Imprimir acórdão
Processo n.º 346/05
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1.Notificados do acórdão n.º 336/2005, de 22 de Junho de 2005, pelo qual se
decidiu desatender a reclamação para a conferência e confirmar a decisão sumária
de 24 de Maio de 2005, que decidira negar provimento ao recurso interposto por
A., B., C., D. e E. (ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de
Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, e visando a
apreciação da constitucionalidade dos artigos 105.º do Regime Geral das
Infracções Tributárias, e 24.º, n.ºs 1, 2 e 5, do Regime Jurídico das Infracções
Fiscais Não Aduaneiras), com fundamento, em relação à norma do artigo 105.º do
Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT) na falta de aplicação, pelo
tribunal recorrido, dessa norma como ratio decidendi da decisão, e ainda, em
relação à norma do artigo 24.º, n.ºs 1, 2 e 5, do Regime Jurídico das Infracções
Fiscais Não Aduaneiras (RJIFNA), na circunstância de essa norma já ter sido
objecto de juízo de não inconstitucionalidade pelo Tribunal Constitucional, a
que se aderiu, vieram aqueles deduzir incidente de nulidade do referido acórdão
n.º 336/2005. Os reclamantes dizem no requerimento de arguição de nulidade:
«1. No âmbito da tramitação deste pleito, foi trazida à colação a perspectiva de
que os Recorrentes tinham sido alvo da aplicação de uma norma inconstitucional
pelo Tribunal de Primeira Instância – o Tribunal Judicial da Comarca de Anadia
–, que a todos condenou, tendo sido definido qual ela era: a norma que se
sustentou (como continua a sustentar-se!) ser inconstitucional.
2. A questão em apreço foi invocada no âmbito do recurso interposto da dita
douta decisão condenatória do Tribunal da Primeira Instância para o Venerando
Tribunal da Relação de Coimbra.
3. Não tendo os Ilustres Senhores Juízes Desembargadores deste último Tribunal
cooptado o entendimento dos Recorrentes, confirmando assim na íntegra o que fora
decidido em Primeira Instância, não conheceram também do vício de
inconstitucionalidade que fora suscitado, razão pela qual esta questão – da
inconstitucionalidade – foi trazida perante esse Venerando Tribunal
Constitucional.
4. Foi opção decisória do Senhor Juiz Conselheiro Relator usar da faculdade que
lhe confere o art.º 78.°-A, n.º 1, da Lei de Organização, Funcionamento e
Processo do Tribunal Constitucional, isto é, proferiu uma douta Decisão Sumária,
com a qual porém não se concordou, razão pela qual se trouxe o assunto à
Conferência e para que esta decidisse nos termos que entendesse de mais curiais
e adequados e que se tentou demonstrar quais fossem.
5. Em um muito douto Acórdão, em que se transcrevem a falada Decisão Sumária do
Senhor Juiz Conselheiro Relator, a reclamação dos Recorrentes e a posição do
Ministério Público (diga-se em abono da verdade: posição esperada!), esse
Venerando Tribunal Constitucional decidiu confirmando o exacto teor daquela
Decisão Sumária, mas sem que, todavia, trouxesse à colação argumento algum,
novo, que fosse minimamente convincente. Isto é: efectivamente limitou-se a
reiterar o que fora doutamente escrito pelo Senhor Juiz Conselheiro Relator.
6. Temos assim duas peças processuais que são a mera repetição uma da outra: em
termos substanciais, evidentemente.
7. É ponto definitivamente assente que o douto Acórdão prolatado pela
Conferência, que é, como dito, uma mera repetição, com uso de palavras
diferentes é certo, da Decisão Sumária mencionada, não pode ser alvo de qualquer
outro recurso.
8. Mas: o mesmo enferma de nulidade intrínseca. Que infra se demonstrará qual
seja.
9. Na litigância que corra perante esse Venerando Tribunal Constitucional, no
devir da tramitação processual que aí se impõe observar, há que ter em linha de
conta o que se prescreve na Lei de Organização, Funcionamento e Processo do
Tribunal Constitucional, aprovada e posta em vigor pela Lei n.º 28/82, de 15 de
Novembro.
10. Ora: estamos no domínio de uma situação processual que tem por escopo a
chamada fiscalização concreta da constitucionalidade de uma determinada norma
jurídica. Segundo o art.º 69.º do mencionado diploma, “à tramitação dos recursos
para o Tribunal Constitucional são subsidiariamente aplicáveis as normas do
Código de Processo Civil, em especial as respeitante ao recurso de apelação”.
Neste diploma – em concreto: na Lei de Organização, Funcionamento e Processo do
Tribunal Constitucional – não se encontra previsão alguma que regule a temática
do incidente que ora se suscita, qual seja o incidente da nulidade de algo que
seja decidido. Assim sendo é mais do que manifesto que tem de lançar-se mão do
dispositivo consagrado no Código de Processo Civil na medida em que este preveja
a questão, impondo-se indagar desde logo se a mesma aqui se encontra prevista e,
especialmente, nas normas que regulamentam o recurso de apelação.
11. Que é necessário, imperiosamente necessário, que o Ordenamento Jurídico
Processual Português tenha uma norma que preveja a situação de nulidade de um
qualquer acórdão do Tribunal Constitucional, é algo que é evidentemente óbvio: é
que, mesmo um acórdão, porventura mui douto, como é em concreto o caso do
Acórdão em apreço, pese embora em nada de nada se concordar com o mesmo, pode
enfermar do vício da nulidade! O importante, por conseguinte, é saber encontrar
uma tal norma.
12. E assim é que, pela via da constatação de uma omissão do diploma que
especialmente regula a tramitação processual nesse Venerando Tribunal
Constitucional, chegamos à conclusão de que se impõe integrar uma tal lacuna,
lançando, para o efeito, mão da falada norma inscrita no referido art.º 69.º e,
ex vi desta, constatamos que uma norma que regula o modus faciendi face a
situações de nulidade de decisões do Tribunal Constitucional, afinal existe
mesmo no Ordenamento Jurídico Processual Português: ela está no Código de
Processo Civil. O que vale por dizer que, como não podia deixar de ser, a
questão é passível de solução, mesmo ao nível da tramitação processual por essa
e perante essa Veneranda Instância. E nem poderia ser de outro modo, pois que,
na verdade, um sistema jurídico, que se tem naturalmente por ordenado, face às
suas finalidade e vocação últimas, não pode deixar de conter em si todas as
virtualidades que lhe permitam ser operativo. De outra forma nem tão-pouco um
texto constitucional, fosse ele qual fosse, poderia desempenhar a sua função
essencial, conformadora de uma vivência em sociedade, vivência esta que seria
completamente subvertida. E o Estado de Direito – expressão que se utiliza sem
inútil adjectivação, na medida em que um Estado ou é um Estado de Direito, ou
pura e simplesmente não é! – pura e simplesmente desapareceria e teríamos em sua
substituição uma mera aparência de Estado, isto em virtude da ausência de
Direito!
13. Face, por conseguinte, a uma situação de nulidade em qualquer postulação
decisória do Venerando Tribunal Constitucional, impõe-se recorrer ao Código de
Processo Civil e, neste diploma, primacialmente, à regulação do recurso de
apelação. Estamos agora no domínio pleno do art.º 716.° do CPC, segundo cujo n.º
2 a arguição de nulidade é decidida em conferência. Em conferência, por
conseguinte, se decidirá a nulidade que ora se invoca, por considerar que a
mesma ocorre no douto Acórdão oportunamente identificado.
14. Acaso se entenda que, emergentemente de acima do Venerando Tribunal
Constitucional nenhuma outra instância jurisdicional existir, a questão terá de
ser resolvida em termos similares ao que se passa no Supremo Tribunal de
Justiça, que também acima de si nenhuma outra instância jurisdicional tem, então
teremos de recorrer ao disposto no art.º 732.° do CPC, disposição esta que, a
propósito exactamente da nulidade dos acórdãos – ali dos acórdãos do Supremo
Tribunal de Justiça; aqui dos acórdãos do Venerando Tribunal Constitucional –
estabelece que se aplica obrigatoriamente a disciplina jurídica que se colhe do
acima analisado art.º 716.° do CPC. Por uma via directa – aquela que nos levou a
calcorrear um caminho com partida no art.º 69.º da Lei de Organização,
Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional até ao art.º 716.° do CPC –,
ou por uma via indirecta – aquela que nos levou a percorrer o caminho que vai do
dito art.º 69.º, passando pelo art.º 732.° do CPC e acabando no art.º 716.°
também do CPC –, assim sempre chegamos inapelavelmente a esta última disposição!
15. É pois muito curial e muito adequado este incidente e processualmente tem
mesmo de ser assim, uma vez que outro não pode ser suscitado para debelar o
vício que se constata existir no douto Acórdão em referência dado por esse
Venerando Tribunal Constitucional.
Curialidade e adequação substantiva deste incidente:
16. Já se disse, ainda que indiciariamente, que de todo em todo se não sufraga o
douto Acórdão proferido pela Conferência em sequência e como consequência da
reclamação deduzida perante esta quanto à também muito douta Decisão Sumária do
Senhor Juiz Conselheiro Relator. (O que não significa, tanto a latere se refere,
menos respeito ou consideração pelos Venerandos Conselheiros que decidiram o que
decidiram!). Mas se desta Decisão Sumária se podia reclamar, daquele Acórdão não
pode recorrer-se, nem tão-pouco reclamar-se: antes e tão-somente e como visto
pode deduzir-se o presente incidente, da nulidade! Sendo ainda certo que esta
nulidade tem de ser arguida perante esse Venerando Tribunal Constitucional, uma
vez exactamente que do Acórdão em questão não cabe recurso algum, ordinário ou
extraordinário, para Instância Jurisdicional alguma. (Nem tão-pouco, de resto,
para outra qualquer instância não jurisdicional – o que, além do mais, até se
regista como algo que é muitíssimo positivo, isto por razões evidentíssimas!).
Que é assim, tal decorre do que se estabelece no art.º 668.°, n.° 3, do CPC (e
cá estamos de novo e bem no domínio de aplicação deste diploma!), sendo
completamente lícito que o suprimento de tal nulidade seja assegurado
precisamente pelo Venerando Tribunal Constitucional, nos termos agora do n.º 4
de tal disposição. Tem mesmo que ser o Venerando Tribunal Constitucional a
suprir a nulidade que para apreciação ora se apresenta. Quase se dirá a este
propósito: ainda bem que assim é! Na verdade: quem melhor conhece um determinado
processo do que aquele que o tenha consigo, quer para o exercício do patrocínio,
quer também para efeitos decisórios?! Sendo também manifestamente óbvio, mais do
que óbvio, que a circunstância de em determinado momento processual se assumir
uma qualquer opção decisória, não significa que uma reanálise da problemática
que se perfile não determine, decorrentemente dessa mesma reanálise, uma diversa
e quiçá mais consistente opção decisória! É natural que assim seja. E não causa
embaraço algum que assim seja. Deve mesmo ser assim. Sob pena de uma completa
perversão do Estado de Direito: ainda agora sem adjectivação desnecessária.
17. Estabelece o art.º 668.°, n.º 1, alínea d), do CPC que: “é nula a sentença
[in casu: a douta Decisão do Tribunal Constitucional que conheceu da reclamação
apresentada face à Decisão Sumária do Senhor Juiz Conselheiro Relatar] quando o
juiz [in casu: O Venerando Tribunal Constitucional] deixe de pronunciar-se sobre
questões que devesse apreciar”. É exactamente esta a nulidade que se considera
ser a do Acórdão em questão: havia uma matéria sobre a qual o Venerando Tribunal
Constitucional devia pronunciar-se e sobre a qual se não pronunciou e sobre a
qual fora expressamente chamado a pronunciar-se e sobre a qual se pretendia
manifestamente que se pronunciasse e sobre a qual os Recorrentes tinham o
direito de verem o Venerando Tribunal Constitucional pronunciar‑se! E não se
entende minimamente – não o entendem os Recorrentes! – porque é que sobre essa
questão se não pronunciou em termos de substancialidade o Venerando Tribunal
Constitucional! Como dito: estava em causa um direito seu, dos Recorrentes. Até
com assento constitucional manifesto e qual fosse o de haverem um veredicto
finalístico sobre a questão que trouxeram à Instância mais alta em matéria de
defesa e garantia da constitucionalidade das normas de direito positivo que nos
regem!
E porque não pode manifestamente ser explicação para a ausência de pronúncia por
esta mais alta Instância Jurisdicional – evidentemente: neste específico
domínio, o da fiscalização da constitucionalidade –, a circunstância de os
Recorrentes terem colocado à disposição do Venerando Tribunal Constitucional
dois textos de altíssimo valor técnico jurídico – a posição doutrinária do
Professor Doutor Manuel da Costa Andrade vertida em artigo dado à estampa e o
Parecer do Professor Doutor Diogo Leite de Campos e do Dr. João da Costa Andrade
–, por assim ser, mais ainda se não compreende tal postura omissiva.
18. O Venerando Tribunal Constitucional devia efectivamente ter-se pronunciado
de forma expressa, inequívoca e frontal sobre a nuclearidade da questão que lhe
foi suscitada e qual haja sido a da constitucionalidade ou inconstitucionalidade
do famigerado art.º 105.° do não menos famigerado RGIT. Mas não se pronunciou.
De onde que se tenha por integrada a fórmula explicitada no invocado art.º
668.°, n.° 1, d), do CPC. Estamos face a uma nulidade pura e simples. Gritante.
E atentória de elementares direitos dos Recorrentes.
Vejamos porquê, vejamos qual a razão pela qual se afirma que houve postergação
de elementares direitos dos Recorrentes.
19. Nos termos do disposto no art.º 20.º da CRP, todos têm direito a uma tutela
jurisdicional efectiva. O que significa que todos têm direito a haver do Estado,
in casu através dos tribunais, a decisão jurisdicional adequada quanto às
questões que coloquem à apreciação exactamente dos tribunais. Trata-se, este, de
um direito fundamental, que em circunstância alguma pode ou deve ser postergado.
E tem mesmo uma aplicação directa, um reflexo efectivo, o que decorre do
disposto no art.º 18.°, n.º 1, também da CRP. E tanto se refere, mas sem perder
de vista que este princípio, que é trave mestra de um Estado de Direito, até tem
efectiva tradução em sede de lei ordinária: “a protecção jurídica através dos
tribunais implica o direito de obter, ..., uma decisão judicial que aprecie...,
a pretensão regularmente deduzida em juízo...” – tanto se estabelece no art.º
2.°, n.º 1, do CPC. Esta protecção jurídica foi negada. E é contra isto que –
como tem e deve de ser: com todo o respeito – se insurgem os Recorrentes.
20. Contraditar-se-á: os Recorrentes foram condenados à luz do art.º 24.° do
RJIFNA e pretendem que se aprecie da constitucionalidade do art.º 105.° do RGIT.
Ora, como esta última disposição não foi aplicada ao caso concreto, por assim
ser, não importa verificar da sua conformidade ou desconformidade
constitucional. Esta contradita foi, de resto, o argumento que o Venerando
Tribunal Constitucional aduziu em abono da sua perspectiva omissiva. Mal,
todavia. Frontalmente mal. É que, com efeito, se na verdade se não ignora o que
dispõe a nossa lei a propósito da sucessão da lei penal no tempo, certo é também
todavia que se não ignora, e certamente também o Venerando Tribunal
Constitucional, que a questão se não resolve com a linearidade do art.º 2.°, n.º
1, do CP. Com efeito: um facto passível de punição é punível à luz da lei que
esteja em vigor aquando da sua prática. A menos que “uma lei nova o [elimine] do
número das infracções”. Foi aquilo que exactamente aconteceu: o RGIT revogou o
RJIFNA e, por isso mesmo, queira-se ou não se queira, deixou de haver lei
punitiva para os factos que estiveram na base da punição dos Recorrentes! Não
pode fugir-se a esta conclusão, uma vez que ela é matematicamente milimétrica!
