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Processo n.º 327/05
1.ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Helena Brito
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. Por decisão sumária de fls. 56 e seguintes, proferida ao abrigo do
disposto no artigo 78º-A, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional, não se
conheceu do objecto do recurso interposto (a fls. 10 e seguintes) para este
Tribunal por A..
2. Através do requerimento de fls. 73 e seguintes, vem agora A. arguir a
nulidade dessa decisão sumária, invocando os artigos 69º da Lei do Tribunal
Constitucional e 3º, n.º 3, 201º, n.º 1, 704º, n.º 1, 726º, 749º e 762º, n.º 1,
do Código de Processo Civil, nos seguintes termos:
“[...]
I - Violação das normas da LTC e do CPC
1. À tramitação dos recursos para o Tribunal Constitucional (TC, doravante) são
subsidiariamente aplicáveis as normas do CPC, em especial as respeitantes ao
recurso de apelação ex vi art° 69° da LTC. É este, também, o entendimento desse
Alto Tribunal.
2. Nenhuma disposição da LTC, expressa ou implicitamente, afasta a
aplicabilidade da norma do art° 704°, n.° 1, aplicável ao recurso de apelação
mas também aos recursos de revista e de agravo ex vi artºs. 726°, 749° e 762°,
n.° 1, todos do CPC, à tramitação do recurso no TC.
3. A norma do art° 704°, n.° 1, do CPC, concretiza, na lei processual civil, as
garantias do art° 20°, n.ºs 1 e 4, da Constituição da República.
No mesmo sentido e com a mesma natureza e o mesmo alcance axiológico, as normas
do art° 3°, n.° 3, do CPC, segundo as quais a decisão de questões de direito ou
de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a
possibilidade de sobre elas se pronunciarem, é ilícita.
O direito fundamental de acesso ao direito e aos tribunais, e ao processo
equitativo, implica a audição prévia do recorrente sobre a eventualidade de o
Relator no TC entender que não se pode conhecer do objecto do recurso.
Esta garantia constitucional assume particular densidade axiológica quando está
em causa a aplicação de preceitos legais com dimensão normativa impeditiva do
acesso ao direito e aos tribunais, e o abuso de poderes jurisdicionais que
constituem obstrução ao exercício da jurisdição pelo tribunal competente
conforme previsto no art° 36°, alínea h), da Lei n.° 3/99, de 13 de Janeiro,
fundado em interpretação inconstitucional do art° 700°, n.° 3, do CPC.
4. Atento o disposto no art° 4°, n.° 1, da Lei n.° 21/85, de 30 de Julho, e 203°
da Constituição, não podem as supra referidas normas da LTC e do CPC, deixar de
ser observadas pelo Relator no TC e de, consequentemente, ser proporcionado às
partes o exercício do direito consagrado no art° 704°, n.° 1, do CPC.
5. A violação de tal direito é subsumível ao disposto no art° 201º, n.° 1, do
CPC, com as consequências prescritas no n.º 2 do mesmo preceito legal.
Com efeito, sendo a consagração legal de tal direito a concretização de um
direito fundamental reconhecido por preceito constitucional directamente
aplicável, a sua violação é susceptível de influir no exame ou decisão da causa
como ensina o Prof. Miguel Teixeira de Sousa (cf. Estudos Sobre o Novo Processo
Civil, 1997, p. 48).
E a restrição de tal direito só pode, eventualmente, ocorrer nos termos
previstos no art° 18°, n.º 2, da Constituição.
II - Inconstitucionalidade do artº 78°-A, n.º 1, da LTC
6. As supra referidas normas da LTC e do CPC não são prejudicadas pelas normas
do n.° 1 do art° 78°-A da LTC, no segmento relativo ao não conhecimento do
objecto do recurso.
O facto de tal segmento normativo não consignar, expressamente, a ressalva do
direito a que o art° 704°, n.º 1, do CPC, dá concretização a nível infra
constitucional, não desvincula o Relator no TC de assegurar o seu estrito
cumprimento, por força do disposto no art° 202°, n.º 2, da Constituição.
A entender-se que este segmento normativo se sobrepõe às normas contidas nas
disposições conjugadas dos art°s 3°, n.º 3, 201°, n.ºs 1 e 2, 704°, n.° 1, 726°,
749° e 762°, n.° 1, do CPC, e 69° da LTC, não pode, o mesmo, ser aplicado no
processo, atento o disposto no art° 204° da Constituição da República. Com
efeito, tal dimensão normativa colide com as normas e os princípios consagrados
nos art°s 1º, 2°, 18°, n.ºs 1 e 2, 20°, n.ºs 1 e 4, 202°, n.º 2, e 203° da Lei
Fundamental.
O direito fundamental de o recorrente ser previamente ouvido sobre as eventuais
razões que a Exma Relatora entenda existirem para não conhecer do objecto do
recurso radica em todas essas normas e princípios constitucionais. Pelo que,
nenhuma norma jurídica conforme à Constituição da República pode restringir ou
eliminar tal direito.
III - Suprimento da nulidade processual ora arguida
7. De acordo com o disposto no art° 700°, n.° 1, alíneas a) e f), do CPC,
compete ao Relator:
. ordenar a realização de diligências que considere necessárias
. julgar os incidentes suscitados
Estas normas aplicam-se, também ex vi art° 69° da LTC, ao recurso de
constitucionalidade.
Pelo que, pede o recorrente promova a Exma Relatora, o suprimento da nulidade
processual ora arguida, cominada no artº 201º, n.° 1, com os efeitos do seu n.º
2, do CPC, em ordem à salvaguarda do direito fundamental a que os art° 704°, n.°
1, 726°, 749° e 762°, n.° 1, do CPC dão concretização legal, e que o art° 18°,
n.º 2, da Constituição não permite restringir, nem, muito menos, eliminar.
[...].”.
3. O representante do Ministério Público junto do Tribunal
Constitucional respondeu à referida arguição de nulidade, nos seguintes termos
(fls. 78):
“[...]
1 – A pretensão deduzida carece manifestamente de fundamento.
2 – Na verdade, conforme entendimento reiterado e uniforme, em processo
constitucional não carece o relator de ouvir as partes antes de proferir decisão
sumária de não conhecimento do recurso.
3 – Sendo tal regime plenamente conforme com os princípios da Lei Fundamental.”.
4. Embora o reclamante funde a sua pretensão nos artigos 69º da Lei do
Tribunal Constitucional e 3º, n.º 3, 201º, n.º 1, 704º, n.º 1, 726º, 749º e
762º, n.º 1, do Código de Processo Civil, entende-se que o pedido formulado,
atento o respectivo conteúdo, configura a reclamação prevista no artigo 78º-A,
n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional.
Cumpre apreciar e decidir.
II
5. O ora reclamante coloca, através do requerimento de fls. 73 e
seguintes, no essencial, duas questões:
a) A que, em seu entender, respeita à nulidade processual prevista no
artigo 201º, n.º 1, do Código de Processo Civil, por violação do preceituado no
artigo 704º, n.º 1, do mesmo Código, que prevê a audição das partes antes de ser
proferida pelo relator decisão de não conhecimento do objecto do recurso;
b) A que, em seu entender, respeita à inconstitucionalidade do artigo
78º-A, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional, na interpretação segundo a qual
o seu segmento relativo ao não conhecimento do objecto do recurso se sobreporia
às normas contidas nas disposições conjugadas dos artigos 3º, n.º 3, 201º, n.º s
1 e 2, 704º, n.º 1, 726º, 749º e 762º, n.º 1, do Código de Processo Civil, e 69º
da Lei do Tribunal Constitucional, por violação do direito de o recorrente ser
previamente ouvido e, consequentemente, por violação do disposto nos artigos 1º,
2º, 18º, n.º s 1 e 2, 20º, n.º s 1 e 4, 202º, n.º 2, e 203º da Constituição.
6. Relativamente à primeira questão colocada pelo reclamante, entende-se
que a decisão sumária não incorreu na nulidade prevista no artigo 201º, n.º 1,
do Código de Processo Civil, pois que, não impondo o artigo 78º-A, n.º 1, da Lei
do Tribunal Constitucional – a norma especial quanto à matéria, no domínio do
processo constitucional – a audição das partes antes de ser proferida essa
decisão, nenhum acto devido foi omitido.
Não tem, pois, razão o reclamante quando argui a nulidade da decisão
sumária.
7. Quanto à segunda questão colocada pelo reclamante, entende-se
igualmente que não lhe assiste razão. Compete à conferência (ou até, em certos
casos, ao pleno da secção) a decisão definitiva acerca do conhecimento do
objecto do recurso de constitucionalidade, nos termos do artigo 78º-A, n.ºs 3 a
5, da Lei do Tribunal Constitucional. Com efeito, podendo o recorrente reclamar
da decisão sumária do relator e podendo o recorrido responder a essa reclamação,
sempre as partes serão ouvidas antes de proferida a decisão definitiva de não
conhecimento do objecto do recurso.
A interpretação identificada pelo reclamante não envolve, assim, a
violação do direito de o recorrente ser previamente ouvido, não se mostrando,
como tal, ofendidos os princípios e as normas constitucionais que o reclamante
indica.
Aliás, este Tribunal teve já oportunidade de em diversas ocasiões se
pronunciar no sentido da conformidade constitucional do artigo 78º-A da Lei do
Tribunal Constitucional (cfr., por exemplo, o acórdão n.º 19/99, publicado no
Diário da República, II Série, n.º 59, de 11 de Março de 1999, p. 3609 s, e os
acórdãos n.ºs 80/99, 550/99, 567/99, 223/01, 265/02, 266/02, 286/02, 456/02,
todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
8. Não sendo invocadas pelo reclamante outras razões susceptíveis de
alterar a decisão sumária proferida nos autos, nada mais resta do que
confirmá-la.
III
9. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, indefere-se a
reclamação, confirmando-se a decisão sumária que não tomou conhecimento do
objecto do recurso.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em vinte unidades de conta.
Lisboa, 14 de Julho de 2005
Maria Helena Brito
Carlos Pamplona de Oliveira
Rui Manuel Moura Ramos