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Processo n.º 1028/05
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
(Conselheiro Maria Fernanda Palma)
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1.Por acórdão de 19 de Outubro de 2005, o Supremo Tribunal Administrativo negou
provimento ao recurso jurisdicional interposto por A., natural da Ucrânia e
melhor identificada nos autos, da sentença proferida no 1.º Juízo Liquidatário
do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa que, por irrecorribilidade do acto
impugnado, rejeitou o recurso contencioso ali interposto da decisão do Inspector
Geral do Trabalho, datada de 3 de Setembro de 2003, que manteve a decisão do
Subdelegado do Barreiro do Instituto de Desenvolvimento e Inspecção das
Condições de Trabalho/Inspecção Geral do Trabalho (IDICT/IGT), a qual, por sua
vez, que indeferira um requerimento de depósito do contrato de trabalho para
efeito de concessão à trabalhadora, pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras
(SEF), de autorização de residência em território nacional. Consequentemente,
confirmou a sentença recorrida. Pode ler-se nesse aresto:
«(…)
2. A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:
a) Em 07.03.2003, foi entregue no IDICT cópia de um documento denominado
“contrato de trabalho a termo certo”, em que figuram como outorgantes “B., Lda.”
[e “A.”];
b) O documento foi acompanhado de cópias de documentos de identificação da
recorrente, de declarações de entidades patronais da mesma e de uma lista dos
documentos entregues intitulada “para legalização”;
c) Do “contrato de trabalho”, datado de 13.12.2002, consta, na cláusula 17.ª, o
seguinte: “O original e duas cópias são entregues no IDICT, para promover o
depósito de contrato ao abrigo da Lei n.º 20/98, de 12 de Maio, ficando a
efectiva resolução deste contrato dependente do deferimento do Depósito do
contrato por parte do IDICT”.
d) Em 09.04.2003, o Subdelegado do IDICT, do Barreiro, emitiu “informação
desfavorável”;
e) A recorrente recorreu hierarquicamente, para o Presidente do IDICT, da
decisão do Subdelegado do Barreiro (por lapso, refere-se ‘Delegado de Lisboa’)
do IDICT, referida na alínea anterior;
f) Por despacho de 03.09.2003, o Inspector-Geral do Trabalho indeferiu o recurso
hierárquico, mantendo a decisão do Subdelegado do Barreiro (por lapso, refere-se
‘Delegado de Lisboa’) do IDICT/IGT.
3. O objecto do presente recurso jurisdicional é a sentença, de fls. 116, ss.,
dos autos, que rejeitou, por ilegalidade da respectiva interposição, o recurso
contencioso do acto da autoria do Inspector Geral do Trabalho, que manteve
informação desfavorável do Subdelegado do Barreiro do IDICT/IGT, relativamente
ao depósito de contrato de trabalho, para efeito de concessão, pelo Serviço de
Estrangeiros e Fronteiras (SEF), de autorização de residência em território
nacional à recorrente, cidadã ucraniana. a notificação da entidade recorrida
para que junte aos autos cópia dos modelos T.F.1 e T.F.2, emitidos pela IGT. Com
o que renovou a pretensão qu
Na respectiva alegação [Concl. XXVII e al. a)], esta recorrente requereu e
anteriormente já formulara e que foi objecto de indeferimento, no despacho de
fls. 115, dos autos, o qual não foi objecto de impugnação, designadamente pela
recorrente, apesar de devidamente notificado, designadamente à recorrente (vd.
fls. 124, 128 e 129, dos autos).
Pelo que não se conhecerá daquele requerimento.
Assim sendo, a única questão a decidir consiste em saber se é ou não susceptível
de recurso contencioso o impugnado acto do Inspector Geral do Trabalho, que
manteve a referida informação/parecer do Subdelegado do Barreiro do IDICT/IGT.
A sentença recorrida considerou que, sendo tal parecer do IDICT/IGT obrigatório,
face ao disposto no art.º 55.º, n.º 1, al. a), do DL n.º 244/98, de 8.8 (red. DL
n.º 4/2001, de 10.1), não decorre deste preceito legal que esse mesmo parecer
seja vinculativo para a decisão a proferir pelo SEF. Pelo que, terá que
considerar-se não vinculativo, em conformidade com o disposto no art.º 98.º do
Código do Procedimento Administrativo (CPA), onde se estabelece que “2. Salvo
disposição expressa em contrário, os pareceres referidos na lei consideram-se
obrigatórios e não vinculativos”.
Assim, entendeu a sentença que o acto impugnado é meramente preparatório da
decisão final a proferir pelo SEF, carecendo, por isso, de alcance lesivo dos
direitos e interesses legalmente protegidos da interessada recorrente e sendo,
por consequência, insusceptível de impugnação contenciosa. Daí que tenha
decidido pela rejeição do recurso contencioso dele interposto.
Contra este entendimento da sentença, a recorrente, baseando-se em interpretação
de diversos preceitos do citado DL n.º 244/98, defende que o questionado parecer
do IDICT/IGT tem natureza vinculativa, e, sendo desfavorável, tem alcance lesivo
dos seus direitos e interesses legalmente protegidos. Assim, concluiu a
recorrente, a referida decisão do IGT constitui um acto administrativo
susceptível de recurso contencioso.
Adiante-se, desde já, que a razão está do lado da sentença recorrida, que
decidiu a suscitada questão em termos que correspondem ao entendimento, que
temos por acertado, afirmado já nos acórdãos desta 1.ª Secção, de 14.1.04, de
15.2.02 e de 31.5.05, proferidos, nos processos n.º 1575/03, n.º 788/05 e n.º
342/05, respectivamente.
Vejamos.
O Decreto-Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto, regulamentou a entrada, permanência,
saída e afastamento de estrangeiros do território nacional.
Na alínea f) do seu art.º 27.º e no art.º 36.º[1] prevê-se a possibilidade de
concessão de vistos de trabalho, que se destinam a permitir ao seu titular a
entrada em território português a fim de exercer temporariamente uma actividade
profissional, subordinada ou não, que conste de uma lista de oportunidades de
trabalho e sectores de actividade elaborada anualmente pelo Governo através de
um relatório, mediante parecer do Instituto do Emprego e Formação Profissional e
ouvidas as associações patronais e sindicais, visto esse [visto ser] válido para
múltiplas entradas em território português e que pode ser concedido para
permanência até um ano.
A concessão de vistos de trabalho para exercício de uma actividade profissional
subordinada, que não se insira no âmbito do desporto ou dos espectáculos, como
era o caso da referida nos autos[2], carece de consulta prévia ao Serviço de
Estrangeiros e Fronteiras – art.º 37.°, alíneas a), b) e d), e 40.°, alínea a),
daquele diploma.
De harmonia com o disposto no art.º 55.°, n.º 1, do mesmo diploma, até à
aprovação do relatório governamental previsto no artigo 36.° e em casos
devidamente fundamentados, pode ser autorizada a permanência a cidadãos
estrangeiros que não sejam titulares de visto adequado e que reúnam as condições
aí indicadas, entre as quais se inclui a de serem “titulares de proposta de
contrato com informação da Inspecção-Geral do Trabalho” – alínea a) deste
número.
No caso em apreço, foi de uma informação emitida no âmbito desta alínea a) pelo
Subdelegado do Barreiro do IDICT/IGT que a recorrente interpôs recurso
hierárquico, em que veio a ser praticado o acto recorrido, da autoria do
Inspector Geral do Trabalho.
Na sentença recorrida, entendeu-se que essa informação, que é obrigatória, não
tem carácter vinculativo para a decisão final a proferir pelo Serviço de
Estrangeiros e Fronteiras, sobre a autorização de permanência em território
nacional.
E, como antes de se disse, é acertado este entendimento.
Como bem se decidiu, face ao referido quadro legal e perante situação idêntica à
dos presentes autos, no referido acórdão de 14.1.03, invocado pela sentença
impugnada:
De harmonia com o disposto no art.º 98.° do C.P.A., “os pareceres são
obrigatórios ou facultativos, consoante sejam ou não exigidos por lei; e são
vinculativos ou não vinculativos, conforme as respectivas conclusões tenham ou
não de ser seguidas pelo órgão competente para a decisão” e, “salvo disposição
expressa em contrário, os pareceres referidos na lei consideram-se obrigatórios
e não vinculativos”.
Como resulta do preceituado no corpo do n.º 1 daquele art.º 55.°, ao estabelecer
que “pode ser autorizada a permanência a cidadãos estrangeiros que não sejam
titulares de visto adequado e que reúnam as seguintes condições”, o
preenchimento de todas as condições arroladas nas cinco alíneas seguintes é
indispensável para viabilizar a autorização de permanência. Por isso, a obtenção
do referido parecer da Inspecção Geral do Trabalho tem de ser considerada
obrigatória.
No entanto, não se faz depender esta viabilidade de a informação da Inspecção
Geral do Trabalho ser favorável à pretensão de permanência, nem nada se refere
quanto ao carácter vinculativo ou não do referido parecer para o Serviço de
Estrangeiros e Fronteiras, quer ele seja favorável quer seja desfavorável.
Assim, na falta de qualquer disposição expressa que revele tal carácter
vinculativo, por força do preceituado no n.º 2 do art.º 98.° do C.P.A. tem de
entender-se que aquele parecer é obrigatório, mas não vinculativo.
Isto é, o interessado não pode obter a autorização de permanência sem que tal
parecer seja proferido, mas o facto de ele ser desfavorável não vincula o
Serviço de Estrangeiros e Fronteiras a uma decisão de indeferimento do pedido de
autorização. Nestas condições, é manifesto que o referido parecer não afecta a
esfera jurídica de qualquer dos interessados na concessão da autorização de
permanência, pois só a decisão final do procedimento tem tal potencialidade.
Assim, aquele parecer tem de ser considerado um mero acto preparatório da
decisão final do procedimento tem tal potencialidade.
Assim, aquele parecer tem de ser considerado um mero acto preparatório da
decisão final do procedimento, sem lesividade autónoma.
5 – O n.º 1 do art.º 25.° da LPTA estabelece a regra de que só os actos
definitivos, em todos os aspectos, são contenciosamente impugnáveis.
Porém, o art.º 268.°, n.º 4, da C.R.P. assegura o direito dos administrados ao
recurso contencioso de todos os actos administrativos que lesem os seus direitos
ou interesses legalmente protegidos.
Assim, por força do preceituado neste n.º 4 do art.º 268.° da C.R.P, não pode
deixar de se admitir a impugnabilidade contenciosa imediata de actos lesivos,
que são actos que têm efeitos negativos na esfera jurídica dos particulares.
Esta norma é um corolário, no domínio do contencioso administrativo, do
princípio geral, enunciado no n.º 1 do art.º 20.° da C.R.P., do direito dos
cidadãos a aceder aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses
legalmente protegidos.
Este direito de acesso aos tribunais, embora não englobado no Título II da Parte
I da Constituição, destinado aos “direitos, liberdades e garantias” é,
inquestionavelmente, um direito análogo a estes, uma vez que é, ao fim e ao
cabo, a primacial garantia da consagração prática de todos os direitos e
liberdades. Por isso, por força do preceituado no art.º 17.° da Constituição,
que estabelece que “o regime dos direitos, liberdades e garantias aplica-se aos
enunciados no título II e aos direitos fundamentais de natureza análoga”, o
direito de acesso aos tribunais está sujeito ao disposto no n.º 2 do art.º 18.°
que estabelece que “a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias
nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições
limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses
constitucionalmente protegidos”.
A esta luz, a restrição que o art.º 25.°, n.º 1, da L.P.T.A. faz ao direito de
acesso aos tribunais só é compaginável com estas normas constitucionais, se
afastar a possibilidade de recurso contencioso em casos em que ele não seja
necessário para assegurar a tutela judicial dos direitos, mas não afaste essa
possibilidade nos casos em que o interessado necessite dele para assegurar tais
direitos.
Assim, este n.º 1 do art.º 25.° contém um condicionamento do direito ao recurso
contencioso que visa apenas afastar a possibilidade de uso de tal meio
processual nos casos em que ele é desnecessário.
Por isso, este condicionamento não é proibido pela Constituição, pois não impede
o exercício do direito de impugnação contenciosa de actos lesivos, antes sendo
uma medida que visa optimizar a tutela judicial, através do afastamento da
possibilidade de acesso aos tribunais quando ele é desnecessário[3].
6 – Freitas do Amaral, em Direito Administrativo, volume III, 1989, páginas
209-212, refere três aspectos diferentes da definitividade dos actos
administrativos, cumulativamente necessários para permitir a qualificação de um
acto como definitivo:
- definitividade em sentido horizontal, que se consubstancia em o acto ser o
termo do procedimento administrativo;
- definitividade vertical que consiste em o acto ser praticado por quem ocupa a
posição suprema na hierarquia;
- definitividade material que existe quando o acto é definidor de situações
jurídicas.
O mesmo Autor define acto materialmente definitivo “o acto administrativo que,
no exercício do poder administrativo, define a situação jurídica de um
particular perante a Administração, ou da Administração perante um particular”,
acto horizontalmente definitivo “o acto administrativo que constitui resolução
final de um procedimento administrativo, ou um incidente autónomo desse
procedimento, ou ainda que exclui um interessado da continuação num procedimento
em curso” e acto verticalmente definitivo “aquele que é praticado por um órgão
colocado de tal forma na hierarquia que a sua decisão constitui a última palavra
da Administração activa”[4].
O referido parecer do Senhor Delegado do Instituto de Desenvolvimento e
Inspecção das Condições de Trabalho de Lisboa, que foi objecto do recurso
hierárquico em que foi praticado o acto impugnado, não é um acto lesivo, directa
ou indirectamente, pois ele não produz, por si mesmo, qualquer efeito na esfera
jurídica dos destinatários nem determina o sentido da decisão final.
Por outro lado, este parecer também não é um acto horizontal e materialmente
definitivo, pois não concede nem recusa a autorização de permanência e a sua
emissão não dispensa a prática de um outro ulterior acto procedimental que
contenha uma decisão final, num sentido ou noutro.
Por isso, o referido parecer não pode ser considerado como acto material e
horizontalmente definitivo, nem lesivo, pelo que tem de ser considerado como um
mero acto preparatório, que não é contenciosamente recorrível.
Sendo assim, tem de se considerar correcta a posição assumida na sentença
recorrida.
Assim sendo, conclui-se que a alegação da recorrente é totalmente improcedente.
4. Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso jurisdicional,
confirmando a sentença recorrida.»
[notas de rodapé no original]
2.Inconformada, a recorrente interpôs o presente recurso para o Tribunal
Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei
de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, pretendendo
ver apreciada a constitucionalidade do n.º 1 do artigo 25.º da Lei de Processo
dos Tribunais Administrativos, por entender que a interpretação que dela é feita
pelo Supremo Tribunal Administrativo “é materialmente desconforme ao disposto no
art.º 268.º, n.º 4, da CRP”. Notificada para alegar, concluiu nos seguintes
termos:
«(…)
I. O que aqui se discute nas presentes alegações é a violação do princípio
da plenitude da garantia jurisdicional administrativa, consagrado no art.º
268.º, n.º 4, da CRP.
II. Diz o n.º 2 do art.º 18.º da CRP que “a lei só pode restringir os direitos,
liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição,
devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos
ou interesses constitucionalmente protegidos”. (sublinhado nosso)
III. A Constituição não prevê, em qualquer lugar, a
possibilidade de se restringir o direito constitucional dos administrados à
tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente
protegidos, antes pelo contrário.
IV. O disposto no n.º 4 do art.º 268.º da CRP
obsta à possibilidade de se restringir o direito constitucional dos
administrados ao recurso contencioso de todos os actos administrativos que lesem
os seus direitos ou interesses legalmente protegidos, ao garantir a plenitude da
tutela efectiva desses direitos e interesses legalmente protegidos.
V. Entendeu o Supremo Tribunal Administrativo (STA) que o acto impugnado não é
um acto lesivo, nem um acto definitivo, sendo antes um mero acto preparatório,
que não é contenciosamente recorrível, nos termos do art.º 25.º, n.º 1, da LPTA.
VI. Entende a recorrente que a aplicação do
disposto naquele preceito, in casu, é inconstitucional na interpretação que lhe
foi dada pelo acórdão sob recurso, por violação do art.º 268.º, n.º 4, da
Constituição da República Portuguesa (CRP).
VII. Os Tribunais Administrativos bem sabem que o SEF
não recepciona, sequer, os processos que vêm do IDICT com informação
desfavorável.
VIII. A figura jurídica da autorização de permanência surge
no âmbito de uma situação de facto, a existência de milhares de cidadãos
estrangeiros indocumentados a trabalhar em Portugal – como resulta claramente da
Resolução de Conselho de Ministros n.º 164/2001 e do Preâmbulo do Decreto‑Lei
n.º 4/2001, de 10/01.
IX. Diz a Resolução de Conselho de Ministros n.º
164/2001 que “Considerando que desde a entrada em vigor das alterações
introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 4/2001, de 10 de Janeiro, ao Decreto-Lei n.º
244/98, de 8 de Agosto, até ao final de Julho de 2001, já foram concedidas cerca
de 86.000 autorizações de permanência, encontrando-se presentemente em fase de
apreciação um número superior a 19.000 pedidos de concessão de autorização de
permanência;”
X. Decorre do Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 4/2001, de 10/01, que o que se
pretendeu com estas introduções foi “garantir os direitos e interesses que se
pretenderam salvaguardar aquando da elaboração dos referidos diplomas legais
tendo em vista a evolução do fenómeno migratório verificado em Portugal.”
XI. Se por um lado a figura da autorização de
permanência surge como uma norma excepcional, porque visa fazer face a uma
situação real e concreta, de outro lado é uma figura jurídica mais precária do
que a concessão de visto de trabalho.
XII. Se atendermos à tramitação da obtenção de visto
de trabalho, nomeadamente do tipo IV, e no qual o contrato de trabalho sub
judice se insere, constatamos que no âmbito do n.º 1 do art.º 43.º do
Decreto-Lei n.º 244/98, o visto de trabalho IV só é concedido com parecer
favorável da Inspecção Geral do Trabalho. (sublinhado nosso).
