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Processo n.º 348/2005
3.ª Secção
Relator: Conselheiro Bravo Serra
1. Em 23 de Maio de 2005 proferiu o relator a seguinte
decisão:-
“1. Tendo, por despacho de 3 de Setembro de 2003, proferido
pela Chefe de Divisão de Justiça Tributária, ao abrigo de delegação de
competência do Director de Finanças de Santarém, sido aplicada a A., a coima de
€ 1.373 por infracção ao disposto nos artigos 33º, nº 2, 34º, nº 1, e 37º, todos
do Código do Imposto de Rendimento das Pessoas Colectivas, interpôs a acoimada
recurso jurisdicional para o Tribunal Tributário de 1ª Instância de Santarém.
Na motivação adrede apresentada, a impugnante não suscitou, de
todo em todo, directa ou indirectamente, explícita ou implicitamente, qualquer
questão de desconformidade com a Lei Fundamental reportadamente a normas
constantes do ordenamento infra-constitucional.
Após a apresentação do recurso nos serviços de Finanças de
Santarém, a indicada Chefe de Divisão, por despacho de 4 de Dezembro de 2003,
revogou o anterior despacho de 3 de Setembro, visto ter entendido ser diverso o
montante do imposto considerado em falta, vindo a fixar a coima em € 880.
A acoimada, continuando inconformada, manteve o recurso
precedentemente interposto, tendo sido os autos remetidos ao Tribunal
Administrativo e Fiscal de Leiria.
Por sentença de 2 de Dezembro de 2004 foi o recurso julgado
improcedente.
Notificada desta, veio a acoimada arguir a respectiva
nulidade, dizendo, a dado passo, no que ora releva:-
‘(...)
Em suma, a falta de enumeração dos factos provados e não provados, substituída
por remissões, ora para a consciência da arguida, ora para o auto de notícia,
com a consequente falta de enquadramento da facticidade não enunciada em normas
sancionadas (as normas ordenadoras que definem os pressupostos pessoais e reais
da incidência, designadamente definindo os factos que concorrem negativa e
positivamente para a determinação da matéria colectável) - tudo rematado pela
ritual fórmula passe partout ‘as condutas (quais?) que lhe vêm imputadas são
subsumíveis no artigo 34º do RJIFNA’ - inquinam a sentença de nulidade, por
falta absoluta de fundamentação (artigo 379º, 1, a) do CPP).
A este propósito, e pelos motivos expostos, suscita-se a seguinte questão:
É inconstitucional a norma do nº 2 do artigo 374º do Código de Processo Penal,
interpretada no sentido de ser dispensável a enumeração completa dos factos
provados e não provados e o seu concreto enquadramento nas normas ordenadoras
violadas, se o arguido deles revelar conhecimento, ou se for possível indicá-las
por remissão para a peça acusatória ou para a decisão administrativa que aplicou
a coima, sendo a norma constitucional violada por tal interpretação a do nº 1 do
artigo 205º da Constituição.
Acresce que a sentença sob apreciação vem também inquinada de omissão de
pronúncia (com as consequências previstas na alínea c) do nº 1 do artigo 379º do
C.P.P.).
Com efeito, alegou-se (conclusão nº 7), que um crédito de € 6 503,14 (Esc. 1 521
145$00) foi extinto por transacção homologada por sentença, no mesmo ano em que
foi judicialmente reclamado.
Tal facto não consta - como provado ou não provado - no elenco, por assim dizer
‘factual’, considerado na sentença em apreço.
Tão pouco se aprecia a questão de direito suscitada por tal facto (omitido),
qual seja a de saber se faz sentido provisionar, no fim de um exercício, a
eventual incobrabilidade de um crédito nesse mesmo exercício extinto (conclusões
8) e 9), da minuta de recurso).
O que tudo constitui mais uma causa de nulidade da sentença.
E não se diga que - por força das disposições conjugadas dos artigos 64º e 47º
do RGIT - tais questões só podem ser apreciadas em processo de reclamação
graciosa ou de impugnação judicial do acto tributário de liquidação correctiva
do imposto.
Desde logo, tal interpretação inviabilizaria qualquer defesa em processo
contraordenacional por omissões e inexactidões enquadráveis no tipo do artigo
34º do RFIFNA, que não dessem origem a qualquer liquidação de imposto (hipótese
expressamente prevista no nº 2 do mesmo artigo e diploma).
Mas, essencialmente, a caducidade do direito a impugnar liquidações ilegais, com
fundamento em erro na interpretação ou na selecção das normas ordenadoras
aplicáveis, não tem outro efeito que não seja esse mesmo - a preclusão do
direito de impugnação do acto tributário.
Não se forma qualquer espécie de caso julgado (pela simples razão de que não há
julgamento) sobre os pretensos erros de direito ou de facto que inquinem o acto,
os quais podem ser invocados, não para revogar a liquidação, mas como meio de
defesa em processo contraordenacional.
A este propósito se suscita a seguinte questão:
São inconstitucionais as disposições conjugadas dos artigos 64º e 47º do RGIT,
interpretadas no sentido em que caducado o direito à impugnação de certo acto
tributário com possível fundamento em erro na interpretação de normas
tributárias de incidência ou de determinação da matéria colectável, ou na
determinação e qualificação do facto tributário, ficam precludidos quaisquer
meios de defesa em processo contraordenacional relacionados com tais erros e/ou
ilegalidades - sendo a norma constitucional violada a do nº 10 do artigo 32º da
Constituição.
(...)’.
Perante tal requerimento, Juíza do Tribunal Administrativo e
Fiscal de Leiria proferiu o seguinte despacho, por lapso datado de 26 de
Novembro de 2004, mas que tudo indica ser de 28 de Janeiro de 2005:-
‘A recorrente veio arguir nulidades da sentença, consubstanciadas na falta de
enumeração dos factos provados e não provados e na omissão de pronúncia,
suscitando, ainda, a inconstitucionalidade de algumas normas.
Os autos foram com vista ao Exm.º Procurador da República que, no seu parecer de
fls..., entende que a sentença não é nula, improcedendo tudo o que vem alegado
pela recorrente.
No que tange à matéria de facto, foram enunciados os factos provados,
referindo-se que, com interesse para a decisão não se provaram outros factos.
Daí que, com o respeito que é devido à opinião sustentada pela recorrente, no
douto requerimento em apreciação, não se verifica a nulidade arguida.
Quanto à omissão de pronúncia, a mesma também não se verifica, posto que o
tribunal entendeu, pelas razões que então expôs, não dever conhecer da matéria
em causa.
Já no que respeita às inconstitucionalidades arguidas, salvo melhor opinião,
configuram questões novas que, nesta sede, o tribunal está impedido de apreciar.
Pelo exposto, indefere-se o requerido,
Custas do incidente pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC’.
Fez então a impugnante juntar aos autos requerimento com o
seguinte teor:-
‘A., recorrente no processo à margem identificado, não se conformando com a
sentença nele proferida nem com a decisão sobre a sua requerida reforma, vem
dela interpor recurso para o Tribunal Constitucional, nos seguintes termos:
1) O recurso é interposto ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo
70º da Lei nº 28/82 de 15/11, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 85/89 de
7/9 e pela Lei nº 13-A/98 de 26/2.
2) Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade:
a) Da norma do nº 2 do artigo 374º do Código de Processo Penal, conjugada com a
norma enunciada na alínea a) do nº 1 do artigo 379º do mesmo diploma, aplicáveis
ex vi das disposições conjugadas da alínea b) do artigo 3º do Regime Geral das
Infracções Tributárias aprovado pela Lei nº 15/2001 de 5/6 e do nº 1 do artigo
41º do D.L. nº 433/82 de 27/10, na interpretação com que foi aplicada na decisão
recorrida, a saber:
No sentido de ser dispensável o enunciado completo dos factos provados e não
provados e o seu concreto enquadramento nas normas ordenadoras supostamente
violadas, se o arguido deles revelar conhecimento, ou se for possível indicá-los
por remissão para a peça acusatória ou para a decisão administrativa que aplicou
a coima, ainda que arguidas pela recorrente de ininteligibilidade.
A norma constitucional violada é a do nº 1 do artigo 205º da Constituição.
b) Das disposições conjugadas das normas dos artigos 64º e 47º, nº 1 do Regime
das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei nº 15/2001 de 5/6, na
interpretação com que foram aplicadas na decisão recorrida, isto é:
No sentido em que - caducado o direito à impugnação de certo acto tributário com
possível fundamento em erro na interpretação de normas tributárias de incidência
ou de determinação da matéria colectável, ou na determinação e qualificação do
facto tributário - ficam precludidos quaisquer meios de defesa em processo
contraordenacional relacionados com tais erros e/ou ilegalidades.
A norma constitucional violada é a do nº 10 do artigo 32º da Constituição.
As questões de inconstitucionalidade acima referidas foram suscitadas no
processo em requerimento dirigido ao próprio Tribunal que proferiu a sentença
recorrida (a qual, por força do disposto na parte final do nº 1 do artigo 83º do
RGIT, não admite recurso ordinário), arguindo a respectiva nulidade, nos termos
das disposições conjugadas do nº 2 do artