.
Assim, aparentemente, não se verificariam os fundamentos de inelegibilidade do
candidato.
Sustenta, contudo, o Partido Socialista – PS que, atenta a transitoriedade do
destacamento, deverá ser aplicado o regime da inelegibilidade.
Por ter especial interesse, passa-se a transcrever parte do Acórdão do Tribunal
Constitucional n.º 700/97, in http://www.tribunalconstitucional.pt «A questão do
âmbito de aplicação do conceito de «funcionário de órgão representativo da
freguesia ou do Município» põe-se especialmente nos casos em que se pode dizer
que tal funcionário exerce a sua actividade em alguma outra entidade pública, a
cujo serviço se encontra adstrito por requisição, mediante licença sem
vencimento de longa duração ou em comissão de serviço, por exemplo, ou de cujos
órgãos é titular. Deve então, para os fins da inelegibilidade da alínea c) do
artigo 4º, prevalecer o vínculo originário à autarquia ou o novo vínculo
funcional a que se encontra adstrito? Posta assim a questão, a jurisprudência
maioritária do Tribunal tem sobretudo atendido à força relativa de cada um dos
vínculos, como resulta do especial regime da dupla vinculação.
(...)
O regime da comissão de serviço tem entre outras, as seguintes características,
definidas no Decreto-Lei n.º. 323/89, de 26 de Setembro, modificado pelos
Decretos-Leis n.º 34/93, de 13 de Fevereiro, e 239/94, de 22 de Setembro, e
pela Lei n.º 13/97, de 23 de Maio: o provimento é feito por um período de três
anos renováveis por iguais períodos (artigo 5º, n.º1); a comissão de serviço
suspende-se no caso de exercício, entre outros, do cargo de presidente da câmara
municipal, suspende-se igualmente a contagem do prazo da comissão, embora o
período de suspensão conte, para todos os efeitos legais, como tempo de serviço
prestado no cargo dirigente de origem [isto é, na comissão de serviço] (artigo
6º, n.ºs 1, alínea c), 2 e 3); o tempo de serviço em cargos dirigentes conta,
para todos os efeitos legais designadamente para promoção, progressão na
carreira ecategoria em que cada funcionário se encontra integrado (artigo 18º,
n.º1, na redacção do Decreto-Lei n.º 34/93); os funcionários nomeados para
cargos dirigentes têm direito, finda a comissão de serviço, ainda que seguida
de nova nomeação, ao provimento em categoria superior à que possuíam à data da
nomeação para dirigente, a atribuir em função do número de anos de exercício
continuado nestas funções, criando-se nos quadros de pessoal dos serviços ou
organismos de origem os lugares necessários para tanto (artigo 18º, nºs 2 e 6,
na redaçção do Decreto-Lei n.º 34/93); e isto mesmo sem prejuízo do direito de
se candidatarem aos concursos de acesso que ocorrerem na pendência da respectiva
comissão de serviço (artigo 18º, nº 5, na redacção do Decreto-Lei n.º 34/93).
(...) Por outro lado, se regressar ao serviço autárquico de origem (a comissão
de serviço não é necessariamente limitada no tempo, ao contrário da requisição,
podendo renovar-se indefinidamente) fá-lo-á para um novo lugar criado
especialmente ex novo, em categoria superior à que possuía à data da nomeação
para dirigente em comissão de serviço, a atribuir em função do número de anos de
exercício continuado nestas funções, agrupados de harmonia com os módulos de
promoção da carreira e em escalão a determinar, nos termos do Decreto-Lei nº
533-A/89, de 16 de Outubro (artigo 18º, nº 2, alínea a) do Decreto-lei n.º
323/89, na redacção do Decreto-Lei n.º 34/93).
Valem, portanto, no essencial as razões que já levaram a maioria do Tribunal a
considerar que na hipótese de licença sem vencimento de longa duração não se
preenche o conceito da alínea c) do nº 1 do artigo 4º. Tanto mais assim quanto a
doutrina maioritária se tem apoiado na do acórdão n.º 244/85 (Acórdãos 6, pp.
211, ss; conforme nomeadamente a remissão do acórdão n.º 537/85, Acórdãos, 14,
p. 398): a razão pela qual o legislador estabelece a inelegibilidade consignada
na alínea c) do n.º 1 do artigo 4º é «evitar qualquer confusão – e antes
garantir uma clara “separação” – entre o nível, que se poderá dizer ainda
“político” da tomada das deliberações e decisões autárquicas e o nível puramente
“administrativo” da sua execução» (Acórdãos 6, p. 222). Essa separação está
garantida desde logo, pela suspensão da comissão de serviço, que se exerce fora
da autarquia, como consequência da eleição para Presidente da Câmara, e pelo
reingresso na mesma comissão e no mesmo cargo não autárquico, quando findar o
exercício do cargo electivo, pelo que não se justifica inelegibilidade.
Pode, decerto questionar-se se a faculdade de os funcionários que exerçam
funções dirigentes em comissão de serviço se candidatarem aos concursos de
acesso que ocorrerem na pendência da respectiva comissão de serviço não implica
precisamente a confusão entre as funções políticas e as executivas que se
pretende evitar com a inelegibilidade. O candidato A., se eleito Presidente da
Câmara, poderia concorrer aos concursos de acesso que ocorressem na mesma Câmara
Municipal. É certo, mas não poderia integrar nem nomear o respectivo júri, sendo
interessado directo no concurso, como acontece com o funcionário nomeado pessoal
dirigente do mesmo Ministério (artigos 44º segs do Código do Procedimento
Administrativo). Não estaria, assim, em causa a independência e isenção no
exercício do cargo electivo.
Ainda que se entenda que a independência e a isenção do exercício do cargo
electivo admite, na sequência do acórdão n.º 244/85, ineligibilidades destinadas
assegurar que o exercício referido daquele cargo se processe separado do
interesse na gestão dos lugares do cargo da autarquia, haverá que reconhecer que
tal interesse, na hipótese configurada pelo caso presente, não tem consistência
suficiente para justificar a ineligibilidade, no contexto dos outros aspectos
referidos no regime da comissão de serviço e da situação que se verifica na
comissão de serviço do recorrente.
Também não se diga que estaria, assim, descoberto o meio de evitar a
inelegibilidade. O funcionário da autarquia só teria que conseguir ser nomeado
para lugar dirigente em comissão de serviço. O mesmo vale para a licença sem
vencimento de longa duração ou para a exoneração. Haverá, porventura desvio de
poder ou até crime de abuso de poder (artigo 382º do Código Penal) da autoridade
que, para fins de política autárquica, nomear em comissão de serviço, autorizar
a licença ou nomear o beneficiário dela para outro lugar, conceder ou recusar a
exoneração. Mas só é desejável que os melhores funcionários autárquicos possam
ser eleitos para cargos políticos, se afastarem, licitamente, é claro, os
obstáculos legais à elegibilidade».
Após esta prolongada transcrição, não se justificam outras considerações, antes
se considerando ultrapassadas as dúvidas suscitadas a propósito da candidatura
de Carlos Morgado Portugal que se julga regular e válida, indeferindo a
impugnação formulada pelo Partido Socialista – PS.”
Quanto a Carlos Alberto Gonçalves da Silva Patrocínio, a impugnação foi
igualmente desatendida porque “o impugnante não apresentou qualquer prova
relativamente aos factos invocados, sendo a ele que compete essa prova, dado
inexistir qualquer derrogação, nesta matéria, ao regime geral”.
Foram, assim, admitidas ambas as candidaturas.
2. A fls. 5274 e 5277, o mandatário do Partido Socialista veio reclamar do
despacho acabado de transcrever, no que toca à decisão de admissão das
candidaturas, respectivamente, de Carlos Abel Gonçalves da Silva Patrocínio e de
Carlos Morgado Portugal.
Quanto ao primeiro, sustentou, em síntese, ser do “domínio público” que exerce
as funções que descreveu, que tentou obter “documentos relativos” à sua
candidatura, sem êxito, e que “o processo eleitoral em causa não se compadece
com delongas e negas da Câmara Municipal, razão pela qual não se juntaram os
elementos de prova.”
Quanto a Carlos Morgado Portugal, sustentou que “o candidato em análise quando
quiser, ou mesmo sem o querer, após decorrido o acto eleitoral e na hipótese de
ser eleito, cessa de certeza funções no Município de Almeida e virá ocupar o
lugar que desempenha na Câmara Municipal de Cerlorico da Beira”.
3. O PPD/PSD respondeu à reclamação a fls. 5287, pronunciando-se no sentido do
seu indeferimento. Juntou, como doc. 1., uma declaração do Presidente do
Conselho de Administração da EMCEL, na qual se afirma que Carlos Abel Gonçalves
da Silva Patrocínio é funcionário da empresa com a categoria de Sub-Chefe de
Estação (fls. 5289).
A 2 de Setembro, a fls. 5297, foram indeferidas as reclamações, “mantendo-se, em
consequência, as decisões de admissão das candidaturas de Carlos Alberto
Gonçalves da Silva Patrocínio (...), Carlos Morgado Portugal (...)”.
Para o que agora interessa, o tribunal entendeu, quanto ao primeiro, que
“Efectivamente, inexiste qualquer norma que derrogue as regras gerais relativas
ao ónus da prova, o que se traduz na imposição desse ónus sobre aquele que
impugna a elegibilidade de um candidato, dela reclama ou recorre (neste sentido,
podemos invocar o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 688/97, de 20 de
Novembro, in http://www.tribunalconstitucional.pt, em que se sustentou que
incumbe ao recorrente o ónus da prova da dívida e da constituição em mora em que
funda a impugnação da elegibilidade do candidato, e o Acórdão do Tribunal
Constitucional n.º41/2005, de 26 de Janeiro, in
http://www.tribunalconstitucional.pt. no qual se sustentou, ainda que a
propósito de outros problemas, que 'em todo o caso, sempre seria ao apresentante
da candidatura que caberia o ónus de provar que a apresentação se realizou
dentro do prazo legalmente fixado para o efeito, por aplicação dos critérios
gerais de repartição do ónus da prova, já que é a ele que aproveita o facto em
dúvida; não tem qualquer cabimento a invocação, neste contexto, do princípio in
dubio pro reo', sendo de extrair, com relevo para a presente questão, a posição
que adopta as regras gerais do ónus da prova ao nível do processo eleitoral).”
(...) E, assim sendo, por um lado, as dificuldades da prova não se traduzem na
inversão do ónus. Por outro lado, a nosso ver, nada obstava que, atempadamente,
o ora reclamante tivesse feito prova das dificuldades na obtenção dos elementos
documentais necessários a provar os factos alegados, sugerindo a intervenção do
Tribunal na aquisição dos mesmos, o que não foi feito.
Importa ainda referir que, de acordo com o artigo 514º, n.º 1, do Código de
Processo Civil, 'não carecem de prova a nem de alegação os factos notórios,
devendo considerar-se como tais os factos que são do conhecimento geral'.
É certo que o Partido Socialista – PS alega serem do domínio público os factos
que, alegadamente, conduziriam à inelegibilidade dos candidatos.
Porém, temos de produzir uma interrogação: do domínio público de quem?
Tal interrogação justifica-se pelo absoluto desconhecimento por parte do
Tribunal relativamente a tais factos, sendo de notar que 'um facto é notório
quando o juiz o conhece como tal, colocado na posição do cidadão comum,
regularmente informado, sem necessidade de recorrer a operações lógicas e
cognitivas, nem a juízos presuntivos' (conforme anotação de Abílio Neto, in
Código de Processo Civil anotado, 15ª ed., p. 705, ancorando-se na doutrina de
Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil anotado, vol. III, pp. 259 e segs;
Castro Mendes, in Do Conceito de Prova, pp. 711 e segs; e Vaz Serra, in Provas,
Boletim do Ministério da Justiça 110º, pp. 61 e segs).
Encontra-se assim afastada a possibilidade de os factos invocados na reclamação
se considerarem notórios e, como tal, não carecerem de prova.
Ainda que o reclamante não tenha produzido qualquer prova relevante, haverá que
atender aos elementos que possam resultar dos autos.
Da declaração apresentada pelo PSD – Partido Social Democrata não resulta, antes
pelo contrário, que o candidato Carlos Abel Gonçalves da Silva Patrocínio exerça
funções que se traduzam na sua inelegibilidade, isto é, exerça funções de
direcção na 'EMCEL – Empresa Municipal Celoricense – Gestão de Espaços Culturais
e Sociais, E.M.”.
(...)
No que respeita à reclamação acerca da admissão da candidatura de Carlos Morgado
Portugal, o reclamante limitou-se a reafirmar o que antes havia alegado, não
aduzindo quaisquer argumentos novos, nem questionando directamente os
fundamentos que estiveram na base do despacho, fundamentos que, por
desnecessidade, não se repetirão, antes se relegando para o teor do despacho.”
4. No mesmo dia 2 de Setembro, o mandatário do Partido Socialista recorreu para
o Tribunal Constitucional do despacho que indeferiu a reclamação, relativamente
aos dois candidatos agora em causa, nos seguintes termos:
“A promiscuidade de interesses está bem reflectida nas Autarquias e até já
deixou há muito de ser um caso de polícia para se transformar num problema de
regime.
Celorico da Beira, não foge à regra e eis que nas Listas do P.S.D. se constata a
inclusão de cerca de meia centena de funcionários autárquicos, o que diga-se em
abono da verdade ultrapassa as raias da subversão dos princípios éticos da
Democracia e denota-se também aqui que se trata de uma mera novela política que
em nada abona quem antes deveria pugnar pela licitude dos meios.
Ora, vejamos:
O candidato Carlos Morgado Portugal é funcionário qualificado e com funções
directivas no Município de Celorico da Beira, prestando uma comissão de serviço,
temporário, no Município de Almeida (mero alibi).
Há muito que desempenhava as funções de Chefe de Divisão no Município de
Celorico da Beira e vem ocupar tal cargo, quando bem entender, dado que a
comissão de serviço é apenas de carácter temporário e termina quando a
ele-candidato o aprouver, o que se infere que isso suceda se o mesmo for eleito
Presidente da Junta de Freguesia de Cortiçô da Serra, onde efectivamente reside.
Acrescenta-se que a esposa de tal candidato é também ela funcionária do
Município de Celorico da Beira, o que tudo bem revela a oportunidade do intróito
destas alegações;
O candidato Carlos Abel Gonçalves da Silva Patrocínio, não suspendeu as funções,
que desempenha na EMCEL, como, aliás, fez o seu colega e também candidato Manuel
Alberto Almeida Cabral.
Estão assim ambos feridos pelos normativos legais contemplados na Lei Eleitoral
e se não vejamos:
– A doutrina firmada em múltiplos acórdãos nesse Venerando Tribunal resulta que,
tendo em conta o disposto no art. 251º da Constituição da República Portuguesa e
nos artigos 42º, n.º 1 e 24, n.º 1, 1ª parte da Lei n.º 169/99, em 18 de
Setembro, a candidatura no primeiro lugar da Lista a uma Assembleia de Freguesia
é simultaneamente uma candidatura à Assembleia Municipal, apesar de estarem em
causa duas autarquias distintas (conforme resulta do disposto no art. 236º, n.º
1 da Constituição da República Portuguesa e no art. 10º da Lei que regula a
eleição dos titulares dos Órgãos das Autarquias Locais).
Por essa razão o candidato Carlos Morgado Portugal, com os sinais dos autos,
pela função que exerce no Município de Celorico da Beira se for candidato a uma
Assembleia de freguesia do respectivo Município, no primeiro lugar da Lista,
fica ferido da inelegibilidade prevista no art. 7º, n.º 1, alínea d), da Lei
Eleitoral;
Da mesma forma o candidato Carlos Abel Gonçalves da Silva Patrocínio, pelas
funções que desempenhava e desempenha na Empresa Municipal Celoricense (EMCEL),
com sede na vila de Celorico da Beira e cujo capital social é detido a 100% pela
Câmara Municipal de Celorico da Beira não pode ser candidato a cabeça de Lista
de uma Assembleia de Freguesia do mesmo Município, sem que tenha suspendido as
funções na data da propositura da Candidatura, o que, efectivamente não
sucedeu, fica assim, também ferido da inelegibilidade prevista no art. 7º, n.º
1, alínea d) da Lei Eleitoral
Assim os Candidatos
– Carlos Morgado Portugal, Chefe de Divisão do Município de Celorico da Beira
tendo sido proposto como cabeça de lista do P.S.D. deve ser declarado inelegível
para a Assembleia de Freguesia de Cortiçô da Serra (n.º 1, alínea d), do art. 7º
da Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14/8); e
– Carlos Abel Gonçalves da Silva Patrocínio, funcionário com funções de chefia
na EMCEL, de Celorico da Beira, tendo sido proposto como cabeça de Lista do
P.S.D. deve ser declarado inelegível para a Assembleia de Freguesia de Açôres
(n.º 1, alínea d) do art. 7º da Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14/8).”
Respondeu o PPD/PSD, sustentando, quanto a Carlos Abel Gonçalves da Silva
Patrocínio, que o mesmo não exerce qualquer cargo directivo e, quanto a Carlos
Morgado Portugal, que, tendo sido nomeado em comissão de serviço Director
Administrativo e Financeiro da Câmara de Almeida, cessou as funções de chefe de
divisão para as quais tinha sido nomeado, igualmente em comissão de serviço, na
Câmara Municipal de Celorico de Basto, mantendo apenas quanto a esta autarquia a
categoria profissional que tem, e que é a de técnico superior de 1ª classe.
Cessando a actual comissão de serviço, para a qual foi nomeado em 2001,
regressará ao exercício das funções correspondentes à categoria de técnico
superior, como resulta do artigo 29º da Lei n.º 2/2004, de 15 de Janeiro, na
redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 51/2005, de 30 de Agosto.
E juntou, com a resposta, uma declaração do Presidente da Câmara de Celorico da
Beira, atestando que este candidato pertence ao quadro da autarquia com a
categoria de técnico superior de 1º classe, tendo cessado as funções de chefe
de divisão em 19/11/2001 com a nomeação em comissão de serviço já referida.
5. O recurso foi interposto por quem tem legitimidade e de uma “decisão final
relativa à apresentação de candidaturas”, ou seja, de uma decisão que indeferiu
a reclamação contra a admissão dos referidos candidatos apresentados pelo
PPD/PSD e foi interposto dentro do prazo (artigos 29º, n.º 1, 31º e 32º da Lei
Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais).
Assenta, em ambos os casos, na alegação de verificação da inelegibilidade
prevista na al. d) do n.º 1 do artigo 7º da Lei Eleitoral, rectificado pela
declaração n.º 20-A/2001, de 17 de Outubro (Diário da República, I Série A, de
12 de Outubro, supl.) da qual, combinada com o corpo deste n.º 1, resulta que
“Não são elegíveis para os órgãos das autarquias locais dos círculos eleitorais
onde exercem funções ou jurisdição: (...) d) Os funcionários dos órgãos das
autarquias locais ou dos entes por estas constituídos ou em que detenham posição
maioritária, que exerçam funções de direcção, salvo no caso de suspensão
obrigatória de funções desde a data de entrega da lista de candidatura em que se
integrem”.
Como o Tribunal Constitucional já por diversas vezes observou, esta
inelegibilidade – que em qualquer caso representa “uma restrição ao um direito
fundamental (à participação política) e, consequentemente, uma compressão (ou
limite negativo) da capacidade eleitoral passiva dos cidadãos por ela visados”
(Acórdão n.º 705/93, Diário da República, II série, de 14 de Fevereiro), tem
«por fundamento ou justificação decisiva (..)”, basicamente, a preservação da
“independência do exercício dos cargos electivos autárquicos” e a garantia de
que “os respectivos titulares desempenhem esses cargos com isenção e
‘desinteresse’, ou seja, com ‘imparcialidade’» (acórdão n.º 515/2001, Diário da
República, II série, de 20 de Dezembro de 2001).
Tem, em consonância com tal objectivo, um âmbito de aplicação territorialmente
limitado à área da autarquia na qual os candidatos se apresentam à eleição. E
abrange, desde a Lei Eleitoral vigente, que neste ponto alterou o regime
anterior (artigo 4º, n.º1, c), do Decreto-Lei n.º 701-B/76, de 29 de Setembro –
“funcionários dos órgãos representativos das freguesias e dos municípios”)
apenas os funcionários que tenham “funções de direcção”, embora possam exercer
funções, quer em “órgãos das autarquias locais”, quer em órgãos “dos entes por
estes constituídos ou em que detenham posição maioritária”.
6. Verifica-se em ambos os casos que se trata de candidatos que ocupam a posição
de cabeça de lista à eleição para assembleias de freguesias do concelho de
Celorico da Beira, sendo certo que são invocados como fundamento de
inelegibilidade a titularidade de cargos municipais, no âmbito daquele
município.
Ora, como o Tribunal Constitucional já por diversas vezes observou, e se
escreveu por exemplo no acórdão n.º 516/2001, o qual indica jurisprudência no
mesmo sentido, (Diário da República, II série, de 20 de Dezembro de 2001), “a
candidatura, no primeiro lugar da lista, a uma assembleia de freguesia é
simultaneamente uma candidatura à assembleia municipal – apesar de estarem em
causa duas autarquias distintas”. Assim decorre do disposto nos artigos 251º da
Constituição e 42º, n.º 1 e 24º, n.º 1, primeira parte da Lei n.º 169/99, de 18
de Setembro, alterada pela Lei n.º 5-A/2002, de 11 de Janeiro.
Daqui resulta, desde já, que estaria preenchido o âmbito territorial abrangido
pela incompatibilidade em causa.
7. Aqui chegados, importa distinguir.
Relativamente a Carlos Morgado Portugal, a alegação de inelegibilidade assenta
num equívoco: o de que o candidato mantém a titularidade do cargo de chefe de
divisão no município de Celorico da Beira.
É certo que o cargo de chefe de divisão municipal é expressamente qualificado
por lei como um cargo de direcção (artigo 2º, n.º 1, c), do Decreto-Lei n.º
93/2004, de 20 de Abril, que adaptou à administração local o regime definido
pela Lei n.º 2/2004, de 15 de Janeiro, entretanto alterada pela Lei n.º 51/2005,
de 30 de Agosto).
Mas é igualmente certo que, ao ser nomeado em regime de comissão de serviço para
exercer as funções de Director de Departamento Administrativo e Financeiro na
Câmara Municipal de Almeida, cessaram as suas funções como chefe de divisão,
mantendo apenas como vínculo ao município de Celorico da Beira o que corresponde
ao lugar que ocupa no quadro de pessoal respectivo: técnico superior de 1ª
classe, como prova a declaração do respectivo presidente da Câmara, de fls.
5327, cargo que não é de direcção, como resulta da lista constante dos diplomas
acabados de citar.
Não continuando a ser titular de um cargo dirigente no município de Celorico da
Beira, nem se torna necessário ir averiguar que efeito teria uma eventual
cessação da comissão de serviço no município onde actualmente presta funções,
contrariamente ao que o Tribunal Constitucional se viu forçado a investigar, por
exemplo, no seu acórdão n.º 700/97 (Diário da República, II série, de 14 de
Janeiro de 1998), amplamente transcrito no despacho de fls. 5225, para o qual
remeteu a decisão ora recorrida.
8. Quanto ao candidato Carlos Abel Gonçalves da Silva Patrocínio, verifica-se,
como também se entendeu no despacho recorrido, que o recorrente não fez prova
quanto ao exercício de funções de direcção no âmbito da Empresa Municipal
Celoricense, EM.
Com efeito, e admitindo-se como assente que o candidato é funcionário da
referida empresa, e que tem a categoria de Sub-Chefe de Estação, como aliás
afirma o Presidente do Conselho de Administração respectivo no documento de fls.
5289, a verdade é que, não só não está demonstrada nos autos a exacta relação da
empresa com o Município de Celorico da Beira nem, tão pouco, a que funções
corresponde o lugar de sub-chefe de estação, funções essas que naturalmente
dependerão da organização interna da empresa.
Como o Tribunal Constitucional também já afirmou, é ao recorrente que incumbe o
ónus da prova dos factos constitutivos da inelegibilidade que invoca (cfr.
acórdão n.º 688/97, Diário da República, II série, de 9 de Janeiro de 1998),
como resulta das regras gerais vigentes em matéria de ónus da prova (artigo 342º
Código Civil).
Não estando provado o desempenho de funções de chefia num “ente” constituído
pelo Município de Celorico da Beira ou no qual o mesmo Município tenha posição
maioritária, não pode o tribunal concluir pela sua inelegibilidade.
Solução contrária só poderia decorrer da existência de uma presunção de
inelegibilidade, presunção que, nem existe, nem seria conforme com a natureza
atrás apontada para as inelegibilidades.
9. Nestes termos, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão de
julgar elegíveis Carlos Morgado Portugal e Carlos Abel Gonçalves da Silva
Patrocínio.
Lisboa, 16 de Setembro de 2005
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Maria Helena Brito
Paulo Mota Pinto
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria João Antunes
Maria Fernanda Palma
Mário José de Araújo Torres
Vítor Gomes
Benjamim Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos
Gil Galvão
Bravo Serra
Artur Maurício