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Processo n.º 396/05
1.ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1.ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos de reclamação em que é reclamante A. e reclamado o
Ministério Público, vem a primeira reclamar, conforme previsto no artigo 76º, nº
4, da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional
(LTC), do despacho do relator, proferido no Tribunal Central Administrativo Sul,
de 26 de Janeiro de 2005, que decidiu não admitir o recurso interposto para o
Tribunal Constitucional.
2. Por sentença do Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa, de 6 de
Fevereiro de 2003, foi, para o que ora releva, julgada procedente impugnação de
actos de liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) deduzida pela
ora recorrente, e, consequentemente, anulados os actos de liquidação impugnados,
na parte em que resultavam da consideração de estarem sujeitas a IVA as ofertas
na parte em que o respectivo valor excedia 5/1000 do volume de negócios.
Interposto recurso pela Fazenda Pública, veio o Tribunal Central Administrativo
a conceder-lhe provimento, por acórdão datado de 30 de Março de 2004, revogando
a sentença recorrida e julgando a impugnação improcedente.
3. Notificada do teor de tal acórdão, veio a recorrente interpor recurso para o
Tribunal Constitucional e recurso, por oposição de julgados, para o Pleno da
Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo. O recurso
para o Tribunal Constitucional não foi admitido, por despacho com a seguinte
fundamentação:
“Nos termos do artº 120° do ETAF na redacção introduzida pelo DL n° 229/96, de
29 de Novembro, a extinção do anterior 3° grau de jurisdição no contencioso
tributário operada pelo presente diploma apenas produz efeitos relativamente aos
processos instaurados após a sua entrada em vigor.
Em virtude da nova redacção introduzida no art. 41°, nº1, al. b) do ETAF (DL nº
129/94, de 27/4), pelo art. 1º do DL nº 229/96, de 29 de Novembro, cujo início
de vigência foi marcado pelo art. 5°, nº 1, daquele diploma e pela Portaria n°
398/97, de 18 de Maio, para 15/09/97 -- data da entrada em funcionamento do
Tribunal Central Administrativo, passou a competir ao TCA, em matéria de
contencioso tributário, conhecer dos recursos interpostos nos processos de
impugnação em último grau de jurisdição.
Sucede que o presente processo foi instaurado em 19/12/2001- cfr. carimbo aposto
na 1ª pág. da p.i. -, não funcionando, pois, em relação a ele, o 3° grau de
jurisdição.
Foi suscitada durante o processo de impugnação, concretamente no recurso
interposto pela FªPª da sentença, a violação, por esta, do princípio da
igualdade e nas contra - alegações (vd. fls. 203/204) em que a recorrida e ora
requerente reputa violado o mesmo princípio constitucional mas, desta feita,
pela circular 1)789, de 18 de Fevereiro.
Vem agora a requerente interpor para o Tribunal Constitucional ‘recurso de
fiscalização concreta da constitucionalidade’ do Acórdão proferido nos autos que
revogou a sentença e julgou a impugnação improcedente, depois de ter arguido
nulidades e interposto recurso de ‘oposição de acórdãos’ do mesmo - vd, fls. 519
e 685 -.
Ora, não obstante a in/constitucionalidade tivesse sido apreciada pelo Tribunal
Central Administrativo, não era admissível recurso para o Tribunal
Constitucional, por do acórdão daquele caber recurso ordinário para o Supremo
Tribunal Administrativo, como o é o recurso de oposição de acórdãos. Nesse
sentido o Ac. deste TCA de 26/05/98, no recurso n° 64709.
Termos em que não se admite o recurso interposto para o TC”.
4. É deste despacho de não admissão do recurso que a sociedade A. m agora
reclamar, sustentando o seguinte:
“1.º
A decisão reclamada é o Despacho proferido no dia 26 de Janeiro de 2005, a fls.
..., no âmbito do processo n.º 00444/03 (Recurso Jurisdicional), que corre
termos no Tribunal Central Administrativo Sul, 1.º Juízo Liquidatário – 2.ª
Secção (Ex. Sec. Trib.),
2.º
Despacho esse que indeferiu o requerimento de interposição de Recurso de
Fiscalização Concreta da Constitucionalidade para o Tribunal Constitucional
constante de fls. 689, recurso esse interposto do Acórdão proferido pelo
Tribunal Central Administrativo em 30 de Março de 2004, que revogou in toto a
Sentença de primeira instância proferida pelo Tribunal Tributário de Primeira
Instância de Lisboa.
