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Processo nº 935/2006
2ª Secção
Relator: Conselheira Maria Fernanda Palma
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I
Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos
do Tribunal da Relação de Lisboa, em que figuram como reclamantes A. e Outro e
como reclamada B., foi julgada procedente uma acção de despejo por obras não
autorizadas.
Os réus interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, apresentando
alegações que concluíram do seguinte modo:
1ª De todo em todo não foi alegada, qualquer eliminação de uma porta e
colocação de um arco, nem é facto instrumental, sendo antes essencial por ter
servido e até ditado a procedência da acção juntamente com a restante ou
primeira parte da resposta ao quesito 10º.
2ª Só que apesar de igualmente não ter sido alegado esse outro facto de que os
RR. procederam à demolição parcial de uma parede ser essencial também ele não
completa nem concretiza qualquer outro, designadamente o conteúdo do aludido
quesito 10º pois este constitui a mera alegação vaga e genérica de que os «RR.
procederam à demolição de paredes no interior do locado».
3ª Do facto do R. marido ter assumido a autoria da demolição e eliminação da
conclusão anterior não é lícito concluir daí e sem mais que a ele e a ambos
tenha sido facultado o exercício do contraditório.
4ª E tanto pior, porquanto se silencia ou esquece a R. mulher que assim e sem
mais também é e se vê discriminada relativamente ao marido e sancionada com o
despejo a partir de um facto sobre o qual não foi ouvida nem chamada para nada
ou coisa alguma quando ela é tanto inquilina quanto ele.
5ª E tudo isso ou que vem descrito desde 1 não resultou da instrução e
discussão da causa tendo assim surgido e aparecido nos autos ao arrepio do
principio do contraditório particularmente previsto no artigo 264° bem como com
carácter geral no artigo 3º ambos do C.P.C.
6ª E não tendo o A. manifestado a vontade de se aproveitar de algum dos factos
em apreço ou da resposta ao quesito 10° isso também corresponde a dizer que a
causa de pedir foi indevidamente alterada, ofendido o princípio da estabilidade
da instância e a ocupação de questões não suscitadas pelas partes e a tomada em
consideração na douta sentença de factos não alegados e ao arrepio dos dois
artigos da conclusão anterior e ainda 273°, 268°, 659°, 660º e 664° também do
C.P.C.
7ª Consequentemente a factualidade da aludida resposta ao quesito 10º surge a
fundamentar a douta sentença e a determinar a sua procedência inteiramente ao
arrepio das disposições legais da conclusão anterior e como assim deve ser
anulada e eliminada tendo-a por não escrita e não tida em conta na douta
sentença e se não na sua totalidade, então e no mínimo, a dita segunda parte da
resposta ao quesito n° 10º na medida que refere a eliminação da porta e
colocação do arco e sempre ou em qualquer dos casos absolvendo totalmente os
RR..
8ª Por igual ou maioria de razão ou como é bom de ver, o que se escreve desde a
1ª Conclusão sobre a resposta ao quesito n° 10 da BI (que aqui se dá por
reproduzido) tem inteiro cabimento quanto àquela outra parte supra transcrita e
sublinhada a fls. 5 da douta sentença reportada à materialização da eliminação
parcial da parede e porta.
9ª Havendo de realçar que sobre essa outra «novidade ou surpresa processual»
nem se pode dizer que foi indicada ao Tribunal pelo R. marido nem que este tenha
assumido a sua autoria, porque na realidade não o foram de todo em todo nem tal
consta de alguma outra folha dos autos exceptuando a referida sentença.
10ª E como não foram previamente ouvidos sobre essa factualidade também aí não
lhes foi assegurado o direito de contraditar ou defesa nem lhes foi
proporcionada a oportunidade para se poderem justificar, ficando assim impedidos
de exercer esse direito fundamental e essencial em qualquer País do mundo
civilizado. (art° 11º da Declaração Universal dos Direitos do Homem).
11ª Semelhante interpretação e aplicação privou por completo o interessado de
apresentar a sua defesa, nega-lhes o direito de escolher residência, discrimina
a R. na medida em que a esquece ou não importa para nada a não ser...para ser
despejada. (26° n° 1; 36° n° 3; 44°; 18° n° 2; 65° n° 1; 204° e 205° da
Constituição da República Portuguesa).
12ª E considerando que o conteúdo genérico do direito fundamental do acesso aos
Tribunais leva implícita a proibição da indefessa ou a não permissão da mesma
há-de ter-se por seguro que a norma da alin. d) do n° 1 do artigo 64° do RAU
quando interpretada e aplicada, como foi na douta sentença em apreço, ou por
forma a ordenar o despejo sem a prévia audição naquela parte e medida padece de
inconstitucionalidade por ofensa daquele outro princípio e que também é
constitucional.
13ª E o que tudo significa que a douta sentença em causa violou, para além
daquela alin. d) n° 1 do artigo 64° do RAU, n° 3 do 3°, do C.P.C. e ainda os
princípios constitucionais do acesso ao direito, do contraditório e da
conformação do processo segundo os direitos fundamentais desaplicando o n° 1 do
artigo 20° da Constituição da República Portuguesa.
14ª E de igual modo também essa outra parte deve ser anulada e eliminada
tendo-se por não escrita e consequentemente não tida em conta na douta sentença
e absolvendo os RR. do pedido.
15ª Também não se pode dar como provado o quesito 11º mesmo na forma restrita
em que foi ou seja de «provado apenas que as obras referidas em 10 foram
realizadas sem a autorização verbal ou por escrito dos senhorios».
16ª Independentemente de saber a quem compete a prova do mesmo, se ao senhorio
se aos RR., a verdade é que a estes e, como atrás abundantemente se diz e
demonstra nas conclusões anteriores, não foi dada oportunidade de o fazer uma
vez que ela foi surpreendida com o aparecimento nos autos da demolição parcial
da parede e os dois RR. com a eliminação da porta e colocação de um arco no seu
lugar.
17ª Deste modo os RR. nunca poderiam ter feito a prova de que as obras
referidas em I e II foram realizadas com autorização verbal ou por escrito do
senhorio se e por quanto às primeiras ela foi apanhada de surpresa e
relativamente quanto às segundas ambos só ouviram falar delas na Sentença e
tanto mais que resultaram não propriamente da instrução e discussão da causa mas
antes da inspecção judicial levada a cabo depois de ouvidas todas as testemunhas
e assim sendo aos RR. não pode ser exigido o impossível e daí dever dar-se como
não provado o quesito 11º.
18ª De toda a maneira a acção deve ser julgada improcedente por a eventual
factualidade, que se venha a dar como provada não integra a alteração
substancial do locado prevista na alínea d) do n° 1 do artigo 64° do RAU uma vez
que tais obras não se traduzem em modificação considerável definitiva, podendo
tudo ser reposto no estado anterior sem demoras e danos da primitiva estrutura
do locado e por uma quantia irrisória.
19ª Ao entender e decidir de modo diverso, a douta sentença recorrida violou
entre outras as disposições legais citadas nestas conclusões.
Termos em que deve dar-se provimento ao presente recurso.
O Tribunal da Relação de Lisboa proferiu, em 6 de Julho de 2001, o seguinte
acórdão:
1. C., que veio a falecer no dia 10‑3‑2005, deixando como sucessora habilitada
B., propôs no dia 29-4-2002 acção de despejo contra A. e D. pedindo que se
decrete a resolução do contrato de arrendamento respeitante ao prédio urbano com
a área de 156 m2, dos quais 109 m2 são de logradouro, situado na Travessa do …,
freguesia de Santa Maior, concelho do Funchal, de que os RR são arrendatários,
ordenando‑se o despejo com entrega imediata do mesmo ao A., totalmente livre e
desocupado.
2. O A. alegou que os RR procederam a obras, sem autorização, que integram o
fundamento resolutivo constante do artigo 64º/1, alínea d) do R.A.U., a saber:
– Construção de uma dependência, que ocupa 16 m2 do quintal cuja área de 109 m2
ficou reduzida a 93 m2, utiizada como cozinha e quarto de jantar (artigos 12º a
14º da petição).
– Dependência que está unida à casa arrendada dando acesso ao seu interior
através de uma porta (artigos 15º e 16º da petição.
– Em Fevereiro de 2002 os RR fecharam a blocos de cimento uma porta exterior
existente no lado norte do locado, transformando-a em janela. (artigo 18º da
petição).
– Nas divisões interiores foram demolidas paredes, modificando a disposição
interna das divisões do locado (artigos 21º e 31º in fine).
3. Na contestação, os RR alegam que a dependência foi construída pelos
anteriores arrendatários em 1979, conhecidas e autorizadas pelo A que vive
“paredes meias” com a casa dos autos.
4. A dependência ocupa apenas 12 m2 do quintal e tem 2 m de altura.
5. Existia do lado norte porta com tapassol velho e estragado, que não impedia
a entrada da chuva e, por isso, em Fev. 2002 os RR taparam 86 cm da parte de
baixo da porta, com blocos de cimento, deixando a água de entrar para dentro de
casa.
6. A acção foi julgada procedente.
7. Na decisão não se considerou que a construção do anexo constituísse
fundamento resolutivo porque a sua construção foi efectuada por anterior
arrendatário do locado.
8. Das obras efectuadas a considerar, para efeito resolutivo, fica (a) o fecho
da porta com blocos de cimento e (b) a eliminação parcial de parede e eliminação
da porta com colocação no seu lugar de um arco.
9. Quanto às primeiras, a decisão considerou que a realização das obras foi
determinada por estado de necessidade já que a porta do tapassol, anteriormente
existente no local, estava podre e deixava entrar água, não alterando a
estrutura externa do prédio.
10. Quanto às segundas, entendeu a decisão que “estão relacionadas com a
disposição interna das divisões do locado e traduzem-se numa modificação
permanente do número e configuração da sua planta interior”.
11. Prossegue a decisão referindo que no caso concreto “a eliminação parcial da
parede e da porta aí existente materializou‑se na diminuição de uma das divisões
do prédio, já que dois dos quartos anteriormente existentes, com eliminação
parcial da parede e da porta aí existente, ficaram reduzidos a um único quarto,
embora com maior dimensão”.
12. Foi esta obra que conduziu a acção à procedência por se preencher a
previsão legal acima referida (artigo 64º, nº 1, alínea d) do RAU).
13. Nas suas alegações de recurso os RR consideram que a referência “à
eliminação de uma porta colocando no seu lugar um arco” constitui facto
inteiramente novo que não se pode considerar contido no âmbito do quesito 10º
que encerra a alegação vaga e genérica de que “os RR procederam à demolição de
paredes no interior do locado”.
14. O facto de o réu ter assumido a autoria da demolição e eliminação
desrespeita o contraditório na medida em que a sua mulher “não foi ouvida nem
achada para nada ou coisa alguma quanto ela é tão inquilina como ele”.
15. Tal factualidade não resultou da instrução nem discussão da causa,
desrespeitando‑se, assim, o disposto no artigo 264º e o artigo 3º ambos do
C.P.C.
16. Houve, assim, indevida alteração da causa de pedir.
17. A resposta ao aludido quesito 10º deve ser dada como não escrita pelo menos
no que respeita à parte final “eliminação da porta e colocação no seu lugar de
um arco”.
18. Aliás, no que a esta parte da matéria de facto respeita, o réu não assumiu
a sua autoria, nem essa autoria consta dos autos.
19. Foi, assim, prejudicado o direito de defesa dos RR que não se puderam
defender sobre esse ponto.
20. Tudo isto traduz violação dos princípios constitucionais do acesso ao
direito, do contraditório e da conformação do processo segundo os direitos
fundamentas, desaplicando o nº 1 do artigo 20º da Constituição da República
Portuguesa.
21. Por isso, porque tais factos são novos e os RR deles não se defenderam,
porque não podiam defender‑se, deve ser dada como não provada a resposta ao
quesito 11º (“Todas estas obras foram realizadas sem autorização verbal ou por
escrito dos senhorios”).
22. Alegam finalmente os recorrentes que “ tais obras não se traduzem em
modificação considerável definitiva, podendo tudo ser reposto no estado anterior
sem demoras e danos da primitiva estrutura do locado e por uma quantia
irrisória”.
23. Factos provados:
1 – O A. é dono e legítimo proprietário de um prédio urbano com a área de 156
m2, dos quais 109 m2 são logradouro, situado na Travessa do …, freguesia de
Santa Maria Maior, concelho do Funchal, a confrontar do Norte com herdeiros de
E., Sul e Leste com F. e Oeste com G. inscrito na matriz sob o artigo 1157º (A).
2 – Este prédio veio à posse e propriedade do Autor por sucessão legítima, por
óbito de sua esposa, H., a qual faleceu em 22‑7‑2001, sem ascendentes e sem
descendentes, tendo‑lhe sucedido como seu único e universal herdeiro (B).
3 – Tendo, por sua vez, o casal do autor adquirido o mesmo por sucessão
legítima, por óbito de seu pai e sogro, I. (C).
4 – Em 1‑2‑1962, o casal do autor deu de arrendamento ao irmão e cunhado dos
réus, J., de modo verbal, com destino a habitação e pela renda mensal de 500$00,
o referido prédio (D).
5 – Aquando do arrendamento do referido J., a sua mãe, Encarnação da Silva
Pereira e sua irmã, A., ora ré, foram viver com ele no locado (E).
5 – A ré A. casou com D. (F).
6 - Por volta de 1967, o casal J. e mulher emigraram para a Inglaterra (1º).
7 – Por volta do ano de 1990, o casal do referido J. regressou definitivamente à
RAM, indo viver para casa e companhia de um filho, localizado no beco do …,
freguesia do Monte, concelho do Funchal, em comunhão de mesa e habitação, onde
fixaram a sua residência permanente, deixando de viver no locado (G).
8 – A mãe da ré, L. e os réus A. e marido, D., continuaram a viver no locado,
sendo que a partir de 1990, era aquela L. quem pagava a renda ao casal do autor,
passando os respectivos recibos (H).
9 – Em 10-6-1998, a mãe e sogra dos réus, L., faleceu, ficando estes a viver no
local (I).
10 – Deste modo, o contrato de arrendamento em vigor entre o casal do Autor e a
falecida L. passou a vigorar entre o autor e os ora réus (J).
11 – Junto à casa arrendada, mais precisamente do lado poente do quintal, existe
uma dependência que é utilizada pelos réus como cozinha e sítio para comer (L).
12 – Este compartimento encontra‑se unido ao lado poente do locado, dando acesso
para o interior do mesmo através de uma porta e tem acesso para o lado sul do
quintal através de uns degraus de mosaicos (M).
13 - O casal J. e mulher construiu a dependência aludida em L) e M) em blocos de
cimento, devidamente revestido e pintado de branco por fora e por dentro,
coberto de folhas de zinco, com duas portas de alumínio e janelas de ferro, com
luz eléctrica e água canalizada, sendo que a dependência está ligada à casa, por
cima, através de folhas de zinco, do lado Norte, pela porta e por uma viga em
cimento na parte de cima que a suporta, e do lado Sul, por outra porta que dá
acesso ao quintal (2).
14 – O pavimento desta dependência é em mosaicos (3).
15 – Esta construção ocupa cerca de 16 m2 do quintal e tem do lado Norte a
altura de 1,26 metros e do lado Sul 1,07 metros (4).
16 – O A. e a sua falecida mulher sempre viveram paredes meias com a casa
arrendada por isso sempre conheceram as obras referidas de 13 a 15 (17 e 18).
17 – Os RR procederam à demolição parcial de uma parede e à eliminação de uma
porta, colocando no seu lugar um arco (10).
18 – As obras referidas em 17 foram realizadas sem autorização verbal ou por
escrito dos senhorios (11).
19 – Do lado Norte do locado, existia uma porta com tapassol que estava todo
velho e estragado, que nunca era usado pelos réus e que, quando chovia, entrava
água para dentro de casa (21 e 23).
20 – Para resolver esta situação, em Fevereiro de 2001, os RR taparam 71,50 cm
da parede de baixo da porta com blocos de cimento, mantendo a parte superior do
tapassol e assim passou a não entrar água para dentro de casa (24 e 25).
Apreciando:
24. A primeira observação a fazer é que a demolição parcial de uma parede no
interior da casa e eliminação de uma porta, colocando no seu lugar um arco, se
materializou, para usar a expressão da própria sentença, “na diminuição de uma
das divisões do prédio, já que dois dos quartos anteriormente existentes,
ficaram reduzidos a um único quarto, embora de menor dimensão”.
25. Esta realidade não é negada pelos recorrentes.
26. Os recorrentes sustentam que o tribunal, quando respondeu ao quesito 10º
(“Os RR procederam à demolição de paredes no interior do locado?), quesito
formulado a partir do alegado no artigo 21º da petição (“Para além das
transformações da porta em janela, os RR procederam também a alterações nas
divisões interiores, demolindo paredes no interior do locado”) respondeu
excessivamente visto que deu como provado que “os RR procederam à demolição
parcial de uma parede e à eliminação de uma porta, colocando no seu lugar um
arco”.
27. Essa matéria final “eliminação de porta, colocando em seu lugar um arco”,
não foi objecto de alegação e, por conseguinte, não houve, quanto a ela, defesa.
28. Aceitar‑se tal factualidade, seria afinal permitir a introdução de matéria
relevante sem se possibilitar o exercício do contraditório, desrespeitando-se os
direitos de defesa.
29. Os recorrentes pretendem que, no mínimo, este Tribunal considere a resposta
não escrita na parte que têm por excessiva e, assim sendo, a resposta ao quesito
ficaria assim redigida: “provado que os réus procederam à demolição parcial de
uma parede”.
30. Não oferece dúvida que uma resposta excessiva deve considerar‑se não
escrita, ou seja, deve ser eliminada, e muito justamente porque, a não ser
assim, por via do excesso, permitir‑se‑ia a inclusão de matéria de facto não
articulada, o que constitui violação do princípio dispositivo (artigo 264º do
CPC) e, consequentemente, dos princípios do contraditório (artigo 3º do CPC) e
da proibição da indefesa: ver Ac. do STJ de 5‑5‑2005 (Custódio Montes) (P.
1078/2005) onde se refere que “respondendo o tribunal ao quesito por excesso,
aditando matéria de facto não alegada, deve o tribunal superior eliminá‑la, ao
abrigo do disposto no art. 646º nº 4 do CPC” e também o Ac. do S.T.J. de
6-1-2004 (Ribeiro de Almeida) (revista nº 1648/2004 da 6ª secção) onde se
refere: “assim, a resposta explicativa (à matéria de facto quesitada) só será
excessiva desde que não esteja no âmbito da matéria articulada e no âmbito do
objecto da acção; tratando-se de um acidente de viação, a resposta explicativa
não exorbita o âmbito do quesito (relativo ao estado dos travões e ao sistema de
travagem) já que a explicação incidiu sobre a causa do estado do sistema de
travagem ou ainda o Ac. da Relação do Porto de 17‑6‑1977 (Joaquim Gonçalves)
C.J., 5, pág. 1149 assim sumariado: “As respostas excessivas ou exuberantes aos
quesitos, na medida em que o sejam, considerar‑se‑ão não escritas, isto é, não
produzirão qualquer efeito, a não ser que, situando‑se dentro da matéria
articulada, devam considerar‑se explicativas” (acórdãos do STJ consultáveis em
www.dgsi.pt).
31. O processo deixaria de ser equitativo e leal.
32. Houve, é certo, nesta temática, alguma limitação ao princípio dispositivo,
decorrente da oficiosidade resultante dos “ factos instrumentais que resultaram
da instrução e discussão da causa” (artigo 264º/2 do CPC) e até mesmo dos factos
essenciais que sejam “complemento ou concretização de outros que as partes hajam
oportunamente alegado” conquanto (a) “resultem da instrução e discussão da
causa”, (b) “desde que a parte interessada manifeste vontade de deles se
aproveitar” e (c) “à parte contrária tenha sido facultado o exercício do
contraditório” (artigo 264º/3 do C.P.C.).
33. Mas esta limitação do princípio dispositivo não pode ir ao ponto de a busca
da verdade material – que se traduz na coincidência entre os factos provados e
os factos realmente verificados – aligeirar os cuidados que a lei põe no tocante
ao ónus de alegação e de prova.
34. Há situações em que o tribunal se pode ver envolvido num dilema que resulta
do conflito entre o conhecimento real das coisas, que alcançou directamente,
designadamente quando há inspecção ao local, como sucedeu no caso vertente, e a
matéria que resulta da base instrutória, limitada necessariamente aos factos
alegados.
35. Em regra o conhecimento do tribunal advém-lhe do contacto directo com
terceiros, designadamente as testemunhas e peritos, que tiveram conhecimento
directo da realidade; no entanto, nesta e noutras situações similares o tribunal
vê‑se colocado perante o facto de ele próprio ficar também a conhecer
directamente uma realidade e, não a considerando, ver‑se colocado na mesma
situação da parte, que arrolou testemunhas que presenciaram essa mesma realidade
e cujo depoimento foi credível e, no entanto, não vê o depoimento prestado
assumir expressão nas respostas dadas à base instrutória.
36. E tudo isto com uma nota acrescida muito relevante: é que ao juiz cabe
proferir a decisão e, assim sendo, ele vai responder à matéria de facto que ele
sabe, por via directa, que não traduz a realidade que importa à resolução do
litígio.
37. Se o princípio da imediação, nestes casos, é levado às últimas
consequências porque o tribunal presencia a realidade, também é levada às
últimas consequências o princípio dispositivo.
38. Dir‑se‑á que não há nenhuma razão para surpresa porque a inspecção judicial
não é diligência destinada a fazer o tribunal enriquecer‑se com a factualidade
que não foi, mas deveria ter sido alegada; o seu propósito é apenas o de
permitir que o tribunal se esclareça sobre qualquer facto que interesse à
decisão da causa” (artigo 612º, nº 1 do C.P.C.) e não que o tribunal
oficiosamente indague e inscreva no rol dos factos todos aqueles que
interessariam à decisão da causa.
39. A matéria constante da parte final da resposta ao aludido quesito 10º tem
natureza essencial e não instrumental.
40. Basta considerar que, por si, é suficiente para que a acção proceda,
considerado o fundamento invocado. A eliminação de porta colocando em seu lugar
um arco permite ligar duas divisões, ou seja, altera a “disposição interna das
divisões” do local arrendado. Já a mera “demolição parcial de uma parede” não
impõe de facto aquela conclusão.
41. Entende o recorrente que, com a aludida resposta, a acção ainda assim não
devia proceder como o argumento, a nosso ver falhado (duplamente falhado: no
plano do direito, como se dirá a seguir e no plano de facto visto que o quesito
26º a tal propósito formulado não se provou), de que é possível “tudo ser
reposto no estado anterior sem demoras e danos da primitiva estrutura do locado
e por uma quantia irrisória”.
42. Se assim fosse, salvo situações raríssimas, jamais procederiam as acções
com este fundamento porque, na construção civil, com maior ou menor custo, tudo
se pode repor na situação anterior.
43. Remetemos para as considerações que a este propósito tecemos no Ac. da
Relação de Lisboa de 10‑5‑2001 (P. 2899/2001), CJ, 3, pág. 87: “os actuais
processos técnicos permitem que todas as obras novas ou, pelo menos, quase
todas, delimitação que se introduz por mera cautela, sejam retiradas repondo o
imóvel no estado anterior. Se este fosse o critério utilizado quase nenhuma
acção de despejo procederia com base neste fundamento.
44. Januário Gomes refere que “para o caso, parece‑nos totalmente irrelevante o
facto de as referidas obras – de cimento e tijolo — serem removíveis, ou melhor,
serem elimináveis com a técnica do camartelo, tornando, assim, fácil a reposição
do rés‑do‑chão no estado anterior. É que, a bem ver, nos tempos que correm, será
muito difícil, para não dizer impossível, encontrar situações de alteração da
disposição interna que não sejam, a final, removíveis; sê‑lo‑ão, porventura, as
dos autos, apesar de terem sido feitas em tijolo e cimento, mas sê‑lo‑iam também
se tivessem sido feitas em ferro e aço. Não é isso, de facto, que conta: o que
efectivamente releva é o carácter definitivo ou perene da obra. À luz deste
critério, a divisão do rés‑do‑chão em tabique de madeira ou contraplacado não
relevaria em termos de resolução; não pode, porém, deixar de relevar nesses
termos o facto de a compartimentação ser feita em material sólido e implantado
na estrutura do prédio, como é o caso das paredes de tijolo e cimento.
45. Aliás, a não se entender desta forma, ficaria inutilizada a inovação, bem
ou mal introduzida pelo legislador de 1966 na alínea d) do nº 1 do artigo 1093º,
uma vez que, qualquer que fosse a dimensão das alterações, a acção de resolução
naufragaria pela prova da removibilidade das mesmas, mantendo‑se o locatário
obrigado a repor a coisa no estado anterior, mas só no momento da restituição da
coisa” (“Resolução do Contrato de Arrendamento em Consequência da Feitura de
Obras que alteram Substancialmente a Disposição Interna das Divisões do Prédio”
por M. Januário Gomes, O Direito, Ano 125º, 1993 – III/IV, pág. 439/478,
designadamente pág. 467/468) …
46. Assim sendo, não assiste razão ao Réu quando defende a ideia de que a
possibilidade de reposição do arrendado no statu quo ante obsta à resolução do
contrato com base no artigo 1093º/1, alínea d) do Código Civil.
47. E muito menos lhe assiste razão quando defende que as alterações
introduzidas pelo inquilino são aquelas a que se refere o artigo 1092º do Código
Civil (pequenas deteriorações necessárias para assegurar o conforto ou
comodidade do arrendatário) ou o artigo 1043º (deteriorações inerentes a uma
prudente utilização do local arrendado)”.
48. Assente, portanto, que a referida matéria de facto tem em si natureza
essencial, parece que a razão está inteiramente do lado do recorrente.
49. Importa, no entanto, constatar uma determinada realidade processual que não
pode deixar de ser compaginada com a referida previsão constante do artigo 264º,
nº 3 do CPC.
50. Se é verdade – já o dissemos – que a inspecção judicial ou acto similar em
que a imediação do tribunal se realiza directamente, não pode valer como
instrumento de aquisição processual (ver artigo 515º do CPC, parte final), a
disposição constante do artigo 264º/3 do C.P.C. admite, a nosso ver, o
entendimento de que o tribunal pode considerar os factos verificados por
inspecção judicial quando, com o acordo das partes, os haja elencado e as partes
tenham disposto da oportunidade de, quanto a eles, exercerem o contraditório.
51. Verifica‑se que, no caso vertente, o tribunal, depois de produzida prova
testemunhal, decidiu fazer uma inspecção ao local “para aquilatar a construção
existente no prédio arrendado, ao abrigo do disposto no artigo 612º, nº 1 do
C.P.C.” e “de imediato … deslocaram‑se ao local do prédio urbano em causa, sito
na Travessa do Lombo da Boa Vista, nº 21, na freguesia de Santa Maria Maior,
concelho do Funchal, o Tribunal e os ilustres mandatários das partes” (ver fls.
178).
52. Foi consignado em auto todo um conjunto de factos verificados pelo tribunal
(ver fls. 179), designadamente que “dentro da casa, existe um arco que por
indicação do réu marido e da procuradora do autor e aqui testemunha B. não
existia e no lugar do mesmo havia uma parede. Anteriormente no lugar do arco
existia uma parede que tinha uma porta normal”.
53. Curiosamente, como se pode constatar, a resposta dada ao quesito 10º da
base instrutória é menos clara do que a realidade de facto que o auto de
inspecção permite evidenciar.
54. De facto, houve uma demolição da parede que separava divisões só que o
tribunal, porque em tal parede havia uma porta, resolveu responder da forma
indicada que se lhe afigurou mais rigorosa.
55. A ilação, seja qual for a resposta, dir‑se‑á, será sempre aquela que o
tribunal alcançou (ver supra 21), o que retiraria interesse à constatação do
“excesso” que afinal nada adiantaria para o resultado dos autos.
56. É certo que os recorrentes pretendem que a resposta se restrinja à primeira
parte, ou seja, à mera prova de que o réu se limitou a proceder “à demolição
parcial de uma parede”, factualidade que já não admite a referida ilação.
57. No entanto, a admitir‑se o excesso, a resposta não podia deixar de se
adequar, nos termos quesitados, à constatação de que “o réu procedeu à demolição
de uma parede” visto que a referência à “demolição parcial” resultou tão somente
do propósito de se evidenciar que no local havia parede e porta.
58. Admitindo a natureza de facto essencial complementar ou concretizador da
realidade referenciada no aludido auto, designadamente a que respeita à parte
final do quesito 10º, afigura‑se‑nos que o disposto no artigo 3 do C.P.C. foi
observado.
59. A introdução nos autos dessa realidade resultou de um acto de instrução
(inspecção ao local) onde se constatou a existência de um arco onde antes
existia uma parede e porta demolidos, reconhecidamente pelo próprio réu, sendo
manifesto que esta realidade foi aceite pelas partes, o que impõe o entendimento
de que dela se pretendem aproveitar (artigo 217º do Código Civil).
60. Não há, na verdade, nenhuma declaração de qualquer das partes, opondo‑se à
descrição dos factos constantes do auto; até houve mais, a elaboração de um
“croquis” junto aos autos que, com a concordância das partes, foi assinado.
61. A circunstância de o réu ter reconhecido que procedeu à aludida demolição
livra‑o da condenação como litigante de má fé.
62. A resolução do contrato de arrendamento não pode deixar de se decretar
ainda que apenas um dos arrendatários haja incorrido em violação da lei.
63. No entanto, como flui do referido de 52. a 57. supra, a resposta em causa
não se pode considerar excessiva, mas apenas explicativa, pois o que o tribunal
fez foi explicar que a demolição da parede, no interior do locado -arrendado,
implicou a demolição da porta e, havendo demolição, há a criação de um espaço
amplo onde existiam espaços autonomizados. A questão da abertura se fazer por um
arco é indiferente.
64. Uma resposta explicativa tem por objectivo a concretização de uma
determinada realidade. Se a concretização está dentro do âmbito da matéria
questionada, não há excesso e, não havendo excesso, não importa que a matéria
concretizada em si mesma seja instrumental ou essencial para a sorte do litígio;
se está fora do âmbito, uma de duas: ou a matéria em causa assume a natureza de
facto instrumental e, assim sendo, o excesso é irrelevante, porque hoje a lei
admite a aquisição nos autos de factos instrumentais que, apesar de
instrumentais, não deixam de ser factos novos, factos não alegados; ou a matéria
em causa assume a natureza de facto essencial concretizador e, nesse caso, o seu
aproveitamento carece da verificação dos requisitos indicados no artigo 264º/3
do C.P.C.
Concluindo:
I – A resposta excessiva a um quesito impõe que, quanto ao excesso, seja
considerado não escrito (artigo 646º, nº 4 do C.P.C.) aplicável por analogia).
II – Já não é excessiva, porém, a resposta que seja explicativa se a
concretização se inserir no âmbito da questão formulada, o que acontece quando,
perguntando‑se se os réus procederam à demolição de paredes no interior do
locado, se provar que procederam à demolição de uma parece com porta, levando o
tribunal a responder que houve uma demolição parcial da parede e eliminação da
porta, colocando-se um arco.
III – A admitir‑se que havia excesso, então, na resposta a dar, eliminado o
excesso, não poderia aproveitar‑se a primeira parte da resposta explicativa
(demolição parcial), pois impor‑se‑ia a resposta conforme à realidade de que
houve demolição de parede.
IV – A resposta explicativa, que é sempre concretização de algo, pode
traduzir‑se em excesso. O excesso pode consubstanciar facto instrumental ou
facto essencial.
V – Quando o tribunal, no exercício de actividade probatória (por exemplo,
inspecção judicial efectivada nos termos do artigo 612º/1 do C.P.C.), se
apercebe de determinada realidade, que traduza facto essencial complementar ou
concretizador de facto essencial alegado (artigo 264º/2 do C.P.C.) e inscreve em
auto a realidade em causa sem oposição das partes presentes, e até com a sua
concordância, preenche-se a previsão constante do referido nº 2 do artigo 264º
do C.P.C. por ser manifesto, com tal atitude à luz da parte final do artigo 217º
do Código Civil (declaração tácita), que as partes se pretendem aproveitar e
aceitam essa realidade conquanto se verifique que elas puderam exercer,
relativamente a tais factos, o contraditório.
Decisão: nega‑se provimento ao recurso confirmando‑se a decisão recorrida
2. Os apelantes interpuseram recurso de constitucionalidade nos seguintes
termos:
Os Apelantes A. e marido no recurso onde é recorrida a habilitada B. por óbito
do A. C. vêm do douto Acórdão final interpor o presente recurso para o Tribunal
Constitucional
É interposto ao abrigo da alínea b) do n° 1 do artigo 70º da Lei 28/82 de 15 de
Novembro porquanto ao interpretar e aplicar a alínea d) do n° 1 do artigo 64° do
RAU e o n° 3 do artigo 264° do C.P.C., tal como acontecera com a douta sentença
da 1° Instância, justificou a resolução do arrendamento e consequente despejo
imediato do locado com factos que não tinham sido alegados e isso sem prévia
audição dos assim sancionados (os ora Recorrentes) com aquele despejo.
Desta feita padecem de inconstitucionalidade por violação dos princípios do
contraditório, do direito de defesa e de contraditar, implícitos nos princípios
constitucionais do acesso ao direito, do contraditório, da confiança e da
conformação do processo segundo os direitos fundamentais, para além de lhes
ofender o direito de terem uma habitação adequada e de ter discriminado a
Apelante relativamente a ele e isso quando, como actualmente sucede entre nós, o
direito de defesa, é tanto quanto o direito de acção, uma manifestação do
princípio da tutela judicial efectiva, pelo que assiste a ambos os demandados,
entre outros, o direito ao contraditório pleno.
Estas questões de inconstitucionalidade foram suscitadas por diversas vezes, nas
Alegações e Conclusões da Apelação e onde a propósito se apontam como violados
os artigos 2°, 20° n° 1, 26° n° 1; 36° n° 3; 18° n° 2; 65° n° 1 e 204° da
Constituição da República Portuguesa, bem como o 11º da Declaração Universal dos
Direitos do Homem.
A decisão recorrida não admite recurso ordinário.
Sobe nos próprios autos e tem efeito devolutivo. (artigo 78° n° 1 da citada Lei
28/82).
Assim e uma vez recebido o presente recurso, rogam a V.Exa se digne ordenar que
se sigam os seus ulteriores termos.
O recurso de constitucionalidade não foi admitido por despacho de 7 de Setembro
de 2006, com o seguinte teor:
1. Os RR vencidos interpõem recurso do acórdão de 6-7-2006 para o Tribunal
Constitucional, ao abrigo da alinea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82,
de 15 de Novembro, considerando que a decisão “ao interpretar e aplicar a alínea
d) do nº 1 do artigo 64º do RAU e o nº 3 do artigo 264º do C.P.C, tal como
acontecera com a [...] sentença de 1ª instância, justificou a resolução do
arrendamento e consequente despejo imediato do locado com factos que não tinham
sido alegados e isso sem prévia audição dos assim sancionados ( os ora
recorrentes) com aquele despejo”.
2. É para nós evidente que o acórdão recorrido não justificou a resolução do
arrendamento com base me factos não alegados.
3. O quesito 1Oº (“os RR procederam à demolição de paredes no interior do
locado”) tem por base matéria alegada no artigo 21º da petição (veja-se § 26º do
acórdão).
4. O que o recorrente sustentou foi que a resposta ao aludido quesito é
excessiva por se ter nela consignado que os RR procederam à demolição parcial de
uma parede e à eliminação de uma porta, colocando em seu lugar um arco”).
5. A decisão recorrida, sempre no plano da apreciação da matéria de facto,
considerou que a resposta não era excessiva, pois, se o fosse, deveria
considerar‑se não escrita na medida do excesso, mas meramente explicativa.
6. Não houve, por conseguinte, nem podia haver nos termos em que as coisas se
apresentaram, nenhuma interpretação normativa passível de um juízo de
constitucionalidade.
7. O Tribunal aceitou que uma resposta excessiva deve ser considerada não
escrita, o Tribunal aceitou que uma resposta excessiva pode ferir o princípio
dispositivo, o Tribunal aceitou que o excesso contido numa resposta pode
implicar desrespeito do princípio do contraditório.
8. No entanto, tratando-se de resposta explicativa é claro que não ocorre o
excesso e, nesse caso, o Tribunal não tem de declarar a resposta não escrita
(artigo 646º, nº 4 do C.P.C.).
9. Talvez se pudesse suscitar uma questão de inconstitucionalidade se o
Tribunal entendesse que uma resposta reconhecida excessiva não deve ser
considerada não escrita à luz de uma determinada interpretação do artigo 646º,
nº 4 do C.P.C. ou do artigo 264º do C.P.C.
10. No caso em apreço, porém, o Tribunal limitou‑se, no uso dos seus poderes de
instância de facto, a analisar uma determinada resposta à luz do quesito
formulado considerando que a resposta não excedia o âmbito do quesito.
11. Ora, como se vê, não há aqui nenhuma interpretação normativa, mas tão
somente uma interpretação de facto.
12. Pode, no plano da análise dos factos, discordar‑se da decisão considerando
que a resposta afinal padecia de excesso.
13. O recorrente pretende isso mesmo, ou seja, que o Tribunal Constitucional
(já que o Supremo Tribunal de Justiça não o pode fazer por ser tribunal de
revista) reconheça que houve erro no plano da análise facto e, desse modo,
declare que houve excesso na resposta.
14. Ainda que o Tribunal Constitucional assim procedesse, continuaria a não se
lobrigar nenhuma interpretação normativa na decisão do Tribunal recorrido de
sorte que se pudesse considerar que foi aplicada norma cuja
inconstitucionalidade houvesse sido suscitada durante o processo. (artigo
280º/1, alínea b) da Constituição da República).
15. E suscitar a inconstitucionalidade de uma norma durante o processo não se
satisfaz com a mera invocação da ofensa a determinados princípios — se assim
fosse então seria facílimo o acesso ao Tribunal Constitucional (v.g. a parte
diria que o Tribunal ao aplicar determinada norma violou o princípio da
confiança, mas não fundamentando a afirmação, para logo se impor ao Tribunal
Constitucional descortinar se, no caso, o referido princípio fora desrespeitado
e em que medida) pois, por tal via, impor‑se‑ia, na prática, um controlo
oficioso de inconstitucionalidade pelo Tribunal Constitucional.
16. Assim sendo, porque não houve aplicação de norma cuja inconstitucionalidade
houvesse sido suscitada durante o processo, o recurso interposto não é
admissível.
3. Os apelantes reclamaram do seguinte modo:
No processo supra referenciado onde é A. e Apelado C. e RR. e Apelantes A. e
marido não se conformando estes com o douto despacho que lhes indeferiu o
requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional do mesmo
Vêm reclamar para VEXa e o que fazem ao abrigo do n°4 do artigo 76 da Lei 28/82
e com os fundamentos seguintes:
Nos seus n°s 1 a 13, o douto despacho de indeferimento fundamenta o não
recebimento do recurso partindo do princípio de que a resposta ao quesito 10 foi
considerada pelo Tribunal da Relação como excessiva mas meramente explicativa,
quando ao invés o que o ora Reclamante disseram nas suas alegações junto da
Relação e reafirmam no requerimento de interposição do recurso para o Tribunal
Constitucional é que essa resposta (e não só) contém factos que nunca foram
alegados e que foram eles que precisamente justificaram a resolução do
arrendamento, e tudo isso sem audiência das partes interessadas, como de resto
se escreve no parágrafo 1° do douto despacho reclamado.
Os primeiros daqueles factos não alegados consistem em «que os RR procederam à
eliminação de uma porta, e colocação no seu lugar de um arco» e isso quando em
boa verdade o quesito 100 tem a redacção: «Os Réus procederam à demolição de
paredes no interior do Locado?»
Tanto é dizer e constatar que desse quesito não consta aquela «eliminação de uma
porta e colocação no seu lugar de um arco», como não consta da restante
factualidade alegada por qualquer das partes.
Com salvaguarda do respeito devido, é indiferente ou não importa nem está em
causa que a Relação tenha classificado essa resposta de meramente explicativa. O
que está em causa e importa é que aquela «eliminação duma porta e colocação no
seu lugar de um arco» não foram alegados e ainda e sobretudo que foram eles que
ditaram a resolução do arrendamento sem audiência das partes interessadas, como
de resto se escreve no parágrafo 1° do douto despacho reclamado e se disse já.
Por outras palavras, o que verdadeiramente importa não é a classificação daquela
resposta mas sim o seu conteúdo e principalmente as suas consequências no plano
factual e sobretudo normativo (fundamento da resolução) e tudo isso sem que
semelhante factualidade tenha sido alegada por alguma das partes ou sem que
tenha sido facultado o direito do contraditório aos ora Reclamantes e mormente à
R. mulher que em todo o caso foi descriminada relativamente ao marido e ofendido
o seu direito a uma habitação condigna.
Para mais, esses factos não alegados e que assim justificaram a resolução do
arrendamento, não se circunscrevem apenas a esses conexionados com a resposta ao
quesito 10 mas também a estes outros constantes do douto Acórdão da Relação e
contra o qual os Reclamantes antecipadamente se insurgem nas suas Alegações
junto do Tribunal da Relação e sobre os quais também ninguém tinha sido ouvido
nem chamado e a saber:
«Ora, no caso concreto, a eliminação parcial da parede e da porta aí existente
materializou-se na diminuição de uma das divisões do prédio, já que dois dos
quartos anteriormente existentes, com a eliminação parcial da parede e da porta
aí existente, ficaram reduzidos a um único quarto, embora com maior dimensão.
Desta feita com o recurso não se pretende o reconhecimento pelo Tribunal
Constitucional de que houve erro no plano factual mas sim o reconhecimento da
falta do contraditório pleno, da defesa, da discriminação da R. mulher e da
ofensa do direito a uma habitação condigna no douto Acórdão da Relação e com o
que este violou, entre outros aqueles princípios constitucionais e aplicou entre
outros os artigos 64°, alínea b) do n° 1 do RAU e o n° 3 do 264° do C.P.C. por
forma que violou aqueles princípios e várias disposições da Constituição,
designadamente os seus artigos 2°, 20º n° 1, 26° n° 1; 36° n° 3; 18° n° 2; 65°
n° 1 e 204° bem como o 11º da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Ao fim e ao cabo, o que se pretende e o fundamento do que se pretende não é o
que a propósito se escreve no parágrafo 13° do douto despacho reclamando mas sim
o que a esse respeito consta das Alegações dos Recorrentes junto da Relação e
que depois repetiram sumariamente no seu requerimento de interposição do recurso
para o Tribunal Constitucional, escrevendo neste textualmente:
«É interposto ao abrigo da alínea b) do n° 1 do artigo 70° da Lei 28/82 de 15 de
Novembro porquanto ao interpretar e aplicar a alínea d) do n° 1 do artigo 64° do
RAU e o n° 3 do artigo 264° do C.P.C., tal como acontecera com a douta sentença
da 1ª Instância, justificou a resolução do arrendamento e consequente despejo
imediato do locado com factos que não tinham sido alegados e isso sem prévia
audição dos assim sancionados (os ora Recorrentes) com aquele despejo.
Desta feita padecem de inconstitucionalidade por violação dos princípios do
contraditório, do direito de defesa e de contraditar, implícitos nos princípios
constitucionais do acesso ao direito, do contraditório, da confiança e da
conformação do processo segundo os direitos fundamentais, para além de lhes
ofender o direito de terem uma habitação adequada e de ter discriminado a
Apelante relativamente a ele e isso quando, como actualmente sucede entre nós, o
direito de defesa, é tanto quanto o direito de acção, uma manifestação do
princípio da tutela judicial efectiva, pelo que assiste a ambos os demandados,
entre outros, o direito ao contraditório pleno.
Estas questões de inconstitucionalidade foram suscitadas por diversas vezes, nas
Alegações e Conclusões da Apelação e onde a propósito se apontam como violados
os artigos 2°, 20° n° 1, 26° n° 1; 36° n° 3; 18° n° 2; 65° nº 1 e 204° da
Constituição da República Portuguesa, bem como o 11º da Declaração Universal dos
Direitos do Homem.
Tanto é dizer que o douto despacho em apreço das diversas questões postas no
requerimento de interposição do recurso não trata de uma única que seja antes de
todas se afasta e foge...
Em suma:
Examinando as Alegações junto da Relação e o requerimento de interposição do
recurso para o Tribunal Constitucional não estará certo dizer-se «que não houve
aplicação de norma cuja inconstitucionalidade houvesse sido suscitada durante o
processo» e consequentemente também não estará certo que a partir daí se tenha
ditado a inadmissibilidade do recurso porque efectivamente o douto Acórdão
aplicou normas e princípios constitucionais que os Recorrentes nas suas
Alegações e conclusões consideram violados e onde por isso ou prevendo isso
também ali suscitaram a questão da sua inconstitucionalidade.
Nestes termos e nos do artigo 77° da citada Lei e demais de direito, deve dar-se
provimento à presente reclamação revogando‑lhe o despacho de indeferimento da
interposição do recurso e consequentemente decidir-se admitir o mesmo.
E se admitirmos (por mera hipótese e contra-argumentação) que as coisas não são
como as apresentam os ora Reclamantes, então e uma vez que antes do
indeferimento restava o convite a prestar a indicação em falta nos termos do n°
5 do artigo 75º da Lei 28/82 então no lugar daquela revogação devem os
Reclamantes serem convidados a prestar indicação em falta.
O Ministério Público pronunciou‑se nos seguintes termos:
A presente reclamação é manifestamente improcedente.
Desde logo, não se pode considerar suscitada, durante o processo e em termos
processualmente adequados, a questão da inconstitucionalidade que o reclamante
refere no seu requerimento de interposição de recurso, sendo evidente que a
argumentação expendida, nomeadamente, nas conclusões 10ª a 13ª da sua apelação
não cumprem adequadamente o ónus de clareza e definição inteligível do critério
normativo que considera violador da Constituição.
Em segundo lugar, esquece o reclamante que a este Tribunal apenas cumpre
sindicar da constitucionalidade do critério normativo aplicado pela decisão
recorrida, e não sindicar da concreta e casuística especificidade da situação
processual em análise: ora, é evidente que o acórdão proferido pela Relação não
aplicou o critério normativo delineado pelo recorrente, já que considera, de
forma cabal, que foi exercido o contraditório aquando da aquisição processual
dos factos “novos” que integram a resposta “explicativa” à matéria de facto.
Finalmente, há óbvia inutilidade na dirimição da questão de constitucionalidade
delineada pelo recorrente, já que – como nota o acórdão recorrido – os factos
que originariamente sempre constaram do processo, mesmo sem o “complemento” ou
“concretização” aditada pela resposta “explicativa” questionada – ter o
locatário procedido à demolição de uma parede – determinaria, sem mais, a
procedência da acção de despejo.
4. Cumpre apreciar.
I
Fundamentação
5. No recurso de constitucionalidade que os reclamantes pretendem ver admitido,
é submetida à apreciação do Tribunal Constitucional uma dada dimensão normativa
dos artigos 64º, nº 1, alínea c), do RAU, e 264º, nº 3, do CPC, segundo a qual a
resolução do arrendamento foi justificada com factos que não tinham sido
alegados, acerca dos quais os reclamantes não foram ouvidos.
Em primeiro lugar, cabe sublinhar que os reclamantes não suscitaram perante o
Tribunal da Relação de Lisboa a inconstitucionalidade de tal dimensão normativa.
Com efeito, nas alegações de recurso, nomeadamente nas conclusões 10ª a 13ª
(transcritas supra), os reclamantes impugnam, não uma norma ou dimensão
normativa, mas antes a própria decisão.
Assim, não se verifica o pressuposto do recurso da alínea b) do nº 1 do artigo
70º da Lei do Tribunal Constitucional, consistente na suscitação durante o
processo da questão de constitucionalidade normativa.
Por outro lado, a dimensão normativa impugnada pelos reclamantes não foi
aplicada pela decisão recorrida. Com efeito, impugnando os reclamantes uma
dimensão normativa que permite a não audição dos interessados acerca de um dado
facto alegadamente novo, é demonstrado no acórdão impugnado no recurso de
constitucionalidade não admitido que as partes tiveram oportunidade de se
pronunciar sobre a questão, tendo mesmo sido enviado um “croquis” descritivo dos
factos, sem qualquer oposição (nºs 54 a 61 e ponto V da parte conclusiva do
acórdão transcrito supra).
Assim, também não se verifica o pressuposto do recurso interposto, consistente
na aplicação pela decisão recorrida da dimensão normativa impugnada.
Por último, cabe realçar que a apreciação da questão de constitucionalidade
suscitada no requerimento de interposição do recurso não admitido é inútil, já
que o Tribunal da Relação de Lisboa considerou que a matéria constante da parte
final da resposta ao quesito 10º é suficiente para que a acção proceda, ou seja,
a procedência da acção não se fundamenta nos factos alegadamente novos, pois
seriam suficientes para o efeito os factos que sempre constaram do processo (cf.
pontos 39 a 46 do acórdão transcrito supra).
6. Assim, o recurso de constitucionalidade não podia ser admitido, pelo que a
presente reclamação improcede.
III
Decisão
7. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente
reclamação.
Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 UCs.
Lisboa, 17 de Janeiro de 2007
Maria Fernanda Palma
Benjamim Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos