Imprimir acórdão
Processo n.º 758/04
1.ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam na 1.ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos de recurso, o Banco A. recorreu para o Tribunal
Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei de
Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do
acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 25 de Março de 2004, que a
condenou ao pagamento de uma coima no valor de 1 250 €.
2. Por decisão da Delegada em Leiria do Instituto de Desenvolvimento e Inspecção
das Condições de Trabalho (IDICT), a recorrente foi condenada ao pagamento de
uma coima, no valor de 10 000 €, por infracção ao disposto no artigo 10º do
Decreto-Lei nº 421/83, de 2 de Dezembro, conjugado com o disposto nos artigos 1º
e 2º do Despacho, publicado no Diário da República, II Série, em 27 de Novembro
de 1992, e no modelo publicado em anexo na mesma data e local.
Interposto recurso desta decisão para o Tribunal do Trabalho de Leiria, esta
instância absolveu a recorrente da infracção, por ter julgado inconstitucional a
2ª parte do nº 2 do artigo 10º daquele Decreto-Lei, o que justificou o recurso
que o Ministério Público então interpôs para o Tribunal Constitucional.
3. Reformulada a sentença do Tribunal do Trabalho de Leiria, de acordo com o
juízo formulado pelo Tribunal Constitucional, a recorrente foi condenada ao
pagamento de uma coima de 7 500 €, por aplicação conjugada do disposto nos
artigos 10º, nº 2, e 11º, nº 1, 2ª parte, do Decreto-Lei nº 421/83, de 2 de
Dezembro e no artigo 9º, nº 1, alínea d), da Lei nº 116/99, de 4 de Agosto.
Desta decisão foi interposto recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra.
Depois de notificada, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 417º,
nº 2, do Código de Processo Penal, do parecer do Ministério Público junto deste
Tribunal, a recorrente respondeu, levantando questões prévias e supervenientes,
nomeadamente as seguintes:
'Após a interposição do recurso pela ora recorrente, entrou em vigor o Código do
Trabalho (cfr. artigo 3.º da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto).
Ora,
Estatui o artigo 3., n.º 2 do Decreto-Lei 433/82, aplicável ex vi do artigo
615.º do Código do Trabalho, que 'Se a lei vigente ao tempo da prática do facto
for posteriormente modificada, aplicar-se-á a lei mais favorável ao arguido
(...)'.
No Auto de Notícia é imputada ao Banco A. uma infracção ao estatuído no artigo
10.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 421/83, de 2 de Dezembro, na redacção dada pelo
Decreto-Lei n.º 398/91, de 16 de Outubro, com a alteração introduzida pelo
artigo 14.º da Lei n.º 118/99, de 11 de Agosto.
Tal infracção é classificada de muito grave, nos termos do n.º 1 do artigo 11.º
do Decreto-Lei n.º 421/83, com a redacção introduzida pela Lei n.º 118/99 de 11
de Agosto, a que corresponde uma coima de € 13.716,94 a € 44.891,81 em caso de
dolo, nos termos do 7.º, n.º4. alínea d) da Lei 116/99, de 4 de Agosto.
A referida legislação foi expressamente revogada pelas alíneas i) e aa) do n.º1,
do artigo 21.º da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto.
Importa, então, apurar se o novo regime se mostra mais favorável à mesma.
Ora,
Os mesmos comportamentos são agora previstos e punidos como contra-ordenação
grave pelas disposições conjugadas dos artigos 204.º e 663.º, n.º2 do Código do
Trabalho, a que corresponde uma coima, nos termos do artigo 620.º, n.ºs 1 e 3,
alínea e), de 15 UC a 40 UC, ou seja, calculada com base no valor da Unidade de
Conta fixado pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17 de Dezembro (€
79,81), entre € 1197,15 e € 3192,4.
Verifica-se, deste modo, que a legislação agora em vigor é mais favorável à
Recorrente, pelo que é esta aplicável (...).
O Auto de Notícia que deu origem ao presente processo de contra-ordenação foi
levantado em 4 de Dezembro de 2000, reportando-se os factos no mesmo imputados
ao Banco A., a esse mesmo dia.
À data dos factos, no que respeita ao regime da prescrição, encontrava-se em
vigor a versão do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Fevereiro, anterior à
alteração introduzida pela Lei n.º 109/2001, de 24 de Dezembro.
Ora,
É pacificamente entendido na doutrina e na jurisprudência que o instituto da
prescrição (penal, contravencional e contra-ordenacional) assume natureza
substantiva, pelo que, de acordo com o estatuído no artigo 3.º, n.º 2 do
Decreto-Lei n.º 433/82, terá que se aplicar a lei mais favorável ao arguido.
Vejamos então:
Nos termos do artigo 27.º do referido Decreto-Lei n.º 433/82 - versão anterior à
Lei n.º109/2001, de 24 de Dezembro, o prazo de prescrição é de:
- Dois anos, quando o máximo da coima é superior a 750.000$00;
- Um ano, nos restantes casos.
Como referimos supra, o artigo 663.º, n.º2, do Código do Trabalho qualifica a
infracção imputada à arguida como contra-ordenação grave, à qual é
abstractamente aplicável, no caso de empresa com volume de negócios igual ou
superior a 10.000.000 de euros, coima entre 15 UC a 40 UC, ou seja, calculada
com base no valor da Unidade de Conta fixado pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º
323/2001, de 17 de Dezembro (€ 79,81), entre € 1197,15 e € 3192,4.
Nestes termos,
De acordo com a moldura da coima aplicável ao caso sub judice, o prazo de
prescrição é o da alínea b) do artigo 27.º do Decreto-Lei n.º433/82 na versão
anterior à Lei n.º 109/2001, de 24 de Dezembro, ou seja, um ano.
Ora,
A prescrição do procedimento por contra-ordenação pode suspender-se ou
interromper-se nos casos expressamente previstos nos artigos 27.º - A e 28.º do
Decreto-Lei n.º433/82.
Há que ter igualmente em consideração o decidido nos Acórdãos n.º 6/2001 e
2/2002, ambos do Supremo Tribunal de Justiça para fixação de jurisprudência,
publicados respectivamente nos Diários da República de 30/03/01 e de 05/03/02,
que assentaram o seguinte:
'(..) a regra do n.º 3 do artigo 121.º do Código Penal, que estatui a
verificação da prescrição do procedimento quando, descontado o tempo de
suspensão, tiver decorrido o prazo normal da prescrição, acrescido de metade, é
aplicável, subsidiariamente, nos termos do art. 32.º do D.L. 433/82, ao regime
prescricional do procedimento contra-ordenacional.'
E
'(..) o regime de suspensão da prescrição do procedimento criminal é extensivo,
com as devidas adaptações, ao regime de suspensão das contra-ordenações,
previsto no art. 27.º - A do D.L. 433/82 na redacção dada pelo D.L. 244/95, de
14/09.'
O artigo 121.º do Código Penal estabelece os casos de interrupção da prescrição
e, no seu n.º 3, estatui o seguinte:
'A prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, desde o seu
início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal
acrescido de metade. Quando, por força de disposição especial, o prazo for
inferior a dois anos o limite máximo da prescrição é de dois anos '.
No caso sub judice a prescrição do procedimento interrompeu-se, pelo menos, nos
termos da alínea c), do n.º1, do artigo 28.º do Decreto-Lei em análise.
No entanto, a interrupção da prescrição é, neste caso, irrelevante, porquanto de
acordo com a citada jurisprudência, a prescrição terá sempre lugar quando, desde
o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal
de prescrição acrescido de metade.
Ou seja, in casu, a prescrição do procedimento contra-ordenacional
verificar-se-á, se desde a data da prática dos factos já tiverem decorrido um
ano e meio e não haja lugar à suspensão.
Tendo em conta que os factos ocorreram em 4 de Dezembro de 2000 (cfr. Auto de
Notícia), a prescrição ter-se-ia consumado em 4 de Junho de 2002, a não ser que
tenha havido suspensão, cujo tempo teria que ser ressalvado.
No que respeita à suspensão, como já se referiu supra, por força do Acórdão
2/2002, o regime de suspensão da prescrição do processo criminal é extensivo,
com as devidas adaptações, ao regime de suspensão das contra-ordenações,
previsto no artigo 27.º - A do Decreto-Lei n.º 433/82, na redacção dada pelo
Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de Setembro.
Daí que tenha de se aplicar, com as devidas adaptações, o disposto na alínea b),
do n.º 1 do artigo 120.º do Código Penal, nos termos da qual, o procedimento
contra-ordenacional suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na
lei, 'a partir da notificação da acusação ou, não tendo esta sido deduzida, a
partir da notificação da decisão instrutória que pronunciar o arguido ou do
requerimento para aplicação de sanção em processo sumaríssimo; '.
Ora, no caso dos autos, a Arguida foi notificada do despacho de admissão do
recurso proferido pelo Ex.mo Sr. Doutor Juiz do Tribunal do Trabalho de Leiria
em 23/01/2003.
Nestes termos, verifica-se que o termo do prazo de um ano e meio da prescrição
ocorreu em 4 de Junho de 2002, logo em data anterior à notificação ao arguido da
apresentação dos Autos pelo Ministério Público ao Tribunal do Trabalho de
Leiria, tendo decorrido o prazo de prescrição de um ano meio antes de ocorrer a
suspensão do mesmo.
Neste sentido veja-se o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 28 de
Janeiro de 2004, proferido no âmbito do processo n.º1064 7/03-4, que ora se
junta como Doc. 1
O processo de contra-ordenação prescreveu em 4 de Junho de 2002.
Prescrição essa que se invoca'.
4. Sobre estas questões pronunciou-se o Ministério Público junto do Tribunal da
Relação de Coimbra, considerando que:
'(...) porque não ocorreu qualquer despenalização da conduta imputada ao
arguido, apenas haverá que manter agora a condenação pela contra-ordenação
praticada, e alterar, à luz do comando do art.º 3°, n.º 2 do Dec. Lei. n.º
433/82, 'ex vi' do art.º 615 do Cód. do Trabalho, o 'quantum' da coima em
conformidade com o novo regime punitivo mais favorável ao arguido.
Até porque também se não verifica a invocada prescrição do procedimento
contra-ordenacional, quer à luz do regime vigente na data da prática dos factos
(cfr. art.º 10º, n.º 2, 11°, n.º 1 do Dec. Lei n.º 421/83, de 2/12 e 9°, n.º 1,
al. d) da Lei 116/99, de 4/8, anterior redacção do art.º 27°, n.º 1, al. a) e
28° do Dec. Lei 433/82, de 27 de Outubro, art.º 120°, n.º 1, al. b), 2 e 3 e
121°, n.º 3 do Código Penal e Acórdão do STJ de fixação de jurisprudência
n.º6/2001), quer em face do regime actual (cfr. art.ºs 204°, 663°, n.º 2 e 620°,
n.º 3, al. c) do Código do Trabalho, 27º, al. b), 27° A, n.º 2 e 28º, n.º 3 do
Dec. Lei n.º 433/82, na redacção, na redacção da Lei n.º 109/2001, de 24/12, com
relação ao valor actual da unidade de conta – 89 euros -, decorrente do disposto
no art.º 6°, n.º 1 do Dec. Lei 212/89, de 30 de Outubro e das disposições
conjugadas do art.º 5° deste mesmo diploma, na redacção introduzida pelo Dec.
Lei n.º 323/2001, de 17/12, e do art.º 1° do Dec. Lei n.º 320C/2002, de 30/12).
É que devendo cada um desses regimes ser aplicado em bloco, e não osmoticamente,
e sendo o prazo máximo da prescrição que deles decorre de 2 e 3 anos,
respectivamente, acrescido de metade e ressalvando ainda o tempo de suspensão (o
que, face à ocorrência de actos interruptivos e suspensivos, corresponde no
total a cinco ou mais anos), muito faltará ainda para esse prazo se completar,
posto que iniciado em 4 de Dezembro de 2000, data da consumação da infracção'.
5. Por acórdão, de 25 de Março de 2004, o Tribunal da Relação de Coimbra decidiu
aquelas questões prévias e supervenientes da seguinte forma:
'I- Prescrição do procedimento contra ordenacional
Salvo o devido respeito esta excepção não ocorre.
Na realidade a infracção assacada à arguida foi cometida a 4/12/00.
Ora se se atentar no regime actual introduzido pela L. 109/01 de 24/12, caindo a
conduta da arguida na previsão do artº 27° b) do D.L. 433/82 de 27/10, o
respectivo procedimento extingue-se por prescrição desde que decorram três anos
sobre a data da prática do facto.
Todavia existem casos em que esta prescrição se suspende e que estão elencados
no Artº 27-A deste último diploma.
Acresce que e por força do disposto no artº 28° n.º 3 ainda do D.L. 433/82 a
prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início- e
ressalvado o tempo de suspensão- tiver decorrido o prazo de prescrição acrescido
de metade.
O que vale dizer que mesmo que não ocorresse nenhuma circunstância suspensiva da
prescrição( e a verdade é que ela ocorreu) sempre a prescrição apenas teria
lugar 4 anos e meio após a prática da infracção - ou seja 4/6/05
Ora a verdade é que, esse lapso temporal ainda não decorreu, como é evidente.
Se porventura se atender ao regime 1egal que vigorava ao tempo do cometimento do
ilícito em causa, a conclusão a que se chega é a mesma.
Efectivamente e de acordo com a redacção então dada ao citado artº 27° a)
conjugado com o artº 17° nº1 do mesmo diploma, o prazo normal de prescrição,
seria no caso concreto de dois anos.
Contudo deverá ser tomado em conta o regime de suspensão da prescrição previsto
no C. Penal, como aliás decidiu o STJ, por Acórdão de Uniformização de
Jurisprudência, in D.R. I-A de 5/3/02.
E por força do disposto no artº 120° nºs 1 b) e 2 do C. Penal, a prescrição do
procedimento, suspende-se durante o tempo em que tal procedimento estiver
pendente, a partir da notificação da acusação sendo certo que tal período de
tempo não pode ultrapassar os 3 anos.
E conforme determina o artº 122° n.º 3 da mesma codificação a prescrição do
procedimento criminal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o
tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de
metade, regime este que deve ser aplicado também às contra ordenações- A c
Uniformização Jurisprudência do STJ, in D.R 29/4/01-.
Ora e como se sabe, no processo contra ordenacional a apresentação do processo
ao juiz pelo MºPº, equivale à acusação- artº 62° nº1 do D.L. 433/82-
O que significa que o despacho que aceita a impugnação judicial e designa dia
para julgamento( ou que considera possível a decisão por mero despacho) equivale
à notificação da acusação.
E a partir daí e por força do disposto no artº 120° nº1 b) já mencionado,
suspende-se o prazo prescricional - até ao limite - repete-se- de três anos.
O que significa que no máximo, a prescrição poderá operar apenas 6 anos após a
data da prática da infracção.
No presente processo e tendo em conta o disposto no artº 28° n.º1 a) do D.L.
433/82, a prescrição do procedimento interrompeu-se logo em 11/1/01 com a
notificação de fls. 8
Até então não tinham obviamente decorrido os 2 anos da prescrição
A partir daí iniciou-se a contagem de novo prazo também de 2 anos, já que depois
de cada interrupção começa a correr novo prazo prescricional (artº 121º n.º2 do
C. Penal).
Só que antes deste último ter decorrido, foi a arguida notificada do despacho
administrativo sancionatório, o que sucedeu em 2/12/02 ( fls. 27), o que de novo
interrompeu a prescrição- citado artº 28º n.º1 a)- recomeçando a contar-se novo
prazo prescricional como se disse( artº 121º n.º2 do C. Penal).
Entretanto e em 20/1/03 ( fls. 176) foi proferido despacho que equivale à
notificação da acusação, sendo que tal despacho foi notificado ao arguido em
11/2/03, logo ainda antes de esgotado o tal prazo de dois anos, contado a partir
de 2/12/02( último acto interruptivo anterior).
E nessa altura por força do disposto no já citado artº 120 n.º1 b) do C. Penal o
prazo de prescrição suspendeu-se, suspensão essa que como se disse poderia durar
até três anos, o que obviamente não se verificou, pois que estamos ainda em
2004.
Em suma: também por esta via se tem que concluir que o procedimento contra
ordenacional, não prescreveu (...).
Contudo e após a prolação da sentença recorrida, entrou em vigor o C. de
Trabalho, que como se disse, alterou a qualificação e a moldura sancionatória
abstracta da infracção imputada ao banco arguido.
E com ele a qualificação da infracção assacada à impugnante foi alterada,
passando a ser considerada somente grave ( seus artºs 663° nº2 e 204° n.ºs 1 e
3) com a consequente modificação do quadro legal sancionatório, que passou a
variar entre as 15 e as 40 Ucs.( actºs 620° n.º3 e) do mesmo diploma ).
Por ser mais favorável à arguida, é este o regime aplicável (art.º 3° nº2 do
D.L. 433/82 de 27/10, aplicável por força do disposto no art.º 615° do C. T.).
Tendo em conta a gravidade da contra ordenação em causa, o grau de
censurabilidade imputado ao agente e a sua situação económica (art.º 18° do D.L.
433/82), entende-se como adequada a aplicação de uma coima próxima do limite
mínimo - €1250-'.
6. Notificada deste acórdão, a recorrente pediu a reforma do mesmo, interpondo
subsidiariamente recurso para o Tribunal Constitucional,
'porquanto por manifesto lapso:
- não foi determinada a aplicação do artigo 27°, alínea b) do Decreto-Lei
nº433/82, de 27 de Outubro, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei
nº244/95, de 14 de Setembro (...).
Apenas por manifesto lapso na determinação da norma aplicável se entende ter
sido aplicável a alínea a) do citado artigo 27° do Decreto-Lei n° 433/82, em vez
da alínea b) do mesmo diploma, que estabelece o 'prazo de prescrição de um ano
quando se tratam de contra-ordenações cujo montante da coima seja inferior a
Esc. 750.000$00', ou seja, inferior a Euros 3.740,99€'.
Em 26 de Maio de 2004, o Tribunal da Relação de Coimbra indeferiu o requerido e
admitiu o recurso dirigido ao Tribunal Constitucional, esclarecendo
'que não ocorreu nenhum lapso na prolação do dito acórdão.
Pelo contrário, pelas razões aí aduzidas (e que nos escusamos de aqui repetir
por manifesta inutilidade), entendeu-se que o procedimento contra ordenacional
não se encontrava prescrito, quer se aplicasse ao binómio moldura sancionatória
abstracta-prazo prescricional- o regime legal actualmente em vigor, quer o que
regia à data da prática da infracção , que fazia (atento o valor máximo da coima
então prevista) com que o prazo de prescrição fosse de 2 anos- alínea a) do artº
27º citado'.
7. Do requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional,
resulta que a recorrente pretende que seja apreciada:
'A inconstitucionalidade do art. 27° nº1 alínea a) do Decreto-Lei nº433/82 de 27
de Outubro na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº244/95 de 14 de
Setembro, interpretado no sentido da sua aplicabilidade a processos
contra-ordenacionais cujo valor da coima tenha baixado em virtude de legislação
que entretanto entrou em vigor (v.g. em virtude da entrada em vigor do Código do
Trabalho ), por violação do artigo 29°, nº4 da Constituição da República
Portuguesa;
A inconstitucionalidade do art. 27° do Decreto-Lei nº433/82, de 27 de Outubro,
na redacção que lhe foi dada pela Lei nº109/2001, de 24 de Dezembro quando
interpretado no sentido da sua aplicabilidade a processos contra-ordenacionais
que tiveram por base factos passados anteriormente (v.g. no dia 4 de Dezembro de
2000), de modo a que o Arguido fique sujeito a um regime claramente mais
desfavorável por violação do artigo 29°, nº4 da Constituição da República
Portuguesa;
A inconstitucionalidade do art. 204°, n.º 3 do Código do Trabalho quando
interpretado no sentido de remeter para o Despacho do Ministro do Trabalho e da
Segurança Sócia,l de 27.10.1992, publicado no Diário da República II Série de
17/11/1992 (emitido ao abrigo do disposto no nº2 do artigo 10° do já revogado
Decreto-Lei nº. 421/83, de 2 de Dezembro), por violação do artigo 29°, nºs. 1, 3
e 4 da Constituição da República Portuguesa'.
Resultando ainda deste requerimento que a recorrente considera ter
'legitimidade para recorrer já que apenas não suscitou as questões da
inconstitucionalidade durante o processo por não ter tido oportunidade
processual para o fazer.
Efectivamente, como decidiu já o Tribunal Constitucional, no Acórdão n°.61/92,
de 11.2.1992, (in Acs. TC, 21.º-761):
'I- Jurisprudência uniforme e reiterada do Tribunal Constitucional estabelece
que, no recurso previsto no art. 70º, nº1, al.b), da Lei nº28/82, a
inconstitucionalidade tem de ser suscitada antes de esgotado o poder
jurisdicional do juiz sobre a matéria da questão da inconstitucionalidade. II -
O pedido de aclaração de uma decisão judicial ou a reclamação da sua nulidade
não são já, em princípio, meios idóneos e atempados para suscitar a questão da
constitucionalidade. III – Todavia, naqueles casos anómalos em que o recorrente
não disponha de oportunidade processual para suscitar a questão da
constitucionalidade durante o processo, isto é, antes de esgotado o poder
judicial do tribunal a quo sobre a matéria a decidir ainda assim existirá o
direito do recurso de constitucionalidade IV - Não se pode considerar que há
oportunidade processual de suscitar a questão de constitucionalidade em arguição
de nulidade de sentença pois que a aplicação numa decisão judicial de uma norma
inconstitucional implicará erro de julgamento mas não acarreta a nulidade dessa
decisão. V - Tendo a reclamante sido apenas confrontada com a norma havida por
inconstitucional quando lhe foi notificada a sentença que, ao abrigo dessa mesma
norma, a condenou no pedido, não podia, em consequência, haver suscitado a sua
inconstitucionalidade durante o processo nem, tão pouco, lhe era exigido, no
caso concreto, um qualquer juízo de prognose relativo a sua aplicação, em termos
de se antecipar ao procedimento da decisão, suscitando logo a questão da
constitucionalidade. VI – Assim, concluir-se-á que a falta de oportunidade
processual para suscitar a questão de inconstitucionalidade da norma aplicada na
decisão recorrida antes de esta haver sido proferida, bem como a inexistência de
um ónus da avaliação antecipado, conduzem à dispensa do pressuposto de
admissibilidade do recurso relativo à suscitação da inconstitucionalidade
durante o processo, devendo pois o recurso ser recebido independentemente da
verificação deste requisito processual.'
(sublinhado nosso)
Também no reconheceu a falta de oportunidade de suscitar a questão de
constitucionalidade em momento anterior à decisão recorrida, entre outros, o
Acórdão n°.219/92 do Tribunal Constitucional, de 16.6.1992, publicado in BMJ,
418°-807.
No mesmo sentido foi também proferido o Acórdão do Tribunal Constitucional
n°.188/93, de 3.3.1993 (in Acs. TC, 24.º-495), onde se decidiu nomeadamente que:
'(...) Todavia, esta jurisprudência uniforme admite situações excepcionais em
que a impugnação da constitucionalidade pode ser feita depois de esgotado o
poder jurisdicional do tribunal a quo: serão os casos contados de situações
anómalas em que o interessado não disponha de oportunidade processual para
levantar a questão antes de proferida a decisão e, por conseguinte, de esgotado
aquele poder.
Entende-se que foi tempestivamente suscitada a questão da constitucionalidade
pela recorrente, por não ter tido esta a oportunidade de fazê-lo antes,
nomeadamente nas alegações de recurso de agravo que interpusera, dada a
imprevisibilidade da aplicação da norma nova sobre prazos ao caso sub judicio'.
8. Já no Tribunal Constitucional, por despacho do relator, de 13 de Outubro de
2004, ficou, desde logo, esclarecido que o objecto do recurso não podia abranger
a norma constante do artigo 204º, nº 3, do Código do Trabalho:
'Com efeito, o acórdão recorrido embora aplique aquela norma, aplica, também, em
alternativa a norma do art. 204º nº 1 do mesmo Código.
Ora, a recorrente não põe em causa a constitucionalidade desta última norma.
Sendo assim quedaria sem qualquer utilidade um eventual juízo de
inconstitucionalidade sobre a primeira norma'.
9. Nas alegações produzidas, a recorrente abandonou a questão de
constitucionalidade relativa ao artigo 204º, nº 3, do Código do Trabalho,
apresentando as conclusões que, de seguida, se reproduzem:
'1. Ao apreciar a questão da prescrição do procedimento contra-ordenacional
suscitada, para aferir qual o 'regime legal que vigorava ao tempo do cometimento
do ilícito em causa', o douto Acórdão da Relação de Coimbra recorrido faz
corresponder à medida da coima aplicada, no valor de Euros. 1.250 €, o artigo
27°, nº1 alínea a) do Decreto-Lei nº433/82 de 27 de Outubro conjugado com o
art.º 17° nº1 do mesmo diploma, que dispõe que:
2. 'O procedimento por contra-ordenação extingue-se por efeito da prescrição
logo que sobre a prática da contra-ordenação hajam decorrido dois anos, quando
se trate de uma contra-ordenação a que seja aplicável uma coima superior a Esc.
750.000$00', ou seja superior a Euros. 3.740.99 €.
3. No entanto, à coima pela qual a Arguida vem punida corresponde, como bem
decidiu o douto Acórdão da Relação de Coimbra, um valor entre Euros 1197, 15€ e
Euros. 3.192,4€, sendo que no caso concreto foi aplicada uma coima no valor de
Euros. 1.250€.
4. Assim sendo, nunca poderia ter sido aplicável a alínea a) do citado artigo
27° do Decreto-Lei n° 433/82, em vez da alínea b) do mesmo diploma, que
estabelece o 'prazo de prescrição de um ano quando se tratam de
contra-ordenações cujo montante da coima seja inferior a Esc. 750.000$00', ou
seja, inferior a Euros, 3740.99 €.
5. Pelo que, a Arguida interpõe recurso do citado Acórdão para o Tribunal
Constitucional, nos termos seguintes, e na parte em que aplica ao presente
processo contra-ordenacional o artigo 27°. nº l alínea a) do Decreto-Lei
nº433/82 de 27 de Outubro na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei
nº244/95, de 14 de Setembro, conjugado com o art.º 17° nº1 do mesmo diploma, em
vez de aplicar a alínea b) do nº 1 do referido Decreto-Lei.
6. Porquanto, ao fazê-lo aplica uma legislação mais desfavorável à Arguida do
que a que se encontrava em vigor à data da prática dos factos de que vem
acusada. com desrespeito do artigo 29°, nº4 da Constituição da República.
7. O art. 27°. nº1 alínea a) do Decreto-Lei nº433/82 de 27 de Outubro na
redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº244/95, de 14 de Setembro,
interpretado no sentido da sua aplicabilidade a processos contra-ordenacionais
cujo valor da coima baixou em virtude de legislação que entretanto entrou em
vigor (v. g. em virtude da entrada em vigor do Código do Trabalho) é
inconstitucional por violação do artigo 29° nº4 da Constituição da República
Portuguesa.
8. Também ao apreciar a questão da prescrição do presente procedimento
contra-ordenacional, o douto Acórdão recorrido aplicou, (em alternativa ao art.
27°, nº1 alínea a) do Decreto-Lei nº433/82 de 27 de Outubro na redacção que lhe
foi dada pelo Decreto-Lei nº244/95, de 14 de Setembro), o artigo 27° do
Decreto-Lei nº433/82, de 27 de Outubro, na redacção que lhe foi dada pela Lei
nº109/2001, de 24 de Dezembro, (terceira alteração ao Decreto-Lei nº433/82, de
27 de Outubro), relativamente a factos que ocorreram no dia 4 de Dezembro de
2000.
9. O referido Decreto-Lei, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº109/2001
estabelece, no seu art.27°, nº1, alínea b) o prazo geral de prescrição de 3
(três) anos para as contra-ordenações a que seja aplicável uma coima de montante
igual ou superior a Euros. 2.493,99€ e inferior a Euros. 49.879,79€, como é a do
caso sub judice.
10. Por seu lado, a alínea b) do artigo 27° do Decreto-Lei nº433/82, de 27 de
Outubro, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº244/95, de 14 de
Setembro, prescreve, ex vi do art.17°, nº1 do mesmo diploma, que o procedimento
por contra-ordenação se extingue por efeito da prescrição logo que sobre a
prática da contra-ordenação a que seja aplicável uma coima inferior a
Euros.3.740,98€ (Esc.750.000$00) haja decorrido 1 (um) ano.
11. Ora, 'A prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, desde o
seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal
acrescido de metade', cfr . art.121º, nº3 do Código Penal.
12. E, de acordo com os Acórdãos de fixação de Jurisprudência do Supremo
Tribunal de Justiça de 30.03.01 e 05.03.02: 'A regra do n° 3 do art.121 ° do C.
Penal (...) é aplicável, subsidiariamente, nos termos do art. 32° do DL 433/82,
ao regime prescricional do procedimento contra-ordenacional'..
13. Assim, temos que: a ser aplicável o regime prescricional previsto no artigo
27° do Decreto-Lei nº433/82, de 27 de Outubro, na redacção que lhe foi dada pela
Lei nº109/2001, de 24 de Dezembro, a contra-ordenação em causa prescreveria
quando tivessem passado 3 anos (prazo geral), acrescidos de 1 ano e 6 meses
(acrescidos de metade), a menos que tivesse havido alguma causa de suspensão do
processo, caso em que esse tempo teria de ser ressalvado.
14. Ao passo que, aplicando-se o regime prescricional previsto na alínea b) do
artigo 27° Decreto-Lei nº433/82, de 27 de Outubro, na redacção que lhe foi dada
pelo Decreto-Lei nº244/95, de 14 de Setembro, a infracção prescreveria ao fim de
1 ano (prazo geral) acrescido de seis meses (metade), a não ser que tivesse
havido alguma causa de suspensão do processo, caso em que esse tempo teria de
ser ressalvado.
15. Ou seja: aplicando-se o artigo 27° do Decreto-Lei nº433/82, de 27 de
Outubro, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº109/2001, de 24 de Dezembro, a
infracção prescreveria apenas 4 anos e seis meses depois da infracção;
16. Aplicando-se o artigo 27° (alínea b) do Decreto-Lei n° 433/82, na redacção
que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº244/95, de 14 de Setembro, esse prazo
passaria a ser de 1 ano e seis meses,
17. (Em ambos os casos ressalvando-se o tempo de suspensão).
18. Ora, aplicando-se a alínea b) do artigo 27° do Decreto-Lei nº433/82, na
redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº244/95, de 14 de Setembro, tendo em
conta que os factos ocorreram em 4 de Dezembro de 2000 (cfr. Auto de Notícia), a
prescrição ter-se-ia consumado em 4 de Junho de 2002, a não ser que tivesse
havido suspensão, cujo tempo teria que ser ressalvado.
19. No que respeita à suspensão, por força do Acórdão 2/2002 do Supremo Tribunal
de Justiça para fixação de jurisprudência, já citado supra, publicado no Diário
da República de 05/03/02, assentou-se que: '(...) o regime de suspensão da
prescrição do procedimento criminal é extensivo, com as devidas adaptações, ao
regime de suspensão das contra-ordenações, previsto no art. 27. ° - A do D.L.
433/82 na redacção dada pelo D.L. 244/95, de 14/09.'
20. Daí que tenha de se aplicar, com as devidas adaptações, o disposto na alínea
b), do n.º1 do artigo 120.º do Código Penal, nos termos da qual, o procedimento
contra-ordenacional suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na
lei '(...) a partir da notificação da acusação ou, não tendo esta sido deduzida,
a partir da notificação da decisão instrutória que pronunciar o arguido ou do
requerimento para aplicação de sanção em processo sumaríssimo;'.
21. Ora, no caso dos autos, a Arguida foi notificada da decisão administrativa
datada de 22 de Novembro de 2002.
22. Nestes termos, verifica-se que o termo do prazo de um ano e meio da
prescrição ocorreu em 4 de Junho de 2002, logo em data anterior à notificação ao
arguido da apresentação dos Autos pelo Ministério Público ao Tribunal do
Trabalho de Leiria, tendo decorrido o prazo de prescrição de um ano meio antes
de ocorrer a suspensão do mesmo.
23. Tal contagem do prazo prescricional, no que respeita à aplicação de leis
sucessivas no tempo, é feita com a escolha da aplicação da lei mais favorável em
bloco, e não osmoticamente, ao contrário do que se possa contra-argumentar.
Aliás, tem sido esse o entendimento praticamente unânime na jurisprudência.
24. Sucede que, quando a Recorrente invocou, junto do Tribunal da Relação de
Coimbra, a prescrição do presente procedimento contra-ordenacional, invocou,
apenas, um único regime regulador da prescrição: o previsto no Decreto-Lei
n.º433/82, de 27 de Fevereiro, na versão anterior à alteração introduzi da pela
Lei n.º109/2001, de 24 de Dezembro (que se encontrava em vigor à data dos factos
imputados no Auto de Notícia).
25. Como facilmente se depreende do teor do recurso apresentado pela Recorrente,
o único regime de prescrição a que se fez referência é o previsto no Decreto-Lei
nº 433/82, de 27 de Fevereiro, na versão anterior à alteração introduzida pela
Lei n.º109/2001, de 24 de Dezembro, interpretado de acordo com a jurisprudência
uniformizada pelos Acórdãos n.ºs 6/2001 e 2/2002 do Supremo Tribunal de Justiça,
não tendo havido qualquer 'mistura' de regimes de prescrição.
26. A única questão relevante introduzida pela nova legislação é a alteração do
valor da coima aplicável que, de acordo com o novo regime sancionatório, se
enquadra no prazo de prescrição da alínea b) do artigo 27.º do Decreto-Lei
n.º433/82, na versão anterior à Lei n.º109/2001, de 24 de Dezembro.
27. De salientar que o regime estatuído no Código do Trabalho não contém
qualquer norma relativa à prescrição do procedimento contra-ordenacional.
28. Daqui resulta que a aplicação do regime prescricional mais favorável
invocada pela Recorrente é feita em bloco.
29. Neste sentido vejam-se, nomeadamente, as decisões jurisprudenciais já juntas
aos autos com o requerimento de Recurso apresentado junto desse Tribunal, bem
como as decisões recentemente proferidas pelos mais variados Tribunais, e cujas
cópias ora se juntam como Docs. I a 6.
30. Assim, de acordo com o artigo 27° do Decreto-Lei n° 433/82, na redacção que
lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº244/95, de 14 de Setembro, o processo de
contra-ordenação prescreveu em 4 de Junho de 2002.
31. Ora, o douto Acórdão recorrido não aplicou o artigo 27° do Decreto-Lei
433/82, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº244/95, de 14 de
Setembro mas sim o artigo 27° do Decreto-Lei nº433/82, de 27 de Outubro, na
redacção que lhe foi dada pela Lei nº109/2001, de 24 de Dezembro.
32. No entanto, o artigo 27° do Decreto-Lei nº433/82, de 27 de Outubro, na
redacção que lhe foi dada pela Lei nº109/2001, de 24 de Dezembro, quando
interpretado no sentido da sua aplicabilidade a processos contra-ordenacionais
que tiveram por base factos passados anteriormente (v.g. no dia 4 de Dezembro de
2000), de modo a que o Arguido fique sujeito a um regime claramente mais
desfavorável, é claramente inconstitucional, por violação do artigo 29°, nº4 da
Constituição da República Portuguesa (...)'.
10. O Ministério Público contra-alegou, levantando a questão prévia da não
suscitação pela recorrente, durante o processo, de qualquer questão de
inconstitucionalidade normativa. Concluiu pelo não conhecimento do presente
recurso, invocando que:
'1 - O recorrente não suscitou, perante o Tribunal da Relação, nem na motivação
do recurso apresentado, nem na resposta ao parecer exarado pelo Ministério
Público (fls. 258 e segs) qualquer questão de inconstitucionalidade normativa,
apesar de para tal ter tido plena oportunidade processual, já que aí invocava
expressamente a prescrição do procedimento contraordenacional.
2 - Não está delineada, nem no requerimento de interposição de recurso para o
Tribunal Constitucional, nem na alegação ora produzida, uma questão de
inconstitucionalidade normativa, relativamente ao critério normativo seguido
pela Relação, em sede de aplicação no tempo das normas reguladoras da prescrição
do procedimento contraordenacional, limitando-se a questionar a
constitucionalidade da própria decisão, concretamente tomada por aquele
Tribunal.
3 - Na verdade – e como decorre expressamente do acórdão recorrido – tal
critério normativo traduziu invocação e aplicação do princípio da aplicação da
lei concretamente mais favorável ao arguido – não integrando objecto idóneo de
um recurso para o Tribunal Constitucional a reapreciação da concreta subsunção,
realizada pelas instâncias, nomeadamente no que respeita à determinação dos
limites aplicáveis quanto à moldura sancionatória da contraordenação imputada à
arguida'.
11. Notificada para responder à questão prévia suscitada pelo Ministério
Público, a recorrente reafirmou que tem legitimidade para recorrer já que apenas
não suscitou as questões de inconstitucionalidade durante o processo por não ter
tido oportunidade processual para o fazer, fundando esta asserção em
jurisprudência do Tribunal Constitucional (a já mencionada no requerimento de
interposição de recurso, cf. supra ponto 7.). Respondendo mais directamente às
contra-alegações produzidas, a recorrente sustenta ainda o seguinte:
'Pertence, efectivamente, aos recorrentes o ónus de suscitar, durante o
processo, a questão de inconstitucionalidade das normas convocadas pela decisão
da causa, havendo de fazê-lo de forma processualmente idónea, de modo directo,
explícito e perceptível, através da indicação das disposições legais sobre que
se faz recair a suspeita do vício de inconstitucionalidade, em ordem a que o
tribunal da causa seja confrontado com tal questão e sobre ela possa proferir
uma decisão de acolhimento ou de rejeição.
No entanto,
No caso em apreço, as normas cuja inconstitucionalidade se pretende apreciada só
foram aplicadas pelo Tribunal da Relação de Coimbra, aplicação essa com a qual o
Recorrente não podia, objectivamente contar.
De facto,
Não nos parece que esteja na esfera do Recorrente a obrigação de equacionar
todas as questões de inconstitucionalidade possíveis, sob pena de se ver
obrigado a argumentar acerca da constitucionalidade ou inconstitucionalidade de
todas as normas aplicáveis ao processo em causa!
Efectivamente,
Como decidiu o Tribunal Constitucional, em Acórdão proferido no âmbito do
processo n.º 93-0802, in www.dgsi.pt,
'(...)Deve considerar-se o recorrente dispensado do ónus de suscitar a questão
da inconstitucionalidade de certa norma antes da prolacção da decisão recorrida
quando não seja previsível a sua aplicação a decisão da causa(...)'
Assim o considerou também o mesmo Tribunal, em Acórdão datado de 23.03.1994,
proferido no âmbito do Processo n.º319/92 (in www.dgsi.pt), cujo Sumário, com a
devida vénia, se transcreve:
'I - Embora a questão de inconstitucionalidade apenas tenha sido colocada no
requerimento de arguição de nulidade do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça,
entende-se que tal questão foi suscitada atempadamente pelo recorrente,
porquanto ele foi confrontado com uma interpretação normativa do artigo 666° do
Código de Processo Penal de 1929, com a qual não podia razoavelmente contar.
II- Não se conhece jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que entenda que
esta vedado a este órgão conhecer dos recursos interpostos da deliberação do
júri em matéria de facto, pelo que uma interpretação do artigo 666° que
conduzisse a tal solução sempre haveria de reputar-se de insólita e
imprevisível. Por isso, tem de entender-se que não impendia sobre o recorrente o
ónus de suscitar nas suas alegações, antes de proferida a decisão do recurso
pelo Supremo Tribunal de Justiça, a questão da inconstitucionalidade de uma tal
interpretação do artigo 666° do Código de Processo Penal de 1929, face ao teor
do artigo 518° do mesmo diploma.
III - Na vigência da redacção dos artigos 518° e 525° do Código de Processo
Penal de 1929, introduzida pelo Decreto-Lei n. º605/75, considerou-se derrogado
o artigo 666° do mesmo diploma na parte em que estabelecia a regra de que o
Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de recurso, apenas conhecia de
matéria de direito.
IV- Nunca esta derrogação foi questionada pela jurisprudência daquele Tribunal,
que apenas divergiu quanto a saber se, para se conhecer da matéria de facto,
era, ou não, necessário ter sido interposto especificamente recurso da
deliberação do júri.
V- A interpretação dada ao artigo 666° do indicado diploma no Acórdão impugnado
leva a que existia uma só instância quanto a matéria de facto.
VI- A doutrina acolhida no Acórdão n. 401/91 do Tribunal Constitucional -
através do qual foi declarada a inconstitucionalidade, com força obrigatória
geral, da norma do artigo 665° do Código de Processo Penal de 1929, na
interpretação que lhe foi dada pelo assento do Supremo Tribunal de Justiça de 29
de Junho de 1934 - aplica-se no caso 'sub judicio' a interpretação do artigo
666° acolhida pelo tribunal recorrido.
VII- A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem reconhecido de forma
uniforme que o direito fundamental de acesso aos tribunais para defesa dos
direitos e interesses legítimos dos cidadãos, previsto no n. 1 do artigo 20 da
Constituição, abrange a garantia do duplo grau de jurisdição quanto as decisões
penais condenatórias e as decisões respeitantes a situação do arguido face a
privação ou restrição da liberdade ou de quaisquer outros direitos fundamentais.
