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Processo n.º 609/05
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Mário Torres
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal
Constitucional,
1. Por Decisão Sumária do relator, de 15 de Julho de
2005, entendeu‑se que o presente recurso era inadmissível, pelo que não se podia
conhecer do seu objecto. Essa decisão é do seguinte teor:
“1. A. interpôs, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de
Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada
pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º
13‑A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), recurso do acórdão do Supremo Tribunal de
Justiça, de 2 de Junho de 2005, que rejeitou, nos termos do artigo 420.º, n.º 1,
do Código de Processo Penal (CPP), por manifesta improcedência, o recurso
deduzido contra o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 7 de Dezembro de
2004, que, por seu turno, confirmara a condenação do recorrente, decretada pelo
acórdão do Tribunal do Círculo da Maia, de 12 de Novembro de 2003, na pena única
de oito anos de prisão, por prática de seis crimes de roubo (um deles em forma
tentada), três crimes de falsificação de documento e um crime de detenção ilegal
de arma de defesa.
O recurso foi admitido pelo Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça,
decisão que, como é sabido, não vincula o Tribunal Constitucional (artigo 76.º,
n.º 3, da LTC).
No presente caso, o recurso é claramente inadmissível, o que permite a prolação
de decisão sumária, ao abrigo do disposto no artigo 78.º‑A, n.º 1, da LTC, sem
necessidade de prévia formulação de convite ao recorrente, ao abrigo do n.º 6
do artigo 75.º‑A da mesma Lei, para indicar os elementos exigidos pelos n.ºs 1
e 2 desse preceito que se encontram em falta (indicação da norma cuja
inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie, da norma ou princípio
constitucional que se considera violado e da peça processual em que suscitou a
questão de inconstitucionalidade), uma vez que as razões que fundamentam a
decisão de não conhecimento são insusceptíveis de serem supridas pela correcção
dessas deficiências que afectam o requerimento de interposição de recurso.
2. No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a competência
atribuída ao Tribunal Constitucional cinge‑se ao controlo da
inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade
constitucional imputada a normas jurídicas (ou a interpretações normativas,
hipótese em que o recorrente deve indicar, com clareza e precisão, qual o
sentido da interpretação que reputa inconstitucional), e já não das questões
de inconstitucionalidade imputadas directamente a decisões judiciais, em si
mesmas consideradas. A distinção entre os casos em que a
inconstitucionalidade é imputada a interpretação normativa daqueles em que é
imputada directamente a decisão judicial radica em que na primeira hipótese é
discernível na decisão recorrida a adopção de um critério normativo (ao qual
depois se subsume o caso concreto em apreço), com carácter de generalidade, e,
por isso, susceptível de aplicação a outras situações, enquanto na segunda
hipótese está em causa a aplicação dos critérios normativos tidos por
relevantes às particularidades do caso concreto.
Por outro lado, tratando‑se de recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º
1 do artigo 70.º da LTC – como ocorre no presente caso –, a sua admissibilidade
depende da verificação cumulativa dos requisitos de a questão de
inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo
processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão
recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2 do artigo
72.º da LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio
decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo
recorrente.
3. Perante o tribunal recorrido o recorrente apresentou duas peças processuais:
a motivação do recurso penal para ele interposto (fls. 1504 a 1518) e a resposta
ao parecer do representante do Ministério Público no Supremo Tribunal de
Justiça que propugnara a rejeição do recurso (fls. 1567 e 1568). Ora, em
nenhuma delas é suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade normativa,
o que logo determina a inadmissibilidade do presente recurso.
Naquela motivação, as únicas referências que poderiam basear a suscitação de
uma questão de constitucionalidade são as que constam do seu n.º 20 – onde, após
no artigo precedente se acusar o acórdão da Relação de falta de exame crítico
das provas e de fundamentação, se afirma: «Ora, esta situação consubstancia uma
clara violação do disposto no artigo 32.º, n.º 1, da CRP, na medida em que
coloca em causa as garantias de defesa do arguido, limitando o seu acesso ao
recurso, uma vez que, não podendo o arguido conhecer a forma como o tribunal
formou a sua convicção, vê desta forma limitado o seu direito de defesa» – e
das conclusões 2.ª e 3.ª, do seguinte teor:
«2.ª – A falta de análise crítica da prova é, inclusivamente, reconhecida pelo
Venerando Tribunal da Relação do Porto, mas que, no entanto, entende que tal
facto não é suficiente para que seja reformulado o acórdão, uma vez que a
fundamentação é alcançada de “forma implícita”, o que é manifestamente [sic] e
contraria claramente quer a letra quer o espírito dos artigos 205.º, n.º 1, da
CRP, e 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, alínea a), do CPP.
3.ª – Existe uma violação do disposto no artigo 32.º, n.º 1, da CRP, uma vez que
a falta de fundamentação da decisão do tribunal, além de violar claramente os
dispositivos supra indicados, consubstancia uma clara limitação das garantias
de defesa e do direito ao recurso.»
Como é óbvio, nestas passagens não se suscita nenhuma questão de
inconstitucionalidade normativa, imputando‑se a violação de comandos
constitucionais directamente à decisão judicial recorrida, que pretensamente
não teria procedido à análise crítica das provas e careceria de fundamentação.
Ora, como se referiu, a inconstitucionalidade de decisões judiciais ou de
condutas processuais, em si mesmas consideradas, não constitui objecto idóneo
de recurso de constitucionalidade.
Por outro lado, na segunda peça processual produzida perante o tribunal
recorrido – a resposta ao parecer do Ministério Público –, nenhuma questão de
inconstitucionalidade é suscitada.
Logo por este motivo o presente recurso é manifestamente inadmissível,
situação esta que é insusceptível de ser ultrapassada por eventual
aperfeiçoamento do requerimento de interposição de recurso, razão pela qual
seria inútil a formulação de convite nesse sentido.
4. A isto acresce que o acórdão ora recorrido, por um lado, se fundou em normas
cuja inconstitucionalidade o recorrente jamais suscitou, e, por outro lado, nem
sequer deu por verificado que os tribunais de instância houvessem adoptado a
conduta processual que o recorrente lhes imputa.
Para o demonstrar basta atentar na fundamentação desse acórdão, que, apesar da
sua extensão, a seguir se transcreve:
«II – (...)
De novo inconformado, interpôs recurso para este Supremo Tribunal.
Nele, o recorrente, ao invés de perfilar os específicos fundamentos de um
recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça – como lhe impunha o
disposto no artigo 412.°, n.° 1, do CPP –, no essencial, reeditou – fls. 1485 a
1518 – a fundamentação apresentada no recurso para a Relação, mas não
esgrimindo qualquer fundamento (novo) para alicerçar a sua discordância com o
ali decidido, assim confundindo a motivação do recurso agora interposto para o
Supremo Tribunal com a que apresentou perante o Tribunal de 2.ª instância, o
que significa que não existe fundamentação relevante, pelo que o presente
recurso tem de ser rejeitado nos termos dos artigos 412.°, n.° 1, 414.°, n.º 2,
e 420.º do CPP.
Pode mesmo aqui falar‑se em verdadeira carência de motivação e objecto.
É que a decisão verdadeiramente impugnada é, afinal, a da 1.ª instância, e a
impugnação a ela se dirige.
Com efeito, o artigo 412.º do CPP dispõe que a motivação enuncia
especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de
conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do
pedido (n.º 1); e que, versando matéria de direito, as conclusões indicam
ainda, sob pena de rejeição: a) As normas jurídicas violadas; b) O sentido em
que, no entendimento do recorrente, o tribunal recorrido interpretou cada
norma ou com que a aplicou e o sentido em que ela devia ter sido interpretada ou
com que devia ter sido aplicada; e c) Em caso de erro na determinação da norma
aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, deve ser
aplicada (n.º 2).
E, apesar de um “cumprimento” formal que não deixa lugar a qualquer correcção
das conclusões, tanto que a mesma linha é seguida na motivação, não deu o
recorrente cumprimento a esse dispositivo com referência ao acórdão recorrido,
o da Relação.
Não se argumente, em sentido contrário, que os fundamentos são aqueles que já
apresentou no recurso para a Relação do Porto.
Tendo esta decidido da causa, é ilegítima a reedição do mesmo tipo de
fundamentação para o Supremo Tribunal, não só porque são distintos os poderes
de cognição de uma e de outro (artigos 428.° e 434.° do CPP), como também
porque, versando o recurso para a Relação, também, matéria de facto, como in
casu aconteceu, a discussão sobre tal ponto está encerrada, por o Supremo
Tribunal, em princípio, só conhecer de direito.
É, enfim, necessário que o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça interposto
de acórdão da Relação verse a questão suscitada pelo acórdão por esta proferido,
ou, pelo menos, a ela submetida em recurso prévio da decisão de 1.ª instância, e
não a reedição pura e simples dos fundamentos invocados no que foi interposto da
decisão da 1.ª instância, como se o acórdão da Relação não existisse, como se a
Relação não tivesse mediado pela decisão recorrida.
Acrescente‑se, em outra via, que a Relação do Porto resolveu todas as questões
que lhe foram colocadas, mesmo indirectamente, e agora reeditadas. E fê‑lo de
forma adequada e isenta de críticas, que se sufraga, e, em nome da clareza,
aqui se transcreve a referente à única questão concreta que o recorrente agora
adita, mas que, como bem se expressa o parecer do Ministério Público junto deste
Supremo Tribunal, uma vez mais se reporta ao acórdão da 1.ª instância – a
alegada falta de análise critica da prova, enquanto consubstanciadora de
violação do disposto nos artigos 205.°, n.° 1, e 32.°, n.° 1, da CRP.
Que é do seguinte teor:
“Preceitua o n.º 2 do artigo 374.º do Código de Processo Penal que: «Ao
relatório segue‑se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos
provados e não provados, bem como uma exposição tanto quanto possível completa,
ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam decisão,
com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do
tribunal».
A necessidade de fundamentação de uma decisão judicial tem como fundamento
imediatamente apreensível para a sua justificação a circunstância de aquela
dever‑se impor não só em razão da autoridade do órgão que a profere, mas
principalmente pela coerência lógico‑argumentativa dos motivos que desenvolve e
aduz no sentido de chegar à conclusão com que no caso concreto aplica o direito
aos factos, e do nível de compreensão (o mesmo é dizer de adesão), que é capaz
de suscitar perante aqueles que são os seus destinatários.
O exame crítico das provas é uma exigência particular introduzida pela revisão
operada ao Código de Processo Penal em 1998, na decorrência de diversas
decisões do Tribunal Constitucional que julgaram não conforme ao texto
fundamental uma interpretação do n.º 2 daquele artigo «segundo a qual a
fundamentação das decisões em matéria de facto se basta com a simples enumeração
dos meios de prova utilizados em 1.ª instância, não exigindo a explicitação do
processo de formação da convicção do tribunal, por violação do dever de
fundamentação das decisões dos tribunais, previsto no n.º 1 do artigo 205.º da
Constituição, bem como, quando conjugada com a norma das alíneas b) e c) do n.º
2 do artigo 410.º do mesmo Código, por violação do direito ao recurso consagrado
no n.º 1 do artigo 32.º, também da Constituição».
Concorre, assim, neste domínio, um conjunto mais vasto de preocupações, onde
pontuam razões constitucionais e aspectos conexos com a recorribilidade das
decisões.
Porém, em que se traduz tal exame crítico?
Como será óbvio intuir, a simples enumeração das provas não será suficiente, já
que tal actividade não corresponde a uma actividade intelectual com a exigência
acima mencionada.
A sua selecção de entre as várias produzidas em audiência corresponde a outro
nível que se lhe começa a aproximar, mas que só ficará satisfeita quando a essa
selecção se juntar a explanação ou justificação das razões que levaram o
tribunal a precisamente dar maior relevo a este sobre aquele meio, ou a não
conferir qualquer relevância a um outro.
Será seguramente o que Marques Ferreira pretenderá significar, quando nas
Jornadas de Direito Processual Penal – o Novo Código de Processo Penal, Livraria
Almedina, págs. 229/30, se refere aos «elementos que em razão das regras de
experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que
conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou
valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em
audiência».
Estas asserções, todavia, não resolvem por completo os problemas colocados com
o grau da exigibilidade e a extensão imposta na satisfação dessa análise
critica.
Para Simas Santos e Leal Henriques, Código de Processo Penal Anotado, II vol.,
2.ª ed., págs. 536/7, «tendo em consideração o que se deixou dito, bem como o
escopo de tal alteração legal, afigura‑se‑nos que deve ela ser entendida não no
sentido de se traduzir num detalhado exame crítico do conteúdo da prova
produzida (que a ter lugar é suportado pela documentação da prova e pela sua
posterior reapreciação por parte do Tribunal Superior, e não pela intermediação
subjectivada do tribunal, relatada tão‑só por um dos seus membros, sobre a
forma de “apreciação critica das provas” e a partir de meras indicações não
obrigatórias dadas por cada membro do tribunal recorrido), mas antes no exame
crítico dos próprios meios de prova, designadamente da sua razão de ciência e
credibilidade, por forma (como refere o Tribunal Constitucional, no citado
Acórdão n.° 680/98) a “explicitar (d)o processo de formação da convicção do
tribunal”».
Na situação em apreço, diremos que o cumprimento dado pelo tribunal a tal
exigência está longe de poder ser considerado modelar.
Começa por uma afirmação genérica «a matéria fáctica resultou da conjugação dos
depoimentos das testemunhas, documentadas em suporte magnético, com os
documentos existentes nos autos, sendo ainda de referir as declarações dos
arguidos, quanto às suas condições pessoais, e especialmente as do arguido
Paulo, que confessou integralmente e sem reservas a prática dos factos que lhe
são imputados na acusação», de que apenas as declarações atribuídas aos
acusados têm um conteúdo especifico, para depois elencar, a propósito de cada
segmento factual, as provas que serviram de convicção ao tribunal.
Mas não havendo na fundamentação da decisão recorrida qualquer menção a algo
que se possa chamar de forma expressa e clara um exame crítico das provas, tal
como justamente o evidencia o Digno Magistrado do Ministério Público nesta
Relação, da leitura decorrente das provas alinhadas em torno de cada uma das
acções apropriativas mencionadas, maxime, do conteúdo resumido do que foi o
teor das declarações das testemunhas, acaba‑se por alcançar, de forma
implícita, qual foi o raciocínio seguido pelo colectivo.
Onde não existiu qualquer reconhecimento dos arguidos ou inexistiu qualquer
outro meio de prova que conduzisse à autoria dos factos, estes ficaram sem
responsável identificado, pressupondo‑se que, por exemplo, quando o acórdão
menciona que uma testemunha «descreveu como decorreu o assalto», o tribunal
teve como boa e credível a narração feita dos respectivos factos.
Aliás, nas situações objecto dos presentes autos, não está tanto em causa o
facto de as apropriações terem existido, mas tão‑somente quem as cometeu.
Ora, se o tribunal entendeu dar como provado determinado facto, haverá que
pressupor, daquilo que deixou explanado, que no seu critério, fundado na livre
apreciação da prova que perante si foi produzida, que as provas que alinhou têm
a virtualidade suficiente de, para além de toda a dúvida razoável, impor a sua
afirmação positiva, selecção essa que em si mesma já contém uma valoração
implícita.
O caminho não é o melhor e haverá que nele não persistir.
Todavia, porque está salvaguardada a ratio essencial daquele segmento normativo,
qual seja, o de assegurar de «que se não tratou de uma ponderação arbitrária das
provas ao atribuir ao seu conteúdo uma especial força na formação da convicção
do Tribunal», entendemos como não verificada a pretendida nulidade.”
Ora, como resulta da transcrição (integral) do acórdão recorrido nessa parte, et
pour cause, está excluído que se lhe possa assacar qualquer ilegalidade no
processo de convicção e aquisição da matéria de facto dada como provada – ou
seja, que se constate a existência de nulidade decorrente de falta de
fundamentação, já que se acha efectivamente fundamentada (numa exposição tanto
quanto possível completa – artigos 379.°, n.° 1, alínea a), 374.°, n.° 2, e
97.°, n.° 4, do CPP) a decisão sobre a matéria de facto questionada pelo
recorrente.
Em estrita observância do disposto no artigo 205.°, n.° 1, da CRP, que determina
que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas
na forma prevista na lei.
E sem que se mostrem violadas as garantias de defesa do arguido, consagradas
no artigo 32.°, n.° 1, do mesmo diploma fundamental.
Para mais quando, como no caso, para além do objecto do recurso já apreciado
pe1o tribunal ora recorrido, sem qualquer omissão de pronúncia sobre todas as
questões nele emergentes, não se vislumbram na decisão recorrida outros vícios a
que fosse mister dar resposta, sejam eles os alinhados no artigo 410.°, n.º 2,
do CPP, então oficiosamente.
III – Não se mostram violadas as normas, como tal, elencadas pelo recorrente.
Como assim, procede, nos descritos termos, a segunda questão prévia suscitada
pelo Ministério Público junto deste Supremo Tribunal, pelo que o recurso é de
rejeitar, nos termos previstos no artigo 420.°, n.° 1, do CPP, a tal não
obstando o facto de ter sido admitido no tribunal a quo – artigo 414.°, n.° 3,
do mesmo diploma legal.»
Como se vê, o acórdão recorrido, por um lado, fundou a sua decisão nas normas
dos artigos 412.º, n.º 1, 414.º, n.º 2, e 420.º, n.º 1, do CPP, normas cuja
constitucionalidade o recorrente jamais impugnou, e, por outro lado,
demonstrou não corresponder à realidade registada nos autos ter o Tribunal da
Relação adoptado o comportamento processual que o recorrente lhe atribui.
Assim, também por falta do segundo requisito específico de admissibilidade do
recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, o presente
recurso surge como inadmissível, o que determina o não conhecimento do seu
objecto.
Acresce, aliás, que, constituindo o fundamento invocado em primeiro lugar pelo
acórdão ora recorrido para rejeitar o recurso (carência de motivação do recurso
por atacar a decisão da 1.ª instância e não a decisão da Relação) um fundamento
autónomo do a seguir aduzido como «outra via» de chegar à mesma conclusão
(manifesta improcedência do recurso, determinante da sua rejeição), sempre o
conhecimento do presente recurso seria inútil, pois, mesmo que obtivesse
provimento, seria insusceptível de alterar o sentido da decisão proferida
(rejeição do recurso), embora então limitada ao primeiro fundamento invocado.
5. Nestes termos, decide‑se, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da LCT, não
conhecer do objecto do recurso.”
2. Notificado desta decisão, o recorrente apresentou o
requerimento de fls. 1615 a 1618, onde, além de requerer a dispensa de pagamento
da multa devida pela prática do acto fora do prazo legal, aduziu – “visto o
disposto no artigo 669.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil” – o
seguinte:
“1. O douto despacho que antecede, que indefere liminarmente, sem necessidade
da apresentação de alegações, o recurso interposto para esse Colendo Tribuna1,
baseia‑se, entre outros, no facto de o recorrente, durante o processo «apenas»
fazer vagas referências ao princípio in dubio pro reo, bem como à violação do
artigo 205.º, n.º 1, e do artigo 32.º, n.º 1, da CRP.
2. Pelo que, em suma, era possível a esse Tribunal decidir acerca do mérito do
recurso sem necessidade da apresentação de alegações por parte do recorrente.
3. Ora, o recorrente tem necessidade de saber o que motivou o entendimento de
V. Ex.as e se a dignidade constitucional de tais dispositivos é de tal forma
diminuta que se possa decidir acerca do seu mérito, mesmo sem que ao recorrente
seja dada a possibilidade de apresentar as suas motivações.
4. A restrição da liberdade de um homem por oito anos, salvo melhor opinião, e
com o supremo respeito por decisão em contrário, não se poderá compadecer com
uma tão lacónica decisão.
5. A liberdade é o bem supremo que qualquer ser humano tem direito, logo a
seguir ao direito à vida!
6. No mínimo, como está plasmado na CRP, o arguido terá o direito de ver
fundamentado qualquer despacho que a ele diz respeito.”
3. O relator, considerando que, apesar da invocação do
artigo 669.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil (CPC) – que permite
a qualquer das partes requerer o esclarecimento de alguma obscuridade ou
ambiguidade que a decisão judicial contenha –, o recorrente nenhuma obscuridade
ou ambiguidade apontava ao despacho reclamado, mas apenas falta de
fundamentação do mesmo, o que constitui arguição de nulidade do dito despacho, a
ser apreciada pela conferência (artigos 666.º, n.º 3, 668.º, n.ºs 1, alínea b),
e 3, primeira parte, do CPC), convolou oficiosamente aquele requerimento em
reclamação para a conferência, prevista no n.º 3 do artigo 78.º‑A da LTC.
Ouvido o representante do Ministério Público no Tribunal
Constitucional, emitiu o mesmo pronúncia no sentido de ser manifesta a
improcedência da reclamação, “já que se não aduzem quaisquer razões que possam
pôr em causa a decisão reclamada, no que toca à evidente inverificação dos
pressupostos de admissibilidade do recurso interposto”.
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
4. A decisão sumária ora reclamada fundamentou
desenvolvidamente o não conhecimento do objecto do recurso em três ordens de
razões: (i) não ter o recorrente suscitado, nas peças processuais que
apresentou perante o tribunal recorrido (das quais se transcreveram as
passagens que poderiam ter alguma relevância para o efeito), qualquer questão de
inconstitucionalidade normativa, limitando‑se a imputar, numa dessas peças, “a
violação de comandos constitucionais directamente à decisão judicial recorrida,
que pretensamente não teria procedido à análise crítica das provas e careceria
de fundamentação”, quando, “como se referiu, a inconstitucionalidade de decisões
judiciais ou de condutas processuais, em si mesmas consideradas, não constitui
objecto idóneo de recurso de constitucionalidade”; (ii) ter o acórdão recorrido
(de que se transcreveu na íntegra a fundamentação jurídica, apesar da sua
extensão), “por um lado, fund[ado] a sua decisão nas normas dos artigos 412.º,
n.º 1, 414.º, n.º 2, e 420.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, normas cuja
constitucionalidade o recorrente jamais impugnou, e, por outro lado,
demonstr[ado] não corresponder à realidade registada nos autos ter o Tribunal
da Relação adoptado o comportamento processual que o recorrente lhe atribui”,
pelo que não se verificava o segundo requisito de admissibilidade do recurso
previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, consistente em ter a
decisão recorrida feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões
normativas arguidas de inconstitucionais pelo recorrente; e (iii) carecer o
conhecimento do recurso de utilidade, pois “constituindo o fundamento invocado
em primeiro lugar pelo acórdão ora recorrido para rejeitar o recurso (carência
de motivação do recurso por atacar a decisão da 1.ª instância e não a decisão da
Relação) um fundamento autónomo do a seguir aduzido como «outra via» de chegar
à mesma conclusão (manifesta improcedência do recurso, determinante da sua
rejeição), sempre o conhecimento do presente recurso seria inútil, pois, mesmo
que obtivesse provimento, seria insusceptível de alterar o sentido da decisão
proferida (rejeição do recurso), embora então limitada ao primeiro fundamento
invocado”.
Mostra‑se assim suficientemente fundamentada a decisão
sumária reclamada, raiando a litigância de má fé a afirmação do recorrente de
que tal decisão, por ele apelidada de “lacónica”, carecer de fundamentação.
5. Em face do exposto, acordam em indeferir a presente
reclamação.
Custas pelo recorrente, fixando‑se a taxa de justiça em
20 (vinte) unidades der conta.
Lisboa, 12 de Outubro de 2005
Mário José de Araújo Torres
Paulo Mota Pinto
Rui Manuel Moura Ramos