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Processo n.º 382/05
1.ª Secção
Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
A. apresenta, ao abrigo do artigo 78º-A n. 3 da LTC, a seguinte reclamação:
A decisão de rejeição do recurso assenta da consideração de que aquele viria
interposto, não de questão de natureza normativa, como devido nesta sede, mas
antes da forma como o Tribunal da Relação teria decidido preencher o tipo legal
de crime em causa nos autos.
Dito de outro modo, ao invés do teor de uma norma jurídica (ou da dimensão
normativa com que a mesma foi aplicada), por referência à Lei Fundamental, o
Recorrente teria suscitado a inconstitucionalidade de uma concreta decisão
jurisdicional.
Porém, salvo o muito devido respeito, tal perspectiva não encontra
objectivamente correspondência com a posição manifestada pelo recorrente nestes
autos de recurso.
Com efeito, parece-nos que a douta decisão sob reclamação terá analisado o
recurso à luz do erro/motivo de nulidade arguido pelo recorrente (mas apenas em
primeira linha) no que toca à falta de fundamentação da decisão das Instâncias.
Onde, aí sim, se critica frontalmente o raciocínio lógico levado a cabo pelo
Tribunal, pois que, no entender do recorrente, por assentar num conjunto de
normas jurídicas que em caso algum - e não obstante sucessivas remissões -
'dizem' e 'mostram' ao destinatário a conduta concretamente devida, o mesmo
padeceria de erro de subsunção, ou até vício de falta de fundamentação, por
inexistência de regra técnica ou regulamentar que suportasse juridicamente, no
plano do art. 277° n.º1 al. a) do Código Penal, a decisão condenatória.
Mas, para o caso de o Tribunal da Relação assim não entender, desde logo se
invocou, a título subsidiário a inconstitucionalidade necessária e
implicitamente decorrente dessa (eventual) interpretação.
Ou seja, se o Tribunal da Relação viesse a decidir que as normas 'técnicas'
invocadas pela Primeira Instância enquadravam suficientemente (i.e., no contexto
jurídico inerente às normas penais em branco) os factos dados por provados, para
efeitos de preenchimento do tipo legal de crime previsto no art. 277° n° 1 al.
a) do Código Penal, teríamos então - ao menos implicitamente (mas nem por isso
com menor relevância) - consagrada uma interpretação desta norma não autorizada
pelas regras e princípios constitucionais
Por outras palavras, ao preconizar o pleno preenchimento do tipo legal de crime
daquele art. 277° n° 1 al. a) CP, sem que alguma vez se tenha chegado a
encontrar e 'exibir' a(s) norma(s) técnica(s) ou regulamentar(es)
especificamente estipuladora(s) do(s) concreto(s) dever(es) legal(is)
supostamente omitido(s), acabou o Tribunal da Relação por (de novo, ao menos
tacitamente) aplicar aquele art. 277° n° 1 al. a) com uma dimensão normativa não
autorizada pela nossa Constituição.
Assim, não há dúvida que o ora Reclamante alegou e concluiu, ainda que a título
subsidiário, pela inconstitucionalidade por violação dos art. 29° n.ºs 1 e 3 e
32° n° 1 da Constituição da República, da norma do art. 277° n° 1 al. a) (e
285°) do Código Penal, mesmo que conjugada com o art. 45° do Regulamento de
Segurança no Trabalho de Construção Civil (que, difusamente, invoca 'prevenções
necessárias para que os trabalhos decorram sem perigo'), quando interpretadas no
sentido da sua auto-suficiência para uma incriminação e punição sem necessidade
de recurso a qualquer outra concreta norma legal, regulamentar ou técnica.
E, por isso, o que está em causa nos presentes autos de recurso, é tão somente a
aferição da dimensão normativa do conjunto das regras em que suporta a decisão
do Tribunal da Relação à luz dos ditames consagrados pela nossa Lei Fundamental
em matéria de violação do princípio da legalidade e das garantias de defesa do
Arguido em processo penal.
Sem prejuízo do que se (pretende e) poderá acrescentar em sede de Alegações,
recorda-se que o elenco normativo em que se sustentou a condenação das
Instâncias não contém qualquer concreta e específica 'ordem', ou mera indicação,
do comportamento devido e supostamente omitido pelo ora Reclamante.
Com efeito, a portaria n° 101/96, de 3 de Abril, prevê para o risco de queda em
altura a implementação de medidas de segurança colectiva 'adequadas' e
'eficazes', ou, na impossibilidade destas, de protecção individual de acordo com
o Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção.
Por sua vez, o art. 44° do Decreto 41.821, de 11.08.1958, estipula que essas
medidas poderão ser guarda-corpos, plataformas de trabalho, escadas de telhador
e tábuas de rojo. E que, não sendo praticável qualquer destas soluções, serão
utilizados cintos de segurança providos de cordas que lhe permitam prender-se a
um ponto resistente da construção.'
Ora,
a) Foi dado por provado que os trabalhadores se deslocavam sobre o telhado, o
qual representava uma superfície de cerca de 2.500m2, composta por telhas de aço
e 5% de telhas de policarbonato, e ainda na caleira de chapa de aço. 'Logo que a
montagem do telhado é dada por concluída, o próprio piso formado pelas telhas já
fixadas, atento o seu grau de resistência física substitui as plataformas de
trabalho, podendo nelas instalar-se ou deslocar-se qualquer trabalhador' (fls. 5
parágrafo 8);
b ) Foi dado por provada a existência em todo o perímetro do telhado de um
platibanda, de chapa metálica de 1, 75 m de altura, como medida de prevenção de
queda pela lateral do telhado (fls. 6 parágrafo 5°). Ou seja, esta platibanda
preenche os requisitos e cumpre as finalidades dos guarda-corpos previstos na
Lei;
c) Deu-se também como provada a existência da supra aludida 'caleira de chapa
metálica com 40 cms de largura, mais uma chapa metálica opaca de um metro de
largura, a qual, para o efeito em causa, substituía a aplicação de tábuas de
rojo, com vantagem nomeadamente para a largura disponível de circulação' (fls.
6, parágrafo 6°);
d) Ficou igualmente provado que 'as escadas de telhador não eram aplicáveis no
caso concreto, pois que, pelas suas próprias características, elas apenas fazem
sentido e são obrigatórias apenas em superfícies muito inclinadas, o que não era
o caso do telhado do edifício da B., cuja inclinação apenas atingia os 10% '
(fls. 6 parágrafo 7°);
e) Finalmente, da Contestação do ora Reclamante, provou-se ainda que 'o telhado
desenvolvia-se numa superfície plana e extensa, onde não existia qualquer ponto
fixo com resistência suficiente que permitisse a sustentação segura do
trabalhador, no exercício das tarefas, e, nomeadamente, em caso de sinistro'
(fls. 9, parágrafo 4°). O que significa que se encontrava igualmente afastada a
possibilidade física de serem utilizados os cintos de segurança, previstos no
§2° do art. 44° do Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil.
Ou seja, apenas restaria a norma do art. 45° do mesmo diploma. A qual, porém, em
telhados de fraca resistência (que não era o caso) nos remete, de novo, para
“prevenções necessárias”(?) para que os trabalhos decorram sem perigo'.
A norma do art. 277° n° 1 al. a) do Código Penal, sendo uma norma penal em
branco carece em absoluto, de outra(s) regra(s) legal(is) que descreva(m) e
densifique(m) a norma de conduta obrigatória ou proibida, cuja violação há de,
precisamente, ser sancionada por aquela regra do art. 277° CP .
E sendo este o fundamento jurídico para a condenação, a primeira ideia que de
imediato assalta o intérprete (maxime, o ora Reclamante) é a de que em nenhum
lado das decisões proferidas pelas Instâncias foi especificada ou esclarecida
qual a regra legal ou técnica de construção que, em concreto, terá sido violada.
O que só pode levar a pensar que o conjunto de normas invocadas pelas Instâncias
foi interpretado e aplicado na dimensão normativa da sua definitiva
auto-suficiência para uma condenação jurídico-penal.
Pelo exposto, entendendo-se como suficiente a fundamentação para a condenação a
norma do art. 277° n° 1 al. a), ainda que interpretada com o art. 45° do
Regulamento de Segurança no Trabalho de Construção Civil, arguiu-se assim a
inconstitucionalidade de tais normas, por violação do princípio da legalidade e
das garantias de defesa dos arguidos em processo penal (arts. 29° n.ºs 1 e 3 e
32° n° 1 da Constituição da República), quando interpretadas no sentido da sua
auto-suficiência para uma incriminação e punição sem necessidade de recurso a
qualquer concreta norma técnica.
O que, salvo o devido respeito, não se reporta a uma decisão individual, mas
antes à dimensão normativa que as Instâncias retiraram implicitamente das normas
expressamente invocadas,
À luz da nossa Constituição!!!
Termos em que, e nos melhores de Direito que V. Ex.as., doutamente, como sempre,
suprirão, atentas as razões expostas, deverá atender-se a presente reclamação,
mandando seguir-se os ulteriores termos legais destes autos.
Ouvido, diz o representante do Ministério Público junto deste Tribunal:
1 - A presente reclamação é manifestamente improcedente.
2 - Na verdade, o objecto do recurso é obviamente desprovido de base normativa,
conexionando-se a questão suscitada pelo reclamante com a averiguação e
concretização da matéria de facto e presunções judiciais dela extraídas,
dirigindo-se ao estrito juízo subsuntivo realizado pelo julgador
A decisão reclamada tem o seguinte teor:
Os arguidos C. e A. recorrem, nos termos da alínea b) do n. 1 do artigo 70º da
Lei 28/82 de 15 de Novembro (LTC) do acórdão da Relação do Porto de 16 de Junho
de 2004 pretendendo ver apreciada a inconstitucionalidade das normas do artigo
277º n. 1 alínea a) do Código Penal e artigo 45º do Regulamento de Segurança no
Trabalho de Construção Civil (Decreto n.º 41.821 de 11 de Agosto de 1958), ainda
que conjugadas, quando interpretadas no sentido da sua auto-suficiência para uma
condenação criminal sem necessidade de recurso a qualquer outra concreta e
específica norma regulamentar ou técnica.
O recurso previsto na alínea b) do n. 1 do artigo 70º da LTC cabe das decisões
que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o
processo, é restrito à questão da inconstitucionalidade suscitada (artigo 71º
n.º 1 da LTC), e só pode ser interposto pela parte que haja suscitado a questão
da inconstitucionalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal que
proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer
(artigo 72º n.º 2 da LTC).
Por faltar este último requisito – o recorrente nunca suscitou perante o
tribunal que proferiu a decisão recorrida qualquer questão da
inconstitucionalidade normativa – não pode, por falta de legitimidade,
conhecer-se do recurso interposto pelo arguido C..
Mas o arguido A. colocou, perante a Relação do Porto, a seguinte questão, assim
condensada em algumas das conclusões da sua alegação:
A norma do artigo 277º n.º 1 alínea a) do Código Penal, sendo uma norma penal em
branco, carece em absoluto de outras regras legais que descrevam e densifiquem a
norma de conduta obrigatória ou proibida, cuja violação há-de ser precisamente
sancionada por aquela regra do artigo 277º.
Em nenhum lado da douta decisão o Digno Tribunal especifica ou esclarece qual a
regra legal ou técnica de construção que em concreto terá sido violada (ainda
por cima dolosamente) pelos arguidos.
Tal decisão é ilegal na medida em que pretende punir os arguidos por violação de
hipotéticas normas de construção, indeterminadas e indetermináveis, que o
próprio Tribunal não identifica, mas que afectam os direitos dos arguidos sem
estes as poderem conhecer.
Como, por essa mesma razão, cria uma insuportável incerteza na ordem jurídica,
na medida em que o Tribunal faz operar num universo estrita e altamente técnico,
considerações de mera experiência comum e de opinião leiga como forma de
legitimar uma punição de carácter criminal...
Apenas para o caso de entender como suficiente fundamentação para a condenação
dos arguidos a norma do artigo 277º n.º 1 alínea a), ainda que interpretada com
o artigo 45º do Regulamento de Segurança no Trabalho de Construção Civil (que,
difusamente, invoca 'prevenções necessárias para que os trabalhos decorram sem
perigo'), desde já, ainda que a título subsidiário e apenas por dever de
patrocínio, aqui se argui a inconstitucionalidade de tais normas, por violação
do princípio da legalidade e das garantias de defesa dos arguidos em processo
penal (artigos 29º n.º 1 e 3 e 32º n.º 1 da Constituição da República), quando
interpretadas no sentido da sua auto-suficiência para uma incriminação e punição
sem necessidade de recurso a qualquer concreta norma técnica.
A esta matéria respondeu o acórdão agora sob censura desta forma:
'Relativamente às disposições legais e regulamentares a observar na construção
civil, quando a obra se encontre já na fase de execução, rege o Regulamento de
Segurança na Construção Civil, aprovado pelo Decreto n.º 41.821 de 11.8.58.
Como bem se fundamenta na decisão em apreço, as normas referidas na acusação,
designadamente o art. 44º deste diploma legal e particularmente o art. 45º
impunham que os trabalhos de varrimento do telhado, que a vítima realizara e na
sequência dos quais se deslocava ao longo do telhado do pavilhão que estava em
construção, não se realizassem sem a presença de dispositivos de segurança
adequados a prevenir designadamente aquilo que aconteceu: a queda, através de
uma placa de policarbonato que era parte da própria cobertura, para o interior
do pavilhão desde uma altura de 12 m. Alias, idêntica imposição resulta do
disposto no art. 11 ° da Portaria n° 101/96, de 3 de Abril.
E passando a transcrever: 'Acresce que o próprio plano de segurança da D., por
conta e sob o interesse da qual o E. trabalhava, fazia reflexo dessas
exigências. Por isso, e apesar de não aludir especificamente a trabalhos a
desenvolver sobre o telhado, previa genericamente a necessidade de utilização de
cintos de segurança, designadamente do tipo arnês, ou de redes anti-queda, para
prevenir os riscos inerentes à execução de tais trabalhos num circunstancialismo
deveras perigoso. Não obstante, esses riscos deviam estar especificamente
previstos, bem como devia estar prevista a forma de os eliminar ou diminuir, no
próprio plano de segurança, nos termos do art. 6°, n° 3 do D.L. 155/95, de 1/7,
sendo certo que, mesmo tendo esse plano sido realizado pela D. e não pelo dono
da obra, era ele que vigorava para a obra'.
'À necessidade de utilização de tais dispositivos de segurança - ou de outros
que as circunstâncias fizessem identificar - não se pode opor a inexistência de
condições para essa utilização, reduzindo-se os meios de segurança às instruções
verbais ou mesmo demonstrações de como proceder no local'.
'Em qualquer caso, o que não pode deixar de se afirmar, e nisso se funda o juízo
de censura imposto sobre a conduta dos arguidos C. e A., é que a exclusão ou a
não adopção de medidas ou dispositivos resultou da rendição à necessidade de
executar o trabalho de varrimento do telhado já depois de se terem removido
redes anti-queda por forma a facultar-se o avanço de outras obras antes de se
terminar a de acabamento do telhado, bem como do conformismo com uma aparente
impossibilidade de se instalarem meios individuais de protecção, como um cabo de
vida ou cinto de segurança, sem que se procurassem alternativas aos normais
pontos de fixação'.
'O que acontece, é que as medidas de segurança são necessárias exactamente para
quando as pessoas, por distracção, por quebra física, por incapacidade de
execução dos trabalhos que lhes foram determinados, ou por qualquer outra causa,
actuam inadvertidamente e incorrem em situações de risco para a sua vida ou
integridade física. Isso mesmo consta expressamente do já citado art. 45° do
Dec. N°41.821 '.
'Neste caso, a morte do infeliz E. resultou, é certo, de um incumprimento seu
relativamente as instruções sobre os trajectos por onde devia circular, na
cobertura do pavilhão em construção. Mas resultou, antes de mais, do facto de
lhe terem determinado a execução de tarefas que implicavam movimentação num
telhado situado a 12 m. de altura, com placas com áreas de 3 e 4 m2 por onde
qualquer pessoa poderia cair se as pisasse, sem que isso estivesse prevenido
como devia estar, o que a ambos os arguidos C. e A. deve ser imputado, atentas
as suas funções e poderes de direcção quer quanto aos trabalhos a executar, quer
quanto às concretas tarefas atribuídas à vitima'.
Cometeram, pois, os arguidos recorrentes o crime pelo qual foram condenados, não
merecendo qualquer reparo a decisão que os condena, pois que nenhum dos
invocados preceitos legais foi incorrectamente interpretado e violado na sua
concreta aplicação, e também não foi posta em causa a medida da pena aplicada.'
Por aqui se vê que a questão que é colocada não tem natureza normativa. Na
verdade, ela soluciona-se através da análise da actividade tipicamente
jurisdicional do Tribunal: a eleição dos factos que preenchem determinado tipo
penal. No entender do recorrente os factos não permitiriam concluir que se
mostrava preenchido o aludido tipo penal; mas a Relação julgou de forma
concordante com a 1ª Instância. Portanto, a crítica feita à norma incriminatória
reside na forma como o Tribunal recorrido a preencheu, e não na regra que ela
consagrou.
Ora, conforme este Tribunal tem repetidamente afirmado, o recurso previsto na
alínea b) do n. 1 do artigo 70º da LTC tem carácter normativo, destina-se a
sindicar normas aplicadas na decisão em análise como razão de decidir, mas não
permite que se avalie tal decisão em si mesmo considerada. A questão que é
colocada no presente recurso prende-se, como se disse, com a validade
substantiva da decisão em si mesma considerada, designadamente quanto à sua
fundamentação e à escolha dos factos que conduzem à verificação, pelo Tribunal,
do tipo penal em causa.
Não pode, por isso, conhecer-se também do recurso do arguido A..
Da reclamação em apreço resulta que a matéria que verdadeiramente o recorrente
contesta é o preenchimento das normas penais que, em seu entender, contêm
conceitos indeterminados. Diz-se, por exemplo:
Por outras palavras, ao preconizar o pleno preenchimento do tipo legal de crime
daquele art. 277° n° 1 al. a) CP, sem que alguma vez se tenha chegado a
encontrar e 'exibir' a(s) norma(s) técnica(s) ou regulamentar(es)
especificamente estipuladora(s) do(s) concreto(s) dever(es) legal(is)
supostamente omitido(s), acabou o Tribunal da Relação por (de novo, ao menos
tacitamente) aplicar aquele art. 277° n° 1 al. a) com uma dimensão normativa não
autorizada pela nossa Constituição.
A norma do art. 277° n° 1 al. a) do Código Penal, sendo uma norma penal em
branco carece em absoluto, de outra(s) regra(s) legal(is) que descreva(m) e
densifique(m) a norma de conduta obrigatória ou proibida, cuja violação há de,
precisamente, ser sancionada por aquela regra do art. 277° CP .
E sendo este o fundamento jurídico para a condenação, a primeira ideia que de
imediato assalta o intérprete (maxime, o ora Reclamante) é a de que em nenhum
lado das decisões proferidas pelas Instâncias foi especificada ou esclarecida
qual a regra legal ou técnica de construção que, em concreto, terá sido violada.
O que só pode levar a pensar que o conjunto de normas invocadas pelas Instâncias
foi interpretado e aplicado na dimensão normativa da sua definitiva
auto-suficiência para uma condenação jurídico-penal.
Pode assim concluir-se que, conforme se disse na decisão sumária em apreço, o
recorrente não questiona uma norma, por ser desconforme com a Constituição, mas
o modo como foi preenchido o elemento de facto da norma incriminadora, por
entender que as circunstancias não permitem qualificar a conduta do arguido
recorrente como abrangida pela previsão legal. E tanto assim é, que o recorrente
nunca logrou enunciar a norma inconstitucional que, em seu entender, lhe foi
aplicada, limitando-se a explicar – sem a definir – que essa regra resulta do
disposto no 'artigo 277° n° 1 al. a) (e 285°) do Código Penal, mesmo que
conjugada com o artigo 45° do Regulamento de Segurança no Trabalho de Construção
Civil quando interpretadas no sentido da sua auto-suficiência para uma
incriminação e punição sem necessidade de recurso a qualquer outra concreta
norma legal, regulamentar ou técnica' o que bem revela que a discordância do
recorrente não reside na regra geral, mas no modo como, no caso concreto, foi
preenchida.
Improcede, portanto, a reclamação.
Nestes termos, decide-se manter a decisão de não conhecimento do objecto do
recurso. Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 27 de Setembro de 2005
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria Helena Brito
Rui Manuel Moura Ramos