VIII- O Tribunal Constitucional fixou o entendimento de que a garantia do duplo
grau de jurisdição abrange não só a decisão penal sobre a matéria de direito,
como ainda a decisão penal sobre a matéria de facto.
IX- Sendo o recurso as Sentença condenatória uma 'peça dominante do quadro
dialéctico em que se desenvolve o processo penal' por ser ela que 'permite ao
arguido superar a antítese entre o interesse publico a condenação e o seu
próprio interesse de defesa e obter a reforma de sentença injusta, de sentença
inquinada de vicio substancial ou de erro de julgamento' não ha razões que
militem no sentido de o recurso em matéria de facto só ser admissível das
decisões do tribunal colectivo e não já das do júri. '
(destacado nosso)
Ora,
No caso em referência, o Recorrente foi confrontado com uma interpretação das
normas jurídicas em causa com a qual não podia razoavelmente contar, pelo que
não impendia sobre aquele o ónus de suscitar as questões de
inconstitucionalidade suscitadas.
De facto,
O Acórdão recorrido aplicou ao presente processo contra-ordenacional o artigo
27°, nº1 alínea a) do Decreto-Lei nº433/82 de 27 de Outubro na redacção que lhe
foi dada pelo Decreto-Lei nº244/95, de 14 de Setembro, conjugado com o art.º 17°
nº1 do mesmo diploma em vez de aplicar a alínea b) do nº1 do referido
Decreto-Lei.
Ao fazê-lo aplicou uma legislação mais desfavorável à Arguida do que a que se
encontrava em vigor à data da prática dos factos de que vem acusada, com
desrespeito do artigo 29°, nº4 da Constituição da República.
Aplicação com a qual a recorrente não poderia contar!
De facto, o art. 27° nº1 alínea a) do Decreto-Lei nº433/82 de 27 de Outubro na
redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº44/95, de 14 de Setembro
interpretado no sentido da sua aplicabilidade a processos contra-ordenacionais
cujo valor da coima baixou em virtude de legislação que entretanto entrou em
vigor (v.g. em virtude da entrada em vigor do Código do Trabalho) é
inconstitucional por violação do artigo 29°, nº4 da Constituição da República
Portuguesa.
E,
Também ao apreciar a questão da prescrição do presente procedimento
contra-ordenacional, o douto Acórdão recorrido aplicou o artigo 27° do
Decreto-Lei nº433/82, de 27 de Outubro, na redacção que lhe foi dada pela Lei
nº109/2001, de 24 de Dezembro, (terceira alteração ao Decreto-Lei nº433/82, de
27 de Outubro), relativamente a factos que ocorreram no dia 4 de Dezembro de
2000!!! (...).
O douto Acórdão recorrido não aplicou o artigo 27° do Decreto-Lei 433/82, na
redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº44/95, de 14 de Setembro mas sim o
artigo 27° do Decreto-Lei nº433/82, de 27 de Outubro, na redacção que lhe foi
dada pela Lei nº109/2001, de 24 de Dezembro .
No entanto,
O artigo 27° do Decreto-Lei nº433/82 de 27 de Outubro na redacção que lhe foi
dada pela Lei nº109/2001, de 24 de Dezembro quando interpretado no sentido da
sua aplicabilidade a processos contra-ordenacionais que tiveram por base factos
passados anteriormente (v.g. no dia 4 de Dezembro de 2000), de modo a que o
Arguido fique sujeito a um regime claramente mais desfavorável por violação do
artigo 29° nº4 da Constituição da República Portuguesa'.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
1. Por despacho, de 13 de Outubro de 2004, decidiu-se que o objecto do presente
recurso não podia abranger a norma do artigo 204º, nº 3, do Código do Trabalho.
Pelo que e atendendo ao teor das alegações produzidas, as quais não incidem
sobre esta norma, integram o objecto do presente recurso apenas as outras duas
questões de constitucionalidade, que o recorrente formula da seguinte forma:
a) O artigo 27º, nº 1, alínea a), do Decreto-Lei nº 433/82 de 27 de Outubro, na
redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 244/95, de 14 de Setembro, é
inconstitucional, quando interpretado no sentido da sua aplicabilidade a
processos contra-ordenacionais cujo valor da coima tenha baixado em virtude de
legislação que entretanto entrou em vigor (v.g. em virtude da entrada em vigor
do Código do Trabalho), por violação do artigo 29°, nº 4, da Constituição da
República Portuguesa;
b) O artigo 27° do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, na redacção que lhe
foi dada pela Lei nº 109/2001, de 24 de Dezembro, é inconstitucional, quando
interpretado no sentido da sua aplicabilidade a processos contra-ordenacionais
que tiveram por base factos passados anteriormente (v.g. no dia 4 de Dezembro de
2000), de modo a que o arguido fique sujeito a um regime claramente mais
desfavorável por violação do artigo 29°, nº 4, da Constituição da República
Portuguesa.
É o seguinte o teor do artigo 27º do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, na
redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 244/95, de 14 de Setembro:
“O procedimento por contra-ordenação extingue-se por efeito da prescrição logo
que sobre a prática da contra-ordenação hajam decorrido os seguintes prazos:
a) Dois anos, quando se trate de contra-ordenação a que seja aplicável uma
coima superior ao montante máximo previsto no nº 1 do artigo 17º [750 000$];
b) Um ano, nos restantes casos”.
Através da Lei nº 109/2001, de 24 de Janeiro foi dada ao artigo 27º do
Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, a seguinte redacção:
“O procedimento por contra-ordenação extingue-se por efeito da prescrição logo
que sobre a prática da contra-ordenação hajam decorrido os seguintes prazos:
a) Cinco anos, quando se trate de contra-ordenação a que seja aplicável uma
coima de montante máximo igual ou superior a € 49 879,79;
b) Três anos, quando se trate de contra-ordenação a que seja aplicável uma
coima de montante máximo igual ou superior a € 2 493,99 e inferior a € 49
879,79;
c) Um ano, nos restantes casos”.
2. Delimitado o objecto do presente recurso de constitucionalidade, interposto
ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC, importa apreciar e decidir
a questão prévia da não suscitação, durante o processo, de qualquer questão de
inconstitucionalidade normativa, levantada pelo Ministério Público junto deste
Tribunal, em sede de contra-alegações.
Concretamente, há que decidir se a recorrente suscitou aquelas questões durante
o processo. Ou seja, se se verifica este requisito do recurso que pretendeu
interpor, admitindo, desde já, que a recorrente questionou a constitucionalidade
das normas em causa, não se tendo limitado a questionar a constitucionalidade da
decisão condenatória do Tribunal da Relação de Coimbra.
Na verdade, o Banco A. suscitou a inconstitucionalidade de duas dimensões
interpretativas do artigo 27º do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro –uma,
na redacção que ao artigo foi dada pelo Decreto-Lei nº 244/95, de 14 de
Setembro, e outra, na que lhe sucedeu por via das alterações introduzidas pela
Lei nº 109/2001, de 24 de Dezembro – que se reconduzem à questão de saber como
se determina a lei mais favorável ao arguido, em caso se sucessão de leis
contra-ordenacionais no tempo que abranjam também normas sobre prescrição, em
obediência ao disposto no artigo 3º, nº 2, do Regime Geral das
Contra-ordenações, previsto naquele diploma legal.
Especificamente, no que ao caso sub judice interessa, reconduzem-se à questão de
saber se na determinação da lei mais favorável ao arguido há que fazer uma
ponderação unitária ou global ou antes uma diferenciada ou discriminada,
significando a primeira 'que é a lei na sua totalidade, na globalidade das suas
disposições, que deve ser aplicada'; e a segunda que, 'considerada a
complexidade de cada uma das leis e a relativa autonomia de cada uma das
disposições (...) deve proceder-se ao confronto de cada uma das disposições de
cada lei, podendo, portanto, acabar por se aplicar ao caso sub iudice,
disposições de ambas as leis' (Taipa de Carvalho, Sucessão de Leis Penais2,
Coimbra Editora, p. 192 e s.).
Com efeito, quando a recorrente questiona, do ponto de vista
jurídico-constitucional, o artigo 27º, alínea a), do Decreto-Lei nº 433/82 de 27
de Outubro, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 244/95, de 14 de
Setembro, quando interpretado no sentido da sua aplicabilidade a processos
contra-ordenacionais cujo valor da coima tenha baixado em virtude de legislação
que entretanto entrou em vigor (v.g. em virtude da entrada em vigor do Código do
Trabalho), está a questionar o critério normativo de determinação da lei mais
favorável que assenta numa ponderação unitária ou global. O critério que leva ao
confronto daquele artigo 27º, na redacção dada pelo diploma de 1995, com as
disposições legais que vigoravam no momento da prática da infracção, em 4 de
Dezembro de 2000 – os artigos 10º, nº 2, e 11º, nº 1, 2ª parte, do Decreto-Lei
nº 421/83, de 2 de Dezembro e 9º, nº 1, alínea d), da Lei nº 116/99, de 4 de
Agosto.
E o mesmo se passa quando é questionado, de um ponto de vista
jurídico-constitucional, o artigo 27° do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de
Outubro, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 109/2001, de 24 de Dezembro,
quando interpretado no sentido da sua aplicabilidade a processos
contra-ordenacionais que tiveram por base factos passados anteriormente (v.g. no
dia 4 de Dezembro de 2000). Também aqui se está a pôr em causa, afinal, o
critério normativo de determinação da lei mais favorável que assenta numa
ponderação unitária ou global e que leva ao confronto daquele artigo 27º, na
redacção vigente, dada pelo diploma de 2001, com as disposições legais em vigor
– os artigos 663º e 204º do Código do Trabalho.
Nas duas questões de constitucionalidade suscitadas o que se questiona, pois, é
um critério normativo de determinação da lei penal mais favorável ao arguido que
não permite ao aplicador da lei socorrer-se de normas da lei antiga e da lei
nova. Um critério que não permite confrontar a norma do artigo 27º, alínea b),
do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº
244/95, de 14 de Setembro, que determina a extinção do procedimento por
contra-ordenação por efeito de prescrição logo que sobre a prática de
contra-ordenação a que seja aplicável coima inferior a 750 000$00 (3 740 €) haja
decorrido um ano (lei antiga), com as normas actualmente em vigor, as dos
artigos 663º e 204º do Código do Trabalho, as quais prevêem como limite máximo
da coima aplicável a quantia de 3 192, 4 € (lei nova).
Isto mesmo resulta do acórdão condenatório do Tribunal da Relação de Coimbra,
quando decide a questão prévia e superveniente da prescrição do procedimento
contra-ordenacional, bem como da decisão que indeferiu o pedido de aclaração
daquele acórdão, a qual é particularmente esclarecedora do critério adoptado de
determinação da lei mais favorável. Este acórdão reportou-se ao binómio moldura
sancionatória abstracta-prazo prescricional para concluir que, independentemente
de se aplicar a este binómio o regime legal actualmente em vigor ou o que regia
à data da prática da infracção, o procedimento contra-ordenacional não se
encontrava prescrito.
De resto, já o Ministério Público junto daquele Tribunal da Relação se havia
pronunciado no sentido de uma aplicação em bloco e não osmótica dos regimes
legais que se sucederam no tempo, quando foi confrontado com as questões prévias
e supervenientes levantadas pela recorrente.
3. Atendendo a que o recurso foi interposto ao abrigo do disposto nos artigos
280º, nº 1, alínea b) da Constituição e 70º, nº 1, alínea b) da LTC, importa
averiguar se a recorrente suscitou, durante o processo, as questões de
constitucionalidade enunciadas no requerimento de interposição.
Sobre este requisito do recurso de constitucionalidade interposto escreveu-se no
Acórdão do Tribunal Constitucional nº 61/92 (Diário da República, II Série, de
18 de Agosto de 1992), um dos que a recorrente refere, o seguinte:
'Vem este Tribunal entendendo, em jurisprudência uniforme e reiterada, que o
pressuposto de admissibilidade daquele tipo de recurso (...) no atinente ao
exacto significado da locução 'durante o processo' utilizado em ambos os
normativos, deve ser tomado não num sentido puramente formal (tal que a
insconstitucionalidade pudesse ser suscitada até à extinção da instância), mas
num sentido funcional, tal que essa invocação haverá de ter sido feita em
momento em que o tribunal a quo ainda pudesse conhecer da questão. Ou seja: a
inconstitucionalidade haverá de suscitar-se antes de esgotado o poder
jurisdicional do juiz sobre a matéria a que (a mesma questão de
inconstitucionalidade) respeita. Um tal entendimento decorre do facto de se
estar justamente perante um recurso para o Tribunal Constitucional, o que
pressupõe, obviamente, uma anterior decisão do tribunal a quo sobre a questão
(de constitucionalidade) que é objecto do mesmo recurso.
Deste modo, porque o poder jurisdicional se esgota, em princípio, com a prolação
da sentença e porque a eventual aplicação de uma norma inconstitucional 'não
constitui erro material, não é causa de nulidade da decisão judicial, nem torna
esta obscura ou ambígua', há-de ainda entender-se que o pedido de aclaração de
uma decisão judicial ou a reclamação da sua nulidade não são já, em princípio,
meios idóneos e atempados para suscitar a questão de inconstitucionalidade (cfr.
sobre este tema, por todos, os Acórdãos nºs 62/85 e 94/88, Diário da República,
II série, respectivamente, de 31 de Maio de 1985 e de 22 de Agosto de 1988).
Todavia, a orientação geral assim definida, não será de aplicar em determinadas
situações de todo excepcionais, em que os interessados não disponham de
oportunidade processual para suscitar a questão de constitucionalidade antes do
proferimento da decisão, caso em que lhes deverá ser salvaguardado o direito ao
recurso de constitucionalidade.
Na verdade, este Tribunal tem vindo a entender, num plano conformador da sua
jurisprudência genérica sobre este tema, que naqueles casos anómalos em que o
recorrente não disponha de oportunidade processual para suscitar a questão de
constitucionalidade durante o processo, isto é, antes de esgotado o poder
jurisdicional do tribunal a quo sobre a matéria a decidir, ainda assim existirá
o direito ao recurso de constitucionalidade (cfr. os Acórdãos nºs 136/85 e
479/89, o primeiro, no Diário da República, II série, de 28 de Janeiro de 1986,
e o segundo, no Boletim do Ministério da Justiça, nº 389, pp. 222 e ss.)'.
Na linha de orientação da jurisprudência deste Tribunal, que este Acórdão
sintetiza e que agora se reitera, importa, pois, concluir se a recorrente teve
ou não oportunidade processual para suscitar as questões de constitucionalidade
formuladas no requerimento de interposição de recurso durante o processo, ou
seja, antes de ter sido proferido o acórdão condenatório da Relação de Coimbra.
E para tal concluir importará também ter presente os três tipos de situações que
a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem reconduzido aos 'casos anómalos'
em que o recorrente não teve oportunidade processual para suscitar a questão de
constitucionalidade durante o processo e que, por isso mesmo, justificam que
seja salvaguardado o direito ao recurso de constitucionalidade, dispensando o
recorrente de levantar a questão de constitucionalidade antes de ser proferida a
decisão recorrida: 'o interessado não teve a possibilidade de suscitar a questão
em virtude de não lhe ter sido dada qualquer oportunidade para intervir no
processo antes da decisão'; o interessado interveio no processo, mas 'a questão
da inconstitucionalidade só pôde colocar-se perante um circunstancialismo
ocorrido já após a sua última intervenção processual e antes da decisão'; 'ao
interessado não foi exigível que antevisse a possibilidade de aplicação da norma
ao caso concreto, de modo a impor-se-lhe o ónus de suscitar a questão antes da
decisão' (Guilherme da Fonseca/Inês Domingos, Breviário de Direito Processual
Constitucional2, Coimbra Editora, p. 52).
4. À luz do acabado de expor, a conclusão só pode ser a de que a recorrente não
suscitou, durante o processo, as questões de constitucionalidade formuladas no
requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional, tendo
tido oportunidade processual para o fazer.
Por um lado, foi a própria recorrente que, em momento anterior ao de ser
proferido o acórdão condenatório do Tribunal da Relação de Coimbra, levantou a
questão prévia e superveniente da prescrição do procedimento
contra-ordenacional, o que é demonstrativo de que a interessada teve
oportunidade processual de intervir antes de ser proferida a decisão recorrida.
Por outro, à recorrente era exigível que antevisse a possibilidade de ser
utilizado como critério normativo de determinação da lei mais favorável ao
arguido o da ponderação unitária ou global, em virtude de ser este o critério há
muito seguido pela nossa jurisprudência e de em causa estar uma questão debatida
pela doutrina portuguesa. Impunha-se-lhe, por isso, o ónus de suscitar as
questões de constitucionalidade formuladas, quando, em momento anterior ao de
ser proferida a decisão condenatória daquele Tribunal, levantou questões prévias
e supervenientes relativas à prescrição do procedimento contra-ordenacional.
Com efeito, pode ler-se no Assento do Supremo Tribunal de Justiça, de 15 de
Fevereiro de 1989 (Diário da República, I Série, de 17 de Março de 1989),
relativamente ao disposto no artigo 2º, nº 4, do Código Penal, que deste
preceito há que reter que a escolha deverá fazer-se entre regimes, não sendo
'lícito construir regimes particulares pela conjunção de elementos retirados de
uma e outra lei, com o perigo da quebra de coerência e a obtenção de um
resultado aberrante, ainda que concretamente vantajoso, para o agente. Proíbe-se
o que, em expressão curiosa, já se designou por 'aplicação simbiótica das leis
penais'. Uma orientação jurisprudencial que já estava presente em decisões
anteriores – cf., por exemplo, os acórdãos da Relação de Lisboa, de 5 de Julho
de 1983 e de 23 de Março de 1988, da Relação do Porto, de 19 de Outubro de 1983,
da Relação de Évora, de 31 de Janeiro de 1984, e do Supremo Tribunal de Justiça,
de 20 de Junho de 1984 – e que é depois reafirmada num acórdão do Supremo
Tribunal de Justiça, de 7 de Julho de 1999 (cf. Leal-Henriques/Simas Santos,
Código Penal Anotado3, 1º vol., Rei dos Livros, anotação ao artigo 2º).
Também de um ponto de vista doutrinal é por demais evidente que estamos perante
uma questão conhecida e debatida, bastando para tal concluir atentar em textos
de Figueiredo Dias (Direito Penal. Questões fundamentais. A doutrina geral do
crime, Universidade de Coimbra, Faculdade de Direito, 1996, p. 191 e s.; mais
recentemente, Direito Penal. Parte Geral. Questões Fundamentais. A Doutrina
Geral do Crime, Coimbra Editora, 2004, p. 191), de Taipa de Carvalho (ob. cit.,
p. 192 e ss.), de Germano Marques da Silva (Direito Penal Português. Parte
Geral. Introdução e Teoria da Lei Penal I, Verbo, 1997, p. 265 e s.) e de
Leal-Henriques/Simas Santos (ob. cit., anotação ao artigo 2º, p. 107).
Diga-se, ainda, que a circunstância de estar em causa legislação
contra-ordenacional em nada prejudica a conclusão de que era exigível à
recorrente que antevisse a possibilidade de ser utilizado como critério
normativo de determinação da lei mais favorável ao arguido o da ponderação
unitária ou global. Para além de o artigo 3º, nº 2, do Regime Geral das
Contra-ordenações ser visto, em regra, como uma norma paralela à do artigo 2º,
nº 4, do Código Penal (assim, por exemplo, Oliveira Mendes/Santos Cabral, Notas
ao Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, Almedina, 2003, anotação ao
artigo 3º), é defendido pela doutrina, de forma expressa, que também nesta
matéria deve valer o critério normativo da ponderação global ou unitária (Beça
Pereira, Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, Almedina, 2003, anotação
ao artigo 3º, e Simas Santos/Lopes de Sousa, Contra-Ordenações. Anotações ao
Regime Geral, Vislis, 2003, anotação ao artigo 3º).
5. Neste Tribunal a recorrente alegou que invocou apenas 'um único regime
regulador da prescrição', 'não tendo havido qualquer 'mistura' de regimes de
prescrição', daqui resultando 'que a aplicação do regime prescricional mais
favorável invocada pela Recorrente é feita em bloco'.
Ora, esta alegação em nada prejudica a conclusão no sentido de que a recorrente
teve oportunidade processual para suscitar as questões de constitucionalidade
durante o processo, entendida esta locução num sentido funcional. A 'mistura' de
regimes que a decisão recorrida afastou foi a resultante de uma ponderação
discriminada que confrontasse disposições sancionatórias da lei nova – do Código
do Trabalho – com disposições relativas à prescrição do procedimento
contra-ordenacional da lei que vigorava no momento da prática da infracção – com
o disposto no artigo 27º do Decreto-Lei nº 433/82, na redacção dada pelo
Decreto-Lei nº 244/95, de 14 de Setembro.
Uma situação particular, relativamente à qual era exigível que a recorrente
antevisse a possibilidade de vir a ser aplicado o critério normativo da
ponderação unitária ou global, uma vez que vai nesse sentido a jurisprudência
portuguesa. No sumário dos acórdãos da Relação de Évora, de 31 de Janeiro de
1984, e da Relação de Lisboa, de 23 de Março de 1988, já referidos, pode ler-se,
respectivamente, o seguinte: 'Na aplicação da lei penal mais favorável deve
escolher-se em bloco um dos regimes em confronto, não sendo lícito respigar
deles disposições isoladas. Assim não pode basear-se no antigo C. Penal o
sistema punitivo do acto e no novo o regime prescricional'; 'Não é legalmente
possível buscar a incriminação no C. Penal de 1886 e o regime prescricional no
diploma que lhe sucedeu, o C. Penal de 1982'. De resto, também a doutrina
portuguesa se pronuncia, expressamente, sobre esta dimensão do critério
normativo da ponderação global ou unitária, para o efeito de ser determinada a
lei mais favorável ao arguido (assim, Figueiredo Dias, ob. cit., 1996, p. 192).
6. É de concluir, pois, que as questões de constitucionalidade constantes do
requerimento de interposição de recurso para este Tribunal não foram suscitadas
durante o processo, não se verificando, por conseguinte, um dos requisitos do
recurso de constitucionalidade previsto nos artigos 280º, nº 1, alínea b), da
Constituição e 70º, nº 1, alínea b), da LTC, o que impede o conhecimento do
objecto do mesmo.
Se, por um lado, a recorrente teve oportunidade processual para questionar a
conformidade constitucional do critério normativo seguido pelo Tribunal da
Relação de Coimbra em matéria de aplicação da lei contra-ordenacional mais
favorável ao arguido, por outro, era-lhe exigível que antevisse a possibilidade
de aplicação deste mesmo critério, quando suscitou questões prévias e
supervenientes relativas à prescrição do procedimento contra-ordenacional, em
momento anterior ao da prolação da decisão recorrida.
Uma situação paralela à que foi objecto do Acórdão do Tribunal Constitucional nº
219/92 (sumariado no Boletim do Ministério da Justiça, nº 418, p. 807), citado
no requerimento de interposição de recurso para este Tribunal, onde se conclui
que “o recorrente podia contar com a aplicação das normas dos artigos 410º, nº
2, e 433º do Código de Processo Penal”, mas bem distinta das que foram objecto
dos Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 61/92 (Diário da República, II
Série, de 18 de Agosto de 1992, ), 188/93 (Acórdãos do Tribunal Constitucional,
v. 24, p. 495) e 261/94 (Diário da República, II Série, de 26 de Julho de 1994)
também mencionados pela recorrente. Nestes, o Tribunal Constitucional concluiu
no sentido de não ser exigível aos recorrentes um qualquer juízo prévio de
prognose relativo à aplicação das normas em questão, nomeadamente porque a
recorrente apenas foi “confrontada com a estatuição da norma (...), quando lhe
foi notificada a sentença que, ao abrigo deste preceito a condenou no pedido”
(Acórdão nº 61/92); a recorrente foi surpreendida “com a aplicação pela decisão
da segunda instância de uma norma ‘de todo em todo’ «insólita» e «imprevisível»”
(Acórdão nº 188/93); não se conhecia “jurisprudência do Supremo Tribunal de
Justiça que entende que está vedado a este órgão conhecer dos recursos
interpostos da deliberação do júri em matéria de facto, pelo que uma
interpretação do artigo 666º que conduzisse a tal solução sempre haveria de
reputar-se de insólita e imprevisível”.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se não tomar conhecimento do objecto do recurso, por as
questões de constitucionalidade não terem sido suscitadas durante o processo.
Custas pelo recorrente, fixando-se em 18 (dezoito) unidades de conta a taxa de
justiça.
Lisboa, 22 de Junho de 2005
Maria João Antunes
Rui Manuel Moura Ramos
Maria Helena Brito
Carlos Pamplona de Oliveira
Artur Maurício