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Processo n.º 245/02
1.ª Secção
Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
A. recorre do acórdão proferido em 11 de Outubro de 2001 nas Subsecções da
Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, ao
abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei 28/82 de 15 de
Novembro, pretendendo impugnar 'o Regulamento aprovado pela ATOC, em especial a
alínea d) do n.º 1 do artigo 1º e artigo 3º cuja inconstitucionalidade e
ilegalidade tinha sido suscitada nos autos'.
Notificado para esclarecer – ao abrigo do disposto no artigo 75º-A da LTC – qual
'a interpretação normativa a alínea d) do n.º 1 do artigo 1º e artigo 3º do
Regulamento referido no requerimento de interposição do recurso, bem como a peça
processual em que suscitou a questão de constitucionalidade', respondeu:
1. O recorrente suscitou a questão da constitucional idade e da legalidade, não
apenas do art. 1°, n° 1., alínea d) e art. 3° do Regulamento de Inscrição na
ATOC, mas mesmo de todo o Regulamento (Doc. 5 junto com a p.i.).
2. E suscita tal questão em várias peças processuais, a saber:
· Art. 97°, 98°, 102°, 130°, 149° da petição;
· Por sua vez, nas alegações de fls., nos termos do art. 67°, aponta-se
ao Regulamento a violação dos art. 18° e 169°, n° 1., da C.R.P., bem com a
violação dos art. 47°, 53° e 61°, a que se salienta na conclusão 13. daquelas
alegações;
· Ainda nas alegações de recurso para o S.T.A., da sentença do Tribunal
Administrativo do Círculo de Coimbra, de fls., refere que o Regulamento violou
os art. 47°, 53° e 61°, o n° 8° do art. 112° da C.R.P., art. 165°, n° 1., alínea
b), bem como o art. 267°, n° 3., e enfatiza nas conclusões 16. e 18., entre
outras.
3. Pode dizer-se que, praticamente em todas as suas peças processuais o
recorrente levanta a questão da inconstitucionalidade e da ilegalidade do
Regulamento em causa e das suas normas.
Nas conclusões da sua alegação, diz o recorrente:
1. O Regulamento dito de execução da Lei n° 27/98, de 3 de Junho, enferma
todo ele de ilegalidade e de inconstitucionalidade, por falta de habilitação
legal para a sua elaboração, conforme exigido pelo n° 8, do art. 112° da C.R.P,
como muito bem sustenta o Prof. Vital Moreira.
2. Por sua vez, decorre da Lei n° 27/98 a vontade do legislador
proporcionar o acesso à profissão de técnico oficial de contas, a quem
satisfizesse os requisitos do art. 1° daquela Lei, cuja prova teria de respeitar
os mais elementares princípios da sua livre admissibilidade – art. 345°, n° 2.,
do CCivil e art. 87° do C.P.A., pelo que a alínea d) do n° 1 do art. 1° do
Regulamento e o art. 3° são ilegais e inconstitucionais, por violarem o art. 1°
da Lei n° 27/98, e restringirem as condições de acesso a uma profissão, à
segurança no emprego, e a uma actividade, violando os art. 47°, 53° e 61° da
C.R.P..
3. De igual modo, tais disposições do Regulamento (alínea d) do n° 1 do
art. 1 e art. 3°) ao excederem o âmbito, a letra e o espírito da lei n° 27/98 e
do seu artigo 1°, acabam por dispor praeter legem, ou melhor, contra legem,
enfermando ainda de inconstitucionalidade por usurpação de competência de
reserva da lei da Assembleia da República e por restringirem direitos
fundamentais, violando o art. 18° n° 3 e o art. 165° n° 1 alínea b) da C.R.P.
4. As restrições de prova impostas pelo art. 1°, em especial a alínea d) do
seu n° 1. e pelo art. 3° do Regulamento em causa, atentam com princípios e
direitos fundamentais consagrados na Constituição, pelo que aquelas disposições
enfermam ainda de inconstitucionalidade por porem em causa a liberdade de
escolha da profissão (art. 47° da C.R.P.), a segurança no emprego (art. 53° da
C.R.P.), e o direito ao trabalho (art. 58° da C.R.P.).
5. Tudo isto se torna ainda mais evidente, quando é certo que, não só o
art. 1 ° da lei n° 27/98, estabelecia já os requisitos adulterados pelo
Regulamento apenas e só com o assumido propósito (V. Doc. 12 junto com a p.i.)
de restringir, dificultar e mesmo impedir a inscrição, na ATOC, de quem tinha
direito a isso.
6. Na verdade, só com tal objectivo se compreende que se tenha imposto a
apresentação do Mod. 22 assinado pelo responsável pela contabilidade,
exactamente em período em que a lei deixara de ter tal exigência, como resulta
do Preâmbulo do Dec-lei n° 265/95 de 17 de Outubro de que se transcreve a
seguinte passagem:
'Com a aprovação do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas
e o das Pessoas Singulares, que começaram a vigorar em 1989, foi revogado o
referido Código da Contribuição Industrial, deixando de ser obrigatória a sua
assinatura nas declarações fiscais, desaparecendo, no plano institucional, a
figura do técnico de contas.”
Por seu turno, a entidade recorrida apresentou contra-alegação, na qual suscitou
a questão do não conhecimento do objecto do presente recurso. Com efeito, diz:
1. O rec.te pretende que esse Ilustre Tribunal Constitucional se pronuncie sobre
a constitucionalidade do regulamento interno da CTOC de 3 de Junho de 1998, em
especial do previsto na al. d) do n° 1 do seu artigo 1° e no seu artigo 3°.
2. Isto porque tais normas teriam sido aplicadas pelo Supremo Tribunal
Administrativo no Acórdão recorrido e teriam sido o fundamento da improcedência
do recurso contencioso interposto pelo re.te.
3. Ora, basta ler o Acórdão recorrido para se constatar que a improcedência do
recurso contencioso assentou no facto de o Supremo Tribunal Administrativo ter
considerado que o rec.te, através dos documentos que havia entendido apresentar,
diversos dos que lhe haviam sido pedidos pela rec.da, não lograra fazer prova do
requisito legal de haver sido responsável directo por contabilidade organizada
durante o período legalmente previsto.
4. A referida decisão assentou na aplicação ao caso dos autos do previsto no
art. 1° da Lei n°27/98, tendo-se considerado, como se alegou, que 'face aos
elementos de prova que forneceu (o rec.te) não poderia ser inscrito como Técnico
Oficial de Contas ao abrigo daquele preceito'.
5. Aliás, por isso, o Acórdão recorrido revogou a sentença recorrida, por ter
entendido que a actuação da rec.da não havia violado o art. 1° da Lei n° 27/98,
contrariamente ao que havia sido decidido em 1ª instância
6. Assim sendo, não se verifica o pressuposto processual da aplicação, na
decisão recorrida, da norma cuja conformidade constitucional se pretende que
esse ilustre Tribunal Constitucional aprecie.
7. Acresce que o facto de o Supremo Tribunal Administrativo ter uma
interpretação do artigo 1° da Lei n° 27/98 coincidente com aquela que lhe foi
dada pelo regulamento interno da CTOC, cuja constitucionalidade o rec.te
pretende ver apreciada, não permite transformar aquele regulamento em objecto de
recurso de constitucionalidade.
8. Consequentemente, não deve esse Ilustre Tribunal, a exemplo do que já decidiu
em caso idêntico (proc. n° 145/02, 1ª Secção), tomar conhecimento do objecto
deste recurso.
Termos em que deve ser rejeitado o recurso interposto pelo rec.te.
Convidado a pronunciar-se sobre esta questão, diz o recorrente:
1. Não tem o menor sentido a tentativa da recorrida de tapar o sol com a
peneira, pretendendo demonstrar que o Acórdão recorrido não aplicou o
Regulamento e as suas normas cuja inconstitucionalidade foi suscitada,
repetidamente, nos autos.
2. O melhor é começarmos pelo acto impugnado nos autos que está contido em
ofício de fls. (doc. 1 junto com a p.i.) remetido ao recorrente em 11 de Agosto
de 1998 e de se transcreve:
'Porque aquele requisitos não podem comprovar-se por nenhum dos documentos
previstos no referido artigo 11º do Estatuto dos Técnicos Oficiais de Contas,
esta Associação, para cumprir com o mandato que a Lei lhe conferiu, emitiu o
Regulamento de que se junta cópia.
De acordo com aquele Regulamento a prova da responsabilidade directa pela
contabilidade organizada durante o período considerado relevante terá de ser
feita através da entrega com o requerimento de inscrição de cópias autenticadas
de declarações modelo 22 do IRC e/ou o anexo C às declarações modelo 2 do IRS,
assinadas pelo profissional de contabilidade no quadro destinado pelas mesmas ao
responsável pela escrita.
Verifica-se que a documentação apresentada por V. Ex.a. não está conforme com o
exigido pelos referidos Estatuto e Regulamento ...'
3. Claro fica, pois, que o acto impugnado nos autos aplicou o Regulamento em
causa (doc. 5 junto com a p.i.).
4. O recorrente só não viu admitida a sua inscrição como Técnico Oficial de
Contas na ATOC porque não dispunha dos documentos que, restritiva e ilegalmente,
o Regulamento exigia, ou seja, modelos 22 assinados pelo recorrente, exactamente
quando a lei o deixava de exigir.
5. Na verdade, como se decidiu no Acórdão do STA, de 16 de Abril de 2002,
proferido no Proc. 48.397:
«Não tendo a Associação dos Técnicos Oficiais de Contas competência legislativa
própria na matéria nem lhe tendo sido atribuída legalmente competência
regulamentar, o «regulamento» emitido pela Comissão Instaladora da ATOC
pretendendo regulamentar aquela Lei 27/8, não tem nenhuma relevância jurídica no
plano da apreciação da legalidade do acto impugnado.
Ora, nos termos do art. 1º o do citado diploma legal, os profissionais de
contabilidade que pretendam a sua inscrição como técnicos oficiais de contas
apenas têm que demonstrar, 'por qualquer meio de prova em direito admissível'
que foram, durante três anos seguidos ou interpolados, contados dentro do
período de 1 de Janeiro de 1989 até 17 de Outubro de 1995, individualmente ou
sob a forma de sociedade, responsáveis directos por contabilidade organizada,
nos termos do Plano Oficial de contabilidade, de entidades que naquele período
possuíssem ou devessem possuir contabilidade organizada.
A lei não estabelece como obrigatório qualquer meio de prova para a verificação
dos requisitos nela estabelecidos, não excluindo o uso de qualquer deles pelo
que todos são utilizáveis.
Uma vez que, como se diz no relatório preambular do DL 265/95, de 17 de Outubro
que aprovou o Estatuto dos Técnicos Oficiais de Contas, deixou de ser
obrigatória, a partir de 1989, a assinatura por técnicos de contas das
declarações fiscais, tendo desaparecido no plano institucional aquela figura do
técnico de contas, mas continuando as entidades a isso obrigadas a ter a sua
contabilidade organizada, é evidente que o profissional de contabilidade que
tinha a seu cargo ou tornava conta da organização da contabilidade dessas
entidades só perante elas passou a ser responsável pela organização da
respectiva contabilidade.
Isto é, com a entrada em vigor dos Códigos do Imposto sobre Rendimento das
Pessoas Colectivas e das Pessoas Singulares, em 1989, o profissional de
contabilidade que organizava as contas (a contabilidade) deixou de ter obrigação
de assinar as declarações fiscais das entidades para as quais prestava tal
serviço de contabilidade, deixando também de ser obrigado por tais declarações
perante a Administração Fiscal. Não há, portanto, qualquer documento que, no
período indicado no art. 1 ° da Lei 27/98, prove a responsabilidade directa ou
indirecta dos profissionais de contabilidade perante a Administração Fiscal,
pela organização da contabilidade de quaisquer entidades, porque essa
responsabilidade não existia. Responsável pela declaração era apenas o
contribuinte.
É claro que a assinatura do profissional de contabilidade, voluntariamente
aposta nas declarações fiscais mod. 22 e anexo C ao mod. 2, pode ser um meio de
prova atendível e relevante para demonstrar que o subscritor ou a sociedade de
que fazia parte tinham organizado a contabilidade que estava na base de tais
declarações, mas não é seguramente o único.
De outro modo não poderia ser provada a responsabilidade directa do requerente
pela organização da contabilidade de qualquer entidade no período tempo entre 1
de Janeiro e 17 de Outubro de 1995.
Ora se a lei estabelece como requisito da inscrição na ATOC o facto de o
requerente ter sido responsável directo pela contabilidade organizada também
durante aquele período isso implica que ele possa demonstrar que teve essa
qualidade durante esse lapso de tempo e que, o possa fazer nos mesmos termos que
relativamente a qualquer outro período legalmente relevante, por qualquer meio
de prova, não podendo ser excluída a apreciação de qualquer dos documentos de
prova apresentados pelo requerente que se reportam ao período legalmente
relevante'.
6. Apesar de ser assim, a ATOC recusou a prova decorrente dos documentos 7, 8, 9
e 10 juntos com a p.i. e a disponibilidade do recorrente para apresentar outras
provas e de fazer uso de outros meios de prova, como decorre do requerimento que
dirigiu à recorrida e juntou com a p.i. como doc.6.
7. Que o Acórdão recorrido fez aplicação do Regulamento e o considerou
inteiramente bem, decorre claramente do que se passa a transcrever daquele
aresto:
'... Daí a necessidade de ficar estabelecido, ainda que na forma de regulamento
de execução, a que a lei não obstava e em cujo âmbito este se manteve, quais os
elementos de prova a apresentar pelos profissionais de contabilidade para
efeitos da sua inscrição, de modo concreto e uniforme, por forma a evitar
desvios na apreciação dessa mesma norma.
Aliás, ao ora recorrido foi entregue cópia desse regulamento interno,
fixando-se-lhe prazo bastante para obter e apresentar em devido tempo os
documentos ali previstos, desde que viesse exercendo, como alega, a actividade
de técnico oficial de contas, pelo tempo previsto na lei, sendo certo que a
obtenção de tais documentos estava inteiramente ao alcance do ora recorrido'.
Demonstrado fica, pois, à saciedade, que o Acórdão recorrido aplicou um
Regulamento ilegal e inconstitucional, e normas do mesmo Regulamento cuja
ilegalidade inconstitucionalidade foi suscitada, a devido tempo, ao longo dos
autos, como se salientou no requerimento de fls..., de 2002-09-24, que aqui se
dá por inteiramente reproduzido.
A primeira questão que interessa resolver consiste em saber se, conforme
assevera a entidade recorrida, as normas acusadas de inconstitucionais não foram
aplicadas na decisão recorrida como sua ratio decidendi.
Não há dúvida de que o presente recurso tem um cariz particular, pois, não se
destinando a reapreciar a decisão recorrida, enquanto tal, visa unicamente
sindicar a solução dada a uma determinada questão de inconstitucionalidade
normativa, adequada e oportunamente suscitada no processo. Deve, por isso, o
recorrente indicar o exacto sentido normativo com que a norma foi aplicada, em
termos que permitam ao Tribunal enunciá-lo na decisão que proferir, por forma a
que se saiba qual o sentido da norma que não pode ser adoptado por ser
incompatível com a Constituição. Exige-se, portanto, que a norma tenha sido
aplicada, e de forma determinante, na decisão recorrida, pois só assim se
compreende que a procedência do recurso provoque a reformulação da decisão
mediante a aplicação de um sentido não inconstitucional da norma questionada.
Certo, porém, é que apesar de expressamente convidado a esclarecer esta matéria
através do despacho proferido a fls. 399, o recorrente não foi capaz de definir
a norma aplicada cujo sentido acusa de desconforme com a Constituição,
limitando-se a referir genericamente o preceito onde que a conteria, mediante a
afirmação que 'suscitou a questão da constitucionalidade e da legalidade, não
apenas do artigo 1° n.° 1 alínea d) e artigo 3° do Regulamento de Inscrição na
ATOC, mas mesmo de todo o Regulamento', mas sem especificar a concreta
formulação da norma ou normas que pretendia impugnar.
Ora, a verdade é que o acórdão da STA aqui recorrido não se apoiou em nenhum
preceito do referido regulamento para decidir como fez, pois encontrou
unicamente apoio legal na norma do artigo 1º da Lei 27/98, de 3 de Junho.
Diz-se no acórdão recorrido:
'[...]
2.1.2. Na sentença recorrida entendeu-se que a 'responsabilidade directa' a que
alude o art. 1º da Lei 27/98, de 3/6, não abrange responsabilidade pela
regularidade fiscal das contas do contribuinte obrigado a possuir contabilidade
organizada, o que só poderia verificar-se pelo facto de o profissional de
contabilidade ter assinado com o contribuinte, como responsável, as declarações
fiscais deste, pelo que não cabendo tal conceito naquela norma, o recurso
contencioso merecia provimento.
Vem o ora recorrente defender que o conceito de 'responsabilidade directa'
previsto na Lei 27/98 mais não é do que a assunção, por profissionais de
contabilidade, no período que foi de 01.01.89 até 17.1 0.95, da responsabilidade
pela fiabilidade de contabilidade de contribuinte sujeito a imposto sobre o
rendimento perante a Administração Fiscal, assunção de responsabilidade revelada
pela assinatura conjuntamente com o contribuinte das declarações fiscais deste
último, na qualidade de responsável pela contabilidade.
A questão coloca-se pelo facto de o recorrente contencioso, que apresentara
apenas declarações subscritas por pessoas ou entidades, relativas à sua
actividade de contabilista (fls. 37 a 42 dos autos) notificado para apresentar 3
cópias autenticadas de declarações modelo 22 do IRC e/ou o anexo C às
declarações modelo 2 do IRS ou certidão por cópia dessas declarações, emitida
pela Direcção Distrital de Finanças competente, de onde conste a assinatura do
candidato, número de contribuinte e a designação da entidade a que respeitam as
ditas declarações, referentes aos exercícios compreendidos entre os anos de 1989
a 1994, inclusive, cuja data de apresentação não seja posterior a 17.19.95,
requisito essencial ao deferimento do pedido de inscrição solicitado pelo ora
recorrido, não ter apresentado tais documentos, o que conduziu ao indeferimento
do pedido de inscrição.
Entendeu a ora recorrente que tais declarações eram insuficientes como elemento
de prova da responsabilidade directa por contabilidade organizada a que alude o
art. 1º da Lei 27/98, de 3/6.
Vejamos.
Posteriormente à entrada em vigor do DL. 265/95, de 17/10, diploma que aprovou o
Estatuto dos Técnicos Oficiais de Contas (ETOC) e cria a Associação dos Técnicos
Oficiais de Contas (ATOC), prevendo a inscrição nesta dos respectivos técnicos,
nas condições definidas no Estatuto, foi publicada a Lei 27/98, de 3/6, que veio
permitir que, a titulo excepcional, se admita a inscrição como técnico oficial
de contas de responsáveis directos por contabilidade organizada, nos termos do
Plano Oficial de Contabilidade, no período decorrido entre 1 de Janeiro de 1989
e 17 de Outubro de 1995, de entidades que possuíssem ou devessem possuir esse
tipo de contabilidade.
Com efeito, o art. 1º daquela Lei veio dispor:
No prazo de 90 dias a contar da publicação da presente lei, os profissionais de
contabilidade que desde 1 de Janeiro de 1989 e até à data da publicação do DL.
265/95, de 17 de Outubro, tenham sido, durante três anos seguidos ou
interpolados, individualmente ou sob a forma de sociedade, responsáveis directos
por contabilidade organizada, nos termos do Plano Oficial de Contabilidade, de
entidades que naquele período possuíssem ou devessem possuir contabilidade
organizada, podem requerer a sua inscrição como técnicos oficiais de contas na
Associação de Técnicos Oficiais de Contas (ATOC).
E o n° 1 do art. 2° do mesmo diploma dispõe:
Verificados os requisitos referidos no artigo 1°, não pode a inscrição como
técnicos oficiais de contas na ATOC, desde que requerida no prazo fixado, ser
recusada.
Ora o requisito fundamental previsto no art. 1º da Lei 27/98, é que os
interessados hajam sido responsáveis directos por contabilidade organizada,
requisito cuja prova não pode ser deixada ao critério dos interessados, antes se
impondo que esteja fixada a forma concreta de se fazer tal prova, dado que,
feita esta, a inscrição não pode ser recusada. Daí a necessidade de ficar
estabelecido, ainda que na forma de regulamento de execução, a que a lei não
obstava e em cujo o âmbito este se manteve, quais os elementos da prova a
apresentar pelos profissionais de contabilidade para efeitos da sua inscrição,
de modo concreto e uniforme, por forma a evitar desvios na apreciação dessa
mesma prova.
A exigência de apresentação de tais documentos, de modo uniforme a todos os
interessados na inscrição na ATOC, compreende-se ainda como forma de garantir o
preenchimento do conceito legal de responsável directo por contabilidade
organizada, contido no art. 1º da Lei 27/98, e assegurar o rigoroso cumprimento
da lei, desideratos que a admissão de quaisquer declarações de terceiros, como
meio de prova, seguramente não permitiria alcançar.
Aliás, ao ora recorrido foi entregue cópia desse regulamento interno,
fixando-se-lhe prazo bastante para obter e apresentar em devido tempo os
documentos ali previstos, desde que viesse exercendo, como alega, a actividade
de técnico oficial de contas, pelo tempo previsto na lei, sendo certo que a
obtenção de tais documentos estava inteiramente ao alcance do ora recorrido.
E através dos documentos que entendeu apresentar, diversos dos que lhe eram
pedidos pela entidade ora recorrente, não logrou o ora recorrido fazer prova do
requisito legal de haver sido responsável directo por contabilidade organizada
durante o período legalmente previsto.
Assim, mal andou a sentença recorrida ao decidir-se pela anulação do acto
recorrido com fundamento em violação do art. 1º da Lei 27/98.
Procedem, deste modo, as conclusões 5ª a 10ª da alegação da recorrente.
3. Termos em que se decide conceder provimento ao recurso, revogando-se a
sentença recorrida.
[...]'.
É, assim, bem claro que o aresto julgou que, para os efeitos do artigo 1º da Lei
27/98, de 3 de Junho, o requisito fundamental previsto no artigo 1º da Lei
27/98, é que os interessados hajam sido responsáveis directos por contabilidade
organizada, prova que o recorrente não logrou fazer: 'E através dos documentos
que entendeu apresentar, diversos dos que lhe eram pedidos pela entidade ora
recorrente, não logrou o ora recorrido fazer prova do requisito legal de haver
sido responsável directo por contabilidade organizada durante o período
legalmente previsto'.
Além das apontadas razões, acrescem as que, pela sua oportunidade, se
transcrevem do Acórdão 288/02, proferido em processo em tudo semelhante:
'[...]
3. Alega o reclamante, em primeiro lugar, que o acto administrativo praticado
pela Comissão de Inscrição da Associação de Técnicos Oficiais de Contas (ATOC) –
que indeferiu o pedido de inscrição do recorrente na ATOC – aplicou um
Regulamento, emitido pela Comissão Instaladora da ATOC, que contém preceitos que
sofrem de manifesta ilegalidade e inconstitucionalidade (n.º s 4 a 9 da
reclamação).
Simplesmente, a alegada circunstância de o referido acto administrativo ter
aplicado o mencionado Regulamento é irrelevante para a decisão da presente
reclamação.
Aquilo que competiria ao reclamante demonstrar era que a decisão judicial da
qual interpôs recurso para o Tribunal Constitucional aplicou o questionado
Regulamento, estando, consequentemente, preenchido o pressuposto processual cuja
falta se havia assinalado na decisão sumária ora reclamada – a aplicação, pela
decisão recorrida, da norma cuja conformidade constitucional se pretende que o
Tribunal Constitucional aprecie.
Ora tal demonstração manifestamente não resulta da afirmação de que o acto
administrativo impugnado nos autos aplicou o Regulamento. Sendo o acto
administrativo e a decisão judicial realidades diversas, não pode inferir-se
que, tendo no acto administrativo sido aplicada certa norma, necessariamente na
decisão judicial ela também foi aplicada. Especialmente quando é a própria
decisão judicial a considerar ser tal norma irrelevante para a apreciação de
certa questão, como sucedeu com a decisão recorrida.
Em segundo lugar, invoca o reclamante um acórdão do Supremo Tribunal
Administrativo, que considerou ilegal a limitação dos meios de prova dos
requisitos estabelecidos no artigo 1º da Lei n.º 27/98 (n.º 10 da reclamação).
Mas não se alcança em que medida a doutrina estabelecida em tal acórdão tem
repercussão na questão que agora cumpre resolver e que é a de saber se a decisão
ora recorrida aplicou o Regulamento da ATOC e se, portanto, está preenchido um
dos pressupostos processuais do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo
70º da Lei do Tribunal Constitucional.
Em terceiro lugar, alega o reclamante que a decisão recorrida, na medida em que
confirmou a sentença da 1ª instância e não admitiu todo e qualquer meio de
prova, pelo menos implicitamente aplicou o Regulamento cuja
inconstitucionalidade foi suscitada nos autos (n.º s 11 e 12 da reclamação).
Não se alcança também qual a base de sustentação de tal tese, atendendo a que –
como já atrás se disse – é a própria decisão judicial recorrida a considerar ser
tal Regulamento irrelevante para a apreciação da questão que tinha de apreciar,
bem como a considerar que os elementos de prova fornecidos pelo ora reclamante
apontavam no sentido do não preenchimento de um pressuposto fixado na lei para a
sua inscrição como técnico oficial de contas. Efectivamente, diz-se nessa
decisão (fls. 324 e seguintes) o seguinte:
“[...]
Assim, demonstrando que o recorrente, face aos elementos de prova que forneceu,
não poderia ser inscrito como técnico oficial de contas ao abrigo do artº 1º da
Lei 27/98 de 3 de Junho, por não preencher um dos pressupostos vinculados para
que tal pudesse ocorrer, seria, como é, irrelevante (e mostrava-se também
prejudicado atento o que cumpria decidir) indagar se as normas do Regulamento
que interpretou a aplicação daquela lei, subverteram o regime decorrente da Lei
27/98, concretamente por sofrerem, ou não, das inconstitucionalidades ou
ilegalidades, que o recorrente lhe imputa, pois que, independentemente das
normas fixadas naquele Regulamento, o seu pedido de inscrição, face ao exposto,
teria sempre que ser indeferido por falta de comprovação do pressuposto fixado
na lei que o regulamento pretendeu interpretar. Daí, a inverificação de nulidade
da sentença, por omissão de pronúncia (cf. n.º 1, al. d. do artº 668º do CPC),
como acima começou por se aludir.
Concluindo-se, pois, pela não verificação de um dos pressupostos vinculados que
a lei prescreve com vista à inscrição na ATOC como técnico oficial de contas,
não importa indagar se foram violados os princípios constitucionais da
igualdade, da boa fé, da responsabilidade das informações prestadas, da
auto-vinculação e o da interpretação abusiva da Lei 27/98 ou o da restrição dos
meios de prova. Efectivamente, perante a indemonstração do referido pressuposto
vinculado, e nos já enunciados termos, sempre a Administração teria de indeferir
a pretensão formulada ao abrigo do referido artº 1º da Lei 27/98 de 3 de Junho,
por não preenchimento do requisito atinente ao exercício efectivo daquele tipo
de actividade durante o período mínimo de 3 anos. No sentido que se vem
propugnando poderão ver-se os recentes acórdãos do STA, de 9 de Outubro de 2001
(rec. nº 47669) e de 4 de Dezembro de 2001 (rec.47670). [...]
Face ao exposto, deve concluir-se que bem andou a sentença recorrida quando
concluiu também pela improcedência do referido vício de forma.[...].”
Finalmente, alega o reclamante que se a lei dissesse o que diz o Regulamento,
para além dos demais vícios deste, seria também inconstitucional (n.º 13 da
reclamação).
Este argumento também nada releva para a decisão da presente reclamação.
Na verdade, se a lei aplicada no acórdão recorrido coincidisse com o Regulamento
e fosse inconstitucional, competiria ao reclamante pedir ao Tribunal
Constitucional que apreciasse a conformidade constitucional da norma dessa lei
que tivesse sido aplicada na decisão recorrida, não lhe sendo permitido, à luz
do que se dispõe na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal
Constitucional, optar por requerer a apreciação do Regulamento, pela mera
circunstância de, na sua perspectiva, o teor de tal Regulamento coincidir com o
teor da lei.
[...]'
É, assim, de concluir que a norma acusada de inconstitucional não foi aplicada
na decisão recorrida, tal como defende a entidade recorrida.
Em face do exposto, o Tribunal decide não conhecer do objecto do recurso. Custas
pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 UC.
Lisboa, 6 de Julho de 2005
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria João Antunes
Rui Manuel Moura Ramos
Maria Helena Brito
Artur Maurício