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Processos n.ºs 672/2005 e 673/2005
Plenário
Relator: Conselheiro Mário Torres
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional,
1. Notificado do Acórdão n.º 430/2005 – que, concedendo
provimento aos recursos interpostos pela coligação “Mais Acção Mais Famalicão”,
constituída pelo Partido Social Democrata PPD/PSD e pelo Partido Popular CDS-PP
para concorrer a todos os órgãos autárquicos do concelho de Vila Nova de
Famalicão, declarou Armindo Fernando Gomes e Artur Lopes Fernandes elegíveis,
como 1.ºs candidatos das listas dessa coligação para as Assembleias de Freguesia
de Calendário e de Joane, respectivamente –, veio o recorrido Partido
Socialista requerer a reforma do acórdão, ao abrigo do disposto no artigo 669.º,
n.º 2, alíneas a) e b), ex vi artigo 716.º, ambos do Código de Processo Civil
(CPC), nos seguintes termos:
“1. O douto Acórdão refere, e com suporte em jurisprudência já
fixada, que «face às certidões de cessão de quotas juntas com as alegações do
recorrente, é patente que desapareceram as causas de inelegibilidade em que se
fundaram as decisões judiciais recorridas».
2. As causas de inelegibilidade tinham por base o facto de os
primeiros candidatos às Assembleias de Freguesia de Calendário e Joane serem
sócios gerentes de empresas que tinham celebrado contratos de empreitada com a
Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão, contratos esses, uns em execução
continuada para além do início do próximo mandato, outros com início já no
próximo mandato.
3. É certo que aqueles candidatos cederam as quotas de que eram
titulares.
4. Conforme se pode ver pelas escrituras de cessão de quotas juntas
com o recurso aqueles candidatos são casados no regime de comunhão de
adquiridos.
5. É também patente de tais escrituras que os cônjuges dos
candidatos são também sócios daquelas mesmas entidades.
6. Resulta da leitura daquelas escrituras que os cônjuges dos
candidatos tiveram que dar o seu consentimento para que estes (os cedentes)
pudessem efectuar o negócio a favor dos seus filhos.
7. Diz o artigo 1724.º, alínea b), do Código Civil que são comuns,
pertencem a ambos, portanto, «os bens adquiridos pelos cônjuges na constância
do matrimónio ...».
8. Dos documentos juntos aos autos resulta claro que os cônjuges dos
candidatos não cederam as suas quotas.
9. Salvo o devido respeito por melhor interpretação, a Lei Eleitoral
Autárquica, ao referir inelegíveis pessoas que sejam sócios, gerentes ou donos
de sociedades, quis evitar situações de eventual retirada de benefícios por
parte de quem ocupa lugares em que possam decidir em causa própria.
10, Mesmo com a cessão de quotas de que eram titulares, os
candidatos considerados inelegíveis continuam a ser proprietários ou
co-titulares de uma quota na referida sociedade por via conjugal.
11. Assim, e salvo o devido respeito – que é muito –, o Partido
Socialista entende que houve manifesto lapso por parte do Tribunal face aos
elementos juntos aos autos e que deveriam levar a decisão diversa da proferida.
Termos em que se requer a reforma do Acórdão no sentido de
considerar inelegíveis os primeiros candidatos às Assembleias de Freguesia de
Calendário e Joane, do concelho de Vila Nova de Famalicão, atendendo a que os
mesmos são ainda titulares de quotas em sociedades que têm contratos em
execução muito para além das próximas eleições autárquicas.”
2. Notificada a coligação “Mais Acção Mais Famalicão”,
respondeu nos seguintes termos:
“1. Prescreve o artigo 7.°, n.º 2, alínea c), da Lei Eleitoral dos
Órgãos das Autarquias Locais a inelegibilidade dos membros de corpos sociais e
gerentes de sociedades.
2. As sociedades em análise são comerciais e por quotas, cujos
corpos sociais são os seus órgãos, a saber, a assembleia geral e a gerência.
3. Os candidatos em apreço não têm assento em nenhum desses órgãos,
como resulta da escritura junta aos autos.
4. E porque assim é, não são membros dos corpos sociais, muito menos
gerentes das sociedades em referência.
5. Porque não são membros de qualquer órgão social das sociedades em
análise, nenhuma influência têm na vida destas.
6. Porque a ratio do preceito normativo em análise se encontra na
preocupação de assegurar um exercício isento, desinteressado e imparcial dos
cargos electivos autárquicos, a norma não foi violada pelas candidaturas em
análise.
7. Essa é a jurisprudência já fixada no Tribunal Constitucional,
onde se realça o Acórdão n.º 259/85, publicado na II Série do Diário da
República, de 18 de Março de 1986.
8. Os candidatos em apreço não preenchem a previsão normativa do
artigo 7.° n.º 2, alínea c), pelo que são perfeitamente elegíveis.
Sem conceder,
9. Carece de qualquer fundamento o peticionado pedido de reforma do
acórdão proferido.
10. Está o Tribunal Constitucional vinculado ao princípio do
dispositivo, segundo o qual só aprecia as questões que lhe são colocadas.
11. No caso dos autos, quer na tramitação desenvolvida do Tribunal
Judicial da Comarca de Vila Nova de Famalicão, quer neste Tribunal
Constitucional, só se questionou a inelegibilidade dos candidatos em apreço,
atentas as quotas que eles detinham e não as detidas pelos respectivos cônjuges.
12. Aliás, o Par1ido Socialista, recorrido nos presentes autos, na
resposta ao recurso interposto pelo agora respondente, não faz qualquer
referência à questão agora trazida aos autos.
13. Nesse resposta pode ler-se, nomeadamente no artigo 7.° daquela
peça processual, que os candidatos em apreço cederam aos seus filhos as quotas
que detinham naquelas sociedades.
14. Uma eventual, mas totalmente descabida, contitularidade de
quotas, nunca foi invocada nos autos,
15. e essa razão é mais do que suficiente para que este Tribunal não
possa apreciar os factos e argumentos agora, e só agora, trazidos aos autos.
Ainda sem conceder,
16. Não só o Tribunal não pode conhecer estes factos, como eles não
são objecto de reforma.
17. O pedido de reforma de uma decisão judicial assenta no
necessário pressuposto de que a mesma decisão não colhe os argumentos expendidos
nos articulados das partes.
18. Os factos, pretensos, agora trazidos aos autos já deles constam
quando o processo tramitou no Tribunal Judicial da Comarca de Vila Nova de
Famalicão.
19. Se o Partido Socia1ista os queria fazer vingar devia tê-los
aduzido e não o fez.
20. O «instituto jurídico» da reforma dos autos não serve para
tentar trazer factos que não foram arrolados, formular pedidos que não o foram
oportunamente, mas tão-só erros de julgamento.
21. Razão pela qual não tem qualquer cabimento o pedido de reforma
dos autos apresentado.”
3. Conforme constitui entendimento jurisprudencial
corrente em todas as ordens jurisdicionais onde é aplicável a figura do pedido
de reforma de decisões judiciais introduzida no n.º 2 do artigo 669.º do CPC
pela reforma de 1995/1996, tal pedido – quer tenha por fundamento “manifesto
lapso do juiz na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica
dos factos” (alínea a)), quer a existência no processo de “documentos ou
quaisquer elementos que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da
proferida e que o juiz, por lapso manifesto, não haja tomado em consideração”
(alínea b)) –, atenta a excepcionalidade desta faculdade, que insere um desvio
aos princípios da estabilidade das decisões judiciais e do esgotamento do poder
jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa (artigo 666.º, n.º 1, do mesmo
Código), só é admissível perante erros palmares, patentes, que, pelo seu
carácter manifesto, se teriam evidenciado ao autor da decisão, não fora a
interposição de circunstância acidental ou uma menor ponderação tê-lo levado ao
desacerto. Como refere Carlos Francisco de Oliveira Lopes do Rego (Comentários
ao Código de Processo Civil, vol. I, 2.ª edição, Coimbra, 2004, p. 559), “o
erro manifesto de julgamento de questões de direito”, contemplado naquela
alínea a), “pressupõe obviamente, para além do seu carácter evidente, patente e
virtualmente incontrovertível, que o juiz se não haja expressamente pronunciado
sobre a questão a dirimir, analisando e fundamentando a (errónea) solução
jurídica que acabou por adoptar (v. g., aplicou-se norma inquestionável e
expressamente revogada, por o julgador se não haver apercebido atempadamente da
revogação)”, e “o erro manifesto na apreciação das provas”, previsto na alínea
b), traduz-se “no esquecimento de um elemento que, só por si, implicava decisão
diversa da proferida (v. g., o juiz omitiu a consideração de um documento,
constante dos autos e dotado de força probatória plena, que só por si era
bastante para deitar por terra a decisão proferida)”.
4. O pedido apresentado, apesar de invocar as duas
alíneas do n.º 2 do artigo 669.º do CPC, não imputa ao acórdão questionado
qualquer lapso manifesto na determinação da norma aplicável ou na qualificação
jurídica dos factos, pelo que é descabida a referência à alínea a).
Sustenta o reclamante que do processo constavam
elementos – as certidões das escrituras de cessão de quotas – dos quais
resultava que os candidatos em causa eram casados segundo o regime de comunhão
de adquiridos e que os respectivos cônjuges não cederam as quotas de que eram
titulares, pelo que aqueles “continuam a ser proprietários ou co-titulares de
uma quota na referida sociedade por via conjugal”, pelo que deveriam ser
declarados inelegíveis, dado que “a Lei Eleitoral Autárquica, ao referir
inelegíveis pessoas que sejam sócios, gerentes ou donos de sociedades, quis
evitar situações de eventual retirada de benefícios por parte de quem ocupa
lugares em que possam decidir em causa própria”.
Importa desde já clarificar – uma vez que o reclamante,
ao referir “pessoas que sejam sócios, gerentes ou donos de sociedades”, apondo
uma vírgula entre “sócios” e “gerentes”, parece querer afirmar que a mera
qualidade de sócio de sociedade que tenha contrato pendente com a autarquia é
geradora de inelegibilidade – que a alínea c) do n.º 2 do artigo 7.º da Lei que
regula a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais, aprovada pela
Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14 de Agosto (doravante designada por LEOAL),
considera inelegíveis: (i) os membros dos corpos sociais, (ii) os gerentes de
sociedade e (iii) os proprietários de empresa, que tenham contrato com a
autarquia não integralmente cumprido ou de execução continuada. A mera
qualidade de sócio de sociedade, desacompanhada de funções de gerência e, pelo
menos, desde que não assegure o domínio jurídico da empresa, não é geradora de
inelegibilidade (cf. Acórdão n.º 259/85, que, no seu n.º 22, analisando o
correspondente preceito constante da alínea f) do n.º 1 do artigo 4.º do
Decreto-Lei n.º 701-B/76, de 29 de Setembro, concluiu que “se [esta disposição]
abrange seguramente os administradores ou gerentes de sociedades, bem como os
comerciantes em nome individual, já seguramente não abrange os sócios não
detentores de posição dominante em sociedades comerciais, desde que nelas não
desempenhem qualquer função de gestão”).
Os candidatos questionados foram declarados inelegíveis
por serem sócios gerentes (e não apenas por serem sócios) de sociedades por
quotas com contratos pendentes com o município em que se integram as freguesias
a cujas assembleias concorrem como cabeças de lista. Nas aludidas escrituras
eles não só cederam a totalidade das quotas de que eram titulares (assim
perdendo a qualidade de sócios), como renunciaram às respectivas gerências, pelo
que no acórdão cuja reforma se pede se concluiu terem desaparecido as causas de
inelegibilidade em que se haviam fundado as decisões judiciais recorridas.
O que o reclamante vem agora aduzir – questão que,
registe-se, de todo em todo omitiu na resposta ao recurso da coligação “Mais
Acção Mais Famalicão”, apesar de já então dispor dos elementos necessários para
o efeito – é que das citadas escrituras de cessão de quotas resultaria uma outra
causa de inelegibilidade: a natureza de bem comum do casal das quotas que os
cônjuges dos candidatos em causa continuam a deter nas sociedades com contratos
pendentes com a Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão. Ora, para além de
esta situação não caber na previsão da alínea c) do n.º 2 do artigo 7.º da LEOAL
e de, como se assinalou no precedente acórdão, “representando as
inelegibilidades restrições ao direito fundamental de ser eleito para cargos
políticos, as normas que as estabelecem devem ser tidas como enumerações
taxativas, não podendo ser objecto de interpretações extensivas ou aplicações
analógicas”, designadamente com invocação de argumentos de paridade ou de
maioria de razão, é patente que não ocorreu, nesse acórdão, falta de tomada em
consideração, por lapso manifesto, de documentos ou elementos que, só por si,
implicassem necessariamente decisão diversa da proferida.
O Tribunal Constitucional tomou em consideração as
aludidas escrituras, entendeu que delas resultava a cessação das causas de
inelegibilidade verificadas nas decisões judiciais recorridas (serem os
candidatos sócios gerentes de sociedades com contratos pendentes com o
município) e nelas não vislumbrou a evidência de outra(s) causa(s) de
inelegibilidade. O reclamante pode considerar errado este entendimento, mas não
lhe é lícito sustentar, com o mínimo de rigor e objectividade, que o Tribunal,
por lapso manifesto, não tomou em consideração elementos constantes do processo
que, só por si, implicavam necessariamente decisão diversa da proferida.
5. Em face do exposto, acordam em indeferir o pedido de
reforma de acórdão apresentado pelo Partido Socialista.
Lisboa, 12 de Setembro de 2005
Mário José de Araújo Torres
Vítor Manuel Gonçalves Gomes
Rui Manuel Moura Ramos
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Votei o acórdão sem prejuízo de reponderar a
admissibilidade do pedido de reforma, tendo em conta as especialidades do
contencioso eleitoral)
Paulo Mota Pinto (Com declaração idêntica à da Sr.ª Conselheira Maria dos
Prazeres Beleza)
Carlos Pamplona de Oliveira (Com dúvidas quanto ao conhecimento do pedido de
reforma, conforme declaração da Sr.ª Cons.ª Maria dos Prazeres Beleza)
Artur Maurício (Com declaração idêntica à da Ex.ma Cons.ª Maria dos Prazeres
Beleza)