Imprimir acórdão
Processo n.º 453/2005
2.ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Fernanda Palma
Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Nos presentes autos foi proferida a seguinte Decisão Sumária:
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos
do Supremo Tribunal de Justiça, em que figura como recorrente A. e como
recorridos o Ministério Público e outros, o Supremo Tribunal de Justiça proferiu
o seguinte acórdão (datado de 15 de Março de 2005):
I – A. veio agravar do Acórdão da Relação de Guimarães, que confirmou o despacho
que havia sido proferido pelo juiz titular do 1° Juízo Cível do Tribunal da
comarca de Esposende neste processo para separação dos bens do seu casal, apenso
à execução ordinária para pagamento de quantia certa em que é exequente o Banco
B., hoje integrado no Banco C. e executados a agravante e o seu cônjuge D.,
decisão essa, em que, com fundamento na ilegitimidade da agravante para requerer
o presente inventário, uma vez que também é executada, declarou extinta a
referida instância de partilha.
Nas alegações que apresentou, a agravante formulou as seguintes conclusões
1 - O Acórdão recorrido é nulo por se ter pronunciado sobre questões que não
pode conhecer nos termos do art. 668°, n° 1, al. d), ao tomar conhecimento de
questão suscitada pelo credor C., por este não ser parte legítima no processo de
separação de bens.
2 - É ainda nulo ao conhecer que a execução é proposta contra ambos os cônjuges,
quando resulta dos autos que o executado D. já não é parte executada desde Abril
do ano de 2001.
3 - É nulo ao tomar conhecimento, por excepção, de que a executada não tem
legitimidade para requerer a separação de bens nos presentes autos violando
deste modo o art. 825°, n° 2, do CPC, norma esta emanada de órgão legislativo
constitucionalmente válida e cuja aplicação se requer por se verificarem
reunidos todos os pressupostos legais.
4 - Nulidades estas que determinam a nulidade da decisão nos termos dos arts.
668°, n° 1, al. d), 716°, n° 1 e 749° do CPC.
Não foram apresentadas contra alegações.
Após vistos, cumpre decidir
++++++
II - Atendendo a que a factualidade que se mostra pertinente, e que vem provada
das instâncias, é a que consta do relatório enunciado no item anterior, cumprirá
desde já referir, e passando à análise das nulidades invocadas pela recorrente,
que o suscitado excesso de pronúncia, com acolhimento legal no art. 668°, n° 1,
al. d), 2ª parte, do CPC, manifestamente se inverifica, uma vez que a excepção
dilatória da ilegitimidade constitui matéria de conhecimento oficioso - arts.
466°, n° 1, 494°, al. e), e 495° daquela indicada codificação processual
Por seu turno, e no que respeita à alegada nulidade decorrente do facto de ter
ocorrido a extinção da execução relativamente ao cônjuge da agravante, segundo
refere em momento, aliás, anterior ao da propositura da presente acção,
dir‑se-á, desde já, que, para além de tal matéria não se enquadrar em qualquer
das nulidades taxativamente enunciadas no aludido art. 668° da codificação
adjectiva, sempre, também, e por outro lado, tal alegação constitui matéria
suscitada ex novo perante este Supremo, uma vez que, conforme se verifica das
conclusões apresentadas perante a Relação, das mesmas aquela não consta - fls.
378 -, pelo que, conforme constitui jurisprudência pacífica, e salvo o caso de
se tratar de matéria de conhecimento oficioso, sempre está vedado a este
Tribunal de tal conhecer, como vem sendo aceite pacificamente pela
jurisprudência e pela doutrina - arts. 676°, 680°, n° 1 e 690° do CPC. Notas do
Cons. Rodrigues Bastos, vol. III. pág. 266, Estudos do Prof. Teixeira de Sousa,
págs. 395 e 396, onde se insere uma vasta recensão jurisprudencial, e Acórdãos
deste Supremo de 16/10/2003, de 30/10/2003, de 20/11/2003 e de 18/12/2003 in
Sumários n.º 74/63 e 91, n° 75/47 e n° 76/51, respectivamente, e entre os mais
recentes.
E, no que concerne à nulidade decorrente da Relação ter tomado conhecimento, por
excepção, da ilegitimidade da recorrente, remete-se esta para o antecedentemente
referido sobre a natureza do conhecimento da aludida excepção.
Improcedem, assim, todas as conclusões da agravante.
A. interpôs recurso de constitucionalidade nos seguintes termos:
A., recorrente nos autos à margem referenciados, não se conformando com o douto
Acórdão proferido em 15 de Março de 05, que negou provimento ao agravo
interposto junto desse Tribunal, vem dele interpor recurso para o Tribunal
Constitucional, nos termos da alínea i) do nº 1 do artigo 10º da Lei 28/82, de
15 de Novembro (Lei Orgânica sobre a Organização, Funcionamento e Processo do
Tribunal Constitucional), com as alterações introduzidas pela Lei nº 13‑A/98, de
25 de Fevereiro:
A recorrente invocou, nas suas alegações e conclusões de recurso, e requereu a
aplicação da norma constante do nº 2 do artigo 825º do Código do Processo Civil,
proveniente de acto legislativo - Decreto-Lei 329-A/95 de 12 de Dezembro, com a
redacção que lhe foi dada pelo Decreto-lei 180/96 de 25 de Setembro; o qual
determina:
“Qualquer dos cônjuges pode requerer, dentro do prazo de 15 dias, a separação de
bens, ou juntar certidão comprovativa da pendência de acção em que a separação
já tenha sido requerida, sob pena de a execução prosseguir nos bens penhorados”.
A decisão proferida ignorou tal disposição, violando assim os direitos
constitucionais da recorrente, direitos esses que devem ser observados nos
termos dos artigos 204º e 205º CRP.
Nestes termos, requer-se que o presente recurso seja recibo, siga os trâmites
processuais, nomeadamente os previstos nos artigos 75º‑A e 79º da Lei do
Tribunal Constitucional.
Cumpre apreciar.
2. A recorrente interpõe o presente recurso de constitucionalidade ao abrigo da
alínea i) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional.
Tal recurso cabe de decisão que recusou a aplicação de norma constante de acto
legislativo com fundamento na sua contrariedade com uma convenção internacional,
ou de decisões que apliquem norma em desconformidade com o anteriormente
decidido sobre a questão pelo Tribunal Constitucional.
Ora, é manifesto que a decisão recorrida não recusou a aplicação de qualquer
norma com fundamento em violação de convenção internacional. Por outro lado, é
igualmente evidente que a decisão recorrida não aplicou qualquer norma em
desconformidade com o anteriormente decidido pelo Tribunal Constitucional quanto
à conformidade de uma norma com convenção internacional.
Não se verificam, portanto, os pressupostos processuais do recurso da alínea i)
do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, pelo que não se tomará
conhecimento do objecto do presente recurso de constitucionalidade.
3. Apenas se acrescentará que caso o presente recurso tivesse sido interposto
ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional,
também não se tomaria conhecimento do respectivo objecto dado não ter sido
suscitada qualquer questão de constitucionalidade normativa nas alegações de
fls. 432 e ss.
4. Em face do exposto, decide‑se não tomar conhecimento do objecto do presente
recurso.
A recorrente vem reclamar, ao abrigo do nº 3 do artigo 78º‑A da Lei do Tribunal
Constitucional, sustentando o seguinte:
III
1. A questão que releva na presente Reclamação é a de saber se a decisão
Sumária está conforme a Lei Orgânica do Tribunal Constitucional de Processos de
Fiscalização Concreta.
2. Relevam para apreciação e uma boa decisão da causa os factos seguintes:
a) Nas suas alegações para o Tribunal da Relação de Guimarães pág. 1 e 2 das
mesmas e a fls ... dos autos a recorrente alegou: é recorrida a douta decisão
que declarou extinta a instância no despacho saneador com fundamento na
ilegitimidade da requerente/recorrente.
b) A douta decisão recorrida não fez, salvo melhor opinião, uma correcta
interpretação dos factos e do direito.
c) Foi entendimento do Mert. Juiz tomar conhecimento de excepção que a
requerente não tem legitimidade para requerer a separação de bens do seu cônjuge
no inventário a correr termos nos presentes autos.
d) Na verdade assim não é pois, a legitimidade da requerente/recorrente
encontra-se fundamentada no direito consignado na norma do artigo 825.º n.º 2 do
CPC.
e) Norma esta cuja inconstitucionalidade nunca foi declarada.
E concluiu:
1. A recorrente tem legitimidade nos termos da norma prescrita no n.º 2 do
artigo 825.º do CPC para requerer a separação de bens do seu cônjuge nos
presentes autos.
2. O direito invocado pela recorrente está consignado na C.R.P. nomeadamente
nos artigos 202 e 204.
3. Nas suas Alegações para o Supremo Tribunal de Justiça, pág. 3 das mesmas e a
fls ... dos autos, a recorrente alegou: estabelecia o art° 825.º do CPC antes da
revisão operada pelo D.L. 329-A/95 e D.L. 180/96:
a) Na execução movida contra um só dos cônjuges, a execução dos bens comuns fica
suspensa, depois de penhorado o direito à meação do devedor até ser exigível o
cumprimento, nos termos da lei substantiva.
b) Não havendo lugar à moratória, podem ser penhorados imediatamente bens comuns
do casal, contanto que o exequente, ao nomeá-los à penhora, peça a citação do
cônjuge do executado, para requerer a separação de bens.
c) No decêndio posterior à citação, o cônjuge deve requerer a separação ou
juntar certidão comprovativa da pendência de outro processo em que a separação
já tenha sido requerida, sob pena de a execução prosseguir nos bens penhorados.
d) Apensado o requerimento ou junta a certidão, a execução fica suspensa até à
partilha; se por esta os bens penhorados não couberem ao executado, podem ser
nomeados outros que lhe tenham cabido, contando-se o prazo para nova nomeação a
partir da sentença homologatória.
3.1 Com as alterações introduzidas ao referido artigo 825.º do CPC pelos citados
D.L. 329-A/95 e 180/96 ficou estabelecido que:
a) Na execução movida contra um só dos cônjuges, podem ser penhorados bens
comuns do casal, contanto que o exequente, ao nomeá-los à penhora, peça a
citação do cônjuge do executado, para requerer a separação de bens (n° 1 do
artigo 825.º)
3.2 Qualquer dos cônjuges pode requerer, dentro do prazo de quinze dias, a
separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de acção em que a
separação já tenha sido requerida, sob pena de a execução prosseguir nos bens
penhorados (n.º 2 do artigo 825°.)
3.3 Tem, ao contrário do decidido, a recorrente legitimidade para requerer a
separação de bens do seu cônjuge nos termos da norma prescrita no n.º 2 do art°
825° do CPC que é uma norma emanada do Governo no uso da autorização legislativa
concedida pela Lei 28/96 constitucionalmente válida (pag. 5 das alegações e fls
... dos autos)
4. CONCLUINDO na pág. 5 e 6 das mesmas e a fls ... dos autos:
a) O douto Acórdão recorrido é nulo por se ter pronunciado sobre questões que
não pode conhecer nos termos do art° 668°, n° 1, al. d), ao tomar conhecimento
da questão suscitada pelo credor C. por este não ser parte legitima no processo
de separação de bens.
b) É ainda nulo ao conhecer que a execução é proposta contra ambos os cônjuges
quando resulta dos autos que o executado D. já não é parte executada desde Abril
do ano de 2001 (facto que resulta da sentença de 1.ª instância como consta dos
autos).
c) E nulo ao tomar conhecimento, por excepção, de que a executada não tem
legitimidade para requerer a separação de bens nos presentes autos violando
deste modo o artigo 825.º n.º 2 do CPC. Norma esta emanada de órgão legislativo
constitucionalmente válida e cuja aplicação se requer por se verificarem
reunidos todos os pressupostos legais.
IV
1. Do exposto, constante dos autos, resulta claro que falece o argumento que
suporta a decisão proferida pelo/a Excelentíssimo Senhor/a Juiz Conselheiro
Relator no seu ponto 3: Apenas se acrescentará que caso o presente recurso
tivesse sido interposto ao abrigo da alínea b) do n° 1 do artigo 70° da Lei do
Tribunal Constitucional, também não se tomaria conhecimento do respectivo
objecto dado não ter sido suscitada qualquer questão de constitucionalidade
normativa nas suas alegações de fls. 432 e ss.
A reclamante esclarece que sobre a questão de suscitação de
inconstitucionalidade de uma norma ou da interpretação daquela, assim se
pronuncia o Professor Jorge Miranda:
“A exigência do artigo 280°, n° 1, alínea b), relativa à invocação da
inconstitucionalidade “durante o processo”, deve entender-se, como se lê em
sucessivos acórdãos, não num sentido puramente formal (tal que a
inconstitucionalidade pudesse ser suscitada até à extinção da instância), mas no
sentido funcional (tal que essa invocação seja feita em momento em que o
tribunal a quo ainda possa conhecer da questão). (...)”
2. Ora, como e evidencia do supra citado, a questão da inconstitucionalidade ou
interpretação da norma do artigo 825°, n° 2, do CPC foi, clara, inequívoca e
temporalmente suscitada durante o processo.
V
1. Trata-se pois de saber se o requerimento de recurso interposto para este
Alto Tribunal Constitucional pela recorrente o foi nos termos devidos ao artigo
79-A da Lei Orgânica.
Dispõe o n° 1 do referido artigo: O recurso para o Tribunal Constitucional
interpõe-se por meio de requerimento, no qual se indique a alínea do n° 1 do
artigo 70° ao abrigo da qual o recurso é interposto e a norma cuja
inconstituciona1idade ou ilegalidade se pretende que o Tribunal aprecie.
Dispõe o seu n° 2: Sendo o recurso interposto ao abrigo das alíneas b) e f) do
n° 1 do artigo 70°, do requerimento deve ainda constar a indicação da norma ou
princípio constitucional ou legal que se considera violado, bem como da peça
processual em que o recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade ou
ilegalidade.
Dispõe o seu n° 5: Se o requerimento de interposição do recurso não indicar
algum dos elementos previstos no presente artigo, o juiz convidará o requerente
a prestar essa indicação no prazo de 5 dias.
2. Acontece que a recorrente apresentou o seu requerimento nos seguintes
termos:
A., recorrente nos autos à margem referenciados, se conformando com o douto
Acórdão proferido em 15 de Março de 05, que negou provimento ao agravo
interposto junto desse Tribunal, vem dele interpor recurso para o Tribunal
Constitucional, nos termos da alínea i) do n° 1 do artigo 70° da Lei 28/82, de
15 de Novembro (Lei Orgânica sobre a organização, Funcionamento e Processo do
Tribunal Constitucional), com as alterações introduzidas pela Lei n° 13-A/98 de
25 de Fevereiro:
A recorrente invocou, nas suas alegações e conclusões de recurso, e requereu a
aplicação da norma constante do n° 2 do artigo 825.º do Código do Processo
Civil, proveniente de acto legislativo - Decreto-Lei 329-A/95 de 12 de Dezembro,
com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 180/96 de 25 de Setembro; o
qual determina:
“Qualquer dos cônjuges pode requerer, dentro de 15 dias, a separação de bens, ou
juntar certidão comprovativa da pendência de acção em que a separação de bens
tenha sido requerida sob pena de a execução prosseguir nos bens penhorados”.
A decisão proferida ignorou tal disposição, violando assim os direitos
constitucionais da recorrente, direitos esses que devem ser observados nos
termos dos artigos 204° e 205° CRP.
Nestes termos, requer-se que o presente recurso seja recebido, siga os trâmites
processuais, nomeadamente os previstos nos artigos 75.ºA e 79.º da Lei do
Tribunal Constitucional.
3. Resulta deste requerimento que a recorrente suscitou e indicou a norma que
requer apreciação (inconstitucionalidade ou interpretação da mesma) n° 2 do
artigo 825° do CPC ... qualquer dos cônjuges ...
3.1 Resulta do seu requerimento que por erro de ortografia foi indicado alínea
i) em vez de alínea b)
3.2 Resulta também que a recorrente se referiu a peça processual, embora
vagamente, ... (a recorrente invocou nas suas alegações e conclusões de
recurso).
3.3 Resulta que o erro ortográfico com a indicação da alínea a que se refere o
artigo 75º‑A não releva, no entender da recorrente/reclamante, para o efeito
tendo em consideração de que não há duvida quanto à norma que deseja ver
apreciada (tal erro é frequente; veja-se por exemplo a decisão reclamada a fls.
2 última parte em que se escreve: A. .../... que negou provimento ao agravo
junto desse Tribunal, vem dele interpor recurso para o Tribunal Constitucional,
nos termos da alínea i) do artigo 10° da Lei 28/82 ...)
3.4 A questão de saber é se à recorrente lhe assiste o direito ao convite a que
alude o artigo 75-A n° 5 - aperfeiçoamento do requerimento de interposição de
recurso -.
“E na esteira do Professor Alberto dos Reis em CPC anot. Vol. V pag. 212: os
recursos são meios de obter a reforma de sentença injusta, de sentença inquinada
de vício substancial ou erro de julgamento. O mecanismo através do qual opera o
recurso define‑se nestes termos: pretende-se um novo exame da causa por parte do
órgão jurisdicional hierarquicamente superior”.
“O juiz não está sujeito à alegação das partes no tocante à indagação,
interpretação e aplicação das regras de direito; mas só pode servir-se dos
factos articulados pelas partes, salvo o que vai disposto nos artigos 514° e
665°.
No âmbito de acção, em que ao juiz é facultado poder indagar, interpretar,
aplicar regras de direito, também as partes podem sugerir interpretações e
aplicações que ainda não tivessem sido encaradas antes. Os tribunais recorridos
poderiam também entrar nessa área, mas, por qualquer razão não o fizeram. Não
fica, por isso, coarctada a possibilidade de outras interpretações. Este
posicionamento é, de algum modo reforçado pelo asserto contido no n° 3 do art.
264° do CPC.
4. Do exposto resulta que a decisão reclamada viola o artigo 75-A n° 5 da Lei
orgânica deste Alto Tribunal Constitucional.
Termos em que se requer em Conferência os EXCELENTÍSSIMOS SENHORES JUÍZES
CONSELHEIROS, julguem a presente reclamação procedente, revogando a decisão
proferida pelo/a EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ CONSELHEIRO RELATOR que decidiu não
tomar conhecimento do objecto do recurso, substituindo-a por outra que ordene:
A) O convite à recorrente para os termos do artigo 79.º da Lei 28/82 com as
alterações introduzidas pela Lei 13-A/98 de 25 de Fevereiro.
B) Caso assim não seja entendido, seja decidido pelo o convite à recorrente para
o cumprimento do artigo 75-A n° 5 da citada Lei.
O Ministério Público pronunciou‑se do seguinte modo:
1 - A presente reclamação carece ostensivamente de fundamento sério.
2 - Não tem cabimento o pretendido despacho de aperfeiçoamento do requerimento
apresentado, já que - por um lado - ele não é omisso sobre os elementos que
deveria conter e, por outro, a questão que se coloca se situa no domínio da
inexistência dos pressupostos de admissibilidade do recurso.
3 - Ora - verificando-se a manifesta inexistência destes - quer na perspectiva
da alínea invocada pela recorrente, quer da alínea b) do n° 1 do artigo 70° da
Lei n° 28/82, é evidente que o recurso sempre teria de ser tido por
inadmissível.
Cumpre apreciar.
2. A recorrente procede à transcrição de peças processuais, procurando
demonstrar que suscitou uma questão de constitucionalidade normativa durante o
processo.
Ora resulta de tais transcrições que, como de resto se sublinhou na Decisão
Sumária, nunca foi suscitada nos presentes autos uma questão de
constitucionalidade normativa.
Com efeito, para que se possa considerar suscitada uma questão de
constitucionalidade normativa, é necessário que o recorrente indique a norma que
considera inconstitucional, que identifique o preceito ou princípio
constitucional que considera violado e que apresente uma fundamentação, ainda
que sucinta, do vício alegado.
Tal não aconteceu no processo, como é demonstrado pelo teor da presente
reclamação. Na verdade, a suscitação de uma questão de constitucionalidade não
se confunde com a mera afirmação de que um dado artigo nunca foi declarado
inconstitucional. E uma questão de constitucionalidade também não se confunde
com uma questão de interpretação, no estrito plano infraconstitucional, de um
preceito legal.
A recorrente não suscitou, pois, qualquer questão de constitucionalidade
normativa no sentido funcional a que faz referência, citando Jorge Miranda, já
que perante o tribunal recorrido nunca invocou a inconstitucionalidade de uma
qualquer norma jurídica aplicada nos autos.
A recorrente afirma, por outro lado, que a indicação da alínea i) do nº 1 do
artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional se deveu a um lapso e que devia ter
sido proferido um despacho ao abrigo do artigo 75º‑A da Lei do Tribunal
Constitucional.
No entanto, nenhum elemento existe nos autos que permita concluir que ocorreu
lapso na indicação da alínea do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional ao
abrigo da qual o presente recurso foi interposto.
Por outro lado, e decisivamente, as omissões a que se fez referência no ponto 3
da Decisão Sumária e que agora foram explicitadas jamais poderiam ser supridas
através da resposta a um despacho proferido ao abrigo do artigo 75º‑A da Lei do
Tribunal Constitucional. O que se referiu, e agora reitera, foi que a recorrente
não suscitou perante o tribunal recorrido uma qualquer questão de
constitucionalidade normativa.
O despacho proferido ao abrigo do artigo 75º‑A da Lei do Tribunal Constitucional
apenas permite completar o requerimento de interposição do recurso. Não permite
dar por verificados os pressupostos processuais do recurso interposto, quando
tais pressupostos não se verificam no caso.
Nessa medida, mesmo que o recurso tivesse sido interposto ao abrigo da alínea b)
do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, não se tomaria
conhecimento do seu objecto por não se verificar o aludido pressuposto
processual.
Sustentar o contrário só pode resultar de uma deficiente compreensão do sistema
de recursos para o Tribunal Constitucional.
A presente reclamação é, portanto, manifestamente improcedente, pelo que será
indeferida.
3. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente
reclamação, confirmando, consequentemente, a Decisão Sumária reclamada.
Custas pela recorrente, fixando se a taxa de justiça em 20 UCs.
Lisboa, 28 de Setembro de 2005
Maria Fernanda Palma
Benjamim Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos