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Processo n.º 589/05
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1.No âmbito da acção emergente de contrato individual de trabalho intentada por
A. contra B. e C. foi proferida sentença em 23 de Janeiro de 2004, pelo Tribunal
de Trabalho da Comarca de Portimão, que, julgando parcialmente procedente a
acção, declarou nulo, por ilícito, o despedimento do autor por não existir justa
causa, e, consequentemente, condenou a 2.ª demandada a pagar-lhe as retribuições
que aquele deixou de auferir desde 1 de Setembro de 2003 até àquela data, e
ainda a pagar ao autor a indemnização correspondente a um mês de remuneração (à
razão de € 645,00 mensais) por cada ano de antiguidade ou fracção, com
referência à data da decisão final, quantias acrescidas de juros de mora, à taxa
legal, vencidos desde a data da citação e vincendos até integral pagamento das
quantias referidas, absolvendo integralmente a 1.ª demandada do pedido.
Dessa decisão interpuseram recurso demandante e demandada para o Tribunal da
Relação de Évora que, por acórdão datado de 15 de Fevereiro de 2005, julgou
improcedente a apelação do primeiro e procedente a apelação da segunda, e,
consequentemente, revogou a sentença recorrida por concluir pela existência de
justa causa para a rescisão do contrato do autor. Pode ler-se nesse aresto, no
que ora importa:
«(…)
5. Quanto à justa causa:
Resolvida a questão da matéria de facto e dado que se não questiona a
regularidade formal do processo disciplinar que conduziu ao despedimento do
trabalhador, vejamos então se a conduta que lhe foi imputada constitui justa
causa para a rescisão do seu contrato de trabalho conforme pretende a apelante.
Ora, para haver justa causa de rescisão do contrato de trabalho é necessário um
comportamento culposo do trabalhador, que pela sua gravidade e consequências
torne imediata e praticamente impossível manter o vínculo contratual, conforme
resulta do artigo 9.° do DL n.º 64-A/89, de 27/2.
Assim sendo, tem que se tratar duma violação culposa dos deveres contratuais do
trabalhador; que esta violação seja grave em si mesma e nas suas consequências;
e que por via dessa gravidade seja imediata e praticamente impossível manter-se
o contrato, sendo de apreciar esta impossibilidade no campo da inexigibilidade,
a determinar através do balanço dos interesses em presença, por forma a que a
subsistência do contrato represente uma insuportável e injusta imposição ao
empregador, conforme doutrina do STJ expressa no acórdão de 22/2/95, CJS, 279/1.
Esta posição é também secundada por Lobo Xavier sendo de concluir pela justa
causa de despedimento quando seja chocante, intolerável e inaceitável a
imposição ao empregador do vínculo laboral apesar dos obstáculos postos pela lei
à desvinculação patronal da relação de trabalho – Curso de Direito do Trabalho,
493.
Por outro lado, impõe-se que a ruptura seja irremediável em virtude de não haver
outra sanção susceptível de sanar a crise contratual aberta com a conduta do
trabalhador – STJ, 7/12/94, CJS, 304/3 (texto do aresto).
Face a estas considerações, vejamos então como decidir ao caso dos autos.
5.1. Ora, provou-se que, no dia 7 de Novembro de 2002, por volta das 21.00
horas, o Autor ordenou a D., operador de caixa do estabelecimento da Ré onde
trabalhava, que efectuasse um registo em caixa registadora, no montante de €
7,43, através duma etiqueta dum artigo correspondente a um filtro de café “E.”,
visando com esta operação proceder ao pagamento de um microondas, que tinha
marcado o preço de venda ao público de € 49,83;
Este operador não notou nada de anormal nesta actuação, pois sabia que se
tratava dum aparelho que estava amolgado e não tinha prato e que por esta razão
não estava exposto para venda, não se destinando à venda ao público.
Tinha sido já o próprio D. quem se havia deslocado ao armazém, a mando do autor,
para ir buscar o microondas.
Por outro lado, quando este efectuou o registo da compra do microondas, a mando
do autor, também nada notou de anormal nesta actuação, embora não desconhecessem
ambos que a fixação dos preços das “quebras” (artigos com defeito) era da
competência do director da loja, competindo sempre a este a última palavra, quer
sobre a autorização da sua venda a funcionários, quer sobre a fixação do
respectivo preço.
A venda de produtos “avariados” ou com defeito a trabalhadores da apelante,
apesar de excepcional, carecia sempre de prévia autorização do Director de Loja,
no caso o Sr. F., situação de que o autor tinha perfeito conhecimento, tanto
mais que já anteriormente, a 7 de Novembro de 2002, havia adquirido uma
bicicleta com defeito, pelo valor de € 25,00, quando o preço de venda ao público
em condições normais de funcionamento era de € 200,00, tendo obtido prévia
autorização de um superior.
Este aparelho de microondas, embora avariado, teria de ser sempre pago por
intermédio de uma caixa registadora, e, enquanto o seu preço não fosse alterado
pelo director da loja, só podia sair mediante o pagamento do preço que estava
marcado.
Por outro lado foi o Autor quem fixou o seu preço sem ter obtido a devida
autorização do director da loja, F., pois é este director da loja quem fixa o
destino dos artigos da loja que apresentam estragos que não permitem a sua venda
ao público, podendo este passar pela sua devolução ao fornecedor, caso seja
possível, pela sua reparação se for economicamente viável, ou ainda pelo
aproveitamento das suas peças. Caso nenhuma destas soluções possa ser aplicada,
o seu destino poderá passar pela sua doação a uma Instituição de Caridade, e
caso não funcione restará deitá-lo ao lixo.
De qualquer maneira a venda destes artigos aos próprios trabalhadores da
apelante é excepcional, pois doutra forma poderia constituir um estímulo a que
se considerem artigos em situação de “quebra” com o objectivo de serem
adquiridos por aqueles por preços simbólicos, o que bem se compreende.
Para além disto é de atentar ainda que o Autor adquiriu o microondas para si
próprio, pois provou-se que não o destinava à sua comercialização.
Por último importa ainda referir que apesar de estar em situação de “quebra” o
microondas funcionava, estado que o próprio trabalhador admite expressamente no
artigo 36.° da sua petição.
Ora, atenta toda esta actuação não podemos concordar com a sentença apelada que
concluiu pela inexistência de justa causa.
Efectivamente, a conduta do Autor reveste-se da maior gravidade, representando
uma grosseira violação dos mais elementares deveres profissionais do trabalhador
e que bem conhecia.
Na verdade, este tinha perfeito conhecimento dos procedimentos a adoptar quando
os próprios trabalhadores da R. pretendem adquirir produtos em situação de
quebra e que já não podem ser vendidos ao público.
Apesar disso, não se muniu da necessária autorização para a sua aquisição a
preço inferior ao que estava marcado e fixou ele próprio o preço da venda, que
fez pagar através duma etiqueta que nada tinha a ver com o artigo que estava a
comprar, bem sabendo também que enquanto aquele director não alterasse o seu
preço, não podia o microondas sair do estabelecimento por outro preço que não o
que estava marcado.
Por outro lado, para além da extrema gravidade desta actuação do trabalhador,
também temos de concluir pelo seu elevado grau de culpa, dado que foi
conscientemente assumida, pois o Autor bem sabia que neste caso precisava da
autorização do director da loja.
Apesar disso, decidiu por si próprio do destino a dar ao microondas, destino que
nem sequer tinha sido ainda determinado pelo director da loja, adquirindo‑o para
si próprio sem estar munido desta autorização e sem ser este a fixar o
respectivo preço.
Ora, face à gravidade desta actuação e ao elevado grau de culpa do trabalhador
só podemos concluir que a mesma é susceptível de, por si só, comprometer
irremediavelmente a subsistência da relação laboral.
Com efeito, dela resulta a destruição total da confiança do empregador, pois o
trabalhador ao agir assim quebrou irremediavelmente aquele sentimento
fundamental para a sobrevivência do contrato, dado que este precedente
necessariamente vai criar na entidade patronal um permanente receio de no futuro
o trabalhador não respeitar os procedimentos instituídos e de quem só pode
esperar que sejam escrupulosamente cumpridos.
Por outro lado, a excepcionalidade das vendas de produtos em quebra aos
funcionários da empresa tem como justificação o receio de que estes não descurem
os seus deveres de diligência e não venham a abusar das quebras de artigos para
que os venham depois a adquirir por preços simbólicos.
Daí que só o director da loja possa autorizar estas vendas, e mesmo assim com
carácter excepcional e depois de esgotadas as possibilidades de devolução do
artigo ou da sua recuperação.
Consideramos assim absolutamente inaceitável que se imponha à apelante a
manutenção ao seu serviço dum trabalhador que bem conhecia as suas regras de
funcionamento e que apesar disso as violou duma forma tão grosseira.
Por isso, e apesar de se não ter apurado o prejuízo sofrido pela empresa,
entendemos que [esse] aspecto em nada reduz a gravidade da conduta, pois a R.
não pode contemporizar com estas atitudes que, se não forem seriamente
combatidas, poderão conduzir a resultados desastrosos para a empresa.
Ocorre assim uma impossibilidade prática de subsistência da relação de trabalho
por ter deixado de existir, por razões imputáveis ao trabalhador, aquele suporte
psicológico mínimo para o desenvolvimento dessa relação assente na confiança do
empregador.
Por isso, tendo esta actuação provocado a ruptura total desta confiança, dado
que o empregador ficará sempre com o receio de que a situação não voltará a
repetir-se, temos de concluir pela justa causa na rescisão do contrato operada
pela apelante, apesar de se não ter provado qual o montante do prejuízo sofrido
pela empresa.
No entanto, este aspecto não é relevante pois o valor da confiança é um valor
absoluto cuja quebra não está dependente de qualquer prejuízo mas da gravidade
da violação contratual e da sua repercussão no devir do contrato.
E assim sendo é de dar razão à apelante C., constituindo a conduta do Autor
motivo de rescisão do seu contrato de trabalho com justa causa, o que levará à
sua absolvição total. (…)»
Notificado deste acórdão, requereu o autor a correcção de dois erros materiais
de escrita e ainda a sua aclaração “no sentido de esclarecer, porque o
requerente não entende, no que a si concerne, se foram considerados e como o
foram na decisão os factos contidos em 4.5, 4.13, 4.16 e 4.18 do douto acórdão”,
uma vez que, “do ponto de vista do requerente, torna-se importante aclarar estes
factos, para assim poder entender claramente todos os fundamentos da douta
decisão proferida”.
Em resposta, a apelante C. sustentou que “não existem razões ponderosas” que
justificassem a aclaração, já que “o douto acórdão é claro, perfeitamente
cognoscível e a decisão final foi devidamente fundamentada”.
Por acórdão de 19 de Abril de 2005, o Tribunal da Relação de Évora ordenou a
correcção de um dos erros materiais de escrita apontados pelo requerente,
indeferindo a reclamação quanto ao mais.
2.Veio, então, o demandante interpor recurso de constitucionalidade, “ao abrigo
do conjugadamente disposto na al. b) do n.º 1 do art.º 70.º e do n.º 2 do mesmo
art.º 70.º, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção dada pela Lei n.º
85/89, de 7 de Setembro”, dizendo no seu requerimento de recurso:
«2. Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade da interpretação, com que
foi tomada no caso concreto e aplicada na decisão recorrida, das normas do art.º
9.º do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro (que é a única disposição
legal a que, expresse e “tout court”, alude o Acórdão ora em crise e de que se
recorre);
3. Tal interpretação das referidas normas viola o determinado no art.º 53.º da
Constituição da República Portuguesa;
4. O interessado não dispôs de “oportunidade processual para levantar a questão
da inconstitucionalidade antes de proferida a decisão recorrida, caso(s) em que
lhe deve ser reconhecido o direito ao recurso” (cfr. “Breviário de Direito
Processual Constitucional”, pág. 43, de Guilherme da Fonseca e Inês Domingos,
Coimbra Editora, Coimbra, 1997);
5. O recurso há-de processar-se com o regime de subida atinente ao recurso de
revista em processo civil, com efeito meramente devolutivo (art.º 78.º da
L.T.C., e art.ºs 721.º e seguintes do C.P.Civil, conexionadamente).
Nestes termos, requer a V. Ex.ª que se digne admitir o presente recurso e feito
o mesmo subir, com o efeito próprio, seguindo-se os demais termos legais.»
3.Por despacho datado de 20 de Maio de 2005, o recurso não foi admitido. Pode
ler-se nesse despacho:
“Vem o A. recorrer para o Tribunal Constitucional do acórdão proferido nos
autos.
Fá-lo ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de
Novembro.
*.
Ora, a decisão de que se pretende recorrer não é recorrível para o Tribunal
Constitucional.
Efectivamente, e conforme resulta do preceito mencionado pelo recorrente, há uma
condição a observar para se poder recorrer para o Tribunal Constitucional –
ter-se suscitado a questão da inconstitucionalidade da norma invocada – artigo
9.º da Lei dos Despedimentos.
Ora, o recorrente nunca suscitou esta questão, apesar de ter sido recorrido e
ter respondido à alegação da apelante C., que defendia uma interpretação do
referido artigo 9.º da LCCT com o sentido que veio a ser seguido no acórdão
deste Tribunal.
Por isso, não se pode vir invocar agora que o recorrente não teve oportunidade
de invocar a inconstitucionalidade que agora assaca ao acórdão.
Na verdade, na resposta às alegações da recorrente C. não suscitou esta questão,
quando podia e deveria ter invocado esta argumentação da pretensa
inconstitucionalidade do artigo 9.º da LCCT com o sentido adoptado no acórdão.
Por outro lado, o recorrente até veio arguir a nulidade do acórdão e nem nessa
altura se lembrou de invocar que o sentido e a interpretação daquele preceito,
tal como foi aplicado, era inconstitucional.
Por todo o exposto, consideramos que o recorrente não reúne os requisitos de que
o artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15/11, faz depender o
direito de recorrer para o Tribunal Constitucional.
E nesta linha de orientação não admitimos o recurso interposto, por
indamissível.”
Contra este despacho veio o recorrente deduzir a presente reclamação, com os
seguintes fundamentos:
«1 – A decisão de rejeição do recurso assenta na consideração de o recorrente
não ter suscitado a questão da inconstitucionalidade durante o processo, apenas
o tendo feito pela primeira vez no requerimento de interposição do recurso.
2 – Falece, porém, razão, à decisão assim tomada.
3 – Com efeito, a interpretação dada às normas do art.º 9.° do Decreto-Lei n.º
64-A/89, de 27 de Fevereiro (que é a única disposição a que, expresse e “tout
court”, aludem o Acórdão em crise e o despacho recorrido) foi de todo
imprevisível, não podendo razoavelmente o reclamante contar com a sua aplicação.
4 – Na verdade, tendo a decisão interpretado de modo tão particular tais normas,
não era exigível ao reclamante prever que essa interpretação viria a ser
possível e viesse a ser adoptada na decisão.
5 – O uso inesperado e insólito de tal interpretação levou a que o reclamante
não tivesse podido, em momento anterior ao da decisão, representar a
possibilidade de aplicação das normas com tal interpretação do Tribunal.
6 – O ora reclamante respondeu às alegações da recorrente C., deixando claro
nessa resposta a sua concordância com a sentença do Tribunal da 1.ª Instância
quanto ao modo como esta decidiu sobre a questão de fundo, a saber,
7 – A não verificação, in casu, dos requisitos da justa causa do art.º 9.º do
D.L. n.º 64‑A/89, de 27 de Fevereiro.
8 – E a consequente violação do determinado nos art.ºs 53.° e 58.° da
Constituição da República Portuguesa (proibição de despedimentos sem justa causa
ou por motivos políticos ou religiosos), face à ausência daqueles requisitos da
justa causa.
9 – Daí decorrendo que interpretação diversa de tais normas constitui grosseira
violação da Lei Fundamental.
10 – O que ficou expresso nas conclusões do ora reclamante, em sede de resposta
às alegações da recorrente C., onde se diz que “é de concluir que a douta
sentença sub iudice não nos merece qualquer crítica (…) pelo que deve permanecer
incólume com todas as legais consequências”.
11 – Ora não é em face do que a recorrente C. disse nas suas alegações que se
deveria suscitar o problema da inconstitucionalidade.
12 – Mas sim em face da decisão do Tribunal da 1.ª instância se a mesma ferisse
a Constituição.
13 – O que, como atrás se disse, não aconteceu.
14 – Daqui que não tivesse havido outro momento processual para suscitar tal
inconstitucionalidade.
15 – A não ser após a decisão do Tribunal da Relação de Évora, donde vem
interposto o presente recurso que foi indeferido, sem razão no nosso entender.
16 – Por tudo o que se veio de expor, não se mostrava adequado exigir ao ora
reclamante, neste caso concreto, um qualquer juízo de prognose relativo a essa
aplicação, em termos de se antecipar ao proferimento da decisão do Tribunal da
Relação de Évora, suscitando logo a questão de inconstitucionalidade.
17 – Só perante a decisão proferida pelo venerando Tribunal da Relação de Évora,
se viu o reclamante na possibilidade de arguir a inconstitucionalidade em causa,
tendo-o feito logo no primeiro momento em que se lhe impunha fazê-lo, ou seja,
no requerimento de interposição do recurso.
18 – De resto, tem sido esta a jurisprudência defendida em vários Acórdãos pelo
Tribunal Constitucional.
Nestes termos, deve ser atendida a presente reclamação e, em consequência, ser
admitido o recurso.»
Respondeu a apelante C. defendendo o indeferimento da reclamação apresentada
pelo recorrente por entender que aquele “em nenhum momento suscitou a questão de
inconstitucionalidade do art.º 9.º da LCCT, condição essencial para poder
recorrer para o TC, lançando mão do art.º 70.º, n.º 1, alínea b), da [LTC] CRP”,
podendo tê-lo feito já que “a recorrente C. nas suas alegações defendeu uma
interpretação do referido art.º 9.º da LCCT, que posteriormente veio a ser
seguida no Acórdão do Tribunal da Relação”, no entanto, “o reclamante nas suas
contra‑alegações, não suscitou, como deveria, a questão da inconstitucionalidade
da interpretação que a recorrente C. fez do art.º 9.º da LCCT”.
A reclamação mereceu o seguinte despacho, ainda no Tribunal da Relação de Évora:
«Reclama o A. da não admissão do recurso para o Tribunal Constitucional.
A parte contrária já respondeu, pronunciando-se pela não admissibilidade de tal
recurso.
Há assim que proferir o despacho a que se refere o n.º 3 do artigo 688.º do
C.P.C..
Ora, continuamos a entender que o reclamante não tem razão.
Com efeito, o acórdão deste tribunal limitou-se a aceitar os fundamentos da
recorrente C., concluindo pela existência de justa causa de despedimento do
trabalhador nos termos advogados pela recorrente.
Assim sendo, limitou-se este tribunal a aceitar o conceito de justa causa
veiculado por esta nas suas alegações de recurso.
Por isso, se o trabalhador entendia que o conceito de justa causa que foi
secundado no acórdão violava os princípios constitucionais, como agora
desesperadamente defende, poderia e deveria ter argumentado com a
inconstitucionalidade da lei, no sentido que a recorrente C. sustentava e que
este tribunal perfilhou.