3.º
Na verdade, considera o Despacho sob Reclamação que ‘não obstante a
in/constitucionalidade tivesse sido apreciada pelo Tribunal Central
Administrativo, não era admissível recurso para o Tribunal Constitucional por do
acórdão daquele caber recurso ordinário para o Supremo Tribunal Administrativo,
como o é o recurso de oposição de acórdãos.’ (sublinhado e destaque nossos).
4.º
Na verdade, a ora Reclamante apresentou também recurso para o Pleno da Secção de
Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, por oposição de
julgados.
5.º
Aparentemente, o Despacho sob Reclamação fundamenta, assim, o indeferimento do
requerimento de interposição de Recurso de Fiscalização Concreta da
Constitucionalidade para o Tribunal Constitucional apresentado pela Reclamante
por violação do disposto no art.º 70.º, n.º 2 da Lei n.º 28/82, de 15 de
Novembro.
6.º
Sucede, porém, que este Venerando Tribunal entendeu já, em resumo, no âmbito do
processo n.º 323/94, Acórdão n.º 7/95, de 11 de Janeiro de 1995, proferido pela
2.ª Secção do Tribunal Constitucional, que ‘o recurso, fundado em oposição de
julgados, [não é] um recurso ordinário para o efeito aqui tido em vista’.
7.º
Entendendo assim este Venerando Tribunal Constitucional que o recurso interposto
do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo que decidia da oposição de
julgados era extemporâneo.
8.º
Razão pela qual, a ora Reclamante apresentou, à cautela, sem prescindir, por
dever de prudente patrocínio e porque, sobretudo, não quer ver-se em situação,
por razões meramente processuais, de não obter conhecimento de causa das
questões levantadas, o Recurso de Fiscalização Concreta da Constitucionalidade
em questão nesta fase processual.
9.º
Termos em que, não sendo, na esteira da Jurisprudência proferida por este
Venerando Tribunal, o recurso por oposição de julgados considerado como recurso
ordinário para efeitos do disposto no art.º 70.º, n.º 2 da Lei n.º 28/82, de 15
de Novembro, e verificando-se os demais pressupostos processuais, deverá
admitir-se o Recurso de Fiscalização Concreta da Constitucionalidade apresentado
pela ora Reclamante”.
5. Neste Tribunal foram os autos com vista ao Ministério Público, que considerou
manifestamente improcedente a presente reclamação, com os seguintes argumentos:
“(…) o recorrente – confrontado com o acórdão proferido pelo TCA – interpôs,
perante o STA, recurso ordinário para uniformização de jurisprudência,
fundando-se em invocada contradição jurisprudencial.
Tal estratégia processual, consubstanciada na opção pelo ‘esgotamento’ de tal
recurso ordinário, implicou que o acórdão proferido pelo TCA, visando dirimir na
ordem dos Tribunais Administrativos e Fiscais um conflito de jurisprudência,
deixasse de ser a decisão ‘final’ do litígio, na medida em que a ‘última
palavra’ sobre a sua composição passou a competir ao STA, face à admissão do
recurso para o Pleno da Secção (fls. 44 dos autos). É, neste circunstancialismo
processual prematura a interposição do recurso de fiscalização concreta, fundado
na alínea b) do n.º 1 do art. 70.º da Lei n.º 28/82 (cf. acs. 411/00 e 253/01)”.
Dispensados os vistos, cumpre decidir.
II. Fundamentação
1. Admitindo a reclamante que a decisão da qual interpôs recurso para o Tribunal
Constitucional é a mesma em relação à qual foi por si interposto (e admitido)
recurso por oposição de julgados, importa averiguar se a pendência deste último
recurso constitui entrave à utilização da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da
LTC, por inobservância do disposto no nº 2 do mesmo artigo 70º. Estabelece este
número que o recurso previsto na alínea b) do nº 1 apenas cabe de decisões que
não admitam recurso ordinário, por a lei o não prever ou por já haverem sido
esgotados todos os que no caso cabiam, salvo os destinados a uniformização de
jurisprudência.
Considera o Ministério Público que, neste circunstancialismo, é prematura a
interposição do recurso e já assim havia entendido também o relator do processo
no Tribunal Central Administrativo, pelo que decidiu no sentido da não admissão
do recurso. O reclamante pugna pela admissibilidade do recurso, por não estar em
causa – no que concerne ao recurso por oposição de julgados – recurso ordinário.
Invoca, em favor da posição sustentada, o Acórdão nº 7/95, do Tribunal
Constitucional.
2. Em termos transponíveis para o caso dos autos, escreveu-se no Acórdão nº
253/01, deste Tribunal (não publicado):
“Diz-nos (…) o nº 2 deste artigo 70º que os recursos previstos naquela alínea b)
do nº 1 – destinados a apreciação de norma aplicada em decisão judicial, cuja
inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo – apenas cabem de
decisões que não admitam recurso ordinário, por a lei o não prever ou por já se
terem esgotado todos os recursos ordinários que no caso cabiam, salvo os
destinados à uniformização de jurisprudência.
Surpreendiam-se divergências jurisprudenciais quanto a saber se o recurso de
uniformização, a não ser admitido, mormente por se entender não se verificar a
alegada oposição de julgados, precludia ou não a possibilidade de interpor
recurso de constitucionalidade.
Com as alterações introduzidas na Lei nº 28/82, pela Lei nº 13-A/98, de 26 de
Fevereiro, particularmente ao aditar-se ao artigo 70º o nº 6, o problema ficou
resolvido negativamente, ou seja, no sentido de não recair sobre a parte o ónus
de esgotar os recursos ordinários que, como fim específico, visam alcançar a
uniformização de jurisprudência no âmbito de dada ordem jurisdicional.
Assim, pode a parte optar para, em vez de recorrer logo para o Tribunal
Constitucional, se dirigir ao Pleno do STA, no objectivo de uniformizar
jurisprudência, não vendo precludida a possibilidade de impugnar a decisão
perante o Tribunal Constitucional se, porventura, o Pleno se pronunciar
desfavoravelmente à sua pretensão, conhecendo, designadamente, de mérito.
4. - O interessado, na verdade, requereu, por um lado, a reforma do acórdão do
TCA, nos termos do disposto nos artigos 669º e 716º, nº 1, do CPC, e,
simultaneamente interpôs recurso para o Pleno da Secção do Contencioso
Administrativo do STA, por oposição de julgados, invocando o disposto nos
artigos 24º, alínea b), do ETAF e 103º, nº 1, alínea a), da LPTA.
E, por outro lado, recorreu para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do citado
artigo 70º, nº 1, alínea b) da Lei nº 28/82.
Mas, sendo assim, é manifesto que o facto de ter recorrido, também, para o Pleno
da Secção do STA (não se discutindo, aqui e agora, se o podia fazer), significa
não ter sido proferida, ainda, a última palavra sobre o litígio em causa, no
âmbito da jurisdição administrativa, o que levaria a concluir não se encontrar
verificado, ainda, aquele pressuposto de prévia exaustão, necessário para a
admissibilidade do recurso de constitucionalidade.
A este propósito, observou-se em recente acórdão deste Tribunal – o nº 411/2000,
de 3 de Outubro de 2000, ainda por publicar – que, perante a opção feita,
mantém-se a viabilidade de recurso ordinário, que só esgotaria após a decisão do
Pleno (e sempre haveria possibilidade de recorrer para o Tribunal
Constitucional, de acordo com o nº 6 do artigo 70º da Lei nº 28/82)”.
Importa assinalar, desde logo, que o acórdão referido pela reclamante em favor
da solução por si sustentada é anterior à revisão da LTC, operada pela Lei nº
13-A/98, de 26 de Fevereiro e referida no acórdão agora transcrito. Com o
aditamento do nº 6 ao artigo 70º (“Se a decisão admitir recurso ordinário, mesmo
que para uniformização de jurisprudência, a não interposição de recurso para o
Tribunal Constitucional não faz precludir o direito a interpô-lo de ulterior
decisão que confirme a primeira”), deixaram de subsistir as dúvidas de que a
reclamante dá notícia e a possibilidade de, por não se entender como ordinário o
recurso por oposição de julgados, não ser admitido recurso para o Tribunal
Constitucional (artigo 7º da reclamação).
Em suma, face à prolação do acórdão do Tribunal Central Administrativo, a ora
reclamante poderia ter de imediato interposto recurso para o Tribunal
Constitucional, não lhe sendo exigível, para cumprimento do requisito do
esgotamento dos recursos ordinários, a interposição de recurso com base em
oposição de julgados. Porém, tendo optado por tal interposição, a causa
“mantém-se no âmbito dos recursos ordinários, que, assim, só ficarão esgotados
quando o Pleno decidir o recurso para si interposto”, pois só então terá sido
“«proferida a ‘última palavra’ sobre o litígio na ordem jurisdicional em causa»”
(Acórdão nº 411/00, não publicado). Regime que, face ao disposto nos artigos
70º, nºs 2 e 6, e 75º, nº 2, da LTC, não faz precludir o posterior recurso para
o Tribunal Constitucional, em caso de decisão desfavorável ou de não admissão do
recurso interposto.
Resta, pois, concluir pela inadmissibilidade do recurso, como bem se decidiu
no despacho reclamado.
III. Decisão
Em face do exposto, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 22 de Junho de 2005
Maria João Antunes
Rui Manuel Moura Ramos
Artur Maurício