Imprimir acórdão
Processo n.º 935/04
3.ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
(Conselheira Maria dos Prazeres Beleza)
Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Por sentença do 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de
Braga de 23 de Outubro de 2003, de fls. 383 e seguintes, foi decidido condenar a
expropriante DIRECÇÃO REGIONAL DAS INSTALAÇÕES E EQUIPAMENTO DA SAÚDE DO NORTE a
pagar à expropriada A., a indemnização de € 541.139,10, actualizada nos termos
do artigo 24.º do Código das Expropriações, pela expropriação de uma parcela de
terreno, com a área de 18.770 m2, sita parte na freguesia de ------- e parte na
freguesia de ---------, em Braga.
Na parte que agora releva, afirmou-se na referida sentença o
seguinte:
“Conclui-se, assim que o valor do solo deve ser calculado, não em função do
valor da construção nele levada a cabo pela entidade expropriante, mas sim
tendo-se em consideração o custo da construção em condições normais de mercado.
Aliás, a lei actual diz-nos expressamente qual o critério a seguir: o cálculo
faz-se em função do custo da construção em condições normais de mercado e na
determinação do custo da construção atende-se como referencial aos montantes
fixados administrativamente para efeitos de aplicação dos regimes de habitação a
custos controlados ou de renda condicionada.
Tem pois de se considerar aqui a Portaria n.º 982-C/99, de 30 de Outubro, que
estabelece para o ano de 2000 os valores por metro quadrado do preço de
construção a que se refere o n.º 1 do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 13/86.
Parece-nos porém que o n.º 5 do artigo 26º não impõe uma correspondência do
preço por metro quadrado de construção fixado administrativamente para efeitos
de aplicação dos regimes de habitação a custos controlados ou de renda
condicionada mas apenas uma obrigação de consideração destes preços como padrão
de referência ou como factor indiciário do custo do metro quadrado de construção
para o cálculo da indemnização por expropriação.
Aliás, é desde logo de referir que nos parece que na referida portaria se fixa o
preço por metro quadrado de área útil enquanto que para a expropriação vale o
preço [por metro] quadrado de área bruta de construção.
Assim, tomando por base o preço fixado pela referida portaria (preço por metro
quadrado de área útil) o valor da área bruta de construção é de 484,61 €
mediante a aplicação de um factor de correcção de 15% ao valor atribuído à área
útil, factor esse que se nos afigura adequado atenta a natureza e
características do solo, bem como a localização da parcela (e que foi também
aplicado designadamente pelos senhores peritos que levaram a cabo a avaliação
nos demais processos em que figura como expropriante a aqui também expropriante
e que pendem neste juízo e cuja parcela objecto dos mesmos tem a mesma
localização da parcela aqui expropriada).
Para além do valor da área útil de construção, é ainda de considerar:
- o coeficiente de ocupação do solo de 0,5 m2/m2
- o valor do solo é de 14% da base de 12% (da qual partiram os Senhores Árbitros
e todos os senhores peritos que levaram a cabo a avaliação não tendo o tribunal
qualquer motivo para não considerar aquela percentagem sendo que não resulta dos
autos qualquer motivo que justifique a atribuição de uma superior ou inferior) a
que acresce 2% por força da existência de energia eléctrica e rede telefónica de
que é dotada a parcela a expropriar (n.º 7 alíneas e) e i) do artigo 26º)
- aplicação de um factor correctivo de 15% nos termos do n.º 10 do artigo 26º do
Código das Expropriações (factor esse que foi considerado pelos Senhores
Árbitros no acórdão da Arbitragem e pelo Perito da Expropriante no laudo que
apresentou em separado, não o tendo sido pelos demais Peritos sem que estes
contudo tenham justificado a não consideração, sendo certo que os Senhores
peritos do Tribunal e da expropriada consideraram uma percentagem de 12%
relativa ao custo das infra-estruturas para realização do empreendimento
atendendo à natureza do solo, o que se poderia até questionar como ajustado em
face do critério adoptado pelos mesmos para avaliação do terreno – o custo da
construção do equipamento hospitalar – mas que carece de justificação em nosso
entender em face do critério por nós adoptado.
No que toca ainda à aplicação deste factor correctivo previsto no n.º 10 do
artigo 26º do Código das Expropriações cumpre referir que a expropriada invocou
até a inconstitucionalidade de tal norma por violar o princípio da igualdade e o
da justa indemnização (artigos 13º e 62º da CRP); parece-nos contudo carecer de
razão a expropriada e não se verificar a invocada inconstitucionalidade, sendo,
para além do mais intenção do próprio legislador ao consagrar tal normativo, a
obtenção da justa indemnização, pois que o valor do bem expropriado calculado de
acordo com os critérios referenciais constantes dos artigos 26º e seguintes deve
corresponder efectivamente ao valor real e corrente do mesmo, numa situação
normal de mercado, sendo certo que partindo a lei do custo da construção como
critério para se atingir aquele valor justifica-se a consagração do referido
valor correctivo, a aplicar nos casos em que tal se justifique e para que
partindo-se do custo da construção se alcance aquele valor.
Conforme já se referiu deve observar-se um princípio de igualdade e
proporcionalidade – um princípio de justiça em que o quantum indemnizatório a
pagar a cada expropriado realize a igualdade dos expropriados entre si e a
destes com os não expropriados.”
Inconformados, o Ministério Público, em representação da
expropriante, e a expropriada, interpuseram recurso de apelação para o Tribunal
da Relação de Guimarães, Tribunal que, por acórdão de 23 de Junho de 2004, de
fls. 502 e seguintes, negou provimento aos recursos e confirmou a sentença
recorrida, nestes termos:
“Insurge-se a recorrente contra o facto de o Juiz a quo utilizar o critério
referencial do n.º 5 do art. 26º do CE, referencial correspondente aos valores
administrativamente fixados para efeitos de aplicação dos regimes de habitação a
custos controlados ou de renda condicionada, de forma rígida, fixa e taxativa
sem levar em conta outros factores valorativos, sendo certo que a concreta
aplicação (e a interpretação a ela conducente) que na recorrida sentença é feita
daqueles critérios legais, muito em particular dos constantes dos artigos 23º,
n.º 1, 4 e 5 e 26º, n.º 1 e 5, ofende abertamente os princípios constitucionais
estruturantes do ordenamento jurídico em matéria de expropriações por utilidade
pública, designadamente os princípios da igualdade (artigo 13º da CRP) e da
justa indemnização (artigo 62º, n.º 2, da CRP).
Para justificar o afastamento do critério referencial, recorre à natureza do
equipamento que vai ser construído na parcela expropriada e ao facto de os três
peritos do Tribunal e o perito da Recorrente/Expropriada aludirem, no seu
relatório de avaliação, a terrenos situados a poente da via principal de acesso
ao Novo Hospital de --------- classificados como urbanizáveis e a loteamentos na
envolvente da área expropriada cujos terrenos estão a ser transaccionados a
valores que variam entre os e 150 e os € 250.
Relativamente ao equipamento hospitalar já atrás foi referido que, por não
representar o aproveitamento normal da parcela expropriada, não deve ser levada
em conta para o cálculo da indemnização.
Relativamente aos terrenos que estão a ser transaccionados a valores que variam
entre os € 150 e os €250, trata-se de um fenómeno induzido pela construção do
hospital, que também não pode ser levado em conta, sob pena de violação do
disposto no artigo 23º, n.º 2, alínea a), do C.E.
Não se surpreendendo assim circunstâncias que justifiquem o afastamento do
critério referencial do n.º 5 do artigo 26º do CE (em que se procede, aliás, à
conversão do preço por m2 da área útil para o preço do m2 da área bruta de
construção) não existe, em nosso entender, qualquer interpretação
inconstitucional dos artigos 23º, n.º 1, 4 e 5 e 26º, n.º 1 e 5 do CE, por
pretensa violação dos princípios da igualdade e da justa indemnização.
(...)
Rejeita a expropriada a aplicação do n.º 10 do artigo 26º do Código das
Expropriações, considerando tal disposição manifestamente inconstitucional, por
violadora do princípio da igualdade (artigo 13º da CRP) e do princípio da justa
indemnização (artigo 62º, n.º 2, da CRP).
Dispõe o n.º 10 do artigo 26º do C.E. que o valor resultante da aplicação dos
critérios fixados nos n.º 4 a 9 será objecto da aplicação de um factor
correctivo pela inexistência do risco e do esforço inerente `actividade
construtiva no montante máximo de 15% do valor de avaliação.
Escreveu-se, a propósito, na sentença recorrida:
(...)
Remete-se para as preditas considerações.
E para o que escreve Pedro Elias da Costa, in Guia das Expropriações por
Utilidade Pública, 2ª edição, a págs. 307:
‘Esta disposição [n.º 10 do artigo 26] é exigida pelo princípio da igualdade na
sua vertente externa. Ao se avaliar um solo pela construção que nele seria
possível efectuar, não se pode ignorar que o expropriado não suportou um risco e
uma série de despesas (custos de marketing, organização, impostos, etc.) que se
iriam traduzir num encargo a pesar sobre a habitação construída. Estes custos
são indispensáveis no cálculo da justa indemnização, influindo directamente no
valor de mercado da parcela expropriada, já que são custos a que estaria sujeito
um comprador normal que adquirisse o terreno em causa para fins edificativos
(...)’.
Não existe, assim, qualquer inconstitucionalidade decorrente da aplicação do n.º
10 do artigo 26º do CE.”
2. Ainda inconformada, A., veio recorrer para o Tribunal
Constitucional, “ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da
LTC (Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro)”, pretendendo que este Tribunal “aprecie
a constitucionalidade:
a) das normas constantes dos artigos 23.º, n.º 1, 4 e 5 e 26.º, n.º
1 e 5, do CE, na interpretação acolhida pelo acórdão recorrido, na esteira,
aliás, do entendimento perfilhado pelo julgador de 1ª instância, segundo a qual
na determinação do valor do imóvel expropriado há que proceder à aplicação de
forma rígida, fixa e taxativa do referencial correspondente aos valores
administrativamente fixados para efeitos dos regimes de habitação a custos
controlados ou de renda condicionada, sem ter em conta aquilo que é o destino
efectivo ou potencial desse bem – consagrado em Plano Director Municipal válido
e vigente à data da publicação da DUP (implantação de equipamento hospitalar);
b) da norma constante do artigo 26.º, n.º 10, do CE, na
interpretação acolhida pelo acórdão recorrido, que corrobora igualmente o
entendimento adoptado pelo julgador de 1ª instância, segundo a qual se impõe a
aplicação de um factor correctivo máximo de 15% sobre o valor do solo apto para
construção por forma a contrabalançar a inexistência no caso de expropriação de
riscos, encargos, custos organizativos, impostos, etc., que o expropriado em
condições normais teria de suportar num hipotético aproveitamento urbanístico do
imóvel, sendo tal factor correctivo, supostamente, instrumento necessário e
adequado a proporcionar a igualdade entre cidadãos.
As referidas normas, na interpretação que lhes foi dada pelo acórdão recorrido,
violam o princípio da justa indemnização consagrado no artigo 62.º, n.º 2, da
CRP e bem assim o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da CRP.”
O recurso foi admitido, por decisão que não vincula este Tribunal
(nº 3 do artigo 76.º da Lei nº 28/82).
3. Notificadas para o efeito, as partes apresentaram as alegações,
que a recorrente concluiu da seguinte forma:
«1. A interpretação que no recorrido acórdão foi feita das normas dos artigos
23°, n.° l, 4 e 5 e 26°, n.° 1 e 5, do CE, não se compatibiliza de maneira
nenhuma com as exigências constitucionais dos princípios da igualdade (artigo
13° da CRP) e da justa indemnização (artigo 62°, n.° 2 da CRP).
2. O aresto em apreço acolhe sem crítica a ideia de que na determinação do valor
do imóvel expropriado há que proceder à aplicação de forma rígida, fixa e
taxativa do referencial correspondente aos valores administrativamente fixados
para efeitos dos regimes de habitação a custos controlados ou de renda
condicionada, sem ter em conta aquilo que é o destino efectivo ou potencial
desse bem – consagrado em Plano Director Municipal válido e vigente à data da
publicação da DUP (implantação de equipamento hospitalar).
3. Todavia a harmonização das disposições constantes das referenciadas normas do
CE com os princípios constitucionais da igualdade e justa indemnização passa
necessariamente pelo reconhecimento de que o legislador ao socorrer-se do
conceito de critério referencial quis de forma deliberada e consciente indicar
que tais critérios devem ser entendidos como marcos orientadores que não
dispensam – antes exigem, pela sua própria natureza – a identificação e
ponderação de todos os outros factores valorativos que no caso concreto possam
assumir relevância.
4. Foi exactamente porque reconheceu que os padrões de avaliação estatuídos,
designadamente no artigo 26° do CE, eram passíveis de produzir resultados
injustos e desfasados da realidade, especialmente se aplicados de forma rígida e
taxativa, que o legislador atribuiu a tais critérios um carácter meramente
referencial, cujo significado último acaba por obter explicitação plena no n.° 5
do artigo 23° do CE – naquilo que com alguma propriedade já foi apelidado de uma
espécie de 'válvula de segurança' do sistema.
5. Neste contexto é evidente que a interpretação que o julgador fez das
indicadas normas da CE não se concilia com as exigências decorrentes dos
invocados princípios constitucionais da igualdade e justa indemnização, sendo
certo que a aplicação rígida e taxativa do referencial correspondente aos
valores administrativamente fixados para efeitos dos regimes de habitação a
custos controlados ou de renda condicionada tem resultados profundamente
penalizadores para o expropriado – pelo menos em comparação com as condições de
que beneficiaria em abstracto um cidadão não expropriado – e determina a fixação
de valores indemnizatórios que ficam muito aquém do valor real dos bens em
causa.
6. O mesmo é dizer que uma adequada interpretação dos versados preceitos do CE
teria forçosamente que passar pela ponderação de que o presente processo
expropriativo incide sobre terrenos destinados em PDM a equipamento de saúde,
expropriados para a implantação de equipamento de saúde e em cuja envolvente
existem loteamentos aprovados em que os terrenos estão a ser transaccionados a
valores que variam entre os € 150 e os € 250.
7. Só assim se poderia falar de um justo cálculo da capacidade construtiva e do
valor dos terrenos expropriados, sendo este, aliás, o entendimento que melhor se
articula com a ideia subjacente ao CE de que o valor real e corrente de mercado
do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização normal,
ou seja, não apenas a ponderação do valor relativo ao destino efectivo do bem,
mas também do valor correspondente ao seu destino possível numa utilização
económica normal.
8. Por outro lado, a norma do artigo 26°, n° 10, do CE, na interpretação que
lhe foi dada no recorrido acórdão, corresponde também a uma disposição
manifestamente inconstitucional, por violadora do princípio da igualdade (artigo
13° da CRP) e do princípio da justa indemnização (artigo 62°, n° 2 da CRP).
9. Ao considerar que a impugnada norma determina a aplicação de um factor
correctivo máximo de 15% sobre o valor do solo apto para construção em virtude
da inexistência de riscos e esforço construtivo que o expropriado em condições
normais supostamente teria de suportar num hipotético aproveitamento urbanístico
do imóvel, o douto acórdão em apreço assume como correcta e aceitável face aos
princípios inscritos na Lei Fundamental a presunção de que com a concretização
da expropriação o expropriado ficaria 'favorecido' por receber uma indemnização
pelo bem imóvel em causa sem ter que arcar com os custos de uma eventual
iniciativa construtiva.
10. Esta é, no entanto, uma presunção claramente desprovida de sustentáculo, o
que logo se alcança se se pensar na realidade que emerge da experiência
quotidiana das expropriações determinadas por razões de utilidade pública,
revelando, além de mais, uma deformada e desequilibrada ponderação valorativa
dos interesses em presença.
11. Nesta perspectiva a discutida norma do CE (artigo 26°, n.° 10) ofende
abertamente o princípio da igualdade plasmado no artigo 13° da CRP, na medida em
que é geradora de uma discriminação entre os cidadãos expropriados e os não
expropriados, em desfavor dos primeiros.
12. Isto porque um cidadão expropriado, além de obrigado a alienar o bem
requerido por motivo de utilidade publica, vê-lhe ser subtraída uma percentagem
de até 15% do valor indemnizatório atribuído pressupostamente em função do valor
real e corrente do bem imóvel, enquanto um cidadão não expropriado nas mesmas
circunstâncias e relativamente a um bem com idênticas características pode
optar, entre outras coisas, por vender esse bem no mercado, sem qualquer risco
ou esforço construtivo e sem ter de suportar a dedução de qualquer tipo de
percentagem.
13. Por identidade de razões, a citada norma do CE viola também o princípio da
justa indemnização ínsito no n.° 2 do artigo 62° da CRP, já que nas
circunstâncias resultantes da aplicação daquele preceito o valor indemnizatório
obtido em sede de expropriação não corresponderá nunca ao valor real e corrente
do bem.
14. Todavia, ainda que se entendesse que no tocante aos enunciados aspectos o
versado preceito (artigo 26°, n.° 10 do CE) era susceptível de ser
compatibilizado com a CRP, o que não se concede nem aceita, sempre a
interpretação e aplicação que dessa norma é feita no acórdão recorrido
continuaria enredada no vício de inconstitucionalidade, pois que aí se
estabelece e determina a aplicação do discutido factor correctivo pelo valor
máximo legalmente previsto (15%), como se se tratasse de uma taxa fixa e
invariável que apenas cumprisse aplicar de forma indiscriminada e automática a
todo e qualquer processo de expropriação em que estivesse em causa a valoração
de solo apto para construção.
15. Ora, é perfeitamente claro que o legislador ao estatuir o normativo do n.°
10 do artigo 26° do CE e ao abrir a possibilidade de introdução no cálculo do
valor da parcela expropriada daquele factor correctivo pretendeu apenas
estabelecer, em termos percentuais, a dimensão ou amplitude máxima da variação
desse factor, quantificado em função do valor de avaliação atribuído ao solo
apto para construção.
16. Assim sendo, não faz qualquer sentido encarar a referida norma como uma
espécie de via para a aplicação de uma dedução fixa e invariável e não
dependente da demonstração ou prova de que o expropriado obteve com a
concretização do processo expropriativo um benefício ou vantagem económica –
maxime, sob a forma de uma pretensa 'poupança' de custos –, quando em cotejo com
os resultados patrimoniais de uma virtual sujeição do imóvel expropriado a uma
iniciativa construtiva da parte do próprio proprietário.
17. Por conseguinte, a interpretação que no douto acórdão em crise é efectuada
da mencionada norma implicaria a subsistência do vício de inconstitucionalidade,
por violação dos já citados princípios da igualdade e da justa indemnização, não
apenas porque estaria em causa um tratamento não diferenciado de situações
desiguais – maior ou menor 'poupança' em função da inexistência de risco ou
esforço construtivo em caso de expropriação, consoante as características do
imóvel e os demais factores que intervêm na determinação do valor de mercado dos
bens imobiliários, mas também porque corresponderia a privar o expropriado de
forma desproporcionada e injusta de uma parte do real valor do bem objecto de
expropriação.
18. Nesta conformidade, forçoso se torna que seja reconhecida e declarada a
inconstitucionalidade das indicadas normas do CE, na interpretação que lhes foi
dada pelo Tribunal da Relação de Guimarães na referenciada apelação, uma vez que
a mesma viola o princípio da igualdade e o princípio da justa indemnização
consagrados na CRP, impondo-se por isso que seja afastada e recusada a sua
aplicação ao caso em apreço nos autos.»
Com as alegações, a recorrente juntou um parecer jurídico, no qual
igualmente se sustenta a inconstitucionalidade da norma em apreciação, por
violação do princípio da igualdade e, nesta medida, do princípio da justa
indemnização, consagrados nos artigos 13.º, n.º 1, e 62.º, n.º 2, da
Constituição.
Quanto ao Ministério Público, formulou estas conclusões:
«1 – Não viola o princípio constitucional da justa indemnização o
estabelecimento legislativo de critérios ou regras técnicas que facilitem a
actividade do juiz a determinação do valor dos bens imóveis expropriados, com
vista à determinação do que corresponde a um aproveitamento económico normal de
terrenos aptos para construção.
2 – No caso dos autos, tais critérios técnicos auxiliares não foram tidos pela
Relação como absolutamente fixos ou rígidos – e portanto insusceptíveis, em
absoluto, de adequação à especificidade da situação concreta em litígio – apenas
se entendendo, face à matéria de facto provada no processo, que se não
justificava a sua derrogação.
3 – Termos em que deverá improceder o presente recurso.»
4. Colocando-se a hipótese de não conhecimento parcial do recurso,
foi notificado às partes o seguinte despacho, constante de fls. 659, no qual,
depois de se identificar o recurso, se escreveu o seguinte:
«(...)
2. É, todavia, plausível que o Tribunal Constitucional não possa conhecer do
presente recurso no que toca à questão de constitucionalidade referida aos
artigos 23º, n.º 1, 4 e 5, e 26º, n.º 1 e 5, do Código das Expropriações, por
falta dos necessários pressupostos.
Na verdade, a recorrente afirma que a interpretação das normas contidas naqueles
preceitos adoptada pela decisão recorrida, e, já antes, pelo tribunal de
primeira instância, foi aquela segundo a qual “na determinação do valor do
imóvel expropriado há que proceder à aplicação de forma rígida, fixa e taxativa
do referencial correspondente aos valores administrativamente fixados para
efeitos dos regimes de habitação a custos controlados ou de renda condicionada,
sem ter em conta aquilo que é o destino efectivo ou potencial desse bem –
consagrado em Plano Director Municipal válido e vigente à data da publicação da
DUP (implantação de equipamento hospitalar)”.
Já nas alegações produzidas no âmbito do recurso de apelação por si interposto a
recorrente havia insistido que o indicador apontado no n.º 5 do artigo 26º do
Código das Expropriações “não era mais do que um referencial” (cfr. fls. 144).
Simplesmente, é também esse, afinal, o entendimento adoptado pela decisão da
primeira instância, quando nela se afirma que “o n.º 5 do artigo 26º não impõe
uma correspondência do preço por metro quadrado de construção fixado
administrativamente para efeitos de aplicação dos regimes de habitação a custos
controlados ou de renda condicionada mas apenas uma obrigação de consideração
destes preços como padrão de referência ou como factor indiciário do custo do
metro quadrado de construção para o cálculo da indemnização por expropriação”; e
o mesmo se diga quanto à decisão recorrida.
Parece, assim, que o que a recorrente verdadeiramente contesta é a concreta
aplicação dos critérios constantes dos artigos 23º, n.º 1, 4 e 5, e 26º, n.º 1 e
5 do Código das Expropriações e não os critérios em si mesmos considerados. De
resto, na conclusão sétima das suas alegações apresentadas no âmbito do recurso
de apelação interposto para a Relação de Guimarães, a recorrente afirma que “a
concreta aplicação (e a interpretação a ela conducente) que na recorrida
sentença é feita daqueles critérios legais, muito em particular dos constantes
dos artigos 23º, n.º 1, 4 e 5, e 26º, n.º 1 e 5, ofende abertamente os
princípios constitucionais estruturantes do ordenamento jurídico em matéria de
expropriações por utilidade pública, designadamente, os princípios da igualdade
(artigo 13º da CRP) e da justa indemnização (artigo 62º, n.º 2, da CR)”.
Uma vez que a recorrente não questiona os critérios constantes das normas em
causa e que o respectivo carácter referencial é expressamente assumido pela
decisão da primeira instância e pela decisão recorrida, conclui-se que a sua
censura não vai dirigida a normas, mas às decisões judiciais proferidas nos
autos.
Com efeito, o recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade das normas
destina-se a que este tribunal aprecie a conformidade constitucional de normas,
ou de interpretações normativas, que foram efectivamente aplicadas na decisão
recorrida e não das próprias decisões que as apliquem. Assim resulta da
Constituição e da lei e assim tem sido repetidamente afirmado pelo Tribunal
(cfr., a título de exemplo, os Acórdãos n.ºs 612/94, 634/94 e 20/96, publicados
no Diário da República, II Série, de 11 de Janeiro de 1995, 31 de Janeiro de
1995 e 16 de Maio de 1996).
Assim, notifiquem-se as partes, nos termos do disposto no n.º1 do artigo 704º do
Código de Processo Civil, para se pronunciarem, querendo, sobre a hipótese de
não conhecimento parcial do recurso.»
Respondendo, a recorrente observou, fundamentalmente, que a questão
de direito que está a colocar a este Tribunal “se prende precisamente com o
facto de no acórdão recorrido as citadas normas serem materialmente
interpretadas” em termos que apontam para a aplicação rígida, fixa e taxativa
dos valores administrativamente fixados para efeitos de habitação a custos
controlados ou de renda condicionada, ainda que apelidando formalmente o índice
em causa – em conformidade com a literalidade do enunciado legal – como um mero
critério referencial a utilizar na determinação do valor dos imóveis objecto de
expropriação”.
O Ministério Público não se pronunciou.
5. Discutido o memorando elaborado pela relatora inicial e tendo-se verificado
mudança de relator, cumpre formular a decisão.
6. Pelas razões constantes do despacho de fls. 659, não pode
conhecer-se do recurso no que toca à questão de constitucionalidade referida aos
artigos 23.º, n.ºs 1, 4 e 5, e 26.º, n.ºs 1 e 5, do Código das Expropriações,
uma vez que, como nesse despacho se demonstra, este recurso não pode versar
sobre a alegada inconstitucionalidade de decisões judiciais, nem sobre alegada
contradição ou incongruência das mesmas, como parece pretender a recorrente.
7. Assim, o Tribunal Constitucional apenas vai conhecer da
inconstitucionalidade atribuída à norma do n.º 10 do artigo 26.º do Código das
Expropriações de 1999, cujo texto é o seguinte:
“10. O valor resultante dos critérios fixados nos n.ºs 4 a 9 será objecto de um
factos correctivo pela inexistência do risco e do esforço inerente à actividade
construtiva, no montante máximo de 15% do valor da avaliação”.
Esta norma foi já objecto de apreciação por este Tribunal, aliás em
recurso igualmente interposto pela ora recorrente. No Acórdão n.º 505/2004
(Diário da República, II série, de 3 de Novembro de 2004), o Tribunal julgou que
a norma em causa não viola o disposto nos artigos 13.º e 62.º, n.º 2, da
Constituição, nos seguintes termos:
«3 - A questão de constitucionalidade que a recorrente sujeita à apreciação
deste Tribunal está em saber se a norma ínsita no artigo 26º n.º 10 do CE ofende
os artigos 62º n.º 2 (princípio da justa indemnização) e 13º (princípio da
igualdade) da CRP.
O artigo 26º do CE dispõe sobre o cálculo do valor do solo apto para a
construção.
Depois de, no seu n.º 1, estabelecer que o valor do solo apto para construção se
calcula 'por referência à construção que nele seria possível efectuar se não
tivesse sido sujeito a expropriação, num aproveitamento económico normal, de
acordo com as leis e regulamentos em vigor', o artigo 26º do CE adopta dois
critérios de cálculo daquele valor, o primeiro - que se pode qualificar como
principal - regulado nos n.ºs 2 e 3 e o segundo - subsidiário - aplicável no
caso de se não revelar possível a aplicação do primeiro, com a disciplina
prevista nos n.ºs 4 e segs. Isto, sempre sem prejuízo do disposto no n.º 5 do
artigo 23º do mesmo Código que, assinalando o fim visado pelas regras que
regulam o cálculo do valor dos bens expropriados (fazer corresponder este valor
'ao valor real e corrente dos bens numa situação normal de mercado'), prevê a
possibilidade de a entidade expropriante e o expropriado requererem, ou o
tribunal decidir oficiosamente, que a avaliação se faça de acordo com outros
critérios, quando, no caso, a que viesse a ser feita em conformidade com os
critérios enunciados nos artigos 26º e segs. não permitisse a referida
correspondência - é o que Alves Correia qualifica como 'válvula de escape' ou
'cláusula de segurança' ('A jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre
expropriações por utilidade pública e o Código das Expropriações de 1999', ed.
Coimbra Editora, 2000, separata da Revista de Legislação e Jurisprudência, pág.
128).
No caso, o critério adoptado para calcular o valor do solo, qualificado como
apto para a construção, foi o que consta dos n.ºs 4 e segs. do artigo 26º, ou
seja, o que se define pelas seguintes regras:
- o valor do solo calcula-se em função do custo da construção em condições
normais de mercado;
- este custo é determinado tendo em conta, como referencial, os montntes fixados
administrativamente para efeitos de aplicação dos regimes de habitação a custos
controlados ou de renda condicionada;
- o valor do solo varia até 15 % do custo de construção;
- nesta variação atender-se-á a vários factores, nomeadamente, localização,
qualidade ambiental e dos equipamentos existentes na zona;
- a percentagem fixada (até 15 % do custo de construção) pode, ainda, ser
acrescida até ao limite de percentagens legalmente estabelecidas para diversos
factores, que aumentam o valor do solo, referidos nas alíneas a) a i) do n.º 7
do artigo 26º;
- o custo de construção pode ainda ser acrescido ou diminuído se, pelas
especiais condições do local, ele for substancialmente reduzido ou agravado;
- quando o aproveitamento urbanístico que serviu de base à avaliação implicar
uma sobrecarga incomportável para as infra-estruturas existentes, deverá ter-se
em conta (abater-se) no cálculo do montante indemnizatório as despesas
necessárias ao reforço dessas infra-estruturas;
- o valor determinado pelas regras enunciadas será corrigido (diminuído) com a
aplicação de uma percentagem máxima de 15 % daquele valor, 'pela inexistência de
risco e do esforço inerente à actividade construtiva' - sendo esta a regra cuja
constitucionalidade vem questionada.
Como se deixou relatado, a recorrente invoca a violação dos artigos 62º n.º 2 e
13º da Constituição.
Cabe, no entanto, evidenciar que tal invocação resulta da mesma base
argumentativa, qual seja a de que a redução do montante indemnizatório coloca o
expropriado numa posição de desigualdade face aos não expropriados; isto é,
desde logo, patente na conclusão 6ª das alegações onde a recorrente, depois de
nas conclusões anteriores se reportar à situação de suposto de desfavor dos
expropriados relativamente aos não expropriados, diz 'Por identidade de razões,
a citada norma do CE viola também o princípio da justa indemnização ínsito no
n.º 2 do artigo 62º da CRP...'.
Compreende-se, aliás, este entendimento, tendo em conta o que o Tribunal
Constitucional tem vindo a expender sobre o princípio constitucional consagrado
no artigo 62º n.º 2 da Constituição.
Escreveu-se, a propósito no Acórdão n.º 210/93, in Acórdãos do Tribunal
Constitucional, 24º vol., págs. 549 e segs.:
'9. O artigo 62º, nº 2, da Lei Fundamental, ao estabelecer que a expropriação
por utilidade pública só pode ser efectuada com base na lei e mediante o
pagamento de 'justa indemnização', consagra claramente o princípio da
indemnização como um pressuposto de legitimidade do acto expropriativo (cfr. F.
Alves Correia, As Garantias do Particular na Expropriação por Utilidade Pública,
Coimbra, 1982, p. 120-122 e 156-162) ou, por outras palavras, como 'um elemento
integrante do próprio acto de expropriação' (cfr. Gomes Canotilho/Vital Moreira,
Constituição da República Portuguesa Anotada, vol., I, 2ª Ed., Coimbra, Coimbra
Editora, 1984, p. 337. Cfr. também F. Alves Correia, Formas de Pagamento da
Indemnização na Expropriação por Utilidade Pública - Algumas Questões, Separata
do Número Especial do Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, 'Estudos em
Homenagem ao Prof. Doutor António de Arruda Ferrer Correia', 1984, Coimbra,
1991, p. 15,16, nota 4).
Aquele preceito constitucional determina que a indemnização por expropriação
deve ser justa, mas não define qualquer critério indemnizatório de aplicação
directa e objectiva, nem contém qualquer indicação sobre o método ou mecanismo
de avaliação do prejuízo derivado da expropriação. É este um problema de técnica
legislativa, cuja escolha foi deixada pela Constituição ao legislador ordinário
(cfr. F. Alves Correia, O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade, Coimbra,
Almedina, 1990, p. 532,546).
Apesar disso, a expressão 'justa indemnização', inserta no artigo 62º, nº 2, da
Lei Fundamental, não pode ser considerada como uma fórmula vazia. É, antes, uma
fórmula carregada de sentido, na qual podem ser colhidos importantes limites à
discricionaridade do legislador ordinário.
10. Em obra recente, F. Alves Correia (cfr. O Plano Urbanístico e o Princípio da
Igualdade, cit., p. 532 e ss.) defende que o conceito constitucional de 'justa
indemnização' leva implicado três ideias: a proibição de uma indemnização
meramente nominal, irrisória ou simbólica; o respeito pelo princípio da
igualdade de encargos; e a consideração do interesse público da expropriação.
Atendo-nos apenas à primeira e à segunda dimensões - aquelas que têm a ver com o
princípio da justiça da indemnização visto na direcção do expropriado -,
dir-se-á, com o autor referido, que no conceito de justa indemnização vai
implícito o sentido de que devem ser rejeitados por inconstitucionais os
critérios conducentes a uma indemnização meramente nominal (blösse
Nominalentschädigung), a uma indemnização puramente irrisória ou simbólica ou a
uma indemnização simplesmente aparente. Estar-se-á perante uma indemnização
meramente simbólica quando, por exemplo, a lei, baseando-se num critério
abstracto, que não faça qualquer referência ao bem a expropriar e ao seu valor
segundo o seu destino económico, permite indemnizações que não se traduzem numa
compensação adequada do dano infligido ao expropriado.
Além disso, no conceito de justa indemnização vai implicada necessariamente a
observância do princípio da igualdade, na sua manifestação de igualdade dos
cidadãos perante os encargos públicos. Uma indemnização justa (na perspectiva do
expropriado) será aquela que, repondo a observância do princípio da igualdade
violado com a expropriação, compense plenamente o sacrifício especial suportado
pelo expropriado, de tal modo que a perda patrimonial que lhe foi imposta seja
equitativamente repartida entre todos os cidadãos.
Segundo o autor citado, o princípio da igualdade, como elemento normativo
inderrogável que deve presidir à definição dos critérios de indemnização por
expropriação, desdobra-se em duas dimensões ou em dois níveis fundamentais de
comparação: o princípio da igualdade no âmbito relação interna e o princípio da
igualdade no domínio da relação externa da expropriação.
(...) No domínio da relação externa da expropriação, comparam-se os expropriados
com os não expropriados, devendo a indemnização por expropriação ser fixada num
montante tal que impeça um tratamento desigual entre os dois grupos. A
observância do 'princípio da igualdade dos cidadãos perante os encargos
públicos' na expropriação por utilidade pública exige que esta seja acompanhada
de uma indemnização integral (volle Entschädigung) ou de uma compensação
integral do dano infligido ao expropriado. Aquele princípio impõe que a
indemnização por expropriação possua um 'carácter reequilibrador' em benefício
do sujeito expropriado, objectivo que só será atingido se a indemnização se
traduzir numa 'compensação séria e adequada' ou, noutros termos, numa
compensação integral do dano suportado pelo particular'.
É, pois, neste domínio da relação externa da expropriação, que a recorrente
situa a violação do princípio da igualdade, princípio este que - como se viu -
vai implicado naqueloutro da 'justa indemnização'.
Ora, deve dizer-se, em primeiro lugar, que a tese sustentada pela recorrente não
é nova na doutrina. Ela foi defendida com argumentação muito semelhante à da
recorrente por Melo Ferreira In “Código das Expropriações Anotado”, 2ª ed., p.
126. Mas não deixa, também, de assinalar-se que Alves Correia, no ponto 3 do
estudo citado, 'A jurisprudência do Tribunal Constitucional...', epigrafado como
'A questão de constitucionalidade de algumas normas relativas ao conteúdo da
indemnização' não refere a norma em causa como sendo uma das que, no Código de
99, merecem um juízo de inconstitucionalidade.
Entende o Tribunal que a norma não enferma de inconstitucionalidade.
Qualificado o solo expropriado como apto para a construção e exigindo a lei
(artigo 23º n.º 5 do CE) que o resultado da avaliação corresponda ao valor real
e corrente, numa situação normal de mercado, daquele bem, os critérios impostos
para tal avaliação - que, tem como referencial, o custo de construção possível
- assentam necessariamente em factores concretos que permitam alcançar tal
resultado, ou seja, nem uma sub-avaliação, nem uma sobre-avaliação do bem
expropriado.
E é por isso que ao lado de factores que determinam aumentos à percentagem
máxima do custo de construção, outros há que vão implicar uma redução do
montante indemnizatório.
Nestes últimos se incluem, nomeadamente, o reforço das infra-estruturas
necessário para o aproveitamento urbanístico que serviu de base ao cálculo do
valor do solo (n.º 8 do artigo 26º do CE) e o risco e esforço inerente à
actividade construtiva, encargos que o expropriado, em ambos os casos, não teve
que suportar, mas que suportaria se não fosse expropriado e pretendesse o mesmo
aproveitamento.
Quer um, quer outro dos factores significam a concretização da pretensão de
igualar a situação de expropriados e não expropriados, de modo a evitar um
benefício ilegítimo dos primeiros.
Ora, tal como Alves Correia (estudo citado, pág. 143) se refere ao primeiro
factor ('A consideração das despesas necessárias ao reforço das infra-estruturas
existentes, nas situações referidas nesta norma, no cálculo do montante da
indemnização é perfeitamente compreensível, pois sem o seu custeamento pelo
expropriado não seria possível a realização do aproveitamento urbanístico que
serviu de base à determinação do montante da indemnização', também se poderá
dizer, no caso, que, para obter no mercado normal, o preço equivalente ao valor
por que bem idêntico é avaliado para efeitos de expropriação (de acordo com a
sua aptidão edificativa e tendo como referencial o custo de construção) um não
expropriado teria que suportar o risco e o esforço inerente à actividade
construtiva.
É evidente que nos situamos, como não podia deixar de ser, num campo de
prognose; mas trata-se de um juízo plausível e sem arbítrio de que não decorre
um tratamento discriminatório entre expropriados e não expropriados.
Por outro lado, importa, ainda. ter em conta que a correcção a efectuar ao valor
da avaliação, nos termos da norma em causa, se dimensiona em termos flexíveis
(até 15 %), o que sempre permitirá a ponderação de circunstâncias particulares
do caso, de modo a, tanto quanto possível, ajustar a previsão dos referidos
custos ou encargos à realidade hipotética.
Em suma, pois, a norma do artigo 26º n.º 10 do CE não viola o princípio da
igualdade e, nesta medida, o princípio da justa indemnização, consagrados nos
artigos 13º e 62º n.º 2 da CRP.»
Subscreve-se esta fundamentação, por manter inteira validade, não
tendo a recorrente aduzido razões que não tenham sido já ponderadas ou que
convençam da necessidade de rever a análise efectuada.
Acrescentar-se-á apenas que a circunstância de, actualmente e na
maioria dos casos, pelo menos em zonas urbanas, o agente da construção ser um
promotor imobiliário, com a consequência de o proprietário do terreno, se não
fosse expropriado, poder optar por vendê-lo a um promotor imobiliário em vez de
construir ele mesmo, não torna arbitrária, na vertente externa do princípio da
igualdade, a consideração dos elementos a que a norma em causa manda atender. Os
componentes de risco e de esforço com tradução no factor em causa são os mesmos
que um potencial comprador, suposto agente económico racional, levaria em conta
na determinação do preço por que se disporia a adquirir o terreno. Portanto, o
proprietário não expropriado, para aproveitar da aptidão edificativa reconhecida
ao terreno, pode eximir-se pessoalmente no “risco e esforço” inerentes à
actividade construtiva, mas já não aos reflexos negativos desses factores na
determinação do valor do bem em condições normais de mercado, que é o que releva
para a ponderação.
Por outro lado, não se vislumbram razões para afirmar que, por se
traduzir em abater uma parcela ao montante que foi encontrado por aplicação dos
critérios resultantes dos n.ºs 5 a 9 do mesmo artigo 26.º, a aplicação da norma
conduz sistematicamente a uma indemnização abaixo do valor real e corrente dos
bens num aproveitamento económico normal. A norma em causa prevê factores que,
de modo geral, são influentes na determinação do valor de transacção dos
terrenos aptos para construção em condições normais de mercado, e em relação aos
quais não há evidência de que se trate de elementos já anteriormente
considerados na determinação da base sobre que a dedução nela estabelecida vai
operar, designadamente que a sua ponderação já esteja incorporada nos n.ºs 5 e 6
do artigo 26.º.
Finalmente, não é exacto que a norma em causa tenha sido
interpretada pelo acórdão recorrido como impondo “uma dedução fixa e
invariável”. Por remissão para a sentença de 1.ª instância, a decisão recorrida
considerou que o factor correctivo em causa é de “aplicar nos casos em que tal
se justifique e para que partindo-se do custo da construção se alcance aquele
valor” [o valor real e corrente do bem, numa situação normal de mercado].
Interpretou-se a norma como permitindo a adequação à situação concreta. Não cabe
nos poderes cognitivos do Tribunal apreciar se o coeficiente foi depois aplicado
em conformidade com essa interpretação e a matéria de facto apurada no processo.
8. Decisão
Pelo exposto, decide-se:
a) não tomar conhecimento do recurso, no que toca à questão de
constitucionalidade das normas dos artigos 23.º, n.ºs 1, 4 e 5, e 26.º, n.ºs 1 e
5, do Código das Expropriações de 1999;
b) não julgar inconstitucional a norma do n.º 10 do artigo 26.º do Código
das Expropriações e, consequentemente, negar provimento ao recurso;
c) condenar a recorrente nas custas, fixando a taxa de justiça em 25 (vinte
e cinco) unidades de conta.
Lisboa, 4 de Outubro de 2005
Vítor Gomes
Gil Galvão
Bravo Serra
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Vencida, conforme declaração junta)
Artur Maurício
Declaração de voto
Votei vencida, no essencial, porque penso que vale aqui a razão que me levou a
votar vencida no acórdão n.º 422/2004 (Diário da República, II série, de 4 de
Novembro de 2004), no qual estava em causa a norma do n.º 4 do artigo 23º do
mesmo Código. Considerei então, na parte que agora releva, que “o efeito da
aplicação da norma (...) se traduz em retirar uma parcela ao montante da
indemnização que foi encontrado por corresponder ao «valor de mercado ‘normal’
ou ‘habitual’», valor esse que o Tribunal Constitucional tem considerado
adequado à exigência constante do n.º 2 do artigo 62º da Constituição (...),
assim se fixando para a indemnização um montante assumidamente abaixo desse
valor «normal»”.
Em síntese, suponho que, se é exacto que o montante a reduzir nos
termos do n.º 10 é o valor que o expropriado teria de suportar a título de
“risco e esforço inerente à actividade construtiva” (acórdão 505/2004), e que a
sua dedução se destina a colocá-lo em situação de igualdade com os outros
proprietários, então tal montante há-de ter sido já tido em conta para se poder
chegar ao “valor resultante da aplicação dos critérios fixados nos n.ºs 4 a 9”
do artigo 26º.
Considero, assim, tal como votei no acórdão n.º 422/2004, que a
norma aqui em apreciação viola os princípios da justa indemnização em caso de
expropriação por utilidade pública, constante do n.º 2 do artigo 62º, e da
igualdade, consagrado no artigo 13º, ambos da Constituição.
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza