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Processo n.º 678/05
1.ª Secção
Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
1. O mandatário da lista do Partido Social-Democrata de Ponte de Lima para a
Eleição dos Órgãos das Autarquias Locais de 9 de Outubro de 2005 dirigiu ao Juiz
da Comarca, ao abrigo do n.º 3 do artigo 25° da LEOAL, aprovada pela Lei
Orgânica n.º 1/2001 de 14 de Agosto, o seguinte requerimento a impugnar a
'regularidade do processo eleitoral' relativamente à freguesia de Cabração do
mesmo concelho:
1° - Foi apresentada uma lista candidata à freguesia de Cabração por uma
entidade política concorrente.
2° - A Assembleia de Freguesia da mesma, nos termos do art. 21, n.º 1, da Lei
169/99, de 18 de Setembro, deve ser substituída pelo plenário dos cidadãos
eleitores, uma vez que tem menos de 150 eleitores.
3° - Com efeito, o Mapa 11-A/2005, de 27 de Junho de 2005, por obrigação legal
do art. 12, n.º 2 da Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14 de Agosto, fixou o número de
eleitores daquela freguesia em 145.
4° - Pelo que a Assembleia de Freguesia deve ser substituída pelo Plenário dos
Eleitores.
Nestes termos, deve ser retirada aquela candidatura, porque irregular, dando-se
procedência aos ulteriores efeitos legais.
Ouvida a mandatária da candidatura CABRAÇÃO NOSSA TERRA NT, contra-interessada,
foi proferido despacho do seguinte teor:
'Cabe proferir decisão sobre a impugnação de fls. 166 - por alegada falta de
número suficiente de eleitores na freguesia da Cabração - respondida a fls. 189
e seguintes.
Escora-se a reclamação no facto de o mapa l1-A/05, de 27 de Junho, ter fixado o
número de eleitores daquela freguesia em 145, caso em que seria de aplicar o
disposto no art. 21°, n.º1, Lei 169/99, de 18.09, substituindo-se a assembleia
de freguesia pelo plenário dos cidadãos eleitores (e tornando desnecessária a
realização de eleições).
Com efeito, prevê o art. 12°, n.º 2, Lei Orgânica 1/01, que “para as eleições
gerais o número de mandatos de cada órgão autárquico será definido de acordo com
os resultados do recenseamento eleitoral, obtidos através da base de dados
central do recenseamento eleitoral e publicados pelo Ministério da Administração
Interna no Diário da República com a antecedência de 120 dias relativamente ao
termo do mandato'.
Na execução desta norma, foi publicado o aludido mapa, que tem como referência a
data de 31 de Maio, conforme consta do seu preâmbulo. Ora, o recenseamento
eleitoral tem outra data limite, no caso o dia 9 de Agosto, por força do
disposto na respectiva lei, n.º 13/99, de 22.3, e a mandatária da lista
impugnada logrou juntar prova documental (fls. 198) de que, após o fecho do
recenseamento, o número de eleitores é de 154.
Assim, entende-se, face a este número - o único relevante para esta questão -
que a impugnação apresentada pelo mandatário do PSD no que respeita à freguesia
da Cabração não tem qualquer fundamento, pelo que se indefere.'
É deste despacho que vem interposto o presente recurso pelo mandatário da lista
do Partido Social-Democrata de Ponte de Lima, ao abrigo do disposto nos artigos
31º e seguintes da LEOAL, cuja alegação sintetiza da seguinte forma:
1.º Vem o presente recurso interposto da douta Decisão proferida nos autos por
se entender que se impõe a modificação da decisão do tribunal 'a quo',
relativamente ao número de eleitores da freguesia da Cabração, a qual se
impugna; e, subsidiariamente, por se entender que a assembleia de freguesia deve
ser substituída pelo plenário dos cidadãos eleitores.
2.º – Ponto de facto que o recorrente considera incorrectamente julgado:
O considerar-se, para efeitos da Eleição dos Órgãos das Autarquias Locais/2005,
a lista à assembleia de freguesia da Cabração, que deveria ser substituída pelo
plenário dos cidadãos eleitores, uma vez que o número de eleitores da mesma
freguesia, fixado pelo Mapa 11-A/2005, de 27 de Junho, é de 145.
3.º Com efeito, prescreve o art. 21º, n.º 1, da Lei 169/99, de 18 de Setembro
(LAL), que 'nas freguesias com 150 eleitores ou menos, a assembleia de freguesia
é ser substituída pelo plenário dos cidadãos eleitores”.
4.º Por outro lado, o art. 12.º, n.º 2, da Lei Orgânica n.º 1/2001, prevê que
'para as eleições gerais o número de mandatos de cada órgão autárquico será
definido de acordo com os resultados do recenseamento eleitoral, obtidos através
da base de dados central do recenseamento eleitoral e publicados pelo Ministério
da Administração Interna no Diário da República com a antecedência de 120 dias
relativamente ao termo do mandato.” (Sublinhado nosso).
5.º O Mapa 11-A/2005, publicado no Diário da República, em 27 de Junho de 2005,
na II série, com o n.º 121, 2° Suplemento, veio dar concretização e eficácia
àquela exigência legal; o número de eleitores ali referenciados é 145.
6.º Por este único motivo não foi constituída uma lista PSD àquela assembleia de
freguesia, porque a mesma, nos termos da lei, deverá ser substituída pelo
plenário dos cidadãos eleitores.
7.º O ora recorrente não impugna o facto de, em 10 de Agosto de 2005 início da
suspensão da actualização do recenseamento eleitoral - art. 5°, n.º 3, da Lei
13/99, de 22 de Março), a freguesia da Cabração ter 154 eleitores. Este número,
porém, não constitui critério para as respectivas eleições gerais, porque não
observou o disposto na lei: não fora publicado no Diário da República com a
antecedência de 120 dias relativamente ao termo do mandato.
8.º Ou seja, no entender do recorrente, o número de referência em causa, como
condição de eficácia, é aquele que foi definido de acordo com os resultados do
recenseamento eleitoral, obtidos através da base de dados do central do
recenseamento eleitoral, e publicados pelo Ministério da Administração Interna
no Diário da República, 120 dias antes dos termos dos mandatos, a despeito do
número de eleitores definido antes 120 dias em Diário da República ser diferente
do que se verificar no fecho do recenseamento.
9.º Neste sentido, o Mapa 11-A/2005, de 27-6-2005, publicado no Diário da
República estabeleceu eficazmente o número de 145 eleitores, como número de
referência para as presentes eleições.
10.º Na verdade, o Mapa referido supra consubstancia um acto administrativo
definitivo e executório, susceptível, por isso, de ser impugnado
tempestivamente. Se o não foi, já não o pode ser, uma vez que o processo
eleitoral desenvolve-se por etapas sucessivas, não podendo passar-se à fase
seguinte sem que esteja arrumada a precedente (Cfr. Acórdão do Tribunal
Constitucional, de 24-10-1988).
11.º Se, eventualmente, o número de eleitores, definido nos termos do art.12,
n.º 2, da Lei Orgânica 1/2001, não fosse verdadeiro, à comissão recenseadora da
freguesia da Cabração competia corrigir a irregularidade; o que não fez. Pelo
que o número de eleitores da mesma freguesia é de 145, devendo a respectiva
assembleia de freguesia ser substituída pelo plenário dos cidadãos eleitores.
12.º Face ao expendido supra, a decisão ora recorrida deverá ser revogada,
excluindo-se a lista em causa com os consequentes efeitos legais.
A douta Decisão recorrida deveria, pois, ter aplicado aquela interpretação da
norma legal, sendo que, não o tendo feito, violou os respectivos normativos.
Termos em que deve conceder-se integral provimento ao presente recurso,
modificando-se a decisão recorrida, em consequência revogar-se a douta decisão
recorrida, declarando-se excluída a lista à assembleia de freguesia da Cabração,
conforme ao acima expendido e como de Justiça.
O recurso foi admitido com subida imediata, nos próprios autos. Cumprido o
disposto no artigo 33º n.º2 da LEOAL, a mandatária da candidatura CABRAÇÃO NOSSA
TERRA NT apresentou contra-alegação a defender o despacho recorrido.
2. A questão a decidir reside em saber a que data se deve reportar a fixação do
número de eleitores para efeito da constituição da assembleia da freguesia.
Na verdade, depois de proclamar que os órgãos representativos da freguesia são a
assembleia de freguesia e a junta de freguesia (artigo 2º n.º 1 da Lei 169/99 de
18 de Setembro), prevê a mesma Lei que 'nas freguesias com 150 eleitores ou
menos a assembleia de freguesia é substituída pelo plenário dos cidadãos
eleitores' (artigo 21 n.º 1). Face a este regime legal, coloca-se a questão de
saber qual é o momento a que deve atender-se para determinar o número de
eleitores da freguesia para efeito de constituição da assembleia de freguesia,
ou da sua substituição pelo plenário dos eleitores, caso em que obviamente não
haverá esta eleição nem se admitirão listas a ela concorrentes.
É certo que esse elemento deve ser fixado com actualidade e que, portanto, o
momento relevante deverá situar-se próximo do do acto eleitoral. Mas é da maior
evidência que, pelo menos, essa data deve conceder aos partidos políticos, bem
como aos cidadãos que queiram concorrer à eleição, um prazo razoável para
preparar o sufrágio, e que, além disso, sendo tão relevante, o número de
eleitores deva ser estabelecido de forma pública, inequívoca e solene.
Ora, a lei eleitoral (LEOAL – aprovada pela Lei Orgânica n.º 1/2001 de 14 de
Agosto, artigo 12 n.º 2) resolveu este problema prevendo a publicação em Diário
da República, com a antecedência de 120 dias relativamente ao termo do mandato,
dos resultados do recenseamento eleitoral – isto é, do número de eleitores –
para efeito de fixação dos mandatos dos órgãos autárquicos. Dando execução a
este preceito, o Ministério da Administração Interna (pelo STAPE) fez publicar
no DR – II Série, de 27 de Junho de 2005, o Mapa n.º 11-A/2005 declarando que
'o número de eleitores inscritos no recenseamento eleitoral' na freguesia de
Cabração é de 145.
Deve, assim, ter-se por fixado o número de eleitores para efeito de determinar a
constituição da assembleia de freguesia.
Este Tribunal já teve, aliás, oportunidade de adoptar entendimento semelhante no
Acórdão n.º 599/2001 (DR – II Série, de 21 de Fevereiro de 2001):
'3 - Da matéria provada resulta claramente, tal como o recorrente alega, que a
Assembleia de Apuramento Geral, no tocante à eleição para a Assembleia de
Freguesia de Estremoz (Santa Maria), considerou e atribuiu 9 mandatos.
Fê-lo por ter atendido, na determinação do número de mandatos, ao número dos
eleitores constantes dos cadernos de recenseamento eleitoral, aplicando, depois
o critério previsto no artigo 5º n.º 1 da Lei n.º 169/99.
E, deste modo, sendo de 4988 o número daqueles eleitores, deliberou, face ao
citado dispositivo da Lei n.º 169/99, que o número de mandatos era de 9.
Outro seria o resultado se fosse tido em conta o número dos eleitores constantes
do referido Mapa n.º 36-A/2001 – 5008 – a que corresponderiam, de acordo com o
mesmo artigo 5º n.º 1 da Lei n.º 169/99, 13 mandatos, cabendo ao BE, conforme os
resultados da votação, o 13º mandato.
Fundamentou a Assembleia Geral de Apuramento a sua deliberação no disposto nos
artigos 146º n.º 1 alínea a) e 148º n.º 1 da LEOAL.
Mas erradamente, como sustenta o recorrente.
Dispõe, com efeito, o artigo 12º n.º 2 da LEOAL:
“2 – Para as eleições gerais o número de mandatos de cada órgão autárquico será
definido de acordo com os resultados do recenseamento eleitoral obtidos através
da base de dados central do recenseamento eleitoral e publicados pelo Ministério
da Administração Interna no Diário da República com a antecedência de 120 dias
relativamente ao termo do mandato.”
Em anotação a este preceito escrevem Maria de Fátima Abrantes Mendes e Jorge
Miguéis (“Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais, anotada e comentada”,
p. 27):
“O n.º 2 é uma importante inovação que vem estabelecer uma data de referência
para a definição do n.º de mandatos a eleger em cada órgão autárquico e com base
em resultados oficiais e consolidados, extraídos da base de dados central do RE,
institucionalizada pela Lei n.º 13/99 e que é gerida e mantida pelo STAPE/MAI.
Sendo a data da eleição incerta, optou-se por tomar como referência o final do
mandato dos órgãos”.
De facto, o preceito põe termo às dúvidas que se poderiam suscitar, no domínio
da legislação anterior, sobre o universo de eleitores que haveria de ser
considerado para determinar a composição de cada órgão autárquico; a
variabilidade do número de eleitores recenseados impunha, com efeito, a fixação
de uma data de referência e a publicação de um quadro oficial que,
independentemente das actualizações verificadas, permitisse a definição daquele
universo e, consequentemente, o número de mandatos a eleger.
E obviamente que tal data e quadro (mapa) deveriam anteceder a data que assinala
o início do prazo para apresentação das candidaturas, desde logo para permitir
que as forças políticas concorrentes pudessem cumprir a obrigação de indicar
candidatos em número igual ao dos mandatos a preencher no respectivo órgão e de
suplentes (artigo 12º n.º 1 da LEOAL).
Assim se compreende e justifica o disposto no n.º 2 do citado artigo 12º que,
para efeito da composição dos órgãos autárquicos, prevalece sobre o número,
eventualmente diferente, que conste dos cadernos eleitorais de que dispõem as
assembleias de apuramento; e nada em contrário resulta do disposto no artigo
146º n.º 1 alínea a) da mesma Lei que se limita a estabelecer, como uma das
operações do apuramento geral, a verificação do número total de eleitores
inscritos, não havendo aqui que atender ao referido mapa.'
Também no presente caso a variabilidade do número de eleitores recenseados impõe
a fixação de uma data de referência e a publicação de um quadro oficial que,
independentemente das actualizações verificadas, permita a definição daquele
universo e, consequentemente, a substituição da assembleia de freguesia pelo
plenário de eleitores.
Não há dúvida, portanto, que o número de eleitores a atender é aquele que consta
do mapa a que se refere o artigo 2º n.º 2 da LEOAL, ou seja, no Mapa n.º
11-A/2005, publicado no DR – II Série, de 27 de Junho de 2005: 145.
Nestes termos o Tribunal Constitucional decide conceder provimento ao recurso
interposto e revogar o despacho recorrido, devendo rejeitar-se a lista da
candidatura CABRAÇÃO NOSSA TERRA NT.
Lisboa, 12 de Setembro de 2005
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria Fernanda Palma
Vítor Gomes
Rui Manuel Moura Ramos
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Paulo Mota Pinto
Artur Maurício