Imprimir acórdão
Processo n.º 591/2005
2.ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Fernanda Palma
Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Nos presentes autos de reclamação, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa,
em que figura como reclamante A. e como reclamada B., a reclamante, no âmbito de
um procedimento cautelar em que figurava como demandada, impugnou a decisão que
homologou a desistência da providência cautelar, afirmando, entre o mais, o
seguinte:
19. A decisão reclamada interpretou ilegal e inconstitucionalmente a norma do nº
2 da artº 296º do CPC, porque a desistência do pedido só é possível em sede de
acção e não de providência e nunca se pode desistir para consumar um crime de
arrombamento hediondo, como sucedeu no presente caso ( artº 20º/4/5/ da
Constituição).
O relator no Tribunal da Relação de Lisboa, por decisão singular de 29 de
Setembro de 2004, negou provimento ao recurso.
A reclamante requereu que sobre tal decisão recaísse acórdão. Foi então
proferido acórdão, de 16 de Novembro de 2004, que confirmou a decisão de 29 de
Setembro de 2004.
2. A. interpôs recurso nos seguintes termos:
A., agravante nos autos supra referenciados,
Tendo sido notificada, por carta registada de 18.11.04, do Acórdão proferido em
16.11.04, a fls , que negou provimento ao agravo, confirmando o despacho
recorrido,
Mas não se conformando com a referida Deliberação, porque contraria o Ac. do STJ
de 26.7.74: BMJ, 239º - 162; e Just. Portug., 30º - 89; --- o arrombamente
criminoso nunca pode ser 'tapado' por uma desistência processual !!!, sendo
iníqua qualquer desistência para consumar um crime de arrombamento hediondo,
como sucedeu no presente caso --,
Vem recorrer do aludido ARESTO para o Venerando Supremo Tribunal de Justiça de
Lisboa.
Caso não venha a ser admitido, -- o que só por mera hipótese se
refere --, então, desde já, fica interposto recurso, para o Venerando Tribunal
Constitucional de Lisboa.
0 recurso é de AGRAVO, sobe imediatamente nos próprios autos e com efeito
suspensivo, dados os prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação que o
Acórdão em crise causa à recorrente, porque transformou um arrombamento
hediondo numa desistência hipócrita.
Requer a admissão do referido recurso.
Foi proferido o seguinte despacho pelo Desembargador Relator:
Como facilmente se constata pelo texto do acórdão citado pela recorrente (e de
que se junta cópia - a integrar no processo após a folha de que consta o
presente despacho), a deliberação recorrida não contraria qualquer
Jurisprudência do STJ.
Deste modo e face ao disposto no art.º 387°-A do CPC, não se admite o recurso
interposto a fls 293 a 294 para esse Colendo Tribunal Superior.
Por outro lado, porque não foi dado cumprimento ao disposto na alínea b) do n.º
1 do art.º 70° da Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro - a recorrente não indica qual
a disposição constitucional que foi violada com a deliberação recorrida - e não
estando, de igual modo, verificada qualquer circunstância prevista em outra das
demais alíneas desse normativo, ao abrigo do disposto nos nºs 1 e 2 do art.º 76°
dessa mesma Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro, não se admite também o recurso
interposto a fls 293 a 294 para o Tribunal Constitucional.
Foi deduzida reclamação da decisão que não admitiu o recurso para o Supremo
Tribunal de Justiça, reclamação que foi indeferida por decisão do Presidente do
Supremo Tribunal de Justiça, de 18 de Abril de 2005.
3. A. reclamou da decisão que não admitiu o recurso de constitucionalidade, ao
abrigo dos artigos 76º e 77º da Lei do Tribunal Constitucional, nos seguintes
termos:
Tendo sido notificada, por carta registada de 25.1.05 do Despacho proferido em
24.1.05, a fls. que não admitiu o recurso interposto em 2.12.04, a fls.
293/294, para o Tribunal Constitucional,
De harmonia com os arts. 69° e 76°/4/ da Lei 28/82 de 15 de Novembro, na
redacção resultante da Lei 13‑A/98, de 26 de Fevereiro, o art. 688° do CPC e o
art. 280° da Lei Fundamental
Vem RECLAMAR para VV. Exas.,
Nos termos e com os fundamentos seguintes:
I. A decisão reclamada
1. O Despacho em crise é do seguinte teor:
'... porque não foi dado cumprimento ao disposto na alínea b) do nº 1 do art.
70º da Lei
nº 28/82, de 15 de Novembro -- a recorrente não indica qual a disposição
constitucional que foi violada com a deliberação recorrida -- e não estando, de
igual modo, verificada qualquer circunstância prevista em outra das demais
alíneas desse normativo, ao abrigo do disposto nos nºs 1 e 2 do art. 76º dessa
mesma Lei nº 28/82 de
15 de Novembro, não se admite também o recurso interposto a fls 293 a 294 para o
Tribunal Constitucional”.
II. A posição da reclamante
2. A reclamante já em 20.4.04, a fls , em sede de alegações de agravante, --
Capítulo V. nº 8; Conclusões: Segunda, Terceira, Quarta, Oitava; e Pedido Final
--, referiu que foi aplicada a norma do nº 2 do artº 296º do CPC de modo
inconsequente, ilegal e inconstitucionalmente (Art. 20º/4/5/ da Lei
Fundamental).
3. Mas, na Decisão Sumária de 29.9.04, o Exmo. Desembargador faz imperar a sua
autoridade singular e decide, de forma muito estranha e surpreendente, -- isto
é, sem o mínimo de argumentação lógica --, manter, na íntegra, a decisão
homologatória recorrida.
No meio desse raciocínio inconsequente, chega ao cumulo de nos apelidar de
'analfabetos jurídicos', -- '…é algo que se aprende nos primeiros anos do curso
ministrado nas várias Faculdades de Direito ... ' --, eufemismo e
pretensiosismo de mera sacristia, que nunca chegará ao Altar sacerdotal do
Direito, onde a HUMILDADE é apanágio do Deus Sacrossanto !!!
Repete que este caso é a interpretação da norma do art. 295º/1/ do CPC, que
consagra um princípio inviolável: 'A desistência do pedido extingue o direito
que se pretendia fazer valer'.
Ora, neste caso, criminosamente foi precisamente o contrário !!!
4. Efectivamente, nunca é permitida a desistência da instância e do pedido para
consumar um crime de arrombamento hediondo, como sucedeu no presente caso.
5. Novamente a reclamante impugnou o Despacho proferido em 29.9.04, a fls , e
no Ponto 19, suscitou a questão da inconstitucionalidade do sentido dado à norma
do nº 2 do art. 296º do CPC.
Não é, de todo em todo, compreensível como pode a providência acabar e a ora
reclamante ficar na rua, isto é, sem o estabelecimento comercial que usufruía.
Afinal, a desistência extinguiu o quê ?!! foi contra quem? !! e a favor de quem
?!!
Há aqui um insulto à inteligência das pessoas de bem !!!
6. Na decisão de 15.11.04 e no Acórdão de 16.11.04, persiste-se, sem argumentos,
no mesmo erro de julgamento (Ac. STJ de 26.7.74: BMJ, 239º-162; e Just. Portug.,
30º-89).
7. É evidente que a recorrente/ora reclamante suscitou durante o processo a
questão da inconstitucionalidade/ilegalidade de modo processual adequado perante
o Tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a
dela conhecer (arts. 70º/l/b/ e 72º/2/ da Lei do Tribunal Constitucional/LTC),
tendo indicado repetitivamente as disposições constitucionais que foram violadas
com a deliberação recorrida, como se constata pelo relatório constante do ponto
II da presente reclamação.
Por outro lado, o requerimento de interposição de recurso de 2.12.04, de fls.
293/294 para o Tribunal Constitucional só podia ser indeferido após o
suprimento previsto no nº 5 do artº 75º-A da LTC: “… o Juiz convidará o
requerente a prestar a indicação dos elementos em falta no prazo de 10 dias”.
8. Donde, requer a admissão do referido recurso.
PEDIDO
a. É competente para apreciar a reclamação o T R LISBOA, de harmonia com o
preceituado no art. 688º/3 do CPC, a incidir sobre o indeferimento;
b. Mas, compete ao Tribunal Constitucional, em secção, o julgamento de
reclamação do despacho que indefira o requerimento de recurso (arts. 76º e 77º/l
da Lei 28/82, de 15 de Novembro).
NESTES TERMOS requer a VV. Exas. - Exmos. Senhores Doutores Juízes
Desembargadores que seja alterado o Despacho reclamado, mandando admitir o
recurso em causa, seguindo imediatamente o recurso para o Tribunal
Constitucional, nos próprios autos, com efeito suspensivo, ex vi do preceituado
nos arts. 69º e ss. da Lei 28/82 , de 15 de Novembro, incorporando-se o presente
apenso no processo principal (primeira parte do nº 4 do art. 688º do Cód. Proc.
Civil).
E requer a VV. Exas. - Exmos. Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em
Secção --, de harmonia com os arts. 76º e 77º/l/ da Lei 28/82, de 15 de
Novembro, que julguem procedente por provada a presente reclamação.
O Ministério Público pronunciou‑se do seguinte modo:
A presente reclamação é manifestamente infundada, já que a ora reclamante não
suscitou, durante o processo e em termos procedimentalmente adequados, qualquer
questão de inconstitucionalidade normativa, idónea para servir de base ao
recurso interposto.
Cumpre apreciar.
4. Do requerimento de interposição do recurso que a recorrente pretende ver
admitido não constam, manifestamente, os elementos a que se refere o artigo
75º‑A da Lei do Tribunal Constitucional.
Por outro lado, e decisivamente, a recorrente impugna nos autos os artigos 295º,
nº 1, do Código de Processo Civil, interpretados no sentido de ser “permitida a
desistência da instância e do pedido para consumar um crime de arrombamento”.
Ora, é manifesto que a decisão da qual foi interposto o recurso de
constitucionalidade não fez aplicação de tal preceito com a interpretação
impugnada. Com efeito, em momento algum dos presentes autos foi admitido que a
desistência da providência cautelar pudesse dar cobertura ao cometimento de “um
crime de arrombamento”. Nessa medida, a apreciação do objecto do recurso não
admitido nunca poderia alterar a decisão recorrida sendo desse modo inútil.
Assim, o recurso de constitucionalidade não podia ser admitido, pelo que a
presente reclamação será indeferida.
5. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente
reclamação, confirmando, consequentemente, a decisão reclamada.
Custas pela reclamante, fixando se a taxa de justiça em 20 UCs.
Lisboa, 28 de Setembro de 2005
Maria Fernanda Palma
Benjamim Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos