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Processo n.º 714/2005
Plenário
Relator: Conselheiro Bravo Serra
1. No processo eleitoral respeitante às eleições para os
órgãos das autarquias locais no concelho de Alter do Chão, foi admitido como
concorrente um grupo de cidadãos eleitores relativamente à Assembleia de
Freguesia, à Assembleia Municipal e à Câmara Municipal daquele concelho,
concorrente esse denominado Movimento Independente Concelho de Alter, tendo o
mesmo encimado determinados documentos do processo da sua candidatura, de entre
estes o dirigido ao Juiz do Tribunal de comarca de Fronteira, com a menção MICA
Movimento Independente do Concelho de Alter, junto da qual ou sobre a qual se
apresentava uma figura gráfica representativa de um castelo e uma árvore junta a
ele.
Após o sorteio das listas foi, por sorteio, atribuído o número
XII ao grupo em causa.
Finalizado o processo de admissão das candidaturas, o indicado
grupo de cidadãos, por intermédio do seu mandatário e do seu primeiro
proponente, dirigiu ao Juiz do Tribunal de comarca de Fronteira requerimento no
qual, em síntese, disse que, examinados os boletins de voto, foi verificado que
“o símbolo do Movimento”, que constava “em todo o processo inerente à” sua
“constituição”, “bem como na troca de correspondência mantida com” o Tribunal,
“não foi tido em conta pela entidade que os elaborou”, sendo que “toda a
informação até” então “distribuída pelo Movimento aos eleitores, assim como,
toda a propaganda que já” estava “impressa para entrega durante o período de
campanha eleitoral, cartazes e alguns outdoors já em fase de afixação, todos”
eram “incidentes na ideia de junção entre o Movimento, o Símbolo e o Candidato”.
Tendo sido determinada a remessa de exemplares dos boletins de
voto, foram estes juntos aos autos, nos mesmos se surpreendendo, no que agora
interessa, que os respeitantes aos órgãos autárquicos a que concorreu o grupo em
questão, este se encontrava identificado como MOVIMENTO INDEPENDENTE CONCELHO DE
ALTER - MICA, e, no local destinado à aposição do símbolo dos demais partidos e
coligações concorrentes, foi impresso o número romano XII, em caracteres de
maior dimensão do que a utilizada no nome e sigla do grupo.
A Juíza de turno, por despacho de 13 de Setembro de 2005,
deferiu a reclamação, referindo, no que ora interessa:-
“(…)
Decorre do art. 23º nº 2 da Lei Eleitoral que constituem
elementos de identificação, entre outros, a denominação e sigla do grupo de
cidadãos.
Os símbolos ou estas siglas de identificação, no que diz
respeito ao movimento de cidadãos, tem por função permitir uma identificação
rápida das forças concorrentes às eleições, permitindo uma identificação mais
rápida por parte de todos os eleitores, nomeadamente dos analfabetos,
facilitando assim a votação.
Assim, os símbolos dos partidos concorrentes e as siglas
identificadoras dos grupos de cidadãos concorrentes devem ser impressas nos
boletins de voto.
Ora, in casu, tal não aconteceu relativamente ao Movimento
reclamante.
A reclamação foi tempestiva e a reclamação apresentada merece,
a nosso ver, ser atendida, tendo em atenção o disposto no preceito legal supra
indicado, conjugado com o art. 91º da mesma Lei.
Assim, deferindo a reclamação, determina-se que se proceda à
alteração da impressão dos boletins de voto, por forma a deles constarem a sigla
do Movimento Independente Concelho de Alter - Mica, constante das listas
(boletins de voto referentes aos órgãos a que se candidatou o referido
Movimento).
(…)”
Efectuada a notificação, via fax e em 13 de Setembro de 2005,
aos mandatários dos demais concorrentes, veio, igualmente via fax e no indicado
dia, recorrer para o Tribunal Constitucional o mandatário da coligação
“Continuar Alter”, formada pelo Partido Social Democrata PPD/PSD e pelo Partido
Popular CDS-PP, tendo o original dado na secretaria do Tribunal de comarca de
Fronteira no sequente dia 14.
Pode ler-se no requerimento de interposição do recurso:-
(…)
1 - O Movimento Independente Concelho de Alter, de ora em diante designado por
MICA, apresentou reclamação, por entender que no boletim de voto deveria constar
o símbolo do movimento em causa, dado que igualmente no seu entender a lei
eleitoral não é explícita quanto a essa possibilidade;
2 - Analisando-se o douto despacho do meritíssimo juiz de direito da comarca de
Fronteira, verifica-se que no mesmo existe alguma confusão entre o conceito
sigla e o conceito símbolo, senão vejamos:
2.1 - Logo no início do despacho refere-se explicitamente que ‘Juntas as provas
tipográficas dos boletins de voto, constatamos que das mesmas não consta a sigla
do movimento supra identificado, impresso nas listas dos candidatos apresentados
pelo mesmo movimento…’;
2.2 - Por outro lado refere ainda que ‘Assim, os símbolos dos Partidos
concorrentes e as siglas identificadoras dos grupos de cidadãos concorrentes
devem ser impressos nos boletins de voto. Ora in casu tal não aconteceu
relativamente ao movimento reclamante’.
2.3 - Determinado por fim o douto despacho que ‘...se proceda à alteração da
impressão dos boletins de voto, por forma a deles constarem a sigla do movimento
independente concelho de Alter -Mica…’.
3 - Não pode a presente candidatura conformar-se com tal decisão, pois
analisando-se as provas tipográficas dos boletins de voto, fácil é constatar que
a sigla MICA consta dos mesmos.
4 - Nem tal era o objectivo da reclamação do MICA, pois após a sua leitura, é
fácil verificar que o que aquele movimento pretende é introduzir o seu símbolo
nos boletins de voto sem que tal pretensão tenha qualquer sustentabilidade
legal;
5 - Senão vejamos, dispõe o nº 1 do artigo 30° da Lei nº 1/2001, de 14 de
Agosto, in fine…’o juiz preside ao sorteio das respectivas listas, para o efeito
de se lhes atribuir uma ordem nos boletins de voto, assim como ao sorteio dos
símbolos em numeração romana, de 1 a 20, a utilizar pelos grupos de cidadãos’.
Logo interpretando-se esta disposição legal torna-se de imediato perceptível que
a reclamação apresentada por aquele movimento não tem sustentabilidade legal;
6 - No mesmo sentido basta atentar ao disposto no nº 2 do artigo 23° e 91° da
Lei nº 1/2001, de 14 de Agosto, que expressamente não prevêem a existência de
símbolos para os grupos de cidadãos, basta atentar ao disposto do nº 2 do artigo
23° que aqueles grupos somente têm sigla e denominação.
Portanto é fácil concluir-se, que o despacho do qual se recorre, enferma do
vicio de violação da Lei, pois deferiu contra legem uma pretensão sem
sustentação legal, por outro lado, o próprio despacho em causa é confuso, pois
enquanto a reclamação apresentada tem por fim a inserção no boletim de voto o
símbolo do MICA, o despacho defere a possibilidade de se inserir a sigla do MICA
no boletim de voto, facto que já se verifica.
Requere-se portanto que o despacho exarado no proc.nº196/05. TBFTR - Processo
eleitoral seja anulado por violação do nº 1 do artigo 30°, nº 2 do artigo 23[º]
e 91[º], todos da Lei nº1/2001, de 14 de Agosto, e consequentemente indeferida
a reclamação apresentada pelo movimento independente concelho de Alter - Mica,
repondo-se a legalidade e fazendo-se justiça”.
2. Não se suscitando dúvidas quanto à tempestividade da
interposição do recurso e quanto à legitimidade do impugnante, cumpre decidir
quanto à questão de saber se, efectivamente, tal como se determinou no despacho
ora sub iudicio, de entre os elementos identificadores do grupo de cidadãos
eleitores em causa nos boletins de voto haveria que constar um símbolo que, como
resulta do relato supra efectuado, se poderia considerar como constituído pela
figura gráfica representativa de um castelo e uma árvore junta a ele, e com a
menção MICA aposta sobre ela ou junto a ela.
Do despacho impugnado retira-se que é confundida a sigla com o
símbolo.
Ora, do nº 2 do artº 23º da lei que regula a eleição dos
órgãos das autarquias locais aprovada pela Lei Orgânica nº 1/2001, de 14 de
Agosto, facilmente se extrai que, para efeitos de apresentação das candidaturas,
se entendem como elementos de identificação do grupo de cidadãos as suas
denominação e sigla.
Por outro lado, prescreve-se no nº 1 do artº 30º da mencionada
lei que o sorteio dos símbolos a utilizar pelos grupos de cidadãos é atribuído,
em numeração romana, de 1 a 20, decorrendo do artº 51º do mesmo diploma que,
durante a campanha eleitoral, os grupos de cidadãos eleitores utilizam sempre a
denominação, sigla e símbolo fixados na parte final de apresentação das
respectivas candidaturas.
Dos citados preceitos conclui-se, assim, que, no que se
reporta aos grupos de cidadãos, o seu símbolo identificador é constituído por um
dos números 1 a 20 (em numeração romana) que lhe for atribuído no sorteio a que
se refere o aludido nº 1 do artº 30º.
E nem se esgrima, em contrário, com o argumento de harmonia
com o qual o nº 2 do artº 90º, ainda da dita lei, ao mencionar que são elementos
identificativos, nos boletins de voto, as denominações, as siglas e os símbolos
das entidades proponentes das candidaturas concorrentes que reproduzam os
constantes dos registos no tribunal de comarca respectivo, quereria significar a
aceitação de um símbolo gráfico de um grupo de cidadãos eleitores.
É que, esse símbolo haverá de ser aquele que, de acordo com o
nº 1 do artº 30º, couber, pelo sorteio determinado em tal preceito, ao grupo de
cidadãos proponentes, isto é, um dos números 1 a 20 - em numeração romana -.
Não se vislumbra, de outra parte, que, na postura
interpretativa que agora se adopta, haja qualquer resquício de um tratamento
diferenciado em termos tais que pudesse conflituar com o princípio da igualdade
constitucionalmente consagrado.
Na verdade, são realidades diversas os partidos e coligações,
que devem adoptar os respectivos símbolos, quer dos primeiros, quer dos partidos
que constituem as segundas, e os grupos de cidadãos eleitores, sendo certo que,
em relação aos dois primeiros, é facilmente compreensível a razão de tal
adopção, já que é facto notório que os partidos são, pelo comum dos eleitores,
conhecidos pelos respectivos símbolos, os quais, aliás, são controlados em
apertados termos pelo Tribunal Constitucional.
Mas, a mais do que isso, constituindo o símbolo dos grupos de
cidadãos eleitores uma dada realidade - um número de 1 a 20 em numeração romana
- facilmente perceptível e que haverá que ser utilizada no período de propaganda
eleitoral, não se pode, sequer, dizer que, com a solução da lei, essa forma de
expressão do símbolo dificulte a percepção dos eleitores.
3. Perante o que se deixa dito, concede-se provimento ao
recurso, em consequência se revogando o despacho impugnado.
Lisboa, 19 de Setembro de 2005
Bravo Serra
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Maria Helena Brito
Paulo Mota Pinto
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria João Antunes
Maria Fernanda Palma
Mário José de Araújo Torres
Vítor Gomes
Rui Manuel Moura Ramos
Gil Galvão
Artur Maurício