21. Ainda agora a contradita: a hipótese que se perfila não é aquela. Antes
cobre a situação o art.º 2.°, n.º 4, do CP: o RJIFNA continha determinados
preceitos penais, que eram os vigentes aquando dos factos, e entretanto
sucedeu-lhe o RGIT. Que não contém nenhuma disposição que potencie a
inexistência de lei punitiva e que, ao contrário, até tem uma disposição
penalisadora dos mesmos factos que aqueles que eram previstos no art.º 24.° do
RJIFNA para o efeito de a sua prática ser penalizada. E essa disposição é
exactamente o art.º 105.°.
22. O raciocínio seduz, sem dúvida alguma. Mas não resiste a uma análise mais
detalhada e, por isso, sucumbe. Por completo: basta que, na verdade, se conclua
pela inconstitucionalidade do art.º 105.° do RGIT, como se propende a entender
que deve concluir-se, ao lado exactamente dos mestres citados. É que então fica
este, decorrentemente de um tal juízo de inconstitucionalidade que acaso a seu
respeito seja formulado, por completo impedido de produzir efeitos alguns,
passando a ser letra morta, sem virtualidade alguma, de nenhuma espécie ou
natureza. Numa tal hipótese não se configura claramente a hipótese que se
adiantou?! Não acontece efectivamente o fenómeno da eliminação do número de
infracções possíveis as previstas no art.º 24.° do RJIFNA, em virtude
precisamente da revogação global deste diploma pelo RGIT?! Como pode pois
falar-se em potencialidade punitiva à luz da lei vigente aquando da prática dos
factos, se há uma lei nova que derroga a lei punitiva vigente aquando da prática
desses mesmos factos?! Não tendo virtualidade punitiva alguma a regra posterior,
vertida no art.º 105.° do RGIT, acaso, evidentemente, se conclua pela sua
inconstitucionalidade?! E isto não implica necessariamente que o Venerando
Tribunal Constitucional tenha sobre si a inequívoca incumbência de pronunciar-se
sobre a questão quanto ao art.º 105.° do RGIT?! O que, a ser feito, certamente o
será com o rigor e cuidado habituais, de altíssima craveira técnico científica a
que essa alta Instância Jurisdicional de há muito nos habituou!
Consequência da constatação da nulidade:
33. O Acórdão relativamente ao qual se invoca a nulidade absteve-se de conhecer
de uma questão de que deveria ter conhecido: a apreciação do art.º 105.° à luz
da CRP e com vista a determinar sobre se o mesmo é constitucional ou
inconstitucional. De tal forma que:
a) Acaso sobre o mesmo seja formulado um juízo de constitucionalidade, então, em
virtude da aplicação da lei contemporânea dos factos, porque o regime consagrado
no art.º 24.° seja mais favorável aos Recorrentes, o mesmo será aplicável;
b) Acaso um tal juízo não seja formulado, mas o seu contrário, então teremos
decretada a morte deste mesmo art.º 105.° do RGIT, subsistindo, deste diploma,
entre outras mais eventualmente que até não estão em causa, a norma que revogou
o RJIFNA e também necessariamente o seu art.º 24.°, insubsistindo pois e por
completo regime punitivo algum.
34. A não consagração de quanto antecede, potenciará a definitivação de uma
Decisão do Venerando Tribunal Constitucional. Ela própria inconstitucional, em
termos de substancialidade.
Pelo exposto, sempre contudo com o mui douto e esperado e rogado suprimento,
entende-se que, considerando-se completamente procedente o presente incidente,
deve decretar-se a nulidade do douto Acórdão referenciado, substituindo-o por
outro que decida em termos de ser feita Justiça aos Recorrentes, conhecendo-se
assim de uma situação que deve efectivamente ser conhecida e que o não foi, qual
seja a questão da conformidade constitucional, ou não, do falado art.º 105.° do
RGIT, explicitando-se ainda, e para que dúvidas algumas insubsistam, que se
espera dos Venerandos Senhores Juizes Conselheiros que habilitem, ainda agora, a
Comunidade Jurídica com uma Decisão dotada do nível científico a que nos vêm
habituando.»
Os reclamantes juntaram igualmente um parecer jurídico que, por despacho, o
relator determinou que ficasse apenso por linha.
2.Em resposta, o representante do Ministério Público junto do Tribunal
Constitucional pronunciou-se no sentido de que “a presente arguição de nulidade
é perfeitamente desprovida de sentido, só podendo entender-se como incidente
dilatório, traduzido no uso manifestamente abusivo de tal meio impugnatório
pós-decisório”, pois “é, na verdade, evidente que o Tribunal Constitucional
dirimiu inteiramente a questão que lhe cumpria apreciar, pronunciando-se sobre a
constitucionalidade da norma que constituiria “ratio decidendi” da decisão
recorrida.”
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentos
3.Entendem os reclamantes que o acórdão reclamado padece de nulidade, nos termos
do artigo 668.°, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil, por não se ter
pronunciado sobre questão de que cumpria ao Tribunal Constitucional tomar
conhecimento – por omissão de pronúncia (o parecer jurídico junto refere-se
igualmente a uma nulidade, mas apenas da decisão sumária já objecto de
reclamação pelos recorrentes, decidida justamente pelo acórdão n.º 336/2005,
cuja nulidade é agora arguida).
Os recorrentes entendem que tal omissão de pronúncia se verificou quanto à
questão de fundo, da inconstitucionalidade da norma do artigo 105.º do RGIT, que
pretendiam ver apreciada, uma vez que discordam da decisão do Tribunal
Constitucional no sentido de que não se verificavam os pressupostos
indispensáveis para o conhecimento da questão da inconstitucionalidade dessa
norma, por ela não ter sido aplicada como ratio decidendi pela decisão
recorrida.
Como resulta logo da fundamentação da arguição de nulidade – resumida à
discordância quanto ao não preenchimento dos pressupostos para conhecer da
questão de constitucionalidade da referida norma do RGIT –, ela é de considerar
manifestamente improcedente.
Na verdade, a única questão sobre a qual o Tribunal Constitucional tinha de se
pronunciar na reclamação da decisão sumária que deu origem ao acórdão n.º
336/2005 (na parte relativa ao artigo 105.º do RGIT) era a da verificação desses
pressupostos, designadamente, quanto a considerar – como fizera a decisão
sumária – que o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra recorrido não
aplicara, como ratio decidendi, a norma do artigo 105.º do RGIT, quando
condenara os arguidos com fundamento em normas do RJIFNA, por factos ocorridos
na vigência deste último. Foi justamente o que o acórdão n.º 336/2005 fez, não
deixando, aliás, de se pronunciar sobre a argumentação (a alegada
inconstitucionalidade de uma lei nova menos favorável ao arguido, tendo como
consequência a criação de um “vazio normativo”, e, portanto, a inaplicabilidade
da lei antiga a factos ocorridos durante a sua vigência, a aplicação desta
última teria envolvido necessariamente a aplicação – e um juízo sobre a
constitucionalidade – da lei nova) que os recorrentes pretendiam basear nas
regras sobre aplicação da lei penal no tempo. O Tribunal Constitucional
pronunciou-se sobre a referida questão prévia da aplicação da norma do artigo
105.º do RGIT, num sentido contrário ao defendido pelo reclamantes, sendo a sua
discordância que estes agora vêm reiterar, fazendo uso do meio processual da
arguição de nulidade.
A presente reclamação tem, pois, de ser indeferida (não existindo ainda, porém,
elementos cabalmente indiciadores da mera intenção dilatória dos reclamantes,
como sustenta o Ministério Público).
III. Decisão
Com estes fundamentos, decide-se desatender a arguição de nulidade do acórdão
n.º 336/2005 e, em consequência, condenar os reclamantes em custas, fixando a
taxa de justiça em 15 (quinze) unidades de conta.
Lisboa, 28 de Setembro de 2005
Paulo Mota Pinto
Mário José de Araújo Torres
Rui Manuel Moura Ramos