XIII. Decorre claramente da Lei, respeitando o preceituado
no art.º 98.º, n.º 2, do CPA, que no caso de obtenção de visto de trabalho IV o
parecer da IGT não só é obrigatório como também vinculativo.
XIV. Uma vez que as tramitações, quer do visto de
trabalho quer da autorização de permanência, exigem que os respectivos processos
se façam no âmbito do mesmo Decreto-Lei, o 244/98, e passem pelas mesmas
entidades, IGT e SEF, bem se compreende que o SEF exija um parecer favorável
daquela entidade quando decorre da lei que para o visto de trabalho esse parecer
favorável para além de obrigatório é vinculativo de acordo com o art.º 43.º do
Decreto-Lei n.º 244/98.
XV. E nem se alegue que a regra do art.º 55.º é de
natureza excepcional e por isso nunca comportaria analogia. Na verdade é de se
fazer uma interpretação extensiva do que resulta do art.º 43.º do Decreto-Lei
n.º 244/98 com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 4/2001, de 10/01.
XVI. Atendendo a que a tramitação do visto de trabalho
bem como a autorização de permanência se baseiam no mesmo Decreto-Lei e ambas
passam pelas mesmas entidades resulta que o legislador, ao formular a norma,
disse menos do que queria e claro está que se para o visto de trabalho se exige
o parecer favorável do IGT também para a autorização de permanência o exigirá.
XVII. E outro argumento entende a recorrente existir a seu
favor quando nos deparamos com o descrito no n.º 7.º do art.º 55.º do
Decreto-Lei n.º 244/98, O contrato de trabalho deve ser elaborado nos termos do
disposto na Lei n.º 20/98, de 12/05...”.
XVIII. Diz o art.º 4.º, n.º 1, que “A entidade empregadora deve,
previamente à data do início da actividade pelo trabalhador estrangeiro,
promover o depósito do contrato de trabalho na delegação ou
subdelegações...IDICT”.
XIX. Continua o n.º 2: “Depositado o contrato de
trabalho, um exemplar selado fica arquivado nos serviços do IDICT e dois
exemplares são devolvidos à entidade empregadora com o averbamento e número de
depósito, devendo esta fazer a entrega de uma ao trabalhador”.
XX. Conclui o n.º 3: “Considera-se tacitamente
deferido o pedido de depósito do contrato de trabalho quando, decorridos 30 dias
sobre a data da apresentação do requerimento respectivo no serviço competente do
IDICT, não for proferida decisão de aceitação ou recusa.” (sublinhado nosso)
XXI. O que decorre da conjugação destes números é que,
para que seja atribuído um número e consequentemente o averbamento do depósito
do contrato de trabalho de cidadão estrangeiro é necessário que seja proferida
“decisão de aceitação”, leia-se parecer favorável, para que o processo de
legalização siga a sua tramitação legal.
XXII. Dada a importância do parecer do IDICT (vd. art.º 4.º,
n.º 1, 2 e 3, da Lei n.º 20/98), no sentido de viabilizar ou não a legalização
de trabalhador estrangeiro, é que o legislador entendeu fugir à regra do
indeferimento tácito e considerar que no caso de omissão de aceitação ou recusa
no prazo de 30 dias, se devia considerar tal parecer favorável concedido ou
aceite.
XXIII. Diz o art.º 55.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º
244/98, de 08/08, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 4/2001,
de 10/01, que “Até à aprovação do relatório previsto no art.º 36.º, e, em casos
devidamente fundamentados, pode ser autorizada a permanência a cidadãos
estrangeiros que não sejam titulares de visto adequado que reúnam as seguintes
condições: a) Sejam titulares de proposta de contrato com informação da
Inspecção-geral de Trabalho;”
XXIV. Diz o art.º 55.º, n.º 7, que “O contrato de trabalho deve
ser elaborado nos termos do disposto na Lei n.º 20/98, de 12/05...”.
XXV. Sendo certo que o art.º 4.º, n.º 1, da Lei n.º 20/98,
de 12/05 diz que “A entidade empregadora deve, previamente à data do início da
actividade pelo trabalhador estrangeiro, promover o depósito do contrato de
trabalho na delegação ou subdelegações...IDICT” (sublinhado nosso)
XXVI. Por sua vez o n.º 3 do art.º 3.º da citada Lei, exige que
ao contrato de trabalho seja apenso documento comprovativo do cumprimento das
disposições legais, relativas à entrada e à permanência ou residência do cidadão
estrangeiro em Portugal.
XXVII. O art.º 55.º do Decreto-Lei n.º 244/98 por um lado exige, no
seu n.º 7, que o contrato de trabalho seja elaborado de harmonia com o disposto
na Lei n.º 20/98, de outro lado, no seu n.º 1, exige que os cidadãos
estrangeiros sejam titulares de proposta de contrato de trabalho, com informação
da IGT. Ou bem que o processo de depósito de contrato de trabalho se inicia pelo
IGT ou bem que se inicia pelo SEF.
XXVIII. Note-se que do n.º 5 do art.º 55.º decorre, ainda, que após a
concessão de autorização de permanência o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras
notificará a entidade empregadora, para efeitos de comunicação ou de depósito do
contrato, quando exigível (sublinhado nosso).
XXIX. Bem sabe a entidade recorrida como os tribunais
administrativos, que o processo de regularização de um cidadão estrangeiro, para
obter visto de autorização de permanência, se inicia com o depósito de contrato
de trabalho ou pedido de informação favorável a esse mesmo depósito, condição
essencial para seguir os trâmites legais para o SEF, aliás como resulta
claramente de todo o art.º 55.º.
XXX. Se atendêssemos apenas ao teor literal da alínea a) do
n.º 1 do citado art.º 55.º, os cidadãos estrangeiros que apresentassem propostas
de trabalho, ou seja, qualquer cidadão estrangeiro que já tivesse celebrado
contrato de trabalho com a entidade patronal, que já se encontrasse a executar
esse mesmo trabalho, pagando impostos e contribuindo para o sistema da Segurança
Social, ficaria desde logo impedido de recorrer à figura da autorização de
permanência.
XXXI. São considerados actos administrativos, as decisões dos
órgãos da Administração, que ao abrigo de normas de direito público, visem
produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta, de acordo com o
disposto no artigo 120.º do CPA.
XXXII. É pacífico que a decisão do Inspector-Geral do Trabalho que
manteve o indeferimento do requerimento para obtenção de parecer favorável,
sobre o contrato de trabalho da recorrente, constitui um acto administrativo, ou
seja, trata-se de uma decisão de um ente administrativo que, ao abrigo de normas
de direito público, visa produzir efeitos jurídicos numa situação individual e
concreta.
XXXIII. Após a revisão constitucional de 1989, o critério de selecção dos
actos administrativos que se consideram contenciosamente impugnáveis, deixou de
assentar nas características da definitividade e da executoriedade do acto, para
passar a determinar-se pela virtualidade de o acto em causa lesar direitos ou
interesses legalmente protegidos.
XXXIV. E tanto assim é, que o legislador no novo Código de Processo nos
Tribunais Administrativos, no art.º 51.º, n.º 1, veio consagrar o princípio da
plenitude da tutela jurisdicional, em harmonia com o disposto no n.º 4 do art.º
268.º da CRP, determinando o recurso de actos administrativos susceptíveis de
lesar direitos e interesses legalmente protegidos. (sublinhado nosso)
XXXV. De acordo com o n.º 4 do artigo 268.º da CRP o acto lesivo é
susceptível de recurso contencioso.
XXXVI. É um acto lesivo, o acto administrativo que produz efeitos
negativos na esfera jurídica do interessado, afectando os seus direitos ou
interesses legalmente protegidos.
XXXVII. A emissão de um parecer favorável ou desfavorável por parte da
Inspecção-Geral do Trabalho é um dos muitos actos que formam o procedimento
administrativo, definido no artigo 1.º, n.º 1, do CPA.
XXXVIII. Para a recorrente, a emissão de um
parecer desfavorável sobre o seu contrato de trabalho, uma das condições para a
sua autorização de permanência em território português, constitui,
inequivocamente, um acto lesivo.
XXXIX. O n.º 1 do artigo 25.º da LPTA, tem de ser interpretado de
harmonia com o n.º 4 do artigo 268.º da CRP, sendo recorríveis os actos que,
independentemente da sua forma, tenham idoneidade para, só por si, lesarem
direitos ou interesses legítimos dos particulares.
XL. São recorríveis, todos os actos administrativos
que afectem os direitos ou interesses legalmente protegidos dos particulares e,
o que determina a sua recorribilidade são os efeitos que deles decorrem e o seu
carácter lesivo, independentemente de o acto ser definitivo ou executório.
XLI. Termos em que deve ser declarada a
inconstitucionalidade da norma constante do art.º 25.º, n.º 1, da LPTA, na
interpretação que lhe foi dada pelo Tribunal a quo, por violação do art.º 268.º,
n.º 4, da Constituição da República Portuguesa.»
Nas suas contra-alegações, concluiu o Inspector-Geral do Trabalho:
«- a informação/parecer do Senhor Delegado do Instituto de Desenvolvimento e
Inspecção das Condições de Trabalho de Lisboa que foi objecto do recurso
hierárquico em que foi praticado o acto impugnado não é um acto lesivo, directa
ou indirectamente, pois ele não produz efeito na esfera jurídica de A., nem
determinou a decisão final de autorização de permanência a praticar pelo Serviço
de Estrangeiros e Estrangeiros.
- constituindo um acto intercalar do procedimento, preparatório da decisão final
e sem carácter vinculativo, a informação/parecer da IGT pode ou não ser
considerada pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras na produção do acto final
que culmina o procedimento de autorização de permanência, acto esse sim que
afecta de forma lesiva a esfera jurídica de A., e portanto, recorrível
contenciosamente.
Nestes termos, e nos melhores de direito não deve a norma em referência ser
declarada inconstitucional, quando interpretada e aplicada no sentido de não
impedir o exercício do direito de impugnação contenciosa de actos lesivos, mas
tão somente afastar a possibilidade de acesso aos tribunais quando esta é
desnecessária, optimizando assim a via judicial efectiva.»
3.Já no Tribunal Constitucional foi elaborado, pela Relatora, o “memorando” que
se transcreve:
«1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos
do Supremo Tribunal Administrativo, em que figura como recorrente A. e como
recorrido o Inspector-Geral do Trabalho, é submetido à apreciação do Tribunal
Constitucional a norma do artigo 25.º da Lei de Processo nos Tribunais
Administrativos interpretada no sentido de ser irrecorrível um acto preparatório
da decisão final da Administração (nos autos está em causa uma informação
desfavorável do Delegado da Inspecção-Geral do Trabalho sobre um contrato de
trabalho, do qual a recorrente é parte, no âmbito de um processo de autorização
de permanência em território nacional de cidadão estrangeiro).
Pela essencial das razões constantes do voto de vencida aposto no Acórdão n.º
115/96, reiterado no Acórdão n.º 40/01, entendo que a norma que constitui
objecto do presente recurso de constitucionalidade é inconstitucional, por
violação do n.º 4 do artigo 268.º da Constituição.
É verdade que nesses arestos, nos quais as questões subjacentes se relacionavam
com a contagem do tempo de serviço no âmbito de um processo de aposentação e com
a aprovação de um projecto de arquitectura no âmbito de um processo de
licenciamento de construção, respectivamente, a questão da vinculatividade do
acto preparatório não se colocou como surge no presente recurso. Com efeito,
nestes autos o tribunal recorrido assumiu que o acto preparatório (o parecer
desfavorável sobre o contrato de trabalho) não vincula a decisão final do
processo de autorização de permanência de estrangeiro em território nacional.
No entanto, é inegável que o parecer desfavorável proferido fragiliza a posição
da recorrente, repercutindo-se negativamente nas possibilidades de procedência
da pretensão deduzida (o pedido de autorização de permanência). Ora, o juízo de
constitucionalidade a formular não pode evitar a ponderação dessa circunstância.
2. Reitero assim o entendimento constante do voto de vencida referido, acrescido
das presentes considerações, propugnando a inconstitucionalidade da norma em
apreciação.»
Inscrito o processo em tabela, e após mudança de Relator, cumpre apreciar e
decidir.
II. Fundamentos
4.A dimensão normativa em causa nos presentes autos corresponde à norma do
artigo 25.º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, aprovada pelo
Decreto‑Lei n.º 267/85, de 16 de Julho, interpretada no sentido de não admitir
recurso contencioso contra uma informação/parecer desfavorável da
Inspecção-Geral do Trabalho sobre um contrato de trabalho, do qual a recorrente
é parte, no âmbito de um procedimento de autorização de permanência em
território nacional de cidadão estrangeiro, com fundamento em que se trata de um
acto meramente preparatório, que não produz efeitos na esfera jurídica do
administrado, não sendo vinculante para a decisão final sobre a autorização de
permanência, a tomar pelo Serviço de Estrangeiros e Estrangeiros.
A recorrente rematou as suas alegações de recurso defendendo, entre o mais, que
“decorre claramente da Lei, respeitando o preceituado no art.º 98.º, n.º 2, do
CPA, que no caso de obtenção de visto de trabalho IV o parecer da IGT não só é
obrigatório como também vinculativo” (conclusão XIII) e que, para si, “a emissão
de um parecer desfavorável sobre o seu contrato de trabalho, uma das condições
para a sua autorização de permanência em território português, constitui,
inequivocamente, um acto lesivo” (conclusão XXXVIII). O tribunal recorrido
entendeu, porém, que “na falta de qualquer disposição expressa que revele tal
carácter vinculativo, por força do preceituado no n.º 2 do art.º 98.° do C.P.A.,
tem de entender-se que aquele parecer é obrigatório, mas não vinculativo”, e que
“o referido parecer não pode ser considerado como acto material e
horizontalmente definitivo, nem lesivo, pelo que tem de ser considerado como um
mero acto preparatório, que não é contenciosamente recorrível.”
Recorde-se que a aplicação de uma determinada norma ou dimensão normativa pelo
tribunal recorrido – e o seu entendimento ou interpretação – constituem para o
Tribunal Constitucional um dado, que este Tribunal tem de aceitar como base para
o recurso de constitucionalidade, que visa apenas a apreciação da
constitucionalidade de normas. Como se escreveu já no Acórdão n.º 44/85
(publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 5º vol., p. 408):
“(…) Para o Tribunal Constitucional a norma de direito infra-constitucional que
vem questionada no recurso é um dado; cabe-lhe apenas verificar se essa norma é
ou não inconstitucional. Saber se essa norma era ou não aplicável ao caso, se
foi ou não bem aplicada, isso é da competência dos tribunais comuns, e não do
Tribunal Constitucional. Em princípio, o Tribunal Constitucional não pode
censurar o modo como os restantes tribunais aplicam o direito
infra-constitucional; apenas lhe compete controlar o modo como eles aplicam (ou
não) o direito constitucional.”
Tendo, pois, o tribunal recorrido assumido que o acto em causa é um acto
preparatório – a informação/parecer sobre o contrato de trabalho – que não
vincula a decisão final da Administração (do procedimento de autorização de
permanência de estrangeiro em território nacional), o Tribunal Constitucional
não pode no presente recurso alterar tal entendimento, que constitui um
pressuposto da dimensão normativa impugnada.
Assim sendo, importa recordar que, no acórdão n.º 283/2001 (publicado no Diário
da República, II Série, de 8 de Novembro de 2001, e disponível em
www.tribunalconstitucional.pt), este Tribunal decidiu, num caso em que estava em
causa dimensão interpretativa substancialmente idêntica à ora em apreciação, não
julgar inconstitucional a norma do n.º 1 do artigo 25.º da Lei de Processo nos
Tribunais Administrativos (no caso, interpretada no sentido de considerar
irrecorrível uma deliberação do Conselho Científico da Faculdade de Direito de
Lisboa de não propor uma renovação do contrato do então recorrente, por não ser
essa deliberação imediatamente lesiva dos seus direitos e interesses legalmente
protegidos, mas tão-só eventual). Pode ler-se na respectiva fundamentação:
«2.1. Assim delimitado o objecto do recurso, ou seja, restrito à interpretação
normativa do artigo 25.º, n.º 1, da LPTA, no sentido de considerar irrecorrível
a deliberação do Conselho Científico da Faculdade de Direito de Lisboa, de 12 de
Março de 1986, de não propor a renovação do contrato do recorrente, não sendo
esta imediatamente lesiva dos seus direitos e interesses legalmente protegidos,
mas tão só eventual, vejamos, então, se este entendimento afronta o disposto no
n.º 4 do artigo 268.º da Constituição.
As questões convocadas pelo recorrente foram já objecto de apreciação neste
Tribunal pelos acórdãos n.ºs 9/95 (publicado no Diário da República, II Série,
de 22 de Março de 1995), 603/95 (publicado no Diário da República, II Série, de
14 de Março de 1996), 115/96 (publicado no Diário da República, II Série, de 6
de Maio de 1996) e 32/98 (publicado no Diário da República, II Série, de 9 de
Março de 1998), entre outros.
Conforme se conclui no acórdão 9/95, a respeito da garantia consagrada no artigo
268.º, n.º 4 (redacção da Lei n.º 1/89, de 8 de Julho), da Constituição:
“O sentido da garantia constitucional de recurso contencioso contra actos
administrativos ilegais é, portanto, este: ali onde haja um acto da
Administração que defina a situação jurídica de terceiros, causando-lhe lesão
efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, existe o direito
de impugná-lo contenciosamente, com fundamento em ilegalidade. Tal direito de
impugnação contenciosa já não existe, se o acto da Administração não produz
efeitos externos ou produz uma lesão de direitos ou interesses apenas
potencial”.
A este respeito, acrescentou-se no acórdão n.º 115/96, a propósito da redacção
dada ao n.º 4 do artigo 268.º pela 2.ª revisão constitucional – Lei
Constitucional n.º 1/89, de 8 de Julho –, em confronto com o texto anterior – o
n.º 3 do artigo 268.º, que:
“A intenção terá sido a de ampliar o âmbito do recurso contencioso de modo a
abranger quaisquer actos administrativos, tornando-os sindicáveis, desde que
lesantes de ‘direitos ou interesses legalmente protegidos’ e, do mesmo passo,
abandonou-se a referência à executoriedade e à definitividade desses actos, de
conceituação polémica ou, pelo menos, de formalização excessiva.
Como se observou na discussão parlamentar deste preceito constitucional, fez-se
recair directamente a recorribilidade do acto na circunstância de ele lesar os
direitos ou interesses legalmente protegidos, reconhecendo-se que as apontadas
características de executoriedade e de definitividade, a que a LPTA se refere
ainda, acabavam por diminuir as garantias de defesa do administrado, reduzindo
as possibilidades do recurso contencioso (cfr. Deputado Rui Machete, in Diário
da Assembleia da República, II Série, n.º 55-RC, de 7 de Novembro de 1988, pág.
1740).
A possibilidade de impugnação de um acto administrativo implica que se trate de
uma decisão de autoridade tomada no uso de poderes jurídico‑administrativos com
vista à produção de efeitos jurídicos externos sobre determinado caso concreto,
o que, em princípio, exclui da recorribilidade os actos internos e os actos
preparatórios. Nas palavras de Gomes Canotilho e Vital Moreira, ‘nestes casos
não existem efeitos externos ou existem apenas efeitos prodrómicos de um acto
procedimental que só se torna acto decisório através do acto conclusivo do
procedimento’; só assim não será, segundo os mesmos autores, se estes forem
idóneos para produzir efeitos imediatamente lesivos (e, por conseguinte efeitos
externos) porque então, sendo actos preparatórios dotados de efeitos próprios de
um acto administrativo, já são susceptíveis de impugnação contenciosa (cfr.
Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra, 3.ª ed., 1993, pág. 939).
O Tribunal Constitucional, de resto, também assim o vem entendendo, como
exemplifica o seu acórdão n.º 9/95, já citado, onde se fala de uma purificação
do conceito de acto administrativo contenciosamente impugnável, segundo a qual,
‘o que a garantia constitucional da accionabilidade dos actos administrativos
ilegais procura assegurar é que haja sempre a possibilidade de sindicar
judicialmente, com fundamento na sua ilegalidade, todo e qualquer acto de
autoridade que produz ofensa de situações juridicamente reconhecidas (isto é,
que tenha efeitos externos)’. No domínio do contencioso de anulação – como mais
se acrescenta, seguindo-se Rogério E. Soares, ‘O acto administrativo’, in
Scientia Iuridica, T. XXXIX, 1990, pág. 32) – há-de, no entanto, excluir‑se todo
e qualquer acto que não esteja a concretizar lesões, todo o acto que no
procedimento serve apenas actos de primeira grandeza”.
Deste modo, a interpretação sufragada na decisão recorrida que, entendendo que o
acto em causa não tinha idoneidade para autonomamente produzir efeitos lesivos
da esfera jurídica do interessado, não era autonomamente recorrível, nos termos
do artigo 25.º, n.º 1, e, bem, assim, do artigo 34.º, da Lei de Processo nos
Tribunais Administrativos, está de acordo com a jurisprudência do Tribunal
Constitucional sufragada, entre outros, nos arestos acima referidos, cuja
fundamentação aqui, no essencial, se acolhe.
2.2. É certo que a Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro, deu nova
redacção aos n.ºs 4 e 5 do artigo 268.º e levou a cabo duas transformações
notáveis, como salientou o Deputado Barbosa de Melo: «a primeira é que o nº4
integra, num todo harmónico, o que actualmente, sem grande aprumo racional, anda
derramado pelos n.ºs 4 e 5 vigentes; a segunda consta do n.º 5, no ponto em que
este consagra inequivocamente o direito de acção contra regulamentos da
Administração que afectem desfavorável e directamente cidadãos nos seus direitos
e interesses» (Diário da Assembleia da República, VII legislatura, 2.ª sessão
legislativa, reunião plenária de 30 de Julho de 1997, página 3955).
Com a redacção introduzida, o n.º 4 deste preceito passou a ficar redigido de
modo a garantir aos administrados «tutela jurisdicional efectiva dos seus
direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o
reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer actos
administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da
prática de actos administrativos legalmente devidos e a adopção de medidas
cautelares adequadas».
O que o legislador constitucional pretendeu foi deixar claro que «o princípio da
plenitude da garantia jurisdicional administrativa – a mais do que obrigar o
legislador a regular o clássico direito ao recurso contencioso contra actos
administrativos; e, bem assim, o direito de acesso à justiça administrativa para
tutela dos direitos ou interesses legalmente protegidos (nomeadamente, das
acções para o reconhecimento desses direitos ou interesses) – obriga-o a prever
meios processuais que permitam ao administrado exigir da Administração a prática
de actos administrativos legalmente devidos (acções cominatórias) e, quando for
o caso, lançar mão de medidas cautelares adequadas». É que tudo são
manifestações (concretizações) do direito de acesso aos tribunais para defesa,
por banda dos administrados, dos “seus direitos e interesses legalmente
protegidos”, como dispõe o n.º 1 do artigo 20.º da Constituição» (cfr. acórdãos
n.ºs 104/99, 105/99 e 469/99, publicados no Diário da República, II Série, de 10
de Abril de 1999, 15 de Maio de 1999 e 14 de Março de 2000, respectivamente).
“Todavia, da consagração desta garantia de protecção jurisdicional, dirigida à
protecção dos particulares através dos tribunais, e deste direito de impugnação
dos actos administrativos lesivos, não tem de decorrer a impossibilidade de
condicionamento, pelo legislador, de tal recurso contencioso à existência de uma
necessidade concreta de protecção judicial do particular – ou, o que é o mesmo,
não decorre uma obrigatória impugnabilidade jurisdicional imediata de todos os
actos, ainda que mediatamente lesivos, independentemente de se tratar de um acto
que traduza a última palavra da Administração”, como se salientou no acórdão n.º
40/2001 (publicado no Diário da República, II Série, de 9 de Março de 2001).
2.3. Por outro lado, também não se mostra violado o disposto no artigo 20.º da
Constituição, conforme se salientou no acórdão 32/98, já citado, “pois aquela
disposição constitucional consagra de forma genérica o direito de acesso aos
tribunais, que é concretizado pelo artigo 268.º, n.º 4, da CRP, estabelecendo o
direito de acesso aos tribunais administrativos, pelo que, não se demonstrando a
violação desta norma constitucional, pela mesma ordem de razões não poderá
resultar qualquer ofensa ao princípio genérico de que a última é uma
concretização”.
Sendo assim, a interpretação dada pelo acórdão recorrido ao n.º 1 do artigo
25.º, e, bem assim, ao artigo 34.º, da Lei de Processo nos Tribunais
Administrativos, não viola os artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da Constituição, nem
reduz, de forma desproporcionada e injustificada, a garantia de protecção
jurisdicional consagrada na Lei Fundamental.»
5.A conclusão assim obtida, no sentido da não inconstitucionalidade da solução
normativa então em apreço, é transponível para os caso dos autos. Neste, a
informação/parecer desfavorável sobre o contrato de trabalho, inserida num
procedimento que conduz à emissão de outro acto administrativo, esse final – a
autorização de permanência de estrangeiro em território nacional –, enquanto
acto funcionalmente não autónomo, não representa a última palavra da
Administração na matéria, nem produz efeitos imediatamente lesivos da posição do
administrado, na medida em que não é vinculativo.
Ora, independentemente da questão de saber qual é a solução preferível de jure
condendo, ou que corresponde ao melhor Direito, é certo que a reacção contra uma
lesão eventualmente resultante da informação/parecer desfavorável sobre o
contrato de trabalho não tem, por força da norma constitucional que consagra o
recurso contencioso de actos administrativos, que poder efectivar-se logo
através do recurso aos tribunais, antes sendo legítima a exigência pelo
legislador de que tal reacção seja dirigida contra o acto em que vem a culminar
o procedimento administrativo. Podendo recorrer-se contenciosamente do acto
final, definitivo, não é violada a garantia constitucional de impugnação
contenciosa dos actos administrativos lesivos de direitos ou interesses
legalmente protegidos.
III. Decisão
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:
a) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 25º, n.º 1, da Lei de
Processo nos Tribunais Administrativos, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 267/85, de
16 de Julho, interpretada no sentido de não admitir imediato recurso contencioso
contra uma informação/parecer não vinculativo da Inspecção-Geral do Trabalho
sobre um contrato de trabalho em que a recorrente é parte, no âmbito de um
procedimento de autorização de permanência em território nacional de cidadão
estrangeiro.
b) Consequentemente, negar provimento ao recurso e confirmar a decisão
recorrida no que à questão de constitucionalidade respeita;
c) Condenar a recorrente em custas, com 20 (vinte ) unidades de conta
de taxa de justiça.
Lisboa, 17 de Janeiro de 2007
Paulo Mota Pinto
Mário José de Araújo Torres
Benjamim Rodrigues
Maria Fernanda Palma (vencida nos termos
da declaração de voto junta)
Rui Manuel Moura Ramos
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei vencida o presente Acórdão em face do seguinte:
Nestes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Supremo
Tribunal Administrativo, é submetida à apreciação do Tribunal Constitucional a
norma do artigo 25.º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos
interpretada no sentido de ser irrecorrível um acto preparatório da decisão
final da Administração (nos autos está em causa uma informação desfavorável do
Delegado da Inspecção-geral do Trabalho sobre um contrato de trabalho, do qual a
recorrente é parte, no âmbito de um processo de autorização de permanência em
território nacional de cidadão estrangeiro).
Pelo essencial das razões constantes do voto de vencida aposto no Acórdão nº
115/96, reiterado no Acórdão n.º 40/01, entendo que a norma que constitui
objectivo do presente recurso de constitucionalidade é inconstitucional, por
violação do nº 4 do artigo 268º da Constituição.
É verdade que nesses arestos, nos quais as questões subjacentes
se relacionavam com a contagem do tempo de serviço no âmbito de um processo de
aposentação e com a aprovação de um projecto de arquitectura no âmbito de um
processo de licenciamento de construção, respectivamente, a questão da
vinculatividade do acto preparatório não se colocou como surge no presente
recurso. Com efeito, estes autos o tribunal recorrido assumiu que o acto
preparatório (o parecer desfavorável sobre o contrato de trabalho) não vincula a
decisão final do processo de autorização de permanência de estrangeiro em
território nacional.
No entanto, é inegável que o parecer desfavorável proferido
fragiliza a posição da recorrente, repercutindo-se negativamente nas
possibilidades de procedência da pretensão deduzida (o pedido de autorização de
permanência). Ora, o juízo de constitucionalidade a formular não pode evitar a
ponderação dessa circunstância.
Reitero assim entendimento constante do voto de vencida referido, acrescido
destas considerações, votando vencida a decisão do Tribunal quanto à não
inconstitucionalidade da norma em apreciação.
Maria Fernanda Palma
[1] A redacção do Decreto-Lei n.º 244/98 a considerar é a resultante do
Decreto-Lei n.º 4/2001, de 10 de Janeiro, vigente à data em que ocorreram os
factos.
[2] O contrato de trabalho refere-se a serviços de limpeza, como se vê pelo
‘processo instrutor’.
[3] Aceitando a constitucionalidade do art.º 25.º, n.º 1, da L.P.T.A., podem
ver-se os seguintes acórdãos do Tribunal Constitucional:
- n.º 9/95, de 11-1-95, proferido no processo n.º 728/92, publicado no Diário da
República, II Série, de 22-3-95, página 3160, e em Acórdãos do Tribunal
Constitucional, 30.º Volume, página 333, e no Boletim do Ministério da Justiça,
n.º 446 (Suplemento), página 121;
- n.º 603/95, de 7-11-95, proferido no processo n.º 223/96, publicado em
Acórdãos do Tribunal Constitucional, 32.º Volume, página 411, e no Diário da
República, II Série, de 14-3-96;
- n.º 115/96, de 6-2-96, proferido no processo n.º 378/93, publicado no Boletim
do Ministério da Justiça, n.º 454, página 218;
- n.º 32/98, de 22-1-98, publicado no Diário da República, II Série, de 19-3-98;
- n.º 425/99, de 30-6-99, proferido no processo n.º 1116/98, publicado no Diário
da República, II Série, de 3-12-99.)
[4] Obra e volume citados, páginas 214, 223 e 234.