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Processo n.º 779/05
Plenário
Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1.O mandatário da CDU – Coligação Democrática Unitária, do concelho de
Guimarães, distrito de Braga, para as eleições autárquicas de 2005, realizadas
no dia 9 de Outubro de 2005, dirigiu ao Tribunal Constitucional requerimento nos
seguintes termos:
«Na qualidade de mandatário da CDU – Coligação Democrática Unitária, do Concelho
de Guimarães, Distrito de Braga, venho junto do Tribunal Constitucional
apresentar queixa e recurso sobre os seguintes factos:
1.°
Nas Freguesias de Gémeos e Infantas, da constituição das mesas de voto fizeram
parte os membros do executivo das respectivas Juntas de Freguesia;
2.°
Aquando da sua composição a CDU apresentou queixa ao Sr. Juiz do 3.° Juízo Cível
do Tribunal Judicial de Guimarães, que notificou a Câmara para proceder à
alteração;
3.°
A decisão não foi acatada, mantendo a Câmara Municipal a constituição das mesas
de voto, impedindo que nomeadamente a CDU fizesse parte das mesmas;
4.°
Na abertura das mesas de voto, os delegados da CDU apresentaram protesto quanto
à sua composição, acto não aceite pelos presidentes das mesas de voto que
inclusive insultaram os seus autores;
5.°
Perante os factos, pelas onze horas, o mandatário da CDU deslocou-se às
Assembleias de voto de Gémeos e Infantas e apresentou o seu protesto, por
escrito, que consta na acta de apuramento;
6.°
Na freguesia de Infantas verificou-se ainda que a cerca de dez (10) metros da
Assembleia de voto estavam colocados dois cartazes do Candidato do Partido
Socialista à Câmara Municipal de Guimarães;
7.°
Refira-se que o edifício onde estavam os cartazes é a Sede da Junta de
Freguesia;
8.°
Convidado a retirar os cartazes, os Presidentes da mesa de voto n.º 1 e n.º 2 e
o Sr. Presidente da Junta de Freguesia, recusaram retirar a referida propaganda;
9.°
O que motivou uma adenda ao protesto apresentado e atrás referido;
10.°
Na Freguesia de Gémeos, cerca das 16:35 Horas, o Secretário da Assembleia de
voto, o Sr. António Martins Lopes, saiu da mesa com vários boletins de voto
deslocando-se pela Freguesia, à residência de pessoas alegadamente doentes para
que estes exercessem o direito de voto no domicílio, regressando depois com os
votos que foram introduzidos na urna.
11.º
O protesto da delegada da CDU, Sr. Maria de Los Angeles Huertes Pozurama, não
foi aceite, tendo mesmo sido na altura ameaçada por cidadãos “afectos” ao
Presidente a abandonar a mesa de voto antes que “elas caíssem”.
12.°
Facto que originou de imediato uma queixa junto da C.N.E. que solicitou para o
local uma força da G.N.R que compareceu e esteve vigilante;
13.°
Perante estes factos e porque foi, na nossa apreciação, violada a lei nas suas
diversas disposições, vem a CDU, junto de V. Ex.ª e do Tribunal Constitucional
interpor recurso, reclamando anulação do acto nas duas Freguesias, e a
consequente repetição das mesmas;
14.°
Mais, reclamar o apuramento de responsabilidades pela constituição das
Assembleias de voto, dado não terem permitido que a CDU fizesse parte das
mesmas, nem terem respeitado o despacho do Sr. Juiz do 3.° Juízo Cível do
Tribunal Judicial de Guimarães sobre esta matéria;
15.°
Que sobre os Presidentes das Assembleias de voto na Freguesia de Infantas e o
Presidente da Junta de Freguesia seja retirada certidão criminal pelo facto de
terem colocado propaganda junto à mesa de voto e no próprio edifício da Junta de
Freguesia, tendo recusado retirá-la quando convidados a fazê-lo.
16.°
Que sobre os membros da Assembleia de voto da Freguesia de Gémeos, seja retirada
certidão criminal pela saída de boletins de voto da mesa, pela sua própria
ausência, enquanto circulavam pela Freguesia na entrega e recolha dos mesmos;
17.°
Reclamando de V. Ex.ª a douta justiça.»
O requerimento deu entrada directamente no Tribunal Constitucional, no dia 12 de
Outubro de 2005, e não inclui qualquer documento anexo.
Cumpre decidir.
II. Fundamentos
2.O presente recurso tem como fundamento irregularidades alegadamente ocorridas
no decurso da votação nas freguesias de Gémeos e de Infantas, no concelho de
Guimarães.
Na verdade, apesar de o recorrente se queixar de que “da constituição das mesas
de voto fizeram parte os membros do executivo das respectivas Juntas de
Freguesia”, diz que tal ocorreu apenas porque não teria sido cumprida uma
decisão (cujo teor se desconhece) do Juiz do 3.º Juízo Cível do Tribunal
Judicial de Guimarães, no sentido da alteração da composição das mesas de voto,
proferida na sequência de uma reclamação contra essa composição (reclamação,
esta, prevista no artigo 78.º da LEOAL – Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias
Locais, aprovada pela Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14 de Agosto).
Por sua vez, os restantes fundamentos do recurso são a presença de propaganda
eleitoral a uma distância dos locais de voto menor do que a permitida e a
realização de votações fora do local de voto (mais precisamente, no domicílio de
alguns eleitores).
3.Sobre o contencioso da votação nas eleições dos órgãos das autarquias locais
dispõem os artigos 156.º a 160.º da LEOAL.
Nos termos do artigo 156.º, n.º 1, as irregularidades ocorridas no decurso da
votação podem ser apreciadas em recurso contencioso, desde que hajam sido
objecto de reclamação ou protesto apresentado no acto em que se verificaram. O
n.º 2 do artigo 156.º e o artigo 158.º prevêem o recurso contencioso, para o
Tribunal Constitucional, das irregularidades ocorridas no decurso da votação.
Ora, sobre o início do prazo para esse recurso contencioso escreveu-se no
acórdão n.º 585/2001 (publicado no Diário da República, II série, de 28 de
Janeiro de 2002), que decidiu não tomar conhecimento do recurso:
«O artigo 158.º da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais (aprovada pelo
n.º 1 do artigo 1.º da Lei Orgânica n.º 1/2001 de 14 de Agosto) dispõe que “o
recurso contencioso é interposto perante o Tribunal Constitucional no dia
seguinte ao da afixação do edital contendo os resultados do apuramento”. Há que
entender que o artigo 158.º se refere a “resultados do apuramento” geral. A
mesma expressão é usada no artigo 150.º, segundo o qual “os resultados do
apuramento geral são proclamados pelo presidente da assembleia até ao 4.º dia
posterior ao da votação e, em seguida, publicados por meio de edital afixado à
porta do edifício onde funciona a assembleia”.
Esta solução só pode ser duvidosa quanto às irregularidades ocorridas no decurso
da votação ou do apuramento local, de que são exemplo as invocadas no presente
recurso. A letra do artigo 158.º é compatível com a fixação de um prazo
peremptório de um dia depois do apuramento local para esses recursos. Só que não
haveria justificação racional para tal fixação. A ser assim, a parte recorrente
seria obrigada a recorrer antes de saber se teria interesse em recorrer, visto
que poderia ainda sair vencedora do apuramento geral, seja quanto ao resultado
das eleições, seja quanto à correcção das irregularidades que invocou, nos casos
em que essa correcção pode ser feita pelo apuramento geral. Ora o n.º 2 do
artigo 156.º, que é uma inovação da LEOAL, faculta à parte “a interposição de
recurso gracioso perante a assembleia de apuramento geral no 2.º dia posterior
ao da eleição”. A parte seria assim obrigada a recorrer antes de conhecer a
decisão de recurso gracioso que poderia ainda interpor depois da interposição do
recurso contencioso, mesmo quando tal decisão a satisfizesse em face do
resultado ou a convencesse pelos fundamentos. Assim, no caso presente, a
assembleia de apuramento geral poderia ainda, por hipótese, concluir que a
eleitora que, segundo a recorrente, não estaria inscrita nos cadernos
eleitorais, afinal se encontrava neles. Mas, o que é mais grave, a parte seria
obrigada a recorrer antes de saber se o recurso poderia ter provimento, a serem
provados os factos que alega. Na verdade, o artigo 160.º, n.º 1, estabelece que
a votação só será julgada nula quando se hajam verificado ilegalidades que
possam influir no resultado geral da eleição do respectivo órgão autárquico.
Ora, só depois do apuramento geral se pode saber desta condição do provimento do
recurso. Assim sendo, tal interpretação encurtaria ainda desnecessariamente o
prazo de interposição, pois que o Tribunal sempre teria que esperar pela
comunicação dos resultados do apuramento geral para julgar das condições de
procedibilidade. Até porque pode estar em causa a eleição de três órgãos
autárquicos distintos.
Por sua vez , o Tribunal, para cumprir os prazos que o artigo 159.º de LEOAL lhe
impõe, seria obrigado a notificar imediatamente os representantes dos partidos
políticos, coligações e grupos de cidadãos intervenientes na eleição para
responderem, querendo, no prazo de um dia, bem como a requisitar todos os
elementos de prova solicitados na petição de recurso, incluindo a futura acta de
apuramento geral e respectivos anexos – e, neste caso, antes da realização desta
e quando tais elementos, por isso mesmo, não podem ser fornecidos sem impedir o
apuramento geral –, tudo isto sem saber se a parte manteria interesse em
recorrer, continuaria a sustentar todos os fundamentos ou se poderia tomar
conhecimento do recurso. Estaria o Tribunal a notificar para ou a requisitar
actos eventualmente inúteis dos representantes dos outros concorrentes às
eleições, do juiz da comarca e do governador civil e estes solicitados ou
obrigados a praticá-los.
Há, pois, que entender que se mantêm (e na hipótese do n.º 2 do artigo 156.º se
reforçaram) as razões sistemáticas que faziam que a anterior lei eleitoral, o
Decreto‑Lei n.º 701-B/76 de 29 de Setembro, explicitasse que o prazo para a
interposição de recurso para o Tribunal Constitucional se contava “a contar da
afixação do edital a que se refere o artigo 99.º”, que era o edital com os
resultados do apuramento geral.
Mantém-se, assim, a doutrina do Acórdão n.º 717/97 (Acórdãos do Tribunal
Constitucional, 38, 443, 450, 451), que, numa hipótese semelhante, julgou que o
recurso foi prematuramente apresentado e que não ficam os recorrentes impedidos
da apreciação contenciosa das irregularidades invocadas uma vez que o poderão
fazer após a afixação do edital do apuramento geral.»
Esta fundamentação é de aplicar ao presente caso – e independentemente da
questão da falta de quaisquer elementos sobre o protesto que a recorrente diz
ter apresentado (e que, aliás, quanto a um dos fundamentos, não teria sido
aceite). Conclui-se, assim, que o recurso foi prematuramente apresentado, sendo
certo que a recorrente não fica, por isso, impedida de vir a obter a apreciação,
em recurso contencioso, das irregularidades invocadas, uma vez que o poderá vir
a interpor após a afixação do edital do apuramento geral.
Não pode, pois, tomar-se conhecimento do recurso, por ser prematuro.
III. Decisão
Com estes fundamentos, o Tribunal Constitucional decide não tomar conhecimento
do presente recurso.
Lisboa, 12 de Outubro de 2005
Paulo Mota Pinto
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria João Antunes
Maria Fernanda Palma
Mário José de Araújo Torres
Vítor Gomes
Benjamim Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos
Gil Galvão
Bravo Serra
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Maria Helena Brito
Artur Maurício