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Processo n.º 281/05
3.ª Secção
Relator: Conselheiro Gil Galvão
Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1. Por decisão do Tribunal Judicial da Comarca do Entroncamento foi o ora
recorrente, A., condenado, em cúmulo jurídico, na pena de 14 anos e 3 meses de
prisão, pela prática, em autoria material, de dois crimes de violação agravados,
previstos e punidos pelos artigos 164º, n.º 1 e 177º, n.º 4, do Código Penal, e
de dois crimes de abuso sexual de crianças, previstos e punidos pelo artigo
172º, n.º 2, do Código Penal, e, como instigador, de um crime de aborto
agravado, previsto e punido pelos artigos 140º, n.º 2, e 141º, n.ºs 1 e 2, do
mesmo diploma. Inconformado o arguido recorreu para o Tribunal da Relação de
Évora que, por acórdão de 30 de Novembro de 2004, concedeu parcial provimento ao
recurso e, em consequência, o condenou a uma pena única de 8 anos de prisão.
2. Ainda inconformado o arguido recorreu do acórdão do Tribunal da Relação de
Évora para o Supremo Tribunal de Justiça, que, por acórdão de 17 de Março de
2005, voltou a conceder parcial provimento ao recurso, tendo, em consequência,
diminuído a pena única a que o arguido fora condenado para 6 anos e 8 meses de
prisão.
3. Deste acórdão foi interposto recurso para este Tribunal, através de um
requerimento que tem o seguinte teor:
“[...], Recorrente nos autos à margem identificados
1º Não se conformando com o, aliás, douto acórdão proferido nos autos,
2º Vem dizer que pretende interpor recurso da mesma para o Tribunal
Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do art. 70º da Lei
n.º 28/82 de 15 de Novembro.
3º A peça processual na qual foi pelo recorrente suscitada a questão da
inconstitucionalidade foi, em primeira mão, nas alegações de recurso para o
Tribunal da Relação de Évora e, subsequentemente, nas alegações de recurso para
o Supremo Tribunal de Justiça.
4º O recorrente considera que o sentido normativo como foi aplicado o artigo
138º n.º 2 do Código de Processo Penal, viola o preceituado nos artigos 32º n.º
2 e 20º n.º 4 da CRP.
5º O Recorrente pretende ver apreciado é o sentido normativo dado pelos
Tribunais Superiores ao citado art. 138º n.º 2 do C. P. Penal, o qual se
encontra plasmado de inconstitucionalidade.
6º Por outro lado existe também a violação do princípio da presunção da
inocência contido naqueles preceitos, que o recorrente pretende também ver
apreciado, e que suscitou igualmente nas demais instâncias referidas”.
4. Na sequência, foi proferida pelo Relator do processo neste Tribunal, ao
abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro,
na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decisão
sumária no sentido do não conhecimento do objecto do recurso. É o seguinte, na
parte agora relevante, o seu teor:
“[...]5. Tendo o presente recurso sido admitido no Supremo Tribunal de Justiça,
cumpre, antes de mais, decidir se pode conhecer-se do seu objecto, uma vez que a
decisão que o admitiu não vincula o Tribunal Constitucional (cfr. art. 76º, n.º
3 da LTC).
O recurso previsto na al. b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal
Constitucional pressupõe, designadamente, que o recorrente tenha suscitado,
perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, a inconstitucionalidade da
norma jurídica – ou, se for o caso, de uma sua dimensão normativa – que pretende
ver apreciada por este Tribunal.
Importa, por isso, começar por averiguar se o recorrente suscitou, perante o
Supremo Tribunal de Justiça, que proferiu a decisão recorrida, a questão da
inconstitucionalidade do artigo 138º, n.º 2, do Código de Processo Penal, que
agora pretende ver apreciada.
Ora, como vai sumariamente ver-se, ao contrário do que afirma no requerimento de
interposição de recurso para este Tribunal, o recorrente não o fez.
De facto, se atentarmos no teor da alegação de recurso apresentada no Supremo
Tribunal de Justiça, única peça aqui relevante, verificamos que o recorrente não
cuida aí de imputar, como devia, a violação da Constituição ao artigo 138º, n.º
2, do Código de Processo Penal, mas sim à “postura” ou “actuação” do Tribunal na
forma como interrogou as testemunhas. Para o demonstrar bastará recordar aqui as
passagens daquela peça processual em que o recorrente se refere a uma alegada
violação da Constituição. Assim, depois de transcrever parte da sequência de
perguntas feitas durante a audiência de julgamento, afirma o recorrente:
“Os factos concretos, sérios, graves, surpreendentes, invocados e gravados,
traduzem uma postura dos Senhores Juízes também violadora do princípio da
presunção da inocência enquanto princípio constitucional (artigo 32º, n.º 2 da
CRP), princípio fundamental do processo penal e elemento do processo equitativo
referido no n.º 4 do artigo 20º da CRP (...) que desde já se invoca para todos
os efeitos legais”.
E, logo de seguida, continua:
“Tais apreciações conduziram à ruptura da imparcialidade do Tribunal. A actuação
do Tribunal devia ser: desinteressada; desapaixonada; Colocando-se acima dos
interesses em confronto.
Existiu um prejuízo de culpabilidade acerca do recorrente, por via da sugestão
de que esse já era considerado culpado antes da sua culpabilidade provada.
Pelo que aqui existe também uma violação do princípio da presunção da
inocência”.
Mais à frente, ainda no mesmo sentido, assevera:
“E o que o Tribunal violou foi esse estatuto ou condição, usando expressões ou
palavras que se traduziram numa antecipação da condenação”.
Finalmente, nas conclusões da sua alegação, afirma o recorrente, depois de
voltar a referir-se ao modo como o tribunal interrogou as testemunhas:
“7 – Os factos mencionados nas conclusões 1 a 6, traduzem uma postura violadora
do princípio da presunção da inocência, prevista no artigo 32º, n.º 2, da CRP,
que é um princípio fundamental do processo penal, tendo também em consideração o
contido no artigo 20º, n.º 4, da mesma CRP, e no parágrafo único do artigo 6º do
CEDH”.
Em face do exposto, e sem necessidade de maiores considerações, torna-se
evidente que não pode conhecer-se do objecto do presente recurso, já que, não
tendo o recorrente suscitado, durante o processo e de modo processualmente
adequado, como exige o n.º 2 do artigo 72º da Lei do Tribunal Constitucional
(LTC), qualquer questão de constitucionalidade normativa, não está presente,
pelo menos, um dos pressupostos de admissibilidade do recurso previsto na alínea
b) do n.º 1 do art. 70º da LTC, ao abrigo da qual recorre.
5. Inconformado com esta decisão o recorrente apresentou, “ao abrigo do disposto
no art.º 78-A n.º 3 da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional”, a presente
reclamação para a Conferência, “nos termos e com base nos seguintes
fundamentos”, que se transcrevem:
1º Alude-se na douta decisão sumária que o recurso previsto na alínea b) do n.º
1 do art.º 70º da Lei do Tribunal Constitucional, pressupõe, designadamente, que
o recorrente tenha suscitado, perante o Tribunal que proferiu a decisão
recorrida, a inconstitucionalidade da norma jurídica, ou, se for o caso, da uma
sua decisão normativa - que pretende ser aplicada pelo Tribunal Constitucional.
2º Defende-se também na mesma decisão sumária que, de acordo com a alegação do
recurso apresentada no Supremo Tribunal de Justiça, o recorrente não imputou a
violação da Constituição ao artº 138º nº 2 do Código do Processo Penal, mas sim
á “postura” ou “actuação” do Tribunal na forma como interrogou as testemunhas.
3º Isto para concluir que, no caso sub judice, não pode conhecer-se do objecto
do presente recurso.
4º Dado que, de acordo com o entendimento da decisão sumária, não foi suscitado,
no movimento próprio, qualquer questão de constitucionalidade normativa, não se
encontrando presente, pelo menos, um dos pressupostos de admissibilidade do
recurso, previsto na alínea b) do nº 1 do artº 70º do L.T.C.
Contudo,
5º Já se entendeu no âmbito da decisão proferida por esse Venerando Tribunal em
22 de Março de 1994, no processo nº 715/93, Ac. nº 238/94, BMJ, 435, 389 que “ a
questão de constitucionalidade suscitada pode respeitar não apenas á norma ou a
uma sua dimensão parcelar, considerada em si, mas também á interpretação ou
sentido com que ela foi tomada no caso concreto e aplicada na decisão recorrida
- sendo objecto idóneo do recurso de constitucionalidade fundado na alínea b) do
nº 1 do artº 70º da Lei 28/82, a inconstitucionalidade dessa norma enquanto
assim interpretada na decisão recorrida”.
Portanto,
6º Há que averiguar se, de forma directa ou indirecta o recorrente suscitou
questões de inconstitucionalidade relacionadas com a norma contida no artº 138º
nº 2 do Código do Processo Penal.
7º Ou, dito de outro modo mais amplo, saber se o recorrente durante o processo –
e antes da prolação da decisão de que pretendeu recorrer – suscitou qualquer
questão de inconstitucionalidade normativa.
Sucede que,
8º Já no recurso para o Tribunal da Relação de Évora o recorrente tinha
concluído que o método utilizado pelo Tribunal a quo para audição em particular
da testemunha B., criou situações de “ espontaneidade provocada”, ao serem
utilizadas respectivamente um conjunto de expressões elencadas na conclusão 1º,
de tais alegações.
9º Defendeu ainda o recorrente, nessa sede, que o Tribunal colectivo formulou
previamente um pré-juízo de perigosidade em relação ao mesmo, por via de tal
actuação, ao defender no despacho acerca reapreciação da medida de prisão
preventiva um conjunto de alusões contidas na conclusão 2º, do recurso para
aquele Tribunal.
10º Concluiu o recorrente, nesse âmbito, que as referidas intervenções traduzem
a existência um pré-juízo de culpabilidade em relação ao recorrente, por via da
sugestão de que as referidas entidades judiciais já consideravam o arguido
culpado antes da sua culpabilidade ser provada, de acordo com os mecanismos
legais.
11º Concluiu, invocando o recorrente, que os factos supra referidos traduzem
ainda na postura violadora do princípio da pres[]unção da inocência prevista no
artº 32º nº 2 da C:R.P., que é um princípio fundamental do processo penal, e
elemento do processo equitativo referido no nº 4 do artº 20º da CRP., e do
parágrafo único do artº 6º da CEDA.
Acresce que,
12º No âmbito das alegações para o Supremo Tribunal de Justiça o recorrente
alargou o elenco de alguns aspectos já referidos no recurso para o Tribunal da
Relação de Évora.
13º Nomeadamente, no sentido de considerar que tinha existido violação das
regras e comandos contidos no artº 138º nº 2 do Código do Processo Penal, pois
os mesmos dirigem-se a todos os agentes judiciários, Magistrados incluídos
(conclusão 2º)
14º E na conclusão 3º, alude-se a que por isso (ou seja por virtude da violação
do comando do artº 138º nº 2 do C:P:P), o método utilizado pelo Tribunal de 1ª
Instância criou as ditas situações de “ espontaneidade provocada”, ao serem
utilizadas um conjunto de expressões durante a audição tais como “ Vá B.
esforça-te um pouco mais, ajuda-nos”., “ Só mais um esforço ... eu prometo que
não te faço mais perguntas”, de entre outras mencionadas na conclusão terceira.
15º E nas conclusões 4º, 5º, 6 e 7º dessas alegações para o Supremo Tribunal de
Justiça, o recorrente reproduz, com algumas alterações, o conteúdo do já
alegado, para o Tribunal da Relação de Évora,
16º Para aditar, na conclusão 8º, que se mostra violado o preceituado nos
artigos 138º nº 2 do Código do Processo Penal, e 32º nº 2, 20 nº 4 da CRP e
parágrafo único do artº 6º da CEDA, aplicável ao ordenamento jurídico português.
Ora,
17º Verifica-se que da conjugação do conteúdo das alegações do recurso, e da
interligação das conclusões 1º-a 8º do recurso para o S.T.J., que o que está em
causa é, o sentido normativo como foi aplicado o artº 138º nº 2 do Código do
Processo Penal, no caso concreto.
18º Na realidade, e contrariamente ao que se alude na douta decisão sumária,
entende o recorrente que imputou a violação ao artº 138º nº 2 do C.P.P.,
(veja-se a conclusão 8º)
19º E por outro lado, tendo em conta o teor normativo desse artº 138º nº 2 do
CPP, só é possível aferir ou não qualquer violação, sem apurar qual a forma como
foi conduzida a audiência de julgamento no que concerne, em concreto, ao
apuramento de se foram não efectuadas perguntas sugestivas ou impertinente ás
testemunhas e em caso afirmativo se com tal aplicação concreta da norma ao caso
concreto, foi verificada ou questão de constitucionalidade.
Assim,
20º Tendo em conta a integração agora efectuada entende o recorrente que foi
suscitada durante o processo e de modo adequado questão de constitucionalidade.
Neste modo,
21º Encontram-se presentes os pressupostos de admissibilidade do recurso
previsto na alínea b) do nº 1 do artº 70º do LTC
22º Assim sendo, a douta decisão sumária que decidiu não conhecer o objecto do
recurso, deve, salvo melhor opinião, ser alterada, no sentido de se decidiu
conhecer do objecto do recurso.
Na realidade,
23º Da forma como o recorrente elencou as suas alegações para o STJ, tem de
entender-se que foi suscitada a inconstitucionalidade da norma do artº 138º nº 2
do CPP, no sentido já mencionado.
24º Impondo-se, assim, a apreciação do mérito do recurso, procedendo-se a uma
análise circunstanciada do seu fundamento material,
NESTES TERMOS:
E nos melhores de Direito, e com o mui douto suprimento de V. Exa. deve ser
alterado o douto despacho agora em reclamação no sentido de que se deve conhecer
do objecto do recuso interposto pelo recorrente, para o Tribunal Constitucional,
em virtude de ter sido invocada a violação do artº 138º nº 2, do CPP, em termos
de constitucionalidade, de no que concerne á interpretação ou sentido em que no
caso concreto essa norma foi aplicada, no decurso da audiência de
julgamento.[...]”
6. Notificados o Ministério Público e o assistente para responder, querendo, à
reclamação do recorrente, veio o primeiro dizer o seguinte:
“1. A presente reclamação é manifestamente improcedente, em nada abalando os
fundamentos da decisão reclamada, no que toca à evidente inverificação dos
pressupostos de admissibilidade do recurso interposto.
2. Na verdade, o reclamante não suscitou, em termos processualmente adequados e
perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, qualquer questão de
inconstitucionalidade normativa, idónea para servir de base ao recurso
interposto para o Tribunal Constitucional.”
Dispensados os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
III – Fundamentação
7. A decisão sumária reclamada considerou que o recorrente, na alegação de
recurso apresentada no Supremo Tribunal de Justiça, única peça aqui relevante,
não cuidou “de imputar, como devia, a violação da Constituição ao artigo 138º,
n.º 2, do Código de Processo Penal, mas sim à “postura” ou “actuação” do
Tribunal na forma como interrogou as testemunhas”, pelo que se não podia
conhecer do objecto do recurso, “já que, não tendo o recorrente suscitado,
durante o processo e de modo processualmente adequado, como exige o n.º 2 do
artigo 72º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), qualquer questão de
constitucionalidade normativa, não está presente, pelo menos, um dos
pressupostos de admissibilidade do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do
art. 70º da LTC, ao abrigo da qual recorre.”
O recorrente vem reclamar desta decisão, sustentando que “tendo em conta a
integração agora efectuada entende o recorrente que foi suscitada durante o
processo e de modo adequado questão de constitucionalidade” e que, se encontram
“presentes os pressupostos de admissibilidade do recurso previsto na alínea b)
do n.º 1 do art.º 70º do LTC”, pelo que “deve ser alterado o douto despacho
agora em reclamação no sentido de que se deve conhecer do objecto do recuso
interposto pelo recorrente, para o Tribunal Constitucional, em virtude de ter
sido invocada a violação do art.º 138º n.º 2, do CPP, em termos de
constitucionalidade, de no que concerne á interpretação ou sentido em que no
caso concreto essa norma foi aplicada, no decurso da audiência de julgamento”
(sic). Não tem, contudo, qualquer razão, como, sucintamente, se verá já de
seguida
8. De facto, basta ler o teor da reclamação para verificar que o ora reclamante
em nada infirma os argumentos da decisão reclamada. Com efeito, o recorrente,
nas alegações para o Supremo Tribunal de Justiça, concluiu da seguinte forma, na
parte que ele próprio considera relevante:
“1 – O Tribunal da Relação decidiu erradamente ao considerar que o Tribunal a
quo não formulou qualquer juízo de perigosidade e de culpabilidade em relação ao
arguido, nem violou o princípio da presunção da inocência;
2 – As regras e comandos contidos no artigo 138°, n.o 2 do Código de Processo
Penal, dirigem-se a todos os agentes judiciários, Magistrados incluídos;
3 - Por isso, o método utilizado pelo Tribunal da 1 a Instância na audição da
lesada B., criou situações de ' espontaneidade provocada', ao serem utilizadas,
repetidamente e ao longo das várias horas que durou a audição, pelos
Srs.Magistrados, expressões tais como “Vá B., esforça-te um pouco mais,
ajuda-nos!”; “só mais um esforço...eu prometo que não te faço mais perguntas!”;
“os passos que já deste foram importantes”; “olha B., não me digas que vais
morrer na praia!”; “estão aqui alguns homens na sala, mas nem todos são
violadores”;
4 – Por outro lado, o Tribunal de 1ª Instância formulou previamente pré-juízo de
perigosidade em relação ao ora recorrente, ao defender no despacho àcerca da
reapreciação da prisão preventiva a “inabitual liberdade de movimentos do
arguido”, ao defender a “necessidade de manter o arguido sem contacto visual com
o exterior, ao entender que não seria permitido conversar com os agentes que o
acompanhavam e com terceiros e nem sequer se encontrava algemado, e ao entrar
pela porta de acesso principal deste Tribunal, em vez de entrar pela porta de
acesso reservado aos arguidos detidos”;
5 – As referidas intervenções traduzem a existência de um pré-juízo de
culpabilidade em relação ao recorrente, conjugado com a utilização da expressão
“estão aqui alguns homens na sala, mas nem todos são violadores”, sugerindo que
um já era violador, a saber o arguido A.;
6 – O Tribunal evidenciou com tais comportamentos que já considerava o
recorrente culpado, no início do julgamento, e antes da sua eventual
culpabilidade ser apurada, através dos mecanismos legais;
7 – Os factos mencionados nas conclusões 1 a 6, traduzem uma postura violadora
do princípio da presunção da inocência, prevista no artigo 32°, n.o 2 da CRP,
que é um princípio fundamental do processo penal, tendo também em consideração o
contido no artigo 20°, n.º 4, da mesma CRP, e no parágrafo único do artigo 6° do
CEDH;
8 – Assim, mostra-se violado o preceituado nos artigos 138°, n.o 2 do Código
Penal, e 32°, n.º 2, 20°, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa e
parágrafo único do artigo 6° da CEDH, aplicável ao ordenamento jurídico
português;
9 – Tal actuação do Tribunal constitui nulidade insanável, invocável
nomeadamente nos termos do artigo 410°, n.o 3 do CPP, e conduzirá a repetição do
julgamento, o que se requer seja ordenado em primeira mão[...]”
Ora, só por lapso manifesto ou indesculpável desconhecimento se pode pretender,
como afirma o recorrente, que em tais conclusões se encontra suscitada uma
qualquer questão de constitucionalidade normativa.
Aliás, em relação à conclusão 8, citada pelo recorrente como elucidativa da
alegada suscitação de uma questão de inconstitucionalidade normativa, apenas se
acrescentará que, conforme o Tribunal Constitucional já afirmou, nomeadamente,
nos Acórdãos n.ºs 489/2004 e 710/2004 e 128/2005 (disponíveis na página Internet
do Tribunal, em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/), “se se
utiliza uma argumentação consubstanciada em vincar que foi violado um dado
preceito legal ordinário e, simultaneamente, violadas normas ou princípios
constitucionais, tem-se por certo que a questão de desarmonia constitucional é
imputada à decisão judicial, enquanto subsunção dos factos ao direito, e não ao
ordenamento jurídico infra-constitucional que se tem por violado com essa
decisão, pois que se posta como contraditório sustentar-se que há violação desse
ordenamento e [que] este é desconforme com o Diploma Básico. Efectivamente, se
um preceito da lei ordinária é inconstitucional, não deverão os tribunais
acatá-lo, pelo que esgrimir com a violação desse preceito, representa uma óptica
de acordo com a qual ele se mostra consonante com a Constituição.” Isto é, se se
sustenta que determinada postura é, simultaneamente, violadora de preceitos do
ordenamento jurídico infra-constitucional e de normas constitucionais só se pode
concluir que se está a questionar a própria decisão judicial e não a
constitucionalidade dos preceitos ordinários. O que, igualmente, sempre
conduziria à solução encontrada na decisão sumária ora reclamada –
impossibilidade de conhecimento do recurso interposto.
Assim sendo, pelas razões já constantes da decisão reclamada, que mantém inteira
validade e em nada é infirmada pela presente reclamação, é efectivamente de não
conhecer do objecto do recurso que o ora reclamante pretendeu interpor.
III - Decisão
Nestes termos, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência,
confirmar a decisão reclamada no sentido do não conhecimento do objecto do
recurso.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 10 de Maio de 2005
Gil Galvão
Bravo Serra
Artur Maurício