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Processo n.º 239/05
1.ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Helena Brito
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. A fls. 42 e seguintes dos presentes autos, foi proferida decisão
sumária em que se decidiu negar provimento ao recurso interposto para este
Tribunal por A..
Este recurso para o Tribunal Constitucional, interposto ao abrigo do
artigo 70°, n° 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, tem como
objecto a apreciação da inconstitucionalidade da norma contida no artigo 405º,
n.º 4, do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de que “não é
admissível recurso nem reclamação para o Supremo contra decisão sobre reclamação
proferida pelo Presidente da Relação sempre que esta esteja em contradição com
outra decisão de outro Presidente da Relação em que ambas versam sobre a mesma
questão de direito”. Segundo o entendimento do recorrente, tal norma seria
inconstitucional, “por violação do princípio da igualdade de tratamento dos
arguidos ínsito no princípio do Estado de Direito consagrado no artigo 2º da
CRP, o princípio da igualdade consagrado no artigo 13º n.º 1 da CRP, o princípio
do direito a um processo equitativo ínsito no princípio da tutela jurisdicional
efectiva consagrado no artigo 20º n.º 4 in fine da CRP e a garantia de defesa
prevista no artigo 32º n.º 1 da CRP”.
A decisão de não inconstitucionalidade e de não provimento do
recurso, constante da decisão sumária reclamada, fundamentou-se em
jurisprudência anterior do Tribunal Constitucional sobre problemática com
estreita semelhança relativamente à que é suscitada nestes autos, embora a
propósito de preceitos legais diferentes.
Na decisão sumária reclamada invocaram-se e transcreveram-se, na
parte considerada relevante, os seguintes acórdãos do Tribunal Constitucional:
– o acórdão n.º 247/97 (publicado no Diário da República, II Série,
n.º 114, de 17 de Maio de 1997, p. 5759 ss), em que este Tribunal apreciou a
norma constante do artigo 437º, n.º 2, do Código de Processo Penal, interpretada
no sentido de que “não admite, como fundamento do recurso extraordinário de
fixação de jurisprudência, a contradição entre um acórdão proferido pela Relação
e um acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça”, tendo concluído que
tal interpretação normativa não reduz as garantias de defesa do arguido nem
viola o princípio constitucional da igualdade;
– o acórdão n.º 571/98 (publicado no Diário da República, II Série,
n.º 276, de 26 de Novembro de 1999, p. 17876 ss), em que o Tribunal se
pronunciou sobre a norma constante do referido artigo 437º, n.º 2, do Código de
Processo Penal, interpretada no sentido de “não admitir o recurso para fixação
de jurisprudência obrigatória, em virtude de os acórdãos em oposição terem sido
emanados de tribunais de graus diferentes”, tendo igualmente concluído, com base
em jurisprudência anterior, no sentido da não inconstitucionalidade de tal
norma, quando confrontada, entre outros, com os artigos 32º, 13º e 20º da
Constituição da República Portuguesa;
– o acórdão n.º 168/2003 (publicado no Diário da República, II
Série, n.º 121, de 26 de Maio de 2003, p. 8096 ss), em que o Tribunal apreciou
novamente a norma constante do artigo 437º, n.º 2, do Código de Processo Penal,
numa interpretação muito próxima daquela que é enunciada pelo recorrente no
presente processo, isto é, interpretada no sentido de “não ser admissível o
recurso extraordinário para fixação de jurisprudência quando a oposição de
julgados se materializa não entre acórdãos mas entre um acórdão da Relação e um
despacho do presidente da relação, proferido nos termos do n.º 4 do artigo 405º
do mesmo Código”, concluindo, através de remissão para a decisão dos acórdãos
n.ºs 247/97 e 571/98, e depois de afastar também uma alegada violação do direito
de acesso à justiça e do princípio da igualdade, no sentido da não
inconstitucionalidade.
Perante a jurisprudência invocada, a decisão sumária reclamada
concluiu:
“[...]
A fundamentação constante dos acórdãos mencionados é inteiramente transponível
para o caso dos autos.
Pelas razões expostas nesses acórdãos, conclui-se que a norma do artigo 405º,
n.º 4, do Código de Processo Penal – interpretada no sentido de que «não é
admissível recurso nem reclamação para o Supremo contra decisão sobre reclamação
proferida pelo Presidente da Relação sempre que esta esteja em contradição com
outra decisão de outro Presidente da Relação em que ambas versam sobre a mesma
questão de direito» – não diminui intoleravelmente as garantias processuais do
recorrente, nem implica um cerceamento das suas possibilidades de defesa que
seja de considerar desproporcionado ou intolerável. De acordo com a
jurisprudência reiteradamente afirmada por este Tribunal Constitucional, e no
quadro das garantias de defesa do arguido, o que se vem afirmando é a garantia
de um segundo grau de jurisdição relativamente a decisões condenatórias em pena
privativa de liberdade, para que fique assegurado ao arguido o direito a uma
reapreciação de tais decisões.
A solução que não permite a impugnação de «decisão sobre reclamação proferida
pelo Presidente da Relação», acolhida no artigo 405º, n.º 4, do Código de
Processo Penal, não viola nem o direito de acesso à justiça – que não comporta
um irrestrito direito a aceder ao Supremo Tribunal de Justiça, muito menos por
via de recurso para uniformização de jurisprudência – nem o princípio da
igualdade, já que não se configura como solução legislativa arbitrária ou
discricionária condicionar o acesso aos meios de uniformização de jurisprudência
a uma efectiva colisão de acórdãos, e não também a uma contradição entre outras
decisões judiciais, mesmo que definitivas, porque insusceptíveis de impugnação
ordinária.
Atentas estas conclusões, não pode também proceder a alegada violação de
direitos e liberdades fundamentais inerentes ao princípio do Estado de Direito
Democrático.
Em suma, a solução consagrada na norma impugnada não é constitucionalmente
censurável, quando confrontada com os artigos 2º, 13º, n.º 1, 20º, n.º 4, in
fine, e 32º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, invocados pelo
recorrente.
[...].”.
2. Notificado desta decisão, A. veio reclamar para a conferência, sem
invocar qualquer norma legal (requerimento de fls. 54), nos seguintes termos:
“[...]
O que está em causa na apreciação da constitucionalidade do artigo 405º n.º 5 do
CPP [assim, no original] são as garantias de defesa do arguido em processo penal
quando existem decisões dos Presidentes das Relações contraditórias no sentido
de que o Presidente da Relação de Guimarães entende que o prazo de recurso
previsto no artigo 411º n.º 1 do CPP é de 25 dias quando esteja em causa a
reapreciação das provas gravadas pelo Tribunal de recurso e o Presidente da
Relação de Coimbra entende que aquele prazo do recurso é de 15 dias.
Isto é, o Presidente do Tribunal da Relação de Guimarães manda aplicar em
processo penal a norma do artigo 698º n.º 6 do CPC por referência ao artigo 4.º
do CPP, concedendo mais 10 dias ao[s] 15 previstos no artigo 411º n.º 1 do CPP e
o Presidente do Tribunal da Relação de Coimbra não tem este entendimento.
Nesta circunstância, porque está em causa a garantia de defesa do arguido em
processo penal, a norma do artigo 405º n.º 4 do CPP, na interpretação que foi
dada em não admitir recurso para o Supremo Tribunal de Justiça para
uniformização de jurisprudência viola as garantias de defesa do arguido em
processo penal, viola o princípio da igualdade e da justiça ínsitos no princípio
de estado de direito democrático (artigos 2º, 32º n.º 1, 13º e 20º da CRP).
Na verdade, o arguido que cometa um crime na área de jurisdição do Tribunal da
Relação de Guimarães tem mais garantias de defesa, do que se o cometer na área
de jurisdição do Tribunal da Relação de Coimbra.
Discordamos, por isso, que a questão da constitucionalidade do artigo 405º n.º 4
do CPP, que vem posta a este Tribunal, estando em causa as garantias de defesa
do arguido, não foi anteriormente decidida nos acórdãos doutamente citados na
decisão sumária sob reclamação.
Termos em que deve proceder a presente reclamação e, a final, ser admitido o
recurso fixando prazo para alegações.
[...].”.
3. O representante do Ministério Público junto do Tribunal
Constitucional respondeu (fls. 57):
“[...]
1º. A presente reclamação é manifestamente improcedente.
2º. Na verdade, a argumentação do reclamante em nada abala os fundamentos da
decisão reclamada, que deverá confirmar-se inteiramente.
[...].”.
Cumpre apreciar e decidir, entendendo a presente reclamação como
tendo sido deduzida ao abrigo do disposto no artigo 78º-A, n.º 3, da Lei do
Tribunal Constitucional.
II
4. A decisão sumária reclamada, que negou provimento ao recurso
interposto para o Tribunal Constitucional, em consequência do julgamento de não
inconstitucionalidade da norma que constitui o objecto do recurso,
fundamentou-se na jurisprudência anterior do Tribunal Constitucional sobre
problemática com estreita semelhança relativamente à que é suscitada e
identificada pelo recorrente nestes autos, embora a propósito de preceitos
legais diferentes
Tal decisão sumária foi proferida ao abrigo do disposto no artigo
78º-A, n.º 1, da LTC, uma vez que se encontravam preenchidos, no caso, os
pressupostos que esta disposição exige para uma decisão individual do relator no
Tribunal Constitucional. Na verdade, nos termos do citado artigo 78º-A, n.º 1,
“se entender que [...] a questão a decidir é simples, designadamente por a mesma
já ter sido objecto de decisão anterior do Tribunal [...], o relator profere
decisão sumária, que pode consistir em simples remissão para anterior
jurisprudência do Tribunal”.
Na reclamação agora deduzida, o reclamante manifesta o seu desacordo
relativamente à decisão sumária emitida nos autos e à doutrina subjacente aos
acórdãos proferidos por este Tribunal, reiterando a sua opinião no sentido da
inconstitucionalidade da norma contida no artigo 405º, n.º 4, do Código de
Processo Penal, interpretada no sentido de que não é admissível recurso nem
reclamação para o Supremo Tribunal de Justiça contra decisão sobre reclamação
proferida pelo Presidente da Relação sempre que esta esteja em contradição com
outra decisão de outro Presidente da Relação em que ambas versam sobre a mesma
questão de direito e de que, por isso, não é admissível recurso para o Supremo
para uniformização de jurisprudência.
Não aduz, porém, o reclamante qualquer argumento novo, que não tenha
sido considerado nos acórdãos em que se firmou a jurisprudência seguida, e que
seja susceptível de alterar o sentido da posição adoptada pelo Tribunal
Constitucional, sendo certo que, tanto nesses acórdãos, como na decisão sumária
agora reclamada, se procedeu expressamente ao confronto entre as normas em
apreciação e a norma constitucional que em especial se refere às garantias de
defesa do arguido em processo penal.
Não sendo invocado na reclamação qualquer argumento novo,
susceptível de pôr em causa a conclusão de não inconstitucionalidade da norma
contida no artigo 405º, n.º 4, do Código de Processo Penal, na interpretação
questionada pelo ora reclamante, nada mais resta pois do que confirmar o
decidido.
III
5. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal
Constitucional decide indeferir a presente reclamação, confirmando a decisão
reclamada, que negou provimento ao recurso.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte)
unidades de conta.
Lisboa, 24 de Maio de 2005
Maria Helena Brito
Carlos Pamplona de Oliveira
Rui Manuel Moura Ramos