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Processo n.º 875/06
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
Acordam em conferência na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1.A. e B. vêm reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do
artigo 78.º‑A da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal
Constitucional (Lei do Tribunal Constitucional), da decisão sumária do relator
de 21 de Novembro de 2006, que decidiu, ao abrigo do disposto no n.º 1 do mesmo
preceito, negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida, no que à
questão de constitucionalidade respeita. Tal decisão teve o seguinte teor:
“I. Relatório
1. A. e B. interpuseram recurso para o Tribunal Constitucional, “ao abrigo do
artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional” (sic), do acórdão do Supremo
Tribunal de Justiça de 21 de Setembro de 2006, que julgou improcedente a arguida
nulidade do acórdão do mesmo Supremo Tribunal, de 25 de Agosto de 2006, que não
admitira os recursos interpostos contra o acórdão do Tribunal da Relação de
Lisboa, de 9 de Maio de 2006, o qual confirmara, na íntegra, o acórdão da
primeira instância, que, por sua vez, condenara a arguida A.: pela prática de
um crime de burla qualificada na forma consumada, previsto e punido pelos
artigos 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, alínea a), do Código Penal, na pena de 5
(cinco) anos de prisão; pela prática de um crime de branqueamento de capitais,
previsto e punido pelo artigo 2.º, n.ºs 1, alínea b), e 2, do Decreto-Lei n.º
325/95, de 2 de Dezembro, na redacção introduzida pela Lei n.º 10/2002, de 11 de
Fevereiro, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão; pela prática de
três crimes de falsificação agravada, previstos e punidos pelo artigo 256.º,
n.ºs 1, alínea a), e 3, do Código Penal, na pena de 8 (oito) meses de prisão por
cada um; pela prática de um crime de falsificação, previsto e punido pelo artigo
256.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na pena de 4 (quatro) meses de prisão;
e, em cúmulo jurídico, na pena única de 9 (nove) anos e 6 (seis) meses de
prisão; e o arguido B.: pela prática de um crime de burla qualificada na forma
tentada, previsto e punido pelos artigos 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, alínea
a), 22.º, 23.º e 73.º, todos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 3
(três) meses de prisão; pela prática de um crime de branqueamento de capitais,
previsto e punido pelo artigo 2.º, n.ºs 1, alínea b), e 2, do Decreto-Lei n.º
325/95, de 2 de Dezembro, na redacção introduzida pela Lei n.º 10/2002, de 11 de
Fevereiro, na pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão; pela prática de
quatro crimes de falsificação agravada, previstos e punidos pelo artigo 256.º,
n.ºs 1, alínea a), e 3, do Código Penal, na pena de 10 (dez) meses de prisão por
cada um; e pela prática de dois crimes de falsificação, previstos e punidos pelo
artigo 256.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de
prisão por cada um; e, em cúmulo jurídico, na pena única de 4 (quatro) anos e 6
(seis) meses de prisão.
Na resposta ao parecer do Procurador-Geral Adjunto em exercício de funções no
tribunal a quo, os arguidos invocaram que “o art. 400.º-1-f) CPP deve ser
entendido à luz dos arts. 32.º- 1 e 13.º-1 da Lei Fundamental e do ACÓRDÃO
628/2005 da 2.ª SECÇÃO do TRIBUNAL CONSTITUCIONAL – Relatora Sr.ª Cons. MARIA
FERNANDA PALMA: o recurso deve ser admitido, pese embora a pena aplicada, pois a
aplicável é superior a OITO ANOS…..” (fls. 2785 dos autos).
O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Agosto de 2006, que, por
inadmissíveis, não conheceu dos recursos interpostos, desenvolveu a seguinte
fundamentação:
«(…)
2. Nos termos do art.º 432.º, al. b), do CPP, “Recorre-se para o Supremo
Tribunal de Justiça… b) De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas
relações, em recurso, nos termos do art.º 400.º”.
E, de acordo com este art.º 400.º, al.s e) e f), “1 – Não é admissível recurso:
... e) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, em processo por crime
a que seja aplicável pena de multa ou pena de prisão não superior a cinco anos,
mesmo em caso de concurso de infracções, ou em que o Ministério Público tenha
usado da faculdade prevista no art.º 16.º, n.º 3;
f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que
confirmem decisão de primeira instância, em processo crime a que seja aplicável
pena de prisão não superior a oito anos, mesmo em caso de concurso de
infracções”.
O uso da expressão “mesmo em caso de concurso de infracções”, nestas al.s e) e
f), tem gerado divergência de opiniões no Supremo Tribunal de Justiça, pois
enquanto uns entendem que, para o efeito da (ir)recorribilidade, caso haja
concurso de infracções, só releva a pena aplicável, em abstracto, para cada um
dos crimes que entram no concurso, sendo indiferente a pena única abstractamente
aplicável ao cúmulo, para outros importa também considerar o limite máximo
abstractamente aplicável ao cúmulo.
Adianta-se desde já que este STJ vem perfilhando, por larga maioria, o
entendimento exarado pelo Ex.mº Procurador-Geral Adjunto no seu parecer.
Assim, em diversos Acórdãos, de que se cita, a título de exemplo, o proferido no
proc. 4198/02-5.ª, decidiu-se: (I) – Não é admissível recurso, além do mais, de
acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de
primeira instância, em processo crime a que seja aplicável pena de prisão não
superior a oito anos, mesmo em caso de concurso de infracções – art.º 400.º, n.º
1, al. f), do CPP. (II) – Assim, ainda que, em abstracto, a pena correspondente
ao cúmulo jurídico possa ultrapassar em muito aquele limite de oito anos –
podendo atingir o máximo de 25 anos, nos termos do art.º 77.º, n.º 2, do CP –,
não é esse o critério legal de aferição de recorribilidade ou não da decisão,
antes, o das penas aplicáveis a cada um dos crimes singulares que concorram no
cúmulo jurídico. (III) – Deste modo, a expressão “mesmo em caso de concurso de
infracções”, no contexto referido, significa que, em regra, não importa a pena
aplicada no concurso, devendo tomar-se em conta, antes, a pena abstractamente
aplicável a cada um dos crimes. (IV) – Por isso, qualquer que seja a pena em
concreto aplicada em cúmulo jurídico, a decisão relativa a cada um dos crimes
singulares que o integram é irrecorrível se a correspondente pena aplicável não
for superior a oito anos e se verificar “dupla conforme”, ou seja, concordância
das instâncias na fixação das concretas penas singulares”.
Mas também já se decidiu que a expressão “mesmo em caso de concurso de
infracções”, a que se refere a mencionada al. f), deve ser entendida como
significando que, no caso da prática pelo arguido de várias infracções, ainda
que cada uma delas não exceda a pena abstracta de oito anos, se o cúmulo
jurídico correspondente exceder também a pena de prisão de oito anos, o recurso
é admissível (cfr. Acórdão proferido no processo 220/02-3.ª, entre outros).
Na esteira da jurisprudência dominante, entendemos, porém, mais adequada com a
letra e o espírito da lei a posição expressa em primeiro lugar.
Na verdade, tanto na al. e) como na al. f), os limites de 5 e 8 anos,
respectivamente, estão reportados ao “crime a que seja aplicável” e não aos
“crimes a que seja aplicável”, donde decorre que o legislador atendeu tão-só à
pena parcelar aplicável a cada crime, considerado isoladamente, e não à pena
única dos crimes que estejam em concurso.
Se o legislador tivesse querido adoptar posição diferente da perfilhada, como se
refere no acórdão deste Supremo Tribunal de 22.5.2003, proc. 1096/03,
«...bastaria ter redigido qualquer das al.s e) e f) sem o uso da frase “por
crime a que”, substituindo-a por outra expressão (por exemplo: f) “de acórdãos
condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de
primeira instância, em processo onde seja aplicável pena de prisão não superior
a oito anos, mesmo em caso de concurso de infracções”).
Mas o legislador não redigiu desse modo, tendo preferido usar a expressão “por
crime a que corresponda”. Por isso, interpretamos a frase “mesmo em caso de
concurso de infracções”, que segue àquela outra, com o significado literal, que
é o de que se mantém o mesmo critério (pena aplicável a cada crime) “ainda que
ocorra concurso de infracções”».
O Prof. Germano Marques da Silva também entende do mesmo modo, quando escreve
(Curso de Processo Penal, II, 2.ª ed., pág. 325): “A expressão ‘mesmo em caso de
concurso de infracções’ suscita algumas dificuldades de interpretação. A pena
aplicável no concurso tem como limite mínimo a mais elevada das penas
concretamente aplicadas e como limite máximo a soma das penas aplicadas nos
diversos crimes em concurso (art.º 77.º do CP). Não parece que o legislador
tenha aqui recorrido a um critério assente na pena efectivamente aplicada no
concurso e, em abstracto, é impossível determinar qual a pena aplicável aos
crimes em concurso antes da determinação da pena aplicada a qualquer deles.
Parece-nos que a expressão “mesmo em caso de concurso de infracções” significa
aqui que não importa a pena aplicada no concurso, tomando-se em conta a pena
abstracta aplicável a cada um dos crimes”.
No caso em apreço, os arguidos foram condenados, em primeira instância, por
crimes com moldura penal máxima de 8 anos de prisão (burla agravada) – os crimes
de falsificação agravada são puníveis com o máximo de 5 anos de prisão e os de
falsificação com o máximo de 3 anos de prisão.
Por seu turno, o crime do art.º 2.º, n.ºs 1, al. b), e 2, do Dec.-Lei n.º
325/95, de 2.12, na redacção introduzida pela Lei n.º 10/02, de 11.2, é, no
caso, punível com prisão com limite máximo de 8 anos, a correspondente à
infracção principal de burla qualificada.
Na verdade, como é referido no douto parecer do Magistrado Público, “o n.º 2 do
citado art.º 2.º veio estabelecer uma sublimitação à moldura penal do tipo,
impedindo que o branqueamento seja punido com uma moldura penal superior à dos
crimes que estiverem na génese dos bens ou produtos”.
Como a Relação confirmou, na íntegra, o acórdão da 1.ª instância, dentro da
orientação que perfilhamos, a decisão em causa é irrecorrível.
Procede, assim, a questão prévia suscitada pelo M.º P.º.
O facto de o recurso ter sido admitido não vincula o Tribunal superior – art.º
414.º, n.º 3, do C.P.P.»
Cumpre decidir.
II. Fundamentos
2. A questão de constitucionalidade suscitada pelos recorrentes é de
considerar «simples», por já ter sido objecto de anteriores decisões do
Tribunal Constitucional, o que leva a proferir a presente decisão sumária, nos
termos do n.º 1 do artigo 78.º‑A da Lei do Tribunal Constitucional (LTC).
3. Entende-se constituir mero lapso a omissão, pelos recorrentes, de referência
à alínea do n.º 1 do artigo 70.º da LTC ao abrigo da qual pretendem interpor
recurso para este Tribunal. Do teor do requerimento de recurso resulta, porém,
que este se fundamenta na alegada aplicação, pelo tribunal recorrido, de uma
norma que o recorrente reputa inconstitucional. Os recorrentes afirmam que o
recurso “tem em vista ser declarada a inconstitucionalidade da garantia
constitucional do direito ao recurso que pressupõe que a defesa veja apreciado
no S.T.J. o apelo a uma justiça racional e lógica”, mas, como é evidente, não
pode estar em apreciação a constitucionalidade da própria garantia
constitucional. Antes os recorrentes, pela remissão que fazem para anterior
jurisprudência deste Tribunal, pretendem a apreciação da constitucionalidade da
alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal.
Quanto à alínea e) do n.º 1 desse artigo 400.º, também referida pelos
recorrentes, não poderá, porém, tomar-se conhecimento do recurso, dado que nos
presentes autos se verificou uma decisão condenatória integralmente confirmada,
a qual está, antes, contemplada como hipótese em que não é admissível recurso
na referida alínea f).
Resulta, ademais, do relatório supra que nenhum dos crimes por que os arguidos
foram condenados é passível de pena de prisão superior a oito anos. Ora, assim
sendo, não procede a invocação, pelos recorrentes, da jurisprudência firmada no
Acórdão deste Tribunal n.º 628/2005 (publicado no Diário da República, II Série,
23 de Maio de 2006), que julgou inconstitucional a norma constante da alínea f)
do n.º 1 do artigo 400.°, do Código de Processo Penal, mas numa outra dimensão
interpretativa, segundo a qual não é admissível o recurso interposto apenas pelo
arguido para o Supremo Tribunal de Justiça, quando a pena de prisão prevista no
tipo legal de crime for superior a oito anos, mas a pena concretamente aplicada
ao arguido – insusceptível de agravação por força da proibição da reformatio in
pejus – tenha sido inferior a oito anos.
4. Como se referiu, a questão de constitucionalidade que constitui objecto do
presente recurso já foi por diversas vezes apreciada pelo Tribunal
Constitucional, que sempre concluiu pela não inconstitucionalidade da norma do
artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, interpretada – como o foi na decisão ora
recorrida – no sentido de que, em caso de concurso de infracções, é
relativamente às penas parcelares aplicáveis aos crimes singulares que se tem de
aferir a ultrapassagem do limite máximo de oito anos de prisão, necessário para
abrir a via de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça contra acórdãos das
Relações que confirmem decisão da 1.ª instância.
A questão foi desenvolvidamente tratada no Acórdão n.º 189/2001 (disponível no
sítio da Internet www.tribunalconstitucional.pt), podendo ler-se na respectiva
fundamentação:
“A questão que o recorrente suscita na sua reclamação para o Presidente do STJ
é, afinal, a da não consagração, no caso, de um terceiro grau de jurisdição,
pretendendo com a interpretação normativa que considera conforme à Constituição
abrir esse terceiro grau de recurso.
Porém, não tem razão.
6. A Constituição da República Portuguesa não estabelece em nenhuma das suas
normas a garantia da existência de um duplo grau de jurisdição para todos os
processos das diferentes espécies.
Importa, todavia, averiguar em que medida a existência de um duplo grau de
jurisdição poderá eventualmente decorrer de preceitos constitucionais como os
que se reportam às garantias de defesa, ao direito de acesso ao direito e à
tutela judiciária efectiva.
Não pode deixar de se referir que a jurisprudência do Tribunal Constitucional
tem tratado destas matérias, estando sedimentados os seus pontos essenciais.
Assim, a jurisprudência do Tribunal tem perspectivado a problemática do direito
ao recurso em termos substancialmente diversos relativamente ao direito penal,
por um lado, e aos outros ramos do direito, pois sempre se entendeu que a
consideração constitucional das garantias de defesa implicava um tratamento
específico desta matéria no processo penal. A consagração, após a Revisão de
1997, no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, do direito ao recurso mostra que o
legislador constitucional reconheceu como merecedor de tutela constitucional
expressa o princípio do duplo grau de jurisdição no domínio do processo penal,
sem dúvida, por se entender que o direito ao recurso integra o núcleo essencial
das garantias de defesa.
Porém, mesmo aqui e face a este específico fundamento da garantia do segundo
grau de jurisdição no âmbito penal, não pode decorrer desse fundamento que os
sujeitos processuais tenham o direito de impugnar todo e qualquer acto do juiz
nas diversas fases processuais: a garantia do duplo grau existe quanto às
decisões penais condenatórias e também quanto às respeitantes à situação do
arguido face à privação ou restrição da liberdade ou a quaisquer outros
direitos fundamentais (veja‑se, neste sentido, o Acórdão n.º 265/94, in Acórdãos
do Tribunal Constitucional, 27.º vol., pág. 751 e seguintes).
Embora o direito de recurso conste hoje expressamente do texto constitucional,
o recurso continua a ser uma tradução das garantias de defesa consagradas no
n.º 1 do artigo 32.º (O processo criminal assegura todas as garantias de
defesa, incluindo o recurso). Daí que o Tribunal Constitucional não só tenha
vindo a considerar como conformes à Constituição determinadas normas
processuais penais que denegam a possibilidade de o arguido recorrer de
determinados despachos ou decisões proferidas na pendência do processo (v. g.,
quer de despachos interlocutórios, quer de outras decisões, Acórdãos n.ºs
118/90, 259/88 e 353/91, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 15.º, pág.
397, vol. 12.º, pág. 735, e vol. 19.º, pág. 563, respectivamente, e Acórdão n.º
30/2001, sobre a irrecorribilidade da decisão instrutória que pronuncie o
arguido pelos factos constantes da acusação particular quando o Ministério
Público acompanhe tal acusação, ainda inédito), como também tenha já entendido
que, mesmo quanto às decisões condenatórias, não tem que estar necessariamente
assegurado um triplo grau de jurisdição, assim se garantindo a todos os
arguidos a possibilidade de apreciação da condenação pelo STJ (veja‑se, neste
sentido, o Acórdão n.º 209/90, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 16.º
vol., pág. 553).
Uma tal limitação da possibilidade de recorrer tem em vista impedir que a
instância superior da ordem judiciária accionada fique avassalada com questões
de diminuta repercussão e que já foram apreciadas em duas instâncias. Esta
limitação à recorribilidade das decisões penais condenatórias tem, assim, um
fundamento razoável.
7. No caso em apreço, como se referiu, o recorrente entende que a interpretação
feita, na decisão recorrida, da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP viola
os artigos 13.º, 20.º e 32.º da Constituição, uma vez que a lei atende apenas
como patamar máximo para não admitir o recurso a condenação por crime a que
seja aplicável pena não superior a 8 anos, mesmo que haja concurso de
infracções.
O artigo 400.º do CPP foi alterado pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, diploma
que veio introduzir modificações no processo penal e deu à alínea f) a redacção
que ainda mantém. De acordo com a proposta de revisão do processo penal
(Proposta de Lei n.º 157/VII, Diário da Assembleia da República, II Série‑A,
n.º 27, de 28 de Janeiro de 1998), as modificações introduzidas na legislação
processual penal visavam obter melhorias nos objectivos de economia processual,
de eficácia e de garantia, que já informavam a anterior regulamentação.
Assim, e nos termos da exposição de motivos daquela proposta de lei,
introduziram‑se modificações destinadas a dar mais consistência e eficácia aos
meios disponíveis, de entre elas se assinalando as de maior relevo para o caso:
pretendeu‑se restituir ao STJ a função de tribunal que apenas conhece de
direito, mas com excepções; manteve‑se a tramitação unitária dos recursos, mas
sem haver um único modelo de recurso; faz‑se um uso discreto do princípio da
“dupla conforme”, harmonizando objectivos de economia processual com a
necessidade de limitar a intervenção do STJ a casos de maior gravidade;
retoma‑se a ideia da diferenciação orgânica, apenas fundada no princípio de que
os casos de pequena e média gravidade não devem, por norma, chegar ao Supremo
Tribunal de Justiça, etc. (cf., sobre esta matéria, Maia Gonçalves, Código de
Processo Penal Anotado, 12.ª edição, pág. 754).
A norma que vem questionada refere‑se claramente à moldura geral abstracta do
crime que preveja pena aplicável não superior a 8 anos: é este o limite máximo
abstractamente aplicável, mesmo em caso de concurso de infracções, que define
os casos em que não é admitido recurso para o STJ de acórdãos condenatórios das
Relações que confirmem a decisão de primeira instância.
Significa isto que o patamar a partir do qual a decisão da Relação é
irrecorrível é o que fixa em pena não superior a 8 anos a pena aplicável a
determinado crime, independentemente de, no caso, terem sido várias as
infracções cometidas em concurso. Relevante, para efeitos de
(in)admissibilidade de recurso, é a pena aplicável ao crime cometido e não a
soma das molduras abstractas de cada um dos crimes em concurso.
Como já se referiu, mesmo em processo penal, a Constituição não impõe ao
legislador a obrigação de consagrar o direito de recorrer de todo e qualquer
acto do juiz e, mesmo admitindo‑se o direito a um duplo grau de jurisdição como
decorrência, no processo penal, da exigência constitucional das garantias de
defesa, tem de aceitar‑se que o legislador penal possa fixar um limite acima do
qual não seja admissível um terceiro grau de jurisdição: ponto é que, com tal
limitação, se não atinja o núcleo essencial das garantias de defesa do arguido.
Ora, no caso dos autos, o conteúdo essencial das garantias de defesa do arguido
consiste no direito a ver o seu caso examinado em via de recurso, mas não
abrange já o direito a novo reexame de uma questão já reexaminada por uma
instância superior.
Existe, assim, alguma liberdade de conformação do legislador na limitação dos
graus de recurso. No caso, o fundamento da limitação – não ver a instância
superior da ordem judiciária comum sobrecarregada com a apreciação de casos de
pequena ou média gravidade e que já foram apreciados em duas instâncias – é um
fundamento razoável, não arbitrário ou desproporcionado, e que corresponde aos
objectivos da última reforma do processo penal.
Tem, por isso, de se concluir que a norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do
CPP não viola o princípio das garantias de defesa, constante do artigo 32.º,
n.º 1, da Constituição.
8. Mas também não viola o princípio do acesso ao direito e à tutela judicial
efectiva, constante do artigo 20.º, nem o princípio da igualdade, consagrado no
artigo 13.º, ambos da Constituição.
De facto, o artigo 20.º estabelece que “a todos é assegurado o acesso ao direito
e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente
protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios
económicos” e ainda que “todos têm direito a que uma causa em que intervenham
seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo” (n.ºs
1 e 4). Ora, no caso em apreço, a questão foi objecto de apreciação por duas
instâncias, pelo que não se pode afirmar que tenha havido violação do preceito,
uma vez que dele apenas resulta que o legislador terá de assegurar
imperativamente e sem restrições o acesso a um grau de jurisdição.
Também quanto ao princípio da igualdade não foi violado, uma vez que a limitação
estabelecida na norma questionada não se afigura como arbitrária ou
desproporcionada, sendo admissível desde que não atinja o conteúdo essencial
das garantias de defesa do arguido, que, como se referiu, não abrangem o direito
ao exame de questão já reexaminada em duas instâncias.
Por último, importa referir que a situação paralela mencionada pelo recorrente
– a do critério para fixação da competência dos tribunais para julgamento – não
tem que ser invocada para apreciar a limitação a um triplo grau de jurisdição,
uma vez que não se trata de situações essencialmente iguais que exijam
tratamento igual. No caso do artigo 14.º trata‑se da distribuição da competência
funcional e material entre o tribunal colectivo e o tribunal singular. No caso
do artigo 400.º trata‑se de uma limitação do direito de recurso cujos
parâmetros e finalidades são inteiramente diferentes dos que subjazem à questão
da distribuição de competência, pelo que não faz sentido invocar aqui o
princípio da igualdade.
De acordo com o exposto, a norma da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP
não viola nem o artigo 13.º nem o artigo 20.º ou o artigo 32.º, todos da
Constituição da República Portuguesa, não sendo assim inconstitucional.”
Este entendimento foi reiterado, quanto à específica interpretação da norma do
artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, ora em causa, nos
Acórdãos n.ºs 336/2001, 369/2001, 435/2001, 490/2003, e 610/2004 e 2/2006 (todos
igualmente disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
Com os fundamentos transcritos, transponíveis para o caso dos autos, e com os
quais se concorda, conclui-se pela improcedência do presente recurso.
III. Decisão
Com estes fundamentos, e ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei
do Tribunal Constitucional, na redacção dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de
Fevereiro, decido negar provimento ao presente recurso e confirmar a decisão
recorrida, no que à questão de constitucionalidade respeita.
Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 7 (sete) unidades de
conta, por cada um.”
2.Na reclamação para a conferência diz-se o seguinte:
“A. e outro, recorrentes no autos supra id., tendo sido notificados da decisão
sumária e não se conformando com a mesma, dela vêm RECLAMAR para a Conferência,
ao abrigo do art.º 78.º-A, n.º 3, da Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro.
Os recorrentes mantêm ipsis verbis tudo quanto alegaram em sede de recurso.”
O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional respondeu
pela seguinte forma à reclamação:
“1 – A presente reclamação, deduzida sem que o reclamante trate sequer de
especificar os fundamentos da sua discordância quanto à decisão reclamada, é
manifestamente improcedente.
2 – Termos em que deverá confirmar-se, por inteiro, aquela decisão.”
Cumpre decidir.
II – Fundamentos
3.A reclamação apresentada pelos recorrentes contra a decisão sumária do
relator limita‑se a referir que dela se reclama para a conferência, ao abrigo
do artigo 78.º‑A, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional, e que os recorrentes
mantêm ipsis verbis tudo quanto alegaram em sede de recurso, não aduzindo
qualquer argumento tendente a demonstrar que o recurso merecia provimento (sendo
certo, aliás, que no presente recurso de constitucionalidade não chegaram a ser
produzidas alegações).
Ora, aceita-se que, mesmo quando os reclamantes não aduzem quaisquer fundamentos
adicionais para a reclamação para a conferência prevista no artigo 78.º‑A, n.º
3, da Lei do Tribunal Constitucional, e atendendo à natureza colegial dos
tribunais superiores, é de reconhecer a possibilidade de verem tal reclamação
apreciada por uma formação decisória integrando mais do que um juiz. Por esta
razão, não se deixará de tomar conhecimento da presente reclamação (cfr., neste
sentido, por exemplo, os Acórdãos n.ºs 514/2003, 87/2005, 93/2005 e 714/2005,
disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt), para reponderação dos fundamentos
da decisão reclamada.
4.Procedendo a essa reponderação, reitera-se que a questão de
constitucionalidade objecto do recurso interposto pelos recorrentes e ora
reclamantes – a do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal,
interpretado no sentido de que, em caso de concurso de infracções, é
relativamente às penas parcelares aplicáveis aos crimes singulares que se tem de
aferir a superação do limiar máximo de oito anos de prisão, necessário para
abrir a via de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça contra acórdãos das
Relações que confirmem decisão da 1.ª instância (sendo esta a única norma que
constitui objecto do recurso, pois foi ela que serviu de fundamento à decisão
recorrida para não conhecer dos recursos então interpostos) – se reporta a uma
norma já por várias vezes julgada não inconstitucional por este Tribunal.
Como se salientou na decisão reclamada, remetendo para a jurisprudência firmada
no Acórdão n.º 189/2001 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt) e
reiterada nos Acórdãos n.ºs 336/2001, 369/2001, 435/2001, 490/2003, e 610/2004 e
2/2006 (igualmente disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt), “a norma da
alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP não viola nem o artigo 13.º nem o
artigo 20.º ou o artigo 32.º, todos da Constituição da República Portuguesa, não
sendo assim inconstitucional”, nada havendo a acrescentar aos fundamentos aí
transcritos.
Assim, não se descortinando, por um lado, razões para que este Tribunal altere a
sua posição, nem as tendo, por outro lado, os reclamantes indicado na presente
reclamação, deve esta ser indeferida, confirmando-se a decisão sumária
reclamada.
III. Decisão
Pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a presente reclamação e
confirmar a decisão sumária reclamada, bem como condenar os reclamantes em
custas, fixando a taxa de justiça em 20 ( vinte ) unidades de conta.
Lisboa, 23 de Janeiro de 2007
Paulo Mota Pinto
Mário José de Araújo Torres
Rui Manuel Moura Ramos