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Processo n.º 330/05
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1.A. vem reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo
78.º-A da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal
Constitucional (Lei do Tribunal Constitucional), da decisão sumária de 20 de
Junho de 2005, que decidiu não tomar conhecimento do recurso de
constitucionalidade por ele interposto e condená-lo em custas, com seis unidades
de conta de taxa de justiça. Tal decisão teve o seguinte teor:
«1. Por acórdão tirado em conferência, a 25 de Outubro de 2004, o Tribunal da
Relação de Guimarães decidiu negar provimento ao recurso interposto por A. do
despacho do Juiz de Instrução Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Braga
que, no âmbito do processo de inquérito instaurado contra B., não pronunciou a
arguida pelo crime de que vinha acusada. Consequentemente, confirmou a decisão
recorrida. Pode ler-se nesse aresto:
«(...)
Como se sabe, o juiz profere despacho de pronúncia se tiverem sido recolhidos
indícios suficientes da prática de um crime pelo arguido (cfr. art.º 308.°, n.º
1, do CP), ou seja, se dos autos resultar uma possibilidade razoável de ao
arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma
medida de segurança (art.º 283.°, n.º 2).
Pois bem, o Mm.º Juiz a quo considerou não existir essa possibilidade. E bem,
como passaremos a demonstrar.
Difamar e injuriar mais não é basicamente que imputar a outra pessoa, mesmo sob
a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua
honra ou consideração, entendida aquela como o elenco de valores éticos que cada
pessoa humana possui, tais como o carácter, a lealdade, a probidade, a rectidão,
ou seja a dignidade subjectiva, o património pessoal e interno de cada um, e
esta última como sendo o merecimento que o indivíduo tem no meio social, isto é,
o bom-nome, o crédito, a confiança, a estima, a reputação, ou seja a dignidade
objectiva, o património que cada um adquiriu ao longo da sua vida, o juízo que a
sociedade faz de cada cidadão, em suma a opinião pública - cfr. ac. da Relação
de Lisboa, de 6.2.96, CJ, I, 156.
No entanto, vem-se entendendo, unanimemente, que nem todo o facto que envergonha
e perturba ou humilha cabe na previsão das normas dos art.ºs 180.° e 181.° do
Código Penal, tudo dependendo da “intensidade” da ofensa ou perigo de ofensa
(uma vez que os crimes de difamação e de injúria são crimes de perigo).
Como escreveu Beleza dos Santos “nem tudo aquilo que alguém considere ofensa à
dignidade ou uma desconsideração deverá considerar-se difamação ou injúria
punível (...)” – v. Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 92.°, pág.
167.
Com efeito, aquilo que razoavelmente se não deve considerar ofensivo da honra ou
do bom nome alheio, aquilo que a generalidade das pessoas (de bem) de um certo
país e no ambiente em que se passaram os factos não pode considerar difamação ou
injúria, não deverá dar lugar a uma sanção reprovadora, como é a pena - ob.
cit., págs. 165 e 166.
Aliás, nesta linha, decidiu o Ac. da Relação de Évora, de 02/07/96, onde se
escreveu: “Um facto ou juízo, para que possa ser havido como ofensivo da honra e
consideração devida a qualquer pessoa, deve constituir um comportamento com
objecto eticamente reprovável, de forma a que a sociedade não lhe fique
indiferente, reclamando a tutela penal de dissuasão e repressão desse
comportamento. Supõe, pois, a violação de um mínimo ético – necessário à
salvaguarda sócio-moral da pessoa, da sua honra e consideração” - (negrito
nosso). cfr., CJ, 96, IV, 295.
Pois bem, no caso em apreço, e sufragando, aliás, o entendimento do Ex.m.º
Procurador-Geral Adjunto no seu douto parecer, entendemos que a
afirmação/pergunta em causa [Sabe que o assistente foi condenado num processo
por difamação?] colocada pela arguida, na sua veste de defensora, a uma
testemunha de acusação, a cuja instância então procedia, no interior de uma sala
de audiências e no decurso de um julgamento crime, em que o ora recorrente tinha
a veste de assistente, ainda que se tratando de uma condenação ainda sem
trânsito em julgado, não constitui uma conduta eticamente reprovável, no sentido
supra assinalado, a reclamar a tutela penal.
Na verdade, face ao específico ambiente em que foi proferida, a mencionada
afirmação/pergunta não tem idoneidade para atentar contra a honra e consideração
do recorrente, e isto sem prejuízo de se tratar ou não de uma pergunta
pertinente para o objecto do processo, designadamente para a estratégia da
defesa. Mas isso já é outra coisa, e a respectiva aferição competia ao Sr.
Juiz-Presidente, nos termos do art.º 323.°, al. f), do CPP.
De resto, ainda que assim não fosse, como se nos afigura ser, não resulta sequer
indiciado, como bem refere o Sr. Juiz a quo, que a arguida tivesse agido
dolosamente, isto é com consciência de que a formulação da pergunta, noticiando
a condenação do recorrente, nas aludidas condições de tempo e lugar, atentasse
contra a honra e consideração do recorrente. De facto a pergunta em causa
noticiava um facto objectivamente verdadeiro. O próprio recorrente aceita que
tinha sofrido uma condenação por crime de injúria em 1.ª instância, embora a
respectiva sentença ainda não tivesse transitado em julgado, sendo certo, por
outro lado, que a ausência do trânsito, tudo o indicia, como bem salienta o
Ex.mo Sr. Juiz a quo, era do desconhecimento da arguida.
Concluindo, não resultando dos factos indiciados ter ocorrido ilicitude
relevante para efeitos do tipo legal de crime de difamação agravado imputado à
arguida (180.°, n.º 1, e 183.°, n.º 1, al. a), ambos do CP), nenhum reparo nos
merece o despacho recorrido, e, por isso, o recurso tem de improceder.»
2. Notificado deste acórdão, o recorrente veio arguir a sua nulidade, nos
seguintes termos:
«Como bem se transcreve no Venerando Acórdão aqui posto em causa nas conclusões
h) e i) do recurso apresentado a este Colendo Tribunal para apreciação
suscita-se ad cautelam a inconstitucionalidade interpretativa dos normativos
contidos nos art.ºs 308.º, n.º 2, e 283.º, n.º 2, ambos do Código de Processo
Penal.
Uma tal questão de eventual inconstitucionalidade da interpretação feita por
este Tribunal Superior a essas normas adjectivas não foi apreciada no Acórdão,
devendo sê-lo.
Facto que fere capitalmente o referido Acórdão por necessário se tornar conhecer
a douta posição deste Tribunal nessa matéria para, em consciência, se poder
aceitá-la ou sindicá-la em sede constitucional.
De resto, requisito legal para o próprio recurso para o Tribunal Constitucional.
Sabe-se, pela atenta leitura, a interpretação deste Tribunal quanto aos citados
normativos processuais mas desconhece-se como são eles enquadrados na necessária
submissão aos imperativos constitucionais invocados, os dos art.ºs 26.º, n.º 1,
e 32.º, n.º 2, da Lei Fundamental.
Termos em que o Acórdão resulta nulo por omissão de pronúncia cabendo sanar tal
nulidade adequadamente, o que se requer, sob pena de, em interpretação diversa,
se violar os imperativos dos art.ºs 202.º, n.ºs 1 e 2, e 204.º da aludida
Constituição da República Portuguesa.»
Por acórdão tirado em conferência, a 28 de Fevereiro de 2005, o Tribunal da
Relação de Guimarães indeferiu o pedido do recorrente, com os seguintes
fundamentos:
«O recorrente A. invoca a nulidade do acórdão desta Relação, nos termos do art.º
379.°, n.º 1, al. c), do Código de Processo Penal, uma vez que no recurso que
interpôs suscitou “a inconstitucionalidade interpretativa dos normativos
contidos nos art.ºs 308.°, n.º 2, e 283.°, n.º 2, ambos do Código de Processo
Penal”, sendo que tal questão não foi apreciada.
Vejamos...
No recurso não se levanta qualquer verdadeira questão de inconstitucionalidade.
O recorrente fala em violação do artigo 32.°, n.º 2, da Constituição da
República Portuguesa - princípio da presunção de inocência até ao trânsito em
julgado -, e do art.º 26.°, n.º 1, da mesma Lei Fundamental - direito ao bom
nome e reputação.
Ao que se percebe, aquele teria sido violado na consideração de que o recorrente
teria cometido um crime de difamação, mas sem que estivesse a sentença
respectiva transitada em julgado.
Mas, a decisão recorrida não levou sequer em consideração a questão de o
recorrente ter ou não ter sido condenado por crime de difamação. Limitou-se a
afirmar a insuficiência de indícios da existência do dolo por parte da arguida.
E o acórdão desta Relação tão pouco teve em conta o facto de o recorrente ter ou
não sido condenado por crime de difamação. O que decidiu foi que a expressão
proferida pela arguida não é objectivamente ofensiva da honra ou consideração do
recorrente.
O facto onde o recorrente vê violação da presunção de inocência não foi,
repete-se, considerado, isto é, não é fundamento, quer da decisão recorrida,
quer do acórdão desta Relação. É completamente alheia àquela e a este.
Assim, com a linha de pensamento definida no acórdão agora posto em causa, fica
prejudicado o conhecimento da pretensa violação da presunção de inocência. Na
verdade, para a decisão a que se chegou é indiferente que tivesse ou não
transitado a sentença que terá condenado o recorrente por crime de difamação.
A argumentação desenvolvida pelo recorrente com vista a demonstrar a violação da
presunção de inocência ficou afastada com o sentido da decisão do acórdão desta
Relação, que decidiu por outra via.
Tudo isso está prejudicado com a nossa decisão de que objectivamente a expressão
não é ofensiva.
Relativamente à violação do art.º 26.° da CRP também a questão da violação deste
preceito ficou prejudicada, com o entendimento expresso no acórdão da Relação de
que a expressão proferida não ofende o bom nome.
Termos em que se decide desatender a arguida nulidade.»
3. O recorrente interpôs então o presente recurso de constitucionalidade ao
abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento
e Processo do Tribunal Constitucional (Lei do Tribunal Constitucional), dizendo
no requerimento de recurso:
«A., Recorrente melhor identificado com os sinais dos autos em referência,
notificado do Venerando Acórdão neles proferido e subsequente decisão sobre a
sua nulidade, não podendo com ele concordar, muito menos conformar-se, face à
errada interpretação dada aos art.ºs 283.º, n.º 1, e 308.º, n.º 2, do Código de
Processo Penal, devidamente conjugados com a norma ínsita no art.º 180.º, n.º 1,
do Código Penal, no sentido de que “(...) ao fazer a pergunta em questão à
testemunha que inquiria (...) a arguida estava convencida, face à data da
condenação, que a sentença tinha transitado; pelo que, mesmo que se considerasse
preenchido o elemento objectivo do crime de difamação, nunca estaria preenchido
o elemento subjectivo de tal crime, pois é exigido dolo em qualquer das suas
formas; e está fortemente indiciado que a arguida agiu de forma simplesmente
negligente, ao não ter confirmado se a sentença teria ou não transitado.”,
considera uma tal interpretação das sobreditas normas adjectivas contrária à
necessária salvaguarda dos direitos de personalidade do recorrente e, assim,
violado o princípio constitucional do direito ao bom nome e reputação previsto
no n.º 1 do art.º 26.º da Constituição da República Portuguesa, devidamente
conjugada com o princípio basilar da presunção de inocência contido no seu art.º
32.º, n.º 2, tendo a questão sido invocada expressamente na alínea h) do
requerimento de interposição do aludido recurso para esta Relação, corolário das
demais, pelo que vem interpor recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo
do disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de
Novembro, na sua actual redacção, requerendo a sua admissão para os subsequentes
termos processuais.»
4. O presente recurso foi admitido no tribunal a quo, mas essa decisão não
vincula este Tribunal, como prevê o n.º 3 do artigo 76.º da Lei do Tribunal
Constitucional. E, entendendo-se que não é de tomar conhecimento do recurso,
lavra-se a presente decisão sumária, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo
78.º-A do mesmo diploma.
5. Com efeito, e como se notou já no acórdão da conferência do Tribunal da
Relação de Guimarães, tirado em 28 de Fevereiro de 2005, nenhuma “verdadeira
questão de inconstitucionalidade” de norma(s) foi suscitada perante si. É que a
alínea h) das conclusões da motivação de recurso, onde o ora recorrente pretende
ter suscitado tal questão, é manifestamente insuficiente para tal, ao limitar-se
a imputar à “Decisão Instrutória sob recurso” violação das normas que, agora, o
recorrente entende padecerem de desconformidade constitucional. Ora, ainda que
uma destas alegações não precluda a outra, uma coisa é uma norma ser invocada
como parâmetro (da desconformidade da decisão) e outra ser objecto da apreciação
(de desconformidade constitucional). Só da segunda apreciação, quando está em
causa a conformidade com a Constituição, pode cuidar o Tribunal Constitucional:
se é a norma, ou a sua interpretação, que contradizem a Constituição, pode este
intervir; se, alegadamente, são as decisões dos tribunais que, em si mesmas,
contradizem a lei (e apenas indirectamente a Constituição, que a lei respeita),
cumpre aos outros tribunais corrigir tal erro, e não ao Tribunal Constitucional.
Da forma que o recorrente abordou a questão, todavia, o mínimo que se pode dizer
é que não resulta claro se a desconformidade constitucional é imputada às normas
ou à violação destas pela decisão.
Aliás, por um lado, no requerimento de nulidade da decisão do Tribunal da
Relação de Guimarães de 28 de Fevereiro de 2005, o recorrente escreveu que a
inconstitucionalidade que “não foi apreciada no Acórdão, devendo sê-lo” era a
das “normas adjectivas” – “art.ºs 308.º, n.º 2, e 283.º, n.º 2, ambos do Código
de Processo Penal”, mas, por outro lado, a questão de constitucionalidade foi
expressamente apartada das normas do Código de Processo Penal – na medida em que
na alínea i) de tais conclusões a inconstitucionalidade foi imputada à “errada
interpretação da lei penal”.
Transcrevem-se as duas únicas conclusões em que o recorrente fez radicar a
suscitação da questão de constitucionalidade, para melhor apreciação do que está
em causa:
“h) – Razão pela qual a douta Decisão Instrutória sob recurso viola o
dispositivo do art.º 308.°, n.º 2, do Código de Processo Penal, aplicável ex vi
art.º 283.º, n.º 1, e maxime, os imperativos dos art.ºs 26.°, n.º 1, e 32.°, n.º
2, da Constituição da República Portuguesa;
i) – Violação constitucional resultante de errada interpretação da lei penal que
se invoca expressamente para todos os fins legalmente previstos ;”
Perante esta forma de suscitar a questão de constitucionalidade, mesmo admitindo
que durante o processo se impugnaram normas processuais penais – as dos artigos
283.º, n.º 1, e 308.º, n.º 2, únicas que foram trazidas à apreciação deste
Tribunal –, o que tem de se concluir é que é totalmente irrelevante para as
“sobreditas normas adjectivas” o sentido que o recorrente para elas enunciou, no
requerimento de interposição de recurso – e não antes, note-se, o que, só por
si, logo obstaria a que se pudesse tomar conhecimento do recurso. Por um lado,
porque tal interpretação se prende manifestamente com a concreta situação em que
ocorreu o evento que originou a queixa-crime ou, quando muito, com o concreto
(não) preenchimento dos elementos do tipo de crime em causa (previsto na norma
do artigo 180.º do Código Penal, pela primeira vez referida pelo recorrente no
requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade e por isso também
não podendo integrar o seu objecto), e nada tem a ver com as normas processuais
que regem a prolação do despacho de pronúncia. Por outro lado, porque, como o
Tribunal da Relação de Guimarães explicou na sua decisão de 28 de Fevereiro de
2005, o parâmetro constitucional invocado, a violação da presunção de inocência,
“não é fundamento, quer da decisão recorrida, quer do acórdão da Relação. É
completamente alheia àquela e a este.”
Quer isto dizer, em suma, que o recorrente não suscitou adequadamente uma
qualquer questão de constitucionalidade normativa perante o tribunal recorrido,
como havia de ter feito para que o Tribunal Constitucional dela pudesse agora
conhecer. Ao que acresce que dirigiu a este Tribunal um pedido de apreciação da
conformidade constitucional em que, a mais de as normas impugnadas não
corresponderem ao sentido normativo que para elas foi identificado e impugnado,
o parâmetro constitucional convocado para as aferir não tinha correspondência
nem com umas, nem com outro.
Não pode, pois, tomar-se conhecimento do presente recurso.»
2.Diz-se na reclamação apresentada:
«A doutíssima decisão sustenta o não conhecimento do recurso, em suma, nos
factos de a questão da inconstitucionalidade da norma não ter [sido] suscitada
de forma adequada perante o tribunal recorrido, vindo a fazê-lo apenas no
requerimento de interposição para este Tribunal Constitucional e por as normas
impugnadas não corresponderem ao sentido normativo que para elas foi
identificado e impugnado, não podendo ser por tudo isso admitido.
Salvo o devido e merecido respeito terá o recorrente de discordar porquanto é
perceptível que a questão da inconstitucionalidade por si arguida na alínea h)
das conclusões recursivas indicando a norma cuja interpretação é imputada de
inconstitucional na alínea i) seguinte, mais não é que o corolário das
anteriores alíneas dessas conclusões, cuja leitura traduz na perfeição o sentido
que o recorrente considera correcto, qual seja, em súmula, o de que a invocação
pela arguida de uma condenação penal do ora reclamante sem ter cuidado de saber
se a aludida condenação penal havia passado em julgado (al. a, c, d e e)
aderindo, pelo mínimo, ao perigo de ofender (al. f), até por não necessitar de
tais afirmações para bem defender a causa que lhe estava confiada (al. b), o que
seria matéria indiciária suficiente para a submeter a julgamento (al. g),
preceito adjectivo esse que saía violado com o douto despacho de não pronúncia
(al. h), carecendo de revogação e substituição por outra decisão que a
pronunciasse pela prática de um crime de difamação (al. j).
Esta súmula efectuada por outras palavras traduz, na essência, o conjunto das
conclusões do recurso em apreço, perceptível ao comum dos cidadãos, ao bonus
paterfamilias, melhor ainda a tão subidos juristas como os Ex.m.ºs Juízes
daquele e deste Tribunais.
Ou seja − ainda de outro modo expresso –, que a inutilidade de invocação de uma
condenação, ainda por mais não definitiva, sem cumprimento prévio do dever de
informação, constituía matéria indiciária bastante para pronunciar a arguida por
um crime de difamação, segundo as regras dos art.ºs 308.º, n.º 2, e 283.º, n.º
1, do CPP, pelo que outra interpretação destas regras, conduzindo à não
pronúncia, violava os invocados direitos constitucionais do aqui reclamante.
O certo é que o Venerando Tribunal da Relação de Guimarães entendeu a questão e
decidiu, ainda que em sentido contrário do pugnado pelo reclamante.
Com esse entendimento perfeito fica sanada uma qualquer questão de inadequação
formal naquela instância que prejudique neste Tribunal o conhecimento do recurso
constitucional interposto, salvo melhor opinião e ciência jurídica.
Outrossim, no que tange à pretensa inadequação do texto recursivo nesta
instância, sempre se dirá que, a havê-lo – e nisto se discorda do Ex.m.º Juiz
Conselheiro Relator, data venia –, sempre o reclamante teria o direito a ver-se
convidado a aperfeiçoar o seu requerimento de interposição do recurso, indicando
com melhor precisão os necessários elementos adjectivos, segundo a estrita
observância do peremptório dispositivo processual previsto no n.º 5 do art.º
75.°-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro.
Norma esta que se destaca do edifício processual garantindo que não seja um mero
descuido formal que obste à administração da boa justiça, princípio basilar,
meta última de todo a estrutura legal, a sujeição do Direito à Justiça.
Termos em que se requer que, em conferência, se aprecie o recurso interposto,
admitindo-o ou convidando o reclamante à submissão formal adequada, conforme o
supra invocado preceito.
Assim se fará, na óptica do reclamante, a sempre almejada JUSTIÇA.»
3.O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional
respondeu pela seguinte forma à referida reclamação:
“1 – A presente reclamação é manifestamente improcedente.
2 – Na verdade – e como bem refere a decisão reclamada – o reclamante não
suscitou, durante o processo e em termos processualmente adequados, qualquer
questão de inconstitucionalidade normativa, idónea para servir de objecto ao
recurso interposto.”
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentos
4.Adianta-se desde já que a presente reclamação é improcedente, pois a
argumentação aduzida pelo recorrente não abala os fundamentos da decisão
reclamada.
Na verdade, a decisão sumária reclamada concluiu pela impossibilidade de tomar
conhecimento do presente recurso com fundamento na falta de suscitação adequada,
por parte do recorrente, de qualquer questão de constitucionalidade normativa
perante o tribunal recorrido (referindo, ainda, que as normas por ele impugnadas
não correspondiam ao sentido normativo que para elas foi identificado e
impugnado).
Ora, como se sabe, e se afirmou na decisão reclamada, o objecto do recurso de
constitucionalidade no direito português não pode ser a apreciação da
conformidade com a Constituição da decisão judicial recorrida em si mesma, mas
apenas de normas, ou dimensões normativas, sendo que, tratando-se do recurso
previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional,
é necessário, para que se possa tomar conhecimento do recurso, que o recorrente
haja suscitado essa questão da inconstitucionalidade normativa perante o
tribunal a quo. E, para isso, é indispensável que se identifique a norma em
questão e se enuncie, ou se indique com um mínimo de precisão, o sentido
normativo impugnado.
5. O reclamante invoca que teria suscitado adequadamente a inconstitucionalidade
dos artigos 308.º, n.º 2, e 283.º, n.º 1, do Código de Processo Penal,
resultando essa conclusão de uma leitura global das alegações de recurso
dirigidas ao Tribunal da Relação de Guimarães, e, mais especificamente, das
alíneas h) e i) das conclusões dessa alegação.
Ora, o que se retira da leitura das alegações de recurso perante o tribunal a
quo, transcritas na decisão reclamada na única parte em que se referem a
questões de constitucionalidade, é que o recorrente suscitou, sim, uma
inconstitucionalidade, mas que a reportou, não a qualquer norma ou interpretação
normativa, e antes à própria decisão judicial – à “douta decisão instrutória sob
recurso” que “viola o dispositivo do art.º 308.°, n.º 2, do Código de Processo
Penal, aplicável ex vi art.º 283.º, n.º 1, e maxime, os imperativos dos art.ºs
26.°, n.º 1, e 32.°, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa”, sendo que
tal violação constitucional resultaria “de errada interpretação da lei penal”.
Como se pode ver pelas transcrições efectuadas, a desconformidade com a
Constituição foi imputada pelo recorrente à decisão judicial em si mesma
considerada.
Por isso mesmo, tal questão foi objecto da seguinte apreciação por parte do
Tribunal da Relação de Guimarães, no seu acórdão de 28 de Fevereiro de 2005:
“O facto onde o recorrente vê violação da presunção de inocência não foi,
repete-se, considerado, isto é, não é fundamento, quer da decisão recorrida,
quer do acórdão desta Relação. É completamente alheia àquela e a este.
Assim, com a linha de pensamento definida no acórdão agora posto em causa, fica
prejudicado o conhecimento da pretensa violação da presunção de inocência. Na
verdade, para a decisão a que se chegou é indiferente que tivesse ou não
transitado a sentença que terá condenado o recorrente por crime de difamação.
A argumentação desenvolvida pelo recorrente com vista a demonstrar a violação da
presunção de inocência ficou afastada com o sentido da decisão do acórdão desta
Relação, que decidiu por outra via.
Tudo isso está prejudicado com a nossa decisão de que objectivamente a expressão
não é ofensiva.
Relativamente à violação do art.º 26.° da CRP também a questão da violação deste
preceito ficou prejudicada, com o entendimento expresso no acórdão da Relação de
que a expressão proferida não ofende o bom nome.”
E a conclusão a que se chegou na decisão sumária reclamada em nada é posta em
causa pelas razões aduzidas pelo reclamante na presente reclamação – antes sai
delas reforçada. Na verdade, do texto da reclamação resulta novamente de forma
clara que aquilo que o reclamante, verdadeiramente, traz à apreciação deste
Tribunal é apenas a questão da constitucionalidade de uma operação de
qualificação e de subsunção efectuada na decisão recorrida, que confirmou a
decisão instrutória de não pronúncia, do Juiz de Instrução Criminal do Tribunal
Judicial da Comarca de Braga, e não normas, ou uma dimensão normativa. Diz, na
verdade, o reclamante, em termos que deixam claro que está em causa a
qualificação de um conjunto de factos e sua recondução a um tipo legal:
“Salvo o devido e merecido respeito terá o recorrente de discordar porquanto é
perceptível que a questão da inconstitucionalidade por si arguida na alínea h)
das conclusões recursivas indicando a norma cuja interpretação é imputada de
inconstitucional na alínea i) seguinte, mais não é que o corolário das
anteriores alíneas dessas conclusões, cuja leitura traduz na perfeição o sentido
que o recorrente considera correcto, qual seja, em súmula, o de que a invocação
pela arguida de uma condenação penal do ora reclamante sem ter cuidado de saber
se a aludida condenação penal havia passado em julgado (al. a, c, d e e),
aderindo, pelo mínimo, ao perigo de ofender (al. f), até por não necessitar de
tais afirmações para bem defender a causa que lhe estava confiada (al. b), o que
seria matéria indiciária suficiente para a submeter a julgamento (al. g),
preceito adjectivo esse que saía violado com o douto despacho de não pronúncia
(al. h), carecendo de revogação e substituição por outra decisão que a
pronunciasse pela prática de um crime de difamação (al. j).”
E acrescenta:
“Ou seja − ainda de outro modo expresso –, que a inutilidade de invocação de uma
condenação, ainda por mais não definitiva, sem cumprimento prévio do dever de
informação, constituía matéria indiciária bastante para pronunciar a arguida por
um crime de difamação, segundo as regras dos art.ºs 308.º, n.º 2, e 283.º, n.º
1, do CPP, pelo que outra interpretação destas regras, conduzindo à não
pronúncia, violava os invocados direitos constitucionais do aqui reclamante.”
6. Conclui-se, pois, que o recorrente não suscitou, de forma clara e perceptível
(cfr. o artigo 72.º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional), a questão da
inconstitucionalidade de qualquer norma ou interpretação normativa durante o
processo, como havia de ter feito para o Tribunal Constitucional poder agora
tomar conhecimento do presente recurso, antes tendo imputado sempre a
desconformidade constitucional à decisão judicial em si mesma considerada.
A presente reclamação tem, pois, de ser desatendida.
III. Decisão
Pelos fundamentos expostos, decide-se desatender a presente reclamação e
confirmar a decisão sumária de não conhecimento do recurso, bem como condenar o
recorrente em custas, com 20 (vinte) unidades de conta de taxa de justiça.
Lisboa, 12 de Outubro de 2005
Paulo Mota Pinto
Mário José de Araújo Torres
Rui Manuel Moura Ramos