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Processo n.º 638.05
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção, do Tribunal Constitucional:
A – Relatório
1 – A. reclama, ao abrigo do disposto no n.º 3 do art.º 78º-A da Lei
n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão, da decisão sumária proferida
pelo relator que julgou não tomar conhecimento do recurso de constitucionalidade
por ele interposto do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ),
de 4 Maio de 2005, completado pelo acórdão do mesmo Supremo Tribunal, de 22 de
Junho de 2005, que indeferiu o seu pedido de aclaração, acórdão aquele que negou
provimento ao recurso interposto do acórdão da Relação de Lisboa que, por seu
lado, confirmara o acórdão do Tribunal Colectivo da comarca de Vila Franca de
Xira que o condenou como autor material de dois crimes de homicídio voluntário
qualificado, p. e p. pelos arts. 131º e 132º, nºs 1 e 2, alínea i), do Código
Penal (CP), nas penas de 16 e 17 anos de prisão e, em cúmulo jurídico, na pena
unitária de 25 anos de prisão.
2 – Em apoio da sua reclamação, o reclamante nada diz, limitando-se
a afirmar a sua discordância como o decidido.
3 – O Procurador-Geral Adjunto no Tribunal Constitucional respondeu,
defendendo a improcedência da reclamação por o reclamante não ter especificado
os motivos de contestação do decidido e não se vislumbrar qualquer razão para o
questionar.
4 – A decisão sumária tem o seguinte teor:
«1 – A. recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do
disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de
Novembro, na sua actual versão (LTC), do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal
de Justiça (STJ), de 4 Maio de 2005, completado pelo acórdão do mesmo Supremo
Tribunal, de 22 de Junho de 2005, que indeferiu o seu pedido de aclaração,
acórdão aquele que negou provimento ao recurso interposto do acórdão da Relação
de Lisboa que, por seu lado, confirmara o acórdão do Tribunal Colectivo da
comarca de Vila Franca de Xira que o condenou como autor material de dois crimes
de homicídio voluntário qualificado, p. e p. pelos arts. 131º e 132º, nºs 1 e 2,
alínea i), do Código Penal (CP), nas penas de 16 e 17 anos de prisão e, em
cúmulo jurídico, na pena unitária de 25 anos de prisão.
2 – O recorrente interpôs o recurso de constitucionalidade através
de requerimento com o seguinte teor:
«A., arguido preso no E P Carregueira, tendo sido notificado do teor do Colendo
Acórdão deste Alto Tribunal e não se conformando com o mesmo, vem interpor
recurso para o TRIBUNAL CONSTITUCIONAL.
O recurso é interposto ao abrigo 70 – 1- b) da Lei do Tribunal Constitucional.
O recurso tem em vista apreciar as seguintes questões:
A fundamentação e a motivação das decisões judiciais constituem pressuposto
fundamental da sua eficácia uma vez que só assim os destinatários das mesmas e a
comunidade jurídica em geral poderão ficar ou ser 'convencidos' da sua justiça.
A fundamentação/crítica da prova e documentos que a alicerçam constitui uma
garantia de controlo democrático do poder judicial em face do cidadão comum e do
Estado de Direito.
A garantia constitucional do DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO ocupa lugar cimeiro no
sistema de valores da nossa Lei Fundamental – art. 205º da CRP.
Uma Decisão como a recorrida cuja fundamentação não é explícita, no atinente à
IMPUTABILIDADE DIMINUIDA DO RECORRENTE não atendendo aos requisitos da
PERSONALIDADE – na interpretação, dada ao art. 374º – 2, C.P.P. é
inconstitucional por violação dos arts 32º-1 e 205º, da Lei Fundamental.
O RELATÓRIO DO EXAME PSICOLÓGICO revela que o arguido A. sofre:
- ansiedade facilmente despertável;
- hiperemotividade
- primarismo.
- labilidade emocional
- deficiente controlo dos impulsos
- reacção extrapunitiva sem mediação dos afectos/crítica;
Por sua vez, o arguido A. confessou sofrer:
- IMENSOS CIÚMES
- ESTAVA ATORMENTADO E AFLITO
- SOFRIA PELA INFIDELIDADE e TRAIÇÃO
Na véspera ……. Não conseguiu dormir
NÃO FORAM VALORADOS A FAVOR DO ARGUIDO A SUA PATOLOGIA GRAVE E A PERTURBAÇÃO DA
PERSONALIDADE.
Estes factores militam a favor do arguido e deveriam conter as bases de
IMPUTABILIDADE DIMINUIDA e ATENUAÇÃO DA PENA nos termos dos arts. 72º-1 e 2, do
Código Penal.
A omissão na apreciação do Relatório Psicológico e da sua valoração viola as
garantias de defesa e é fulminada com NULIDADE – art. 379º CPP pelo que foi
violado o art. 32º- 1 e 5, da Lei Fundamental.
Foram violados os arts. 374º-2, C.P.P. e art. 32º-1 e 5, da Lei Fundamental
verifica-se a NULIDADE DO ART. 379º-1, A) e C), C.P.P. e violação do art. 205º
da Constituição da República Portuguesa.
Uma Perícia nos termos do art. 159º C.P.P. – possível em qualquer altura do
processo – art. 158º-1, CPP poderia levar a uma avaliação diferente da
responsabilidade penal. Não se tomou em consideração que o
DISTÚRBIO MENTAL É HOJE CONSIDERADO PELA PSIQUIATRIA DE UM MODO RADICALMENTE
NOVO COM PROJECÇÃO NA JUSTIÇA E NO DIREITO PENAL
- Gianluigi Ponti e lsabella Merzagora, Psichiatria e Giustizia, Ed. Milano,
1993, pg 3 e ss.
A PROVA PERICIAL É ESSENCIAL PARA APURAR DO ESTADO PSIQUICO DO ARGUIDO NO
MOMENTO DOS FACTOS.
“…e é uma prova obrigatória: arts 151º e 351º CPP – Acórdão deste Alto Tribunal
de 18-10-89 – Proc. 040762 - in www.dgsi.pt
A Veneranda Relação Lisboa e o SUPREMO TRIBUNAL JUSTIÇA ostracizaram o EXAME
FORENSE PSIQUIATRICO ao arguido e incorreu em manifesta contradição ao
considerarem que o arguido agiu:
'ANIMADO...: POR UM CIUME.... IMPEDITIVO DE REFLEXÃO..... AGIU LIVRE,
CONSCIENTE... 'com determinação meticulosa…”
A FLS. 9 o STJ julgou que:
Esses ciúmes não atingiram, a inferir dos factos provados, a natureza psicótica…
mas apenas um estado “quase' doentio.
E a fls. 10 o STJ decidiu que:
Defrontamo-nos, claramente, perante uma situação em que a requerida perícia é de
indeferir e de arredar a conclusão de que a imputabilidade se achava diminuída.
Os arts 158º-1, 159º, CPP e 374º-2, do C.P.P. são inconstitucionais por violação
do art. 32º-1 e 4º e 29º-4, da LEI FUNDAMENTAL quando entendidos, como o fez o
STJ que pode ser punido o recorrente sem recurso à PERÍCIA PSIQUIÁTRICA
porquanto:
- o ciúme é um estado que obscurece a inteligência;
- o ciúme é causa perturbadora do conhecimento
- o ciúme impede agir com discernimento e de forma livre
DAÍ QUE O RECURSO DEVA SER ADMITIDO.
As questões supra suscitadas foram apresentadas nas CONCLUSÕES 9, 12 e 13 DO
RECURSO INTERPOSTO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO LISBOA PARA O SUPREMO TRIBUNAL
JUSTIÇA».
3 – Porque se verifica uma situação que se enquadra no n.º 1 do
art.º 78º-A, da LTC, perante o teor do acórdão do STJ, ora recorrido, e os
termos em que as questões de constitucionalidade vêm colocadas no requerimento
acabado de transcrever, passa a decidir-se imediatamente.
4 – O objecto do recurso de fiscalização concreta de
constitucionalidade previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 280º da
Constituição e na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, disposição esta que
se limita a reproduzir o comando constitucional, consubstancia-se na questão de
(in)constitucionalidade da norma(s) de que a decisão recorrida faça efectiva
aplicação ou que constitua o fundamento normativo do aí decidido.
Trata-se de um pressuposto específico do recurso de
constitucionalidade que é exigido pela natureza instrumental (e incidental) do
recurso de constitucionalidade tal como o mesmo se encontra desenhado no nosso
sistema constitucional, de controlo difuso da constitucionalidade de normas
jurídicas pelos vários tribunais, bem como pela natureza da própria função
jurisdicional constitucional (cf. Cardoso da Costa, «A jurisdição constitucional
em Portugal», in Estudos em homenagem ao Professor Doutor Afonso Rodrigues
Queiró, Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, I, 1984, pp. 210 e ss., e,
entre outros, os Acórdãos n.º 352/94, publicado no Diário da República II Série,
de 6 de Setembro de 1994, n.º 560/94, publicado no mesmo jornal oficial, de 10
de Janeiro de 1995 e, ainda na mesma linha de pensamento, o Acórdão n.º 155/95,
publicado no Diário da República II Série, de 20 de Junho de 1995, e, aceitando
os termos dos arestos acabados de citar, o Acórdão n.º 192/2000, publicado no
mesmo jornal oficial, de 30 de Outubro de 2000).
Neste domínio, há que acentuar que, nos processos de fiscalização
concreta, a intervenção do Tribunal Constitucional se limita ao reexame ou
reapreciação da questão de (in)constitucionalidade que o tribunal a quo apreciou
ou devesse ter apreciado.
Na verdade, o conhecimento da questão de constitucionalidade há-de
poder, efectivamente, reflectir-se na decisão recorrida, implicando a sua
reforma, no caso de o recurso obter provimento.
Tal só é possível quando a norma cuja constitucionalidade o Tribunal
Constitucional aprecie tenha constituído a ratio decidendi da decisão recorrida
ou seja o fundamento normativo da decisão recorrida.
Por outro lado, cumpre acentuar que, sendo o objecto do recurso de
fiscalização concreta de constitucionalidade constituído por normas jurídicas
que violem preceitos ou princípios constitucionais, não pode sindicar-se no
recurso de constitucionalidade a decisão judicial em sim mesma quando esta faça
aplicação directa de preceitos ou princípios constitucionais ou o modo como a
mesma determinou o direito infraconstitucional e o aplicou às circunstâncias
concretas do caso.
Como já se afirmou, é sempre forçoso que no âmbito dos recursos
interpostos para o Tribunal Constitucional se questione a
(in)constitucionalidade de normas, não sendo, deste modo, admissíveis os
recursos que, ao jeito da Verfassungsbeschwerde alemã ou do recurso de amparo
espanhol, sindiquem sub species constitutionis a concreta aplicação do direito
efectuada pelos demais tribunais, em termos de se assacar ao acto judicial de
“aplicação” a violação (directa) dos parâmetros jurídico-constitucionais. Ou
seja, não cabe a este Tribunal apurar e sindicar a bondade e o mérito do
julgamento efectuado in concreto pelo tribunal a quo – a intervenção do Tribunal
Constitucional não incide sobre a correcção jurídica do concreto julgamento, mas
apenas sobre a conformidade constitucional das normas aplicadas pela decisão
recorrida, cabendo ao recorrente, como se disse, nos recursos interpostos ao
abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º, o ónus de suscitar o problema de
constitucionalidade normativa num momento anterior ao da interposição de recurso
para o Tribunal Constitucional [cf. Acórdão n.º 199/88, publicado no Diário da
República II Série, de 28 de Março de 1989; Acórdão n.º 618/98, disponível em
www.tribunalconstitucional.pt, remetendo para jurisprudência anterior (por
exemplo, os Acórdãos nºs 178/95 - publicado no Diário da República II Série, de
21 de Junho de 1995 -, 521/95 e 1026/9, inéditos e o Acórdão n.º 269/94,
publicado no Diário da República II Série, de 18 de Junho de 1994)].
4 – Apesar do carácter difuso do requerimento de interposição de
recurso, descortinam-se nele três questões diferentes de constitucionalidade,
cuja apreciação se pede ao Tribunal Constitucional.
4.1 – A primeira vem recortada através do seguinte discurso:
«Uma Decisão como a recorrida cuja fundamentação não é explícita, no atinente á
IMPUTABILIDADE DIMINUIDA DO RECORRENTE não atendendo aos requisitos da
PERSONALIDADE – na interpretação, dada ao art. 374º – 2, C.P.P. é
inconstitucional por violação dos arts 32º-1 e 205º da Lei Fundamental.
O RELATÓRIO DO EXAME PSICOLÓGICO revela que o arguido A. sofre:
- ansiedade facilmente despertável;
- hiperemotividade
- primarismo.
- labilidade emocional
- deficiente controlo dos impulsos
- reacção extrapunitiva sem mediação dos afectos/crítica;
Por sua vez, o arguido A. confessou sofrer:
- IMENSOS CIÚMES
- ESTAVA ATORMENTADO E AFLITO
- SOFRIA PELA INFIDELIDADE e TRAIÇÃO
Na véspera ……. Não conseguiu dormir
NÃO FORAM VALORADOS A FAVOR DO ARGUIDO A SUA PATOLOGIA GRAVE E A PERTURBAÇÃO DA
PERSONALIDADE.
Estes factores militam a favor do arguido e deveriam conter as bases de
IMPUTABILIDADE DIMINUIDA e ATENUAÇÃO DA PENA nos termos dos arts. 72º-1 e 2 do
Código Penal».
Como se vê desta alegação, o que o recorrente se apresenta a
controverter não é qualquer acepção normativa que o acórdão recorrido haja
inferido do art.º 374º, n.º 2, do CPP, que afronte a norma constante do artigo
205º da Constituição, relativa ao dever de fundamentação das decisões judiciais
–, e cuja definição dos seus respectivos termos o recorrente enuncie, como lhe
impõe o ónus processual da auto-responsabilidade processual – mas a correcção do
juízo efectuado pelo tribunal a quo no que importa à consideração de aspectos de
facto que estão evidenciados no relatório do exame psicológico a que foi
submetido e nos quais sustenta sofrer de patologia grave e de perturbação da
personalidade que fundamenta uma imputabilidade diminuída e uma atenuação da
pena, nos termos do art.º 72º, nºs 1 e 2, do CP, e à sua respectiva não
explicitação no discurso fundamentador do acórdão recorrido.
Mas, independentemente de, sempre, se estar a questionar a correcção
da decisão judicial nos planos do juízo probatório por ela efectuado sobre os
factos e da sua subsunção normativa, não poderá deixar de considerar-se, ao
contrário do alegado pelo recorrente, ser a decisão bem explícita no tocante à
não verificação de uma situação de imputabilidade diminuída. Na verdade, o
acordo recorrido discorre, expressa e abundantemente, sobre ela, com base na
materialidade fáctica pertinente, dada por provada pelas instâncias, relativas à
personalidade do arguido e ao modo como levou a cabo os factos por cuja prática
foi condenado.
Não pode, pois, conhecer-se da precedente questão de
constitucionalidade, enunciada pelo recorrente.
4.2 – A segunda questão de constitucionalidade vem colocada do
seguinte jeito:
«A omissão na apreciação do Relatório Psicológico e da sua valoração
viola as garantias de defesa e é fulminada com NULIDADE – art. 379º CPP pelo que
foi violado o art. 32º- 1 e 5, da Lei Fundamental.
Foram violados os arts. 374º-2 C.P.P. e art. 32º-1 e 5, da Lei Fundamental
verifica-se a NULIDADE DO ART. 379º-1, A) e C), C.P.P. e violação do art. 205º
da Constituição da República Portuguesa».
Independentemente de o recorrente confundir o momento relativo à
correcção do juízo probatório efectuado pelo tribunal – o qual se concretiza na
ponderação, de acordo com os critérios estabelecidos na lei, das provas
produzidas em audiência de julgamento e na formação, na consciência do juiz, de
uma decisão sobre os factos que tem por provados ou não provados em face da
convincência que aquelas provas lhe mereceram – , com o momento posterior, de
natureza formal, consubstanciado no discurso de enunciação das provas e de
apreciação crítica de que as mesmas foram objecto, tendente a dar a conhecer,
objectivamente, o percurso cognitivo-valorativo prosseguido pelo tribunal para
decidir como decidiu a matéria de facto, dada como provada e não provada,
verifica-se, uma vez mais, que aquilo que o recorrente contesta é o resultado de
tal juízo, e a não expressão, em um discurso motivador com ele condizente, desse
outro juízo probatório que o acórdão recorrido, na sua perspectiva
cognitivo-valoratória do referido relatório psicológico, haveria de ter levado a
cabo, e não qualquer norma/dimensão normativa que, tendo constituído ratio
decidendi de tal decisão, afronte normas ou princípios constitucionais.
Acresce, por outro lado, que o recorrente imputa, também, o vício de
inconstitucionalidade não a qualquer dimensão normativa dos artigos 374º, n.º 2,
e 379º, n.º 1, alíneas a) e c), do CPP – que, de resto, não define – mas
directamente à decisão judicial, ao afirmar que ela violou não só esses
preceitos de direito processual como também os artigos 32º, nºs 1 e 5, e 205º,
da Lei fundamental.
Consequentemente, também, não poderá conhecer-se desta questão de
constitucionalidade pela falta do referido pressuposto específico do recurso
(questionamento, sub specie constitutionis, de uma norma/dimensão normativa).
4.3 – Finalmente, a terceira questão de constitucionalidade vem
apresentada em torno de um discurso que conclui pelo seguinte modo:
«Os arts 158º-1, 159º CPP e 374º-2 do C.P.P. são inconstitucionais por
violação do art. 32º-1 e 4 e 29º-4 da LEI FUNDAMENTAL quando entendidos, como o
fez o STJ que pode ser punido o recorrente sem recurso à PERÍCIA PSIQUIÁTRICA
porquanto:
- o ciúme é um estado que obscurece a inteligência;
- o ciúme é causa perturbadora do conhecimento
- o ciúme impede agir com discernimento e de forma livre».
Neste caso, o recorrente integra nas hipóteses abstractas das normas
cuja constitucionalidade pretende ver sindicada elementos factuais ou juízos de
valor, relativos ao caso concreto ou às suas especificidades factuais ou
valorativas concretas, por os ter, eventualmente, por correctos, mas que o
acórdão recorrido não só não acolheu como até ajuizou de modo oposto.
Deste modo, mesmo admitindo que o recorrente estivesse a impugnar
constitucionalmente as referidas normas jurídicas e não o mérito da concreta
decisão judicial, com base na falta de consideração, por banda desta, de
circunstâncias tidas como juridicamente relevantes, atinentes quer à matéria de
facto, quer ao direito tido por directamente aplicável, sempre seria de concluir
que o recorrente não está a sindicar constitucionalmente as referidas normas na
acepção com que foram aplicadas, mas numa outra dimensão, diferente, por si
construída.
Esta circunstância obsta, desde logo, a que possa conhecer-se do
objecto do recurso, por tais hipotéticas “normas” não terem constituído ratio
decidendi da decisão recorrida.
A este respeito, o acórdão recorrido abonou-se, antes, nas seguintes
considerações:
«Esta perícia tanto pode realizar-se em sede de inquérito, nos termos do
art. 159º, n.º 2, do CPP, como em julgamento, nos termos do art. 351º, n.º 1 do
CPP, mas aqui oficiosamente ou a requerimento do arguido, sendo obrigatório o
juiz determiná-la, se, fundadamente, se suscitar a inimputabilidade do arguido;
já é facultativa – n.º 2 – a realização da perícia, em caso de imputabilidade
diminuída, uma vez que a prova do estado psíquico do arguido, menos grave, se
pode efectuar por recurso a outros meios de prova – cfr. Ac. do ST J, de
22.3.89, AJ., n.º 3, 8.
Estranhamente o arguido não suscitou a questão nem da inimputabilidade ou da
diminuição da imputabilidade às instâncias, colocando-a pelo primeira vez a este
STJ, esquecendo que os recursos são, ordinariamente, meios de modificação de
decisões e não de criação de decisões de matéria nova; os recursos visam o
reestudo de casos já resolvidos e vistos pelas instâncias, a correcção de
injustiças decisórias, e não a pronúncia sobre questões novas, que suprime graus
de jurisdição, como é jurisprudência uniforme (cf. Ac. deste STJ, de 27.1.93,
BMJ 423, 512).
Significa-se, em consequência, que, até por a ponderação dos resultados da
perícia sobre o estado de saúde mental do arguido se prender com a matéria de
facto, cuja sindicância é vedada, como tribunal de revista, nos termos do art.
434º, do CPP, a este STJ, como princípio, não lhe cabe pronunciar-se sobre
aquela omissão, a não ser que, mas então oficiosamente, se se lhe afigure, com
segurança, pelos elementos disponibilizados nos autos, e de forma imprescindível
à descoberta da verdade, nos termos do art. 340º, do CPP, que se procedeu a uma
indagação lacunar e negligente, obrigando à ampliação da matéria de facto, nos
termos do art. 410º, nº. 2, a), do CPP, para se fundar uma correcta decisão de
direito, mantendo-se o STJ ainda no âmbito da sua reserva de competência.
Na motivação de recurso intentado para a Relação não deixa de ser sobejamente
elucidativa a alegação a fls. 757, com origem no próprio arguido, de que agiu
'de forma transtornada', 'toldado pela fúria e álcool', sem querer matar, à
margem da invocação de qualquer estado de imputabilidade diminuída.
Sem poder confundir-se o exame psiquiátrico com o psicológico, previsto no art.
159º, n.º 1, do CPP, com vista à avaliação da personalidade e perigosidade do
agente, suas características psíquicas, independentes de causas patológicas, bem
como o seu grau de socialização, este último exame (fls. 666) firmou, entre os
aspectos mais relevantes, que o arguido goza de média inteligência, não revelado
defeito ao controle da acção concreta, possui capacidade de distinção entre
acessório e o essencial, apresentando-se ao exame, lúcido, em estado de notória
ansiedade, sendo por esta razão um hiperemotivo e lábil emocionalmente, com
alguma dificuldade de controle de impulsos, levando-a a reagir
extrapunitivamente sem mediação dos afectos e da crítica'.
À luz de tal exame, o Colectivo, da imediação com o seu interrogatório, demais
provas e outros elementos congregados nos autos, não encontrou qualquer
deficiência da própria consciência ético-jurídica que lhe não permita apreender
correctamente os valores jurídico-penais, sintoma de ignorância da maldade da
acção e das regras gerais de moralidade, por isso concluiu, e bem, que agiu
voluntária, livre e conscientemente, matéria de facto, de resto escapando à
sindicância deste STJ.
Os motivos que levaram o arguido a praticar os dois homicídios, escreve-se no
acórdão de 1ª instância, a fls. 709, foram os ciúmes quase (frisa-se) 'doentios'
que sentia relativamente à ex-mulher de quem se divorciara havia cerca de 8 anos
e a desconfiança de que a mesma tinha um relacionamento amoroso com a vítima
Dionísio de Almeida, mas nada autoriza a concluir que actuou sob alteração da
razão, causada por doença do foro mental, por forma a não conhecer a natureza e
a qualidade do seu procedimento, determinando automaticamente à passagem a acto.
O Prof. Pinto da Costa, em parecer a que se faz alusão no Ac. deste STJ, de
17.3.95, in CJ, Ano III, 1995, T2, 205, escreve que, em regra, os estados
passionais não geram uma situação de inimputabilidade.
E os ciúmes que detinha em relação à ex-esposa, havida como 'pessoa séria,
honesta, honrada e muito querida junto daqueles que com ela se relacionavam' nem
se justificavam uma vez que se havia divorciado daquela havia cerca de 8 anos,
cessando o dever de fidelidade entre ambos, além de que não se demonstra
qualquer motivo de imputação de uma eventual ligação amorosa com a outra vítima,
por isso que se não descortina uma culpa acentuadamente esbatida, base para uma
situação de imputabilidade diminuída, que conduza a uma pena especialmente
atenuada, nos termos do art. 20º, n.º 2, do CP.
Esses ciúmes não atingiram, a inferir dos factos provados a natureza psicótica
como o arguido intenta fazer crer, sem qualquer fundamento nos parâmetros da
perícia efectuada mas, apenas, um estado 'quase'doentio.
A cultura europeia, escreve-se naquele acórdão deste STJ, abandonou, de há
muito, uma concepção especialmente privilegiante dos crimes passionais,
imperante no pensamento politico-criminal novecentista relativamente ao
homicídio praticado pelo marido ou mulher que achasse o cônjuge em flagrante
delito de adultério, punido com pena especialmente reduzida, retirando à
infidelidade o relevo de outrora, pelo valor cada vez mais relevante atribuído à
vida, não se justificando tratamento de tão significativo valor atenuativo, sem
razão de ser, de resto revogado pelo Dec.-Lei nº 262/75, de 27/3.
Defrontamo-nos, claramente, perante uma situação em que à requerida perícia é de
indeferir e de arredar a conclusão de que a sua imputabilidade se achava
diminuída».
Importa, assim, concluir que o Tribunal Constitucional, também, não
poderá conhecer desta questão de constitucionalidade.
5 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional
decide não tomar conhecimento do recurso e condenar o recorrente em custas,
fixando a taxa de justiça em 8 UCs.».
B – Fundamentação
5 – Como se disse, o reclamante não esgrime quaisquer motivos contra
a bondade do decidido, limitando-se a afirmar que não se conforma com a decisão
sumária.
Não se vêem, porém, quaisquer razões para pôr em causa a correcção
dos fundamentos em que se apoia o julgamento efectuado na decisão reclamada.
Assim sendo, a reclamação tem de ser indeferida.
C – Decisão
6 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional
decide indeferir a reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UCs.
Lisboa, 25 de Agosto de 2005
Benjamim Rodrigues
Mário José de Araújo Torres
Rui Manuel Moura Ramos