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Processo nº 313/03
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
(Conselheiro . Pamplona de Oliveira)
Acordam na 1ª secção do Tribunal
Constitucional:
I. Relatório
1. A. e outras onze operárias da B, Lda. intentaram coligadamente, no Tribunal
do Trabalho de Loures, contra esta sociedade, uma acção emergente de contrato
individual de trabalho, pedindo a condenação da ré a pagar a cada uma das
autoras a quantia de 205.508$00, acrescida dos respectivos juros. Deram à acção
o valor de 2.868.552$00. A pretensão foi julgada procedente e a Triunfo
Internacional, Lda. condenada a pagar a cada uma das autoras, suas
trabalhadoras, a quantia de Euros 1 025, 07 – equivalente ao valor de cada um
dos pedidos – com juros até integral pagamento. Contra o assim decidido quis
recorrer para a Relação de Lisboa a ré Triunfo Internacional, Lda., mas o
recurso não lhe foi admitido com fundamento numa interpretação do artigo 678º do
Código de Processo Civil (CPC), aplicável ao caso por força do artigo 79º do
Código de Processo de Trabalho, segundo a qual, traduzindo-se a coligação numa
acumulação de acções conexas, haveria que tomar-se em conta o valor de cada um
dos pedidos “para aquilatar da admissibilidade do recurso face à alçada do
tribunal”; ora, tendo embora a acção o valor de 2.868.552$00, os montantes
individualmente pedidos – de 205.508$00 – eram muito inferiores à alçada do
tribunal de comarca (ao tempo, 750.000$00), pelo que não seria admissível o
recurso interposto. E também não seria admissível – prossegue o despacho – pela
regra da sucumbência, já que a ré fora condenada a pagar a cada uma das autoras
a dita quantia de 205.508$00, inferior a metade da alçada do tribunal de
comarca. Em suma, o recurso não era de receber.
2. Contra este despacho reclamou a ré para o Presidente da Relação de Lisboa,
alegando, para além do mais, que a aplicada interpretação do aludido artigo 678º
do CPC violaria o artigo 20º da Constituição da República Portuguesa (CRP), por
criar uma injustificada discriminação no acesso a um duplo grau de jurisdição.
Mas o Presidente da Relação de Lisboa indeferiu a reclamação nos seguintes
termos:
“2. A questão a decidir nos presentes autos sintetiza-se de forma simples: saber
se um Réu que tenha sido demandado em coligação por vários Autores, cujos
pedidos, considerados isoladamente, não ultrapassam o valor da alçada do
tribunal de 1ª instância, pode recorrer, pois, em conjunto, o valor daqueles
ultrapassa este.
Nos termos do n.º 1 do artigo 676°, as decisões judiciais podem ser impugnadas
por meio de recurso.
Constitui assim princípio geral do nosso ordenamento jurídico a recorribilidade
das decisões judiciais, sendo a irrecorribilidade considerada pela lei como
excepção (Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, 28 ed, pág.15l).
Contudo, a lei impõe certos limites objectivos à admissibilidade dos recursos
para as causas de menor valor, tendo em conta a natureza dos interesses nelas
envolvidos e a sua repercussão económica para a parte vencida.
Assim, no artigo 678°, n.º 1, do Código de Processo Civil, faz-se depender a
recorribilidade do recurso de dois factores: do valor da causa e o valor da
sucumbência.
Assim, só é admissível recurso ordinário nas causas de valor superior à alçada
do tribunal de que se recorre desde que as decisões impugnadas sejam
desfavoráveis para o recorrente em valor também superior a metade da alçada do
tribunal que proferiu a decisão.
Ora, no caso dos autos, o Réu, ora Reclamante, foi demandado em coligação por
diversos autores, cujos pedidos, se isoladamente considerados, não ultrapassam o
valor da alçada do tribunal recorrido, em conjunto, têm um valor superior.
Assim, para efeitos do artigo 678°, n.º 1, do Código de Processo Civil, deverá
atender-se ao valor isolado de cada um dos pedidos ou, pelo contrário, devemos
considerar relevante o valor total em que o Réu foi condenado?
De acordo com o artigo 30° do Código de Processo Civil é permitida a coligação
de autores contra um ou vários réus e é permitido a um autor demandar
conjuntamente vários réus, por pedidos diferentes, respeitados que sejam vários
pressupostos formais e substanciais.
Como é sabido, a coligação é uma figura de pluralidade de partes em que há
sempre uma cumulação de acções, tornada possível por razões de ordem prática e
de simplificação, pelo que cada um dos pedidos mantém autonomia relativamente
aos outros.
Assim, no caso de coligação o valor da acção deve ser considerado autonomamente
para cada um dos pedidos cumulados, ou seja, para que o recurso seja admissível
em relação a todos eles é necessário que o valor de cada um deles seja superior
ao valor da alçada do tribunal de que se recorre. Não se compreenderia que a
decisão relativa a um dos pedidos cumulados, que não é superior à alçada do
tribunal de que se recorre, se tornasse recorrível apenas porque a decisão sobre
todos os pedidos cumulados satisfaz os requisitos do artigo 678°, n.º 1.
E isto é assim, quer no caso dos autores coligados que pretendam recorrer, quer
no caso de um único réu demandado por diversos autores, pois não faria sentido
cumular o valor de cada um dos pedidos até satisfazer o valor limite da alçada.
Solução diversa, como parece ser a posição da reclamante, permitindo recorrer ao
réu que foi demandado isoladamente por vários autores, e foi condenado na
cumulação de todos os pedidos em valor superior ao da alçada, como no caso
vertente, e já não aos autores coligados, por isoladamente considerados os seus
pedidos serem inferior àquele valor, violaria o princípio da igualdade, por
tratamento desigual às partes no mesmo processo.
Contudo, defende a reclamante que tal interpretação do artigo 678° do Código de
Processo Civil é inconstitucional por violação do disposto no artigo 20° da
Constituição.
Ora, no processo civil, o que o legislador tem de assegurar sempre a todos, sem
discriminações de ordem económica, é o acesso a um grau de jurisdição. E, se a
lei previr que o acesso à via judiciária se faça em mais que um grau, tem ele
que abrir a todos também a essas vias judiciárias, garantindo que o acesso a
elas se faça sem discriminação alguma (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º
163/90, de 23 de Maio de 1990, Boletim do Ministério da Justiça n.º 397 - Junho
- 1990, pág. 77).
Aquela margem de discricionaridade (a ampla margem de discricionaridade na
concreta conformação e delimitação dos pressupostos de admissibilidade e do
regime dos recursos que deve ser reconhecida ao legislador ordinário em processo
civil) tem, porém, como limite a não consagração de regimes arbitrários,
discriminatórios ou sem fundamento material bastante, em obediência ao princípio
da igualdade (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 202/99, de 6 de Abril de
1999, Boletim do Ministério da Justiça n.º 486 - Maio de 1999, pág. 49).
Contudo, afigura-se-nos que não colhe o argumento extraído da comparação da
coligação com o litisconsórcio, em matéria de graus de jurisdição.
Ora, como vimos supra, à coligação correspondem várias acções cujos pedidos
mantém a sua autonomia, enquanto que no litisconsórcio há apenas uma acção a que
corresponde um único pedido, pelo que estamos perante figuras de pluralidade de
sujeitos distintas.
Para além disso, no caso vertente, a ré não podia ser demandada em
litisconsórcio activo, uma vez que não se verificam os seus pressupostos.
Assim, improcedem em toda a linha as razões invocadas pela reclamante”.
3. É deste despacho que Triunfo Internacional, Lda. recorre para o Tribunal
Constitucional, com fundamento na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei de
Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC). Conclui
as suas alegações nos seguintes termos:
“A) O presente recurso é interposto do despacho proferido em sede de reclamação
pelo Ex.mo. Desembargador Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, que não
admitiu o recurso interposto 1ª instância, por considerar que em sede de
coligação activa o Réu só pode recorrer se, relativamente a cada um dos pedidos
formulados se verificarem os dois requisitos objectivos estatuídos no n° 1 do
art. 678° do C.P.C.
B) Entende a Recorrente que o sentido dado àquele normativo (678° n° 1 C.P.C.)
para além de violar a letra e a ratio da lei, inquina o mesmo do vício da
inconstitucionalidade material.
C) Se é certo que a Constituição não assegura - por regra - o duplo grau de
jurisdição, não pode daqui depreender-se que o legislador ordinário pode fixar
sem qualquer espartilho constitucional os pressupostos de admissibilidade de
recurso. Se o 'direito ao recurso' é 'restringível pelo legislador ordinário',
ao mesmo está constitucionalmente vedado o estabelecimento de uma 'discriminação
intolerável' ou uma 'redução intolerável ou arbitrária'.
D) A manter-se a orientação do Meritíssimo Desembargador, de que para efeitos do
art. 678° n° 1do C.P.C. deverá apenas atender-se ao valor isolado de cada um dos
pedidos, haveria de se concluir que esta norma é inconstitucional por traduzir
uma discriminação ou redução intolerável e arbitrária.
E) A ratio do disposto no art. 678° n° 1 do C.P.C. encontra-se na necessidade de
descongestionar os tribunais superiores e desencorajar as tentativas do vencido
de prolongar a duração do processo, nas situações em que o valor em causa é mais
reduzido.
F) A admissibilidade do recurso encontra-se dependente do prejuízo económico que
a decisão representa para a parte vencida e não pela utilidade económica que a
decisão representa para a parte(s) vencedora(s). Como resulta de jurisprudência
firmada no S.T.J., no n° 1 do art. 678°, pressupõe-se o valor que a coisa tem
para o recorrente.
G) Para a Ré, o prejuízo decorrente da decisão de que se pretende recorrer é o
que resulta da soma de todos os pedidos formulados (em que veio a ser
condenada).
H) O n° 1 do art. 678° com o sentido que lhe é atribuído, estabelece uma
'restrição intolerável' ao direito de recorrer, bem como uma 'discriminação
intolerável e arbitrária'.
I) A existência de uma coligação (mera cumulação) de acções por parte dos
recorridos não justifica a discriminação que resulta do sentido atribuído ao n°
1 do art. 678° C.P.C.
J) A inadmissibilidade de recurso para as partes coligadas, em caso algum
justifica (à luz de um processo equitativo) a inadmissibilidade do recurso para
a contraparte.
L) Tal solução, ao contrário do entendimento acolhido na decisão recorrida não
viola o princípio da igualdade, pelo contrário impõe-se à luz desse mesmo
princípio.
M) O princípio da igualdade, como já foi várias vezes sublinhado, traduz-se na
'exigência de tratamento igual do que é igual e diferente do que é diferente'.
Ora a interpretação feita pela recorrente vem ao encontro daquele mesmo
princípio. As autoras coligadas ainda que vencidas não poderiam recorrer na
medida em que para as mesmas o valor da acção (a desvantagem económica) seria
inferior à alçada. A R. deve ser reconhecido o direito de recorrer na medida em
que se encontra numa diferente situação. Esta discriminação impõe-se à luz dos
interesses em causa.
N) Não é constitucionalmente aceitável, à luz do princípio da igualdade, que o
legislador permita em alguns casos o recurso e noutros (de coligações) recuse o
2° grau de jurisdição, sendo os interesses em causa os mesmos.
O) A solução legal estatuída no artigo 678° conduziria a resultados iníquos e
perversos.
P) O artigo 20° da Constituição assegura o acesso ao Direito e aos Tribunais.
Este direito de acesso à Justiça, só pode ser entendido como um direito efectivo
à Jurisdição, como um direito a um processo equitativo. Não pode ser visto como
uma proclamação meramente formal. Ora, o sentido atribuído ao art. 678° n°1 não
é consentâneo com a exigência constitucional de um processo equitativo, um
processo equitativo há de ser um processo que respeite o princípio da igualdade,
não estabelecendo discriminações, sem fundamento material bastante.
Q) A existência - na coligação - de uma mera acumulação de acções não faz
diminuir, por si só, o prejuízo decorrente da procedência dos pedidos formulados
e, não justifica a restrição ao direito de recorrer face às demais situações com
idêntico prejuízo.
R) É certo que se não existisse cumulação a parte vencida não poderia interpor
recurso, mas não pode esquecer-se que não ficaria então na contingência de ser
prejudicada por uma decisão de um valor superior à alçada sem possibilidade de
recurso.
S) Não pode pois deixar de se concluir, que com o sentido dado pela decisão
recorrida o n° 1 do art. 678° C.P.C. é inconstitucional por violar o disposto no
art. 20°.
Assim, e com o douto suprimento de V. Ex.as. deverá dar-se provimento ao
presente recurso e, em consequência, ordenar-se a reforma da decisão recorrida
em conformidade com a declaração de inconstitucionalidade do art. 678° n° 1”.
As recorridas contra-alegaram, pedindo que não fosse dado provimento ao recurso.
Após mudança de relator, por vencimento, cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
1. O Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa não deferiu a reclamação, e
consequentemente não admitiu o recurso, por entender que o artigo 678º, nº 1, do
CPC o proibia. Na verdade, ponderou que, no caso de coligação activa, “o valor
da acção deve ser considerado autonomamente para cada um dos pedidos cumulados,
ou seja, para que o recurso seja admissível em relação a todos eles é necessário
que o valor de cada um deles seja superior ao valor da alçada do tribunal de que
se recorre”. Em suma, sendo o valor dos pedidos – individualmente considerados –
inferior ao valor da alçada, o recurso não pode ser admitido, ainda que o
montante em que a ré foi globalmente condenada seja de valor superior ao da
alçada desse tribunal.
Ao contrário, entende a recorrente que, resultando o seu prejuízo “da soma de
todos os pedidos formulados (em que veio a ser condenada)”, a norma impugnada
estabelece uma “restrição intolerável” ao direito de recorrer, uma
“discriminação intolerável e arbitrária”, que põe em causa o princípio do
processo equitativo, o princípio da igualdade e o direito de acesso ao direito e
aos tribunais.
Em causa está, pois, a norma – retirada do artigo 678º, nº 1, do CPC – segundo a
qual no foro laboral, em caso de coligação de autores, o valor da acção, para
efeitos de recurso, é determinado autonomamente em relação a cada um dos pedidos
cumulados, norma que proibiu o recurso que a ora recorrente pretendia interpor.
2. O recurso previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC, como o
presente, tem uma feição sui generis, uma vez que é restrito à questão da
inconstitucionalidade suscitada (artigos 280º, nº 6, da CRP e 71º, nº 1, da
LTC). Esta característica impõe que o Tribunal aceite a decisão sob recurso,
enquanto tal, cabendo-lhe tão-somente averiguar da conformidade constitucional
da norma aplicada. É, por isso, agora indiferente saber se a norma foi
correctamente aplicada pelo Tribunal recorrido.
Aliás, a defesa de cada uma das posições em confronto, do ponto de vista da
interpretação e aplicação do direito ordinário, não é inédita. Pressupondo a
definição de coligação como reunião de duas ou mais causas, procedeu o Tribunal
da Relação de Coimbra à apreciação de situação idêntica à dos presentes autos –
aplicação do artigo 678º, nº 1, do CPC em caso de coligação de autores –, embora
não no âmbito do processo laboral, concluindo dever atender-se ao valor de cada
uma delas para aquilatar da admissibilidade do recurso (Acórdão de 12 de Junho
de 1984, Colectânea de Jurisprudência, Ano IX, T 3, p. 64 e s.). No mesmo
sentido, referindo esta decisão, pronuncia-se Salvador da Costa (Os incidentes
da instância, Almedina, 1999, p. 23): “Na coligação de autores por pedidos
diferentes e independentes, à causa global corresponde uma pluralidade de
valores processuais” (itálico aditado).
Em sentido contrário, e após referir que uma das funções do valor da causa é
determinar “se a causa excede o valor da alçada do tribunal e por isso se das
decisões deste é admissível recurso”, sustenta Alberto dos Reis que “a regra
enunciada na primeira alínea do artigo 312º [correspondente ao actual artigo
306º, nº 2, do CPC, que estabelece que cumulando-se na mesma acção vários
pedidos, o valor é a quantia correspondente à soma dos valores de todos eles]
tem de aplicar-se a todos os casos de cumulação de pedidos isto é, tanto ao caso
de cumulação com singularidade de litigantes (cumulação simples […]) como ao de
cumulação com pluralidade de litigantes (coligação […])” (Comentário ao Código
de Processo Civil III, Coimbra Editora, 1946, pp. 577 e 635; sublinhado
aditado).
3. Sobre a questão de saber se a CRP impõe ao legislador ordinário que garanta
sempre aos interessados o acesso a diferentes graus de jurisdição para defesa
dos seus direitos, já este Tribunal tem jurisprudência firme, conforme
reconhece, por exemplo, o Acórdão nº 431/02 (não publicado):
“De facto, é jurisprudência firme deste Tribunal que a Constituição, maxime, o
direito de acesso aos tribunais, não impõe ao legislador ordinário que garanta
sempre aos interessados o acesso a diferentes graus de jurisdição para defesa
dos seus direitos, destacando-se os Pareceres da Comissão Constitucional nºs.
8/78 (5º vol.) e 9/82 (19º vol.) e o Acórdão nº 65/88, de 23 de Março, in
Acórdãos do Tribunal Constitucional, 11º vol., págs. 653 a 670. Mais
recentemente, ilustram esse entendimento, entre muitos outros, o Acórdão nº
149/99, de 9 de Março, de que se transcreve:
«De resto e já em termos gerais, na interpretação do disposto no artigo 20º, nº
1 da C.R.P., o Tribunal Constitucional vem reiteradamente entendendo que a
Constituição não consagra um direito geral de recurso das decisões judiciais,
afora aquelas de natureza criminal condenatória e, aqui, por força do artigo
32º, nº 1 da Lei Fundamental (cfr., por todos, Acórdão nº 673/95 in DR, II
Série, de 20/3/96); e no mesmo sentido aponta a maioria da doutrina (cfr.
Ribeiro Mendes “Direito Processual Civil” AAFDL, vol. III pp. 124 e 125 e Vieira
de Andrade “Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976” pp. 332
e 333)».
Também no Acórdão nº 239/97, de 12 de Março, se disse:
«A existência de limitações de recorribilidade, designadamente através do
estabelecimento de alçadas (de limites de valor até ao qual um determinado
tribunal decide sem recurso), funciona como mecanismo de racionalização do
sistema judiciário, permitindo que o acesso à justiça não seja, na prática,
posto em causa pelo colapso do sistema, decorrente da chegada de todas (ou da
esmagadora maioria) das acções aos diversos ‘patamares’ de recurso.
Na situação aqui em causa, do que se trata, essencialmente, é do funcionamento
da regra das alçadas: as acções que nunca chegariam ao Supremo Tribunal, e
consequentemente ao pleno, por não disporem de alçada, são subtraídas – ou dito
de outra forma, não são abrangidas – pela legitimação especial de recurso
contida no artigo 764º
Ora, sendo certo que as alçadas, bem como todos os mecanismos de ‘filtragem’ de
recursos, originam desigualdades (partes há que podem recorrer e outras não),
estas não se configuram como discriminatórias, já que todas as acções contidas
no espaço de determinada alçada são, em matéria de recurso, tratadas da mesma
forma.
Significa isto que a regra básica de igualdade, traduzida numa exigência de
tratamento igual do que é igual e diferente do que é diferente, proibindo,
designadamente a chamada ‘discriminação intolerável’, não é afectada pelo
específico aspecto do recurso para o pleno dos acórdãos da Relação, questionado
pelo recorrente».
Por seu turno, no Acórdão nº 72/99, de 3 de Fevereiro de 1999, que acompanha
este último acabado de transcrever, destacam-se outros acórdãos demonstrativos
desta jurisprudência:
«A limitação do recurso em função das alçadas não ofende também o princípio
constitucional de acesso ao direito e aos tribunais, consagrado no artigo 20º da
Constituição da República Portuguesa. Nesse sentido se tem pronunciado a
jurisprudência constante do Tribunal Constitucional. Assim, vejam-se, como mais
significativos, os acórdãos nºs 163/90 (publicado em Acórdãos do Tribunal
Constitucional, 16º vol., p. 301 ss); 210/92 (publicado em Acórdãos do Tribunal
Constitucional, 22º vol., p. 543 ss); 340/94 e 403/94 (não publicados); 95/95
(publicado no Diário da República, II Série, nº 93, de 20.4.1995); 377/96
(publicado no Diário da República, II Série, nº 160, de 12.7.1996)»”.
Importa, assim, ter presente que a norma do nº 1 do artigo 678º do CPC, enquanto
limita o recurso às causas de valor superior à alçada do tribunal de que se
recorre, não ofende a CRP. A questão que se põe nos presentes autos é, porém, a
de saber se é de reiterar a doutrina que se extrai dos arestos citados, quando,
no foro laboral, em caso de coligação de autores, o valor da acção, para efeitos
de recurso, é determinado autonomamente em relação a cada um dos pedidos
cumulados.
4. Nos casos de coligação de autores, prevista no artigo 30º do CPC, existem
diferentes pedidos, permitindo a lei a sua apreciação numa mesma acção, quando a
causa de pedir seja a mesma e única, quando os pedidos estejam entre si numa
relação de prejudicialidade ou dependência ou quando, sendo embora diferente a
causa de pedir, a procedência dos pedidos principais dependa essencialmente da
apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação das mesmas regras
de direito ou de cláusulas de contratos perfeitamente análogas.
A coligação de autores corresponde aos casos em que existem, em simultâneo,
multiplicidade de pedidos e colectividade de litigantes: “São figuras distintas
a mera cumulação de pedidos, a simples pluralidade de autores e réus e a
coligação. Na mera cumulação de pedidos há um só autor e um só réu, mas mais do
que um pedido: o mesmo autor deduz contra o mesmo réu vários pedidos na mesma
acção. Na simples pluralidade o pedido é só um, formulado por vários autores ou
contra vários réus. A coligação tem de comum com a cumulação a circunstância de
os pedidos serem múltiplos, e com a pluralidade a circunstância de os autores ou
os reús serem mais do que um” (Alberto dos Reis, Comentário ao Código de
Processo Civil I, Coimbra Editora2, 1960, p. 44 e s.). Na coligação de autores,
estes juntam-se, “não para fazerem valer a mesma pretensão ou para formularem um
pedido único, mas para fazerem valer, cada um deles, uma pretensão distinta e
diferenciada” (Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil III,
Coimbra Editora, 1946, p. 147). Existe aqui uma situação de “acumulação de
acções” (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado I, Coimbra Editora3
– Reimpressão, 1980, p. 99 e s.), sendo “elemento essencial da coligação a
formulação de pretensões distintas e diferenciadas por cada um dos autores
coligados” (Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, Almedina2 I,
2004, p. 66).
5. Como já ficou dito, no caso presente, a decisão recorrida parte de uma
interpretação, segundo a qual, em caso de coligação, existem várias causas e
vários valores da causa, aplicando depois, a cada uma das causas, o critério do
valor da alçada. A decisão recorrida mais não faz do que aplicar, a cada uma das
causas que considerou existir, este critério, um critério que comporta uma
limitação do recurso que não ofende o princípio constitucional de acesso ao
direito e aos tribunais, consagrado no artigo 20º da CRP, tal como tem vindo a
ser sustentado na jurisprudência do Tribunal Constitucional.
“Sobre o efeito limitativo das alçadas, em conexão com o valor da acção,
relativamente à admissibilidade do recurso, nos termos do art. 678º, nº 1, do
CPC”, deve afirmar-se que “é evidente que não pode pretender pôr-se seriamente
em causa a existência, no ordenamento processual [especificamente nos domínios
dos processos civil e laboral], de limites objectivos à admissibilidade do
recurso, estabelecidos para as causas de menor relevância, tendo em conta a
natureza dos interesses nelas envolvidos ou a sua repercussão económica para a
parte vencida: é que tais limitações derivam em última instância, da própria
‘natureza das coisas’, da necessidade imposta por razões de serviço e pela
própria estrutura da organização judiciária de não sobrecarregar os tribunais
superiores com a eventual reapreciação de todas as decisões proferidas pelos
restantes tribunais – sob pena de o número daqueles ter de ser equivalente ao
dos tribunais de 1ª instância e com a consequente dispersão das tendências
jurisprudenciais” (Lopes do Rego, “O Direito fundamental de acesso aos Tribunais
e a reforma do Processo Civil”, Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues I,
Coimbra Editora, 2001, p. 764).
Ora, partindo a decisão recorrida da interpretação de que, em caso de coligação,
existem várias causas e vários valores da causa, aplicando depois, a cada uma
das causas, o critério do valor da alçada, considerando apenas o valor de cada
uma das causas, não pode tal interpretação, que assenta no critério explicitado,
considerar-se como estabelecendo um limite arbitrário, excessivo ou desprovido
de justificação objectiva. Limites que a CRP impõe à liberdade de conformação do
legislador ordinário em sede de sistema de recursos, fora do âmbito penal –
assim, e para além dos já citados, cf. Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs
116/95 (ATC, 30º vol., p. 683) e 240/04 (Diário da República, II Série, de 4 de
Junho de 2004); cfr. também, Jorge Miranda/Rui Medeiros Constituição Portuguesa
Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, 2005, p. 201 e s..
6. Esta mesma conclusão impõe-se, quando consideramos que à razão de ser da
consagração legal da possibilidade de coligação de autores se ligam os
objectivos de promover a economia processual e de evitar a disparidade de
soluções judiciais, com desprestígio para o sistema e custos para a segurança
nos destinatários das decisões dos tribunais.
Uma possibilidade conferida aos autores e não uma qualquer imposição processual,
de onde decorre que, para a ora recorrente, a situação de facto, avaliada do
ponto de vista do prejuízo económico, seria exactamente a mesma se tivesse sido
demandada e condenada em acções individuais (facto que a ré não pode controlar,
dependendo apenas da iniciativa dos autores), tendo cada uma delas o valor de
cada um dos pedidos na presente acção. Em tal situação, não há qualquer dúvida
que, em virtude do valor da (s) acção (ões), estaria vedada a interposição de
recurso de cada um das decisões parcelares que concluísse pela sua condenação.
Conclusão relevante face à forma pela qual a recorrente equacionou a questão de
inconstitucionalidade suscitada, ou seja, reconduzindo-a tão só à quantificação
do prejuízo económico que lhe é causado. Sustenta a recorrente que negar neste
caso o direito ao recurso consubstancia uma discriminação intolerável e
arbitrária, uma vez que, em casos com o mesmo relevo económico para a parte que
pretende interpor recurso, este é ou não admissível, consoante não haja ou haja
coligação. Ora, tal asserção omite a consideração da fonte do prejuízo, sendo
certo que não são entre si iguais as situações em que a condenação resulte de
processo em que existe apenas um autor, daquelas em que exista pluralidade de
autores e pluralidade de relações jurídicas a apreciar, tal como acontece nos
casos de coligação.
Atentar apenas no valor em que a ré é condenada, a final, significa
desconsiderar o facto de, como no caso dos autos, a condenação resultar de uma
pluralidade de relações jurídicas, com diferentes sujeitos. A única situação que
se afigura equiparável à dos autos, quer do ponto de vista do prejuízo económico
causado à recorrente, quer do ponto de vista dos interesses em presença,
considerando a diversidade de origem do valor global da condenação (vários
valores parcelares, cada um de diminuta importância), é a de propositura de
várias acções em separado, resultando todas procedentes. Caso em que não haveria
lugar a recurso.
Em abono daquela conclusão – a interpretação feita pelo Tribunal recorrido do nº
1 do artigo 678º do CPC não é arbitrária, excessiva ou desprovida de
justificação objectiva – destaque-se, ainda, que, pelo contrário, a admissão do
recurso interposto pela ré é que seria susceptível de gerar uma situação
discriminatória em relação às autoras. Contendo-se o valor do pedido de cada uma
delas no valor da alçada, estar-lhes-ia vedado o recurso, o que geraria, então
sim, situação discriminatória, no âmbito do mesmo processo.
Por outro lado, não pode desconsiderar-se, do ponto de vista das autoras, a
expectativa de que a respectiva pretensão estaria definitivamente decidida.
Obtido ganho de causa em primeira instância e contendo-se o pedido em valor que
não lhes permite a cada uma delas o recurso, é legitimamente expectável que a
lei o vede igualmente à parte contrária. Destruir tal status quo, pelo facto de
as autoras terem utilizado o mecanismo da coligação, que apresenta vantagens
para o sistema de administração da justiça, equivaleria a colocar quem a ele
recorreu em situação mais desvantajosa do que aquela que existiria em caso de
propositura das acções em separado.
Por último, importa assinalar que nenhuma especificidade decorre, neste caso, do
facto de o artigo 678º, nº 1, do CPC ter sido aplicado no foro laboral. Desde
logo, cabe retomar a diferenciação que, em matéria de recursos, a jurisprudência
constitucional tem vindo a sedimentar entre a justiça penal e as demais
jurisdições. Por outro lado, as razões a que já recorreu o Tribunal para
identificar as “especialidades do direito processual laboral relativamente ao
direito processual civil” (Acórdão nº 51/88, Diário da República, II Série, de
22 de Agosto de 1988), designadamente em matéria de recursos (Acórdão nº
240/2004, que menciona o especial relevo da celeridade), não se vislumbram no
presente caso.
7. Em suma, uma vez que “o direito de acesso aos tribunais não impõe ao
legislador ordinário que garanta sempre aos interessados o acesso a diferentes
graus de jurisdição para defesa dos seus direitos e interesses legalmente
protegidos”, assistindo-lhe, no âmbito do processo civil, “ampla margem de
liberdade na conformação do direito ao recurso” (Jorge Miranda/Rui Medeiros, ob.
cit., p. 200 e s.; itálico aditado) e que a interpretação do artigo 678º, nº 1,
do CPC não pode qualificar-se como arbitrária, excessiva ou desprovida de
justificação objectiva, importa reafirmar aqui a jurisprudência deste Tribunal
acima referida, concluindo pela não inconstitucionalidade da norma sindicada.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se:
a) Não julgar inconstitucional a norma do nº 1 do artigo 678º do Código de
Processo Civil, quando interpretada no sentido de que, no foro laboral, em caso
de coligação de autores, o valor da acção, para efeitos de recurso, é
determinado autonomamente em relação a cada um dos pedidos cumulados;
b)
c) Negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida no que à
questão de constitucionalidade diz respeito.
Custas pela recorrente, fixando-se em 20 (vinte) unidades de conta a taxa de
justiça.
Lisboa, 6 de Julho de 2005
Maria João Antunes
Rui Manuel Moura Ramos
Maria Helena Brito
Carlos Pamplona de Oliveira – vencido, conforme declaração que junto.
Artur Maurício
DECLARAÇÃO DE VOTO
Vencido, pelas seguintes razões:
É sabido que a Constituição não impõe ao legislador ordinário que garanta sempre
aos interessados o acesso a diferentes graus de jurisdição para defesa dos seus
direitos.
Todavia, o poder do legislador ordinário não é ilimitado, conforme este Tribunal
já reconheceu no acórdão 638/98 de 4 de Novembro. Radica este entendimento na
regra constante do n. 2 do artigo 20º da Constituição, que consagra,
genericamente, o direito de acesso aos tribunais para defesa dos direitos e
interesses legítimos – assim estabelecendo um direito de natureza análoga à dos
direitos, liberdades e garantias consagrados no Título II da Constituição a que
é aplicável o regime do artigo 18º da Constituição –, e que incorpora o direito
de defesa contra actos jurisdicionais na garantia do acesso à via judiciária.
É que, conforme se observou no acórdão nº 270/95 (Diário da República, II Série,
de 21 de Julho de 1995), a Constituição, também neste domínio, impõe ao
legislador garantias mínimas: uma garantia contra violações radicais do sistema
de recursos instituídos e uma garantia da igualdade dos cidadãos na sua
utilização. E, deve acrescentar-se ainda, por decorrência do princípio do acesso
à justiça e do princípio do Estado de direito democrático (artigo 2º da
Constituição) – do qual se extrai a garantia de controlo das decisões dos
próprios órgãos jurisdicionais –, que o acesso a sucessivos graus de jurisdição
deve ser definido segundo critérios objectivos, ancorados numa ideia de
proporcionalidade (valor das causas, natureza das questões), que respeitem o
princípio da igualdade, tratando de forma igual o que é idêntico.
Ora a verdade é que o legislador ordinário arquitectou um sistema de recurso com
respeito pelo princípio do igualdade, e de forma proporcionalmente justa,
adoptando como critério genérico de recorribilidade o do valor da acção – artigo
305º n. 2 do Código de Processo Civil. Trata-se de um modelo de fácil apreensão,
que decorre do jogo de regras simples, e cuja aplicação prática não admite, em
princípio, controvérsia. Mesmo assim, é tal o relevo que o legislador confere à
aquisição processual do elemento do qual decorre, em suma, a faculdade de
recorrer, que permite sempre o recurso para apurar esse valor, quando ele é
controverso (n. 3 do artigo 678º do Código de Processo Civil).
Em regra, é, portanto (já se sabe que existem outros casos especiais em que a
matéria tratada permite sempre o recurso), o valor da acção que determina a
possibilidade de recorrer, estando sempre garantida a defesa do interesse da
parte contra decisões que fixem o valor da causa em montante inferior ao da
alçada do tribunal, através de recurso. Em suma, ao estipular que o valor da
utilidade económica do pedido condiciona a competência do tribunal, a forma do
processo e a relação da causa com a alçada do tribunal o legislador está a
estabelecer um critério objectivo e proporcionalmente justo de limitação do
direito de recorrer, em atenção ao benefício económico esperado pelo autor, e ao
sacrifício financeiro que é imposto ao réu.
O Tribunal também já fez notar (acórdão n. 287/90, AcsTC 17º/159 e acórdão n.
302/90, BMJ 401/130) que a instauração da acção e a consequente fixação do
respectivo valor constitui uma expectativa jurídica que, embora não invista o
interessado no direito subjectivo ao recurso, deve ser protegida contra normas
que, de forma injustificada ou surpreendente, queiram limitar essa faculdade. E,
na verdade, é também aceitável que, por decorrência do princípio da confiança (o
direito a um processo leal e justo – a fair process), se entenda que a
Constituição não autoriza a frustração de expectativas legitimamente
constituídas, em desconformidade com o princípio do Estado de direito
democrático, acolhido no artigo 2º da Constituição.
Ora, no caso em presença, mostrando-se já fixado o valor à acção, e em montante
que permitiria o recurso, foi aplicada uma norma que retirou, com base no mesmo
critério, a possibilidade de recurso, mas sem que, pelo menos, fosse permitido
ao interessado discutir numa instância superior essa questão, ao contrário do
que garante o já referido n. 3 do artigo 678º do Código de Processo Civil:
retira-se desta forma ao recorrente, simultaneamente, quer a possibilidade de
recorrer, quer a faculdade de discutir numa instância superior o valor da acção
para efeitos de recurso, ao contrário do que garante a norma constante do citado
n. 3 do artigo 678º do Código de Processo Civil. Importará, então, verificar se
ao afectar desta forma o direito de recurso, a norma aplicada determina, ou não,
arbitrariedade ou excessiva onerosidade decorrente de um vício de
proporcionalidade na salvaguarda do direito conflituante, constitucionalmente
protegido. Na verdade, conforme se diz no citado acórdão 287/90, para julgar da
existência de excesso na onerosidade, isto é, na frustração forçada de
expectativas, é necessário averiguar se o interesse geral deve prevalecer sobre
o interesse individual sacrificado; na falta de tal interesse, ou da sua
insuficiente relevância constitucional, deve considerar-se arbitrário o
sacrifício e excessiva a frustração de expectativas.
O sistema de alçadas visa o descongestionamento dos tribunais superiores,
proporcionando condições indispensáveis a que trabalhem com eficácia; não pode,
atento o fim proposto, afirmar-se que o sistema seja desproporcionado
relativamente à redução do âmbito do direito de recurso que implica. Mas, no
confronto destes dois objectivos – por um lado, o descongestionamento dos
tribunais superiores, por outro, a garantia de recurso contra actos
jurisdicionais que impliquem uma condenação em montante global superior ao da
alçada do tribunal – afigura-se contrária ao artigo 2º da Constituição, por ser
excessivamente onerosa, a frustração do direito ao recurso.
É que, no caso em presença, não existe justificação objectiva bastante para esta
restrição: não há dúvida que o sacrifício financeiro em que o réu é condenado
merece o mesmo relevo, quando provenha de vários pedidos adicionados na mesma
acção, pois é certo que no caso de pedidos formulados em coligação activa é
objectivamente mais confortável a posição dos autores e mais fácil de obter a
procedência total dos pedidos; por outro lado, e ao contrário do que se afirma
no despacho recorrido, no litisconsórcio o valor da sucumbência é determinado de
forma distinta consoante o recurso incida sobre um interesse subjectivamente
divisível e o litisconsórcio seja simples ou recaia sobre um interesse comum e
se constitua, por isso, um litisconsórcio unitário; – Miguel Teixeira de Sousa,
Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lisboa, 1997, p. 485.
Mas, fundamentalmente, e revertendo ao foro laboral onde decorre o processo, é
útil notar que o legislador alarga, no artigo 79º do Código de Processo de
Trabalho, a possibilidade de recurso a outros casos, para além dos anunciados no
artigo 678º do Código de Processo Civil, em que é sempre possível o recurso
'independentemente do valor da causa e da sucumbência'. Designadamente, o
recurso é sempre admissível nas causas em que se discute a determinação da
categoria profissional do trabalhador. Isto acontece certamente em consideração
da repercussão que estas decisões geralmente comportam no âmbito das relações
laborais. E, nesse foro, justamente em virtude da particular configuração das
relações jurídicas que se estabelecem, e nomeadamente em resultado do número de
pessoas jurídicas que figuram em cada lado dessa relação jurídica, é bem mais
efectiva a possibilidade de ocorrência de uma situação que propicie a coligação
de autores, em número variável, mas que pode atingir, não obstante o baixo
montante de cada um, um valor global perante o qual é impensável – por força do
artigo 2º da Constituição – negar ao réu o direito de recurso.
Ora, conforme se notou no acórdão n. 696/98, fazendo apelo à doutrina dos
acórdãos n.º 68/85 (in AcTC, 5º vol., págs. 541 e segs.) e n.º 359/86 (in AcTC,
8º vol., págs. 605 e seguintes) «[...] se se concebe que nem todas as decisões
tenham de admitir recurso [...], ‘o que a lei já não poderá fazer é admitir o
recurso em toda uma categoria de casos e depois excluí-lo apenas em relação a um
sector dessa categoria, sem que nenhuma justificação objectiva se verifique para
tal discriminação’.»
Afigura-se-me, em suma, que a norma do n. 1 do artigo 678º do Código de Processo
Civil quando interpretada no sentido de que no foro laboral, em caso de
coligação, o valor da acção deve ser considerado autonomamente para cada um dos
pedidos cumulados, não admitindo recurso a decisão que condenou o réu em valor
global superior ao da alçada do tribunal, é inconstitucional por violação dos
princípios do Estado de direito democrático e da igualdade, consagrados nos
artigos 2ª e 13º da Constituição.
Daria, assim, provimento ao recurso.
(Conselheiro Pamplona de Oliveira)