Por isso, deveria ter o Autor alegado então que o entendimento defendido pela
apelante era inconstitucional.
E assim sendo, deveria então ter suscitado a questão da inconstitucionalidade da
lei com o sentido que era interpretado pela recorrente.
Pelo exposto, continuamos a entender que a reclamante não suscitou oportunamente
a questão da inconstitucionalidade do artigo 9.º da Lei dos Despedimentos, com o
sentido que foi interpretado no acórdão recorrido.
Continuamos assim a entender que não se verificam os pressupostos que permitam
ao trabalhador recorrer para o Tribunal Constitucional, pelo que mantemos
integralmente o despacho reclamado.»
4.No Tribunal Constitucional, o representante do Ministério Público
pronunciou-se no sentido de ser a reclamação “manifestamente improcedente, já
que o ora reclamante não suscitou – podendo perfeitamente tê-lo feito, já que
dispôs, ao contra-alegar, de plena oportunidade processual – atempadamente
qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, susceptível de servir de
base ao recurso de fiscalização concreta interposto, com fundamento na al. b) do
n.º 1 do art.º 70.º da Lei n.º 28/82”.
E acrescentou: «[n]a verdade – e para além de não definir adequadamente qual o
preciso sentido ou interpretação do preceito legal indicado que considera
violador da Constituição – não pode considerar-se como “decisão-surpresa” o
acórdão recorrido, já que se limitou, no essencial, a aderir à argumentação da
apelante no que toca aos requisitos da culpa do trabalhador e da possibilidade
de manutenção da relação laboral».
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentos
5.Pode adiantar-se já que a presente reclamação não pode ser deferida, por não
se verificar um pressuposto indispensável para se poder tomar conhecimento do
recurso de constitucionalidade que se pretendeu interpor.
Na verdade, nos termos do respectivo requerimento, o recurso vem intentado ao
abrigo do disposto no artigo 70º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal
Constitucional. Para se poder conhecer de tal recurso torna-se necessário, a
mais do esgotamento dos recursos ordinários, que a norma impugnada tenha sido
aplicada como ratio decidendi pelo tribunal recorrido e que a
inconstitucionalidade da norma impugnada tenha sido suscitada durante o
processo.
Este último requisito, como este Tribunal tem vindo repetidamente a decidir, e
se diz, por exemplo, no acórdão n.º 352/94 (publicado no Diário da República
[DR], II série, de 6 de Setembro de 1994), deve ser entendido, “não num sentido
meramente formal (tal que a inconstitucionalidade pudesse ser suscitada até à
extinção da instância)”, mas “num sentido funcional”, de tal modo “que essa
invocação haverá de ter sido feita em momento em que o tribunal a quo ainda
pudesse conhecer da questão”, “antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz
sobre a matéria a que (a mesma questão de constitucionalidade) respeita”. É, na
verdade, este o sentido que corresponde à natureza da intervenção do Tribunal
Constitucional em via de recurso, para reapreciação ou reexame, portanto, de uma
questão que o tribunal a quo pudesse e devesse ter apreciado – ver, por exemplo,
o acórdão n.º 560/94, publicado no DR, II série, de 10 de Janeiro de 1995, onde
se escreveu que “a exigência de um cabal cumprimento do ónus da suscitação
atempada – e processualmente adequada – da questão de constitucionalidade não é,
pois, [...] uma ‘mera questão de forma secundária’. É uma exigência formal, sim,
mas essencial para que o tribunal recorrido deva pronunciar-se sobre a questão
de constitucionalidade para que o Tribunal Constitucional, ao julgá-la em via de
recurso, proceda ao reexame (e não a um primeiro julgamento) de tal questão”
(assim, também, por exemplo, o acórdão n.º 155/95, publicado no DR, II série, de
20 de Junho de 1995).
Por outro lado, recorde-se que, no nosso sistema de fiscalização concentrada de
constitucionalidade, ao Tribunal Constitucional compete apenas apreciar a
conformidade com a Constituição da República de normas – ou de suas determinadas
interpretações, devidamente identificadas –, mas não já das decisões judiciais
em si mesmas.
6.No presente caso, para além de no requerimento de recurso o recorrente não ter
identificado a dimensão normativa do artigo cuja inconstitucionalidade pretendia
ver apreciada – problema que, todavia, ainda poderia ser ultrapassado mediante
um convite para o aperfeiçoamento de tal requerimento –, o que é certo é que,
durante o processo, isto é, antes de esgotado o poder jurisdicional do tribunal
a quo, o reclamante não suscitou a inconstitucionalidade de qualquer norma, ou
dimensão normativa, devidamente identificada. Tal circunstância inviabiliza logo
a possibilidade de poder vir a tomar conhecimento do recurso, sem que a falta
possa ser agora ultrapassada mediante qualquer complemento ao requerimento do
recurso de constitucionalidade – pois que se trata da falta de cumprimento de um
requisito que haveria de ter sido satisfeito antes de esgotado o poder
jurisdicional do tribunal recorrido, e perante este.
Consultando as alegações e contra-alegações do recurso de apelação apresentadas
pelo reclamante (fls. 200 e ss. e 364 e ss., respectivamente, dos autos),
conclui-se com clareza, efectivamente, que se não encontra nelas qualquer
referência à inconstitucionalidade de uma norma (designadamente, a do artigo 9.º
do Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho e da
Celebração e Caducidade do Contrato de Trabalho a Termo (LCCT), aprovado pelo
Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro). Nem, por outro lado, se tomou
conhecimento no acórdão recorrido de qualquer questão de constitucionalidade.
7.O reclamante defende a tese de que a decisão do Tribunal da Relação de Évora é
uma “decisão-surpresa” e, como tal, susceptível de justificar a não suscitação
atempada da questão de constitucionalidade.
No entanto, a interpretação com que foi aplicada a norma em apreço pelo Tribunal
da Relação de Évora não foi nem imprevista, nem inesperada, já que o reclamante
havia sido confrontado com essa mesma interpretação nas alegações de recurso da
apelante C., e, como bem salienta o representante do Ministério Público junto do
Tribunal Constitucional, a decisão recorrida limitou-se a aderir a essa
interpretação.
Neste caso, não era, pois, inexigível ao reclamante que previsse a possibilidade
de tal interpretação vir a ser efectivamente aplicada, e impugnasse a sua
constitucionalidade, se entendia que ela não era conforme com a Constituição da
República. Este Tribunal tem, aliás, repetidamente afirmado que impende sobre as
partes o ónus de considerarem antecipadamente as várias hipóteses de
interpretação razoáveis das normas em questão, e o dever de suscitar as
respectivas questões de constitucionalidade. Nesse aspecto, a tarefa do
reclamante até estaria facilitada, uma vez que, como se disse, foi confrontado
com a interpretação aplicada pelo tribunal a quo desde as alegações de recurso
da apelante C., pelo que, cumprindo o ónus que sobre ele impende, haveria de ter
suscitado a questão de constitucionalidade da norma do artigo 9.º do LCCT,
aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro nas contra‑alegações
de recurso de apelação.
Por falta de verificação de um requisito indispensável para tanto – o qual já
não podia ser suprido mediante qualquer convite para aperfeiçoamento do
requerimento de recurso –, não podia, pois, o Tribunal Constitucional tomar
conhecimento do recurso de constitucionalidade. Pelo que é de confirmar o
despacho reclamado, que não admitiu tal recurso, indeferindo-se a presente
reclamação.
III. Decisão
Pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a presente reclamação e condenar
o reclamante em custas, com 20 (vinte) unidades de conta de taxa de justiça.
Lisboa, 4 de Outubro de 2005
Paulo Mota Pinto
Mário José de Araújo Torres
Rui Manuel Moura Ramos