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Processo n.º 715/05
3.ª Secção
Relator: Conselheiro Gil Galvão
Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório.
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Guimarães, A. (ora
reclamante), agravou para aquele tribunal do despacho, proferido em autos de
execução no 1º Juízo da Comarca de Esposende, que decidiu não haver lugar à
restituição à executada da quantia de 850.000$00. Sustentou que aquela
importância, depositada à ordem do tribunal, teria sido obtida através de
descontos realizados no vencimento da executada sem ter sido ordenada e
efectuada a respectiva penhora, pelo que tais descontos seriam ilegais e
abusivos. Não suscitou, então, qualquer questão de inconstitucionalidade.
2. O Tribunal da Relação de Guimarães, por acórdão de 16 de Março de 2005,
concluindo que “a penhora de créditos [se efectua] por meio de notificação ao
devedor de que o crédito fica à ordem do tribunal de execução e que ela fica
feita logo que se proceda a essa notificação”, negou provimento ao recurso.
Afirmou então o seguinte:
“[...] Daqui [do disposto no artigo 856° do Código de Processo Civil - na
redacção anterior à introduzida pelo Dec.-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março]
resulta, por um lado, que a penhora de créditos [se efectua] por meio de
notificação ao devedor de que o crédito fica à ordem do tribunal de execução.
E, por outro lado, que ela fica feita logo que se proceda a essa notificação.
Ora, porque a penhora do vencimento da executada consiste na notificação da
respectiva entidade patronal de que o crédito penhorado fica à ordem do Tribunal
da execução e em nada mais, basta atentar no supra mencionado despacho de fls.
156, para facilmente se concluir que os descontos efectuados no vencimento da
executada resultaram da respectiva penhora.
E nem se diga, como parece querer sugerir a executada, que, face à informação
dada pela EB Escola Básica de ------------- a fls. 160 e logo que findassem os
descontos anteriormente ordenados, [se impunha] a prolação de novo despacho a
ordenar a penhora no vencimento da executada até perfazer a quantia de
850.000$00.
Na verdade, [...] é logo após a notificação que se produz o efeito essencial da
penhora do crédito, isto é, que o crédito fica à ordem do tribunal e o devedor
do executado deixa de poder pagar a este, e no caso de pagar, não ficará
exonerado da dívida.
Ora, porque tal notificação já fora efectuada, nada mais era preciso fazer
[...]”.
3. Veio, então, a ora reclamante aos autos requerer, ao abrigo do disposto no
artigo 669º do Código de Processo Civil, “esclarecimento-reforma da decisão
proferida”, no sentido de que a penhora, embora decretada, nunca foi efectuada.
Isto porque, em seu entender, resultando da diligência efectuada ser inexistente
o bem jurídico objecto da penhora, esta não se tem por efectuada. E ainda
porque, se assim não fosse entendido, a penhora ficaria dependente de uma
decisão de oportunidade da entidade patronal, o que determinaria a
inconstitucionalidade do artigo 856º do Código de Processo Civil, por violação
do artigo 202º da Constituição.
4. O requerimento foi indeferido pelo acórdão de 11 de Maio de 2005, nos
seguintes termos:
“[...] Conforme se escreveu no Acórdão proferido a fls. 44 a 47 dos presentes
autos, nele se decidiu, por aplicação do disposto no citado art. 856°, que a
penhora de créditos [se efectua] por meio de notificação ao devedor de que o
crédito fica à ordem do tribunal de execução.
Pretender, agora, que, do simples facto de a entidade patronal ter informado o
Tribunal que os ordenados descontos no vencimento da executada ficariam a
aguardar pelo termo dos os anteriormente ordenados, se extraia a conclusão de
que a penhora não foi efectuada, por inexistência de objecto, sob pena de
violação do principio constitucional contido no art. 202° da CRP , é questão que
não cabe no âmbito dos esclarecimentos a prestar ao abrigo do art. 669°,
aplicável ex vi, arts. 749 e 716, todos do C. P. Civil. [...]
Sendo assim e porque a aclaração serve para esclarecer o que não está claro e
não para obter alteração do decidido, evidente se toma carecer de qualquer
fundamento o esclarecimento solicitado. [...]”.
5. Pretendeu então a ora reclamante recorrer para o Tribunal Constitucional,
através de requerimento onde se afirma:
“[...] Foi decidido no douto Acórdão que à penhora de vencimento da recorrente
se aplica, para efeitos de notificação do despacho que a ordena, o artigo 856 do
código do processo civil (na anterior redacção à introduzida pelo Dec.-Lei n°
38/2003, de 8 de Março)
[transcrição do preceito]
- Como resulta dos autos a entidade patronal da recorrente declarou a
inexistência do crédito/vencimento por se encontrar penhorado à ordem de outro
processo judicial.
- Foi entendimento deste Tribunal de Recurso que, e apesar da declaração da
entidade patronal da recorrente ter sido negativa relativamente à existência do
crédito objecto da diligencia e por consequência a penhora não ter sido
realizada, a mesma ficou efectuada nos termos concluídos: Haverá, assim, que
concluir que a penhora de créditos [se efectua] por meio de notificação ao
devedor de que o crédito fica à ordem do tribunal de execução e que ela fica
feita logo que se proceda a essa notificação.
- No seu requerimento Esclarecimento/Reforma de sentença a recorrente alegou que
nos termos decididos a norma invocada na douta decisão - artigo 856.º CPC - com
o sentido que lhe foi dado de que não efectuada a penhora do bem requerido, por
inexistente, a mesma fica a aguardar uma decisão de oportunidade da entidade
patronal (que é. Nestes termos, quem determina a existência de bem futuro),
viola os princípios constitucionais, nomeadamente o exclusivo do exercício da
função jurisdicional, previsto no artigo 202° da C.R.P.”
6. Tal recurso não foi admitido, pelo seguinte despacho de 2 de Junho de 2005:
“Vem a agravante ao abrigo do disposto no art.º 70, n.º 1, al. b) da Lei n.º
28/82 de 15 de Novembro, interpor recurso para o Tribunal Constitucional.
A norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal Constitucional
aprecie é o art.º 856 do C.P.Civil, por violação do previsto no artigo 202 da
C.R.P., quando interpretada com o sentido que lhe foi dado de que não efectuada
a penhora do bem requerido, por inexistente, a mesma fica a aguardar uma decisão
de oportunidade da entidade patronal.
A recorrente suscitou a questão da norma citada, no requerimento a solicitar
“esclarecimento – reforma” do Acórdão proferido nos presentes autos.
Acresce que ao contrário do que escreve a recorrente, o citado art.º 856 do
C.P.Civil não foi interpretado por este Tribunal no sentido acima exarado.
Aliás, o que se disse no Acórdão que indeferiu a reforma do Acórdão inicialmente
proferido bem como a aclaração pretendida foi que “Pretender agora que do
simples facto de a entidade patronal ter informado o Tribunal que os ordenados
descontos no vencimento da executada ficariam a aguardar pelo termo dos
anteriormente ordenados, se extraia a conclusão de que a penhora não foi
efectuada, por inexistência do objecto, sob pena de violação do princípio
constitucional contido no art. 202 da CRP, é questão que não cabe no âmbito dos
esclarecimentos a prestar …”.
Um dos pressupostos do recurso interposto ao abrigo do art. 7º n.º 1 al. b) da
LTC é o da suscitação, pelo recorrente, da questão da constitucionalidade que se
pretenda ver apreciada pelo Tribunal Constitucional, durante o processo, perante
o tribunal que proferiu a decisão recorrida, de modo processualmente adequado
(art. 72 n.º 2 da LTC).
No caso, a recorrente não suscitou, nas alegações de recurso que interpôs para a
Relação de Guimarães, a questão de constitucionalidade da norma ínsita no art.
856 do C. P. Civil, só o tendo feito na reclamação do Acórdão, que foi
desatendida por não se enquadrar nem no n.º 1 do art. 669, aplicável ex. vi,
arts. 749 e 176, todos do C. P. Civil, nem no n.º 2 daquele artigo 669.
E sendo assim é manifesto que a suscitação da questão de inconstitucionalidade
não se enquadra no disposto no citado artigo 72º, n.º 2 da L.T.C., sendo, por
isso, de rejeitar o recurso.
Pelo exposto não se admite o recurso interposto a fls. 66. [...]”
7. Inconformada com esta decisão, apresentou a recorrente a presente reclamação,
através de requerimento que conclui do seguinte modo:
“[...] 1. O artigo 856.º do Código do Processo Civil, interpretado nos termos da
decisão recorrida, configura uma violação do exclusivo da função jurisdicional,
consagrado no artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa.
2. Pelo que, assiste à recorrente o direito e a legitimidade de recorrer da
aplicação dessa norma processual, no sentido da interpretação que lhe foi
atribuída pelo douto Tribunal da Relação de Guimarães;
3. Direito esse que é irrenunciável (art. 73.º da Lei do Tribunal
Constitucional);
4. Direito esse que se formou a partir do momento em que o Tribunal recorrido
entendeu aplicar essa norma, com o sentido que lhe atribuiu;
5. Dessa forma não colhe, salvo melhor opinião, a decisão proferida a fls. 70 e
71 dos autos, que se estriba no disposto no art. 72.º, n.º 2, nomeadamente, a
falta dos pressupostos processuais para a admissão do recurso interposto;
6. Designadamente porque a recorrente suscitou a questão da
inconstitucionalidade no momento processual imediato à aplicação da norma, no
sentido da interpretação de que se recorre (f1s. 52 e 53 dos autos).[...]”
8. Já neste Tribunal foram os autos com vista ao Ministério Público, que disse o
seguinte:
“A presente reclamação carece obviamente de fundamento – desde logo, porque o
acórdão que se pretendeu impugnar não realizou a interpretação normativa,
alegadamente inconstitucional, que a recorrente especifica como objecto do
recurso de fiscalização concreta que interpôs, segundo a qual a penhora de
vencimentos, judicialmente decretada, seria “inexistente”, por “ficar a aguardar
uma decisão de oportunidade da entidade patronal” do executado. Bem pelo
contrário, o que a Relação entendeu é que a penhora de vencimentos se devia
considerar efectuada com a notificação da entidade patronal, não precludindo a
validade plena e a eficácia do acto a mera circunstância de a consumação dos
descontos ter de aguardar o termo dos descontos no vencimento anteriormente
determinados.”
Dispensados os vistos, cumpre decidir.
II. Fundamentação.
9. O presente recurso não foi admitido e, como de seguida se verá, nada há a
censurar a tal decisão.
A ora reclamante indicou a alínea b), do n.º 1, do artigo 70º, da Lei do
Tribunal Constitucional, como fundamento do recurso. O recurso previsto nessa
alínea pressupõe, designadamente, que a recorrente tenha suscitado, perante o
tribunal que proferiu a decisão recorrida, a exacta questão de
constitucionalidade normativa que pretende ver apreciada pelo Tribunal
Constitucional e que, não obstante, a decisão recorrida tenha efectivamente
aplicado, como ratio decidendi, a norma ou interpretação normativa arguida de
inconstitucional durante o processo. Ora, como vai sumariamente ver-se,
independentemente de se considerar que a ora reclamante não suscitou
atempadamente, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida e de forma
processualmente adequada, a questão de constitucionalidade relativa ao artigo
856º do Código de Processo Civil, que agora pretende ver apreciada - o que, só
por si, bastaria para inviabilizar o conhecimento do recurso -, o facto é que,
decisivamente, o acórdão recorrido não aplicou, como ratio decidendi, a
interpretação normativa arguida de inconstitucional, o que, de todo em todo,
impede o conhecimento do recurso.
De facto, se atentarmos no teor do requerimento de interposição do recurso, a
ora reclamante pretende que o “artigo 856.º CPC - com o sentido que lhe foi dado
de que não efectuada a penhora do bem requerido, por inexistente, a mesma fica a
aguardar uma decisão de oportunidade da entidade patronal” viola a Constituição.
Ora, como resulta claramente do acórdão recorrido, tal norma não foi
interpretada nesse sentido, mas sim no sentido de que “a penhora do vencimento
da executada consiste na notificação da respectiva entidade patronal de que o
crédito penhorado fica à ordem do Tribunal da execução e em nada mais” [itálico
aditado], ou seja, a penhora de vencimentos considera-se efectuada com a
notificação da entidade patronal, nada mais sendo necessário fazer, e, como
afirma o representante do Ministério Público, “não precludindo a validade plena
e a eficácia do acto a mera circunstância de a consumação dos descontos ter de
aguardar o termo dos descontos no vencimento anteriormente determinados”.
Assim sendo, não estando presentes os pressupostos de admissibilidade do
recurso, o Tribunal Constitucional não pode dele conhecer, pelo que o mesmo
sempre seria de não admitir, como o não foi.
III. Decisão.
Nestes termos, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 26 de Setembro de 2005
Gil Galvão
Bravo Serra
Artur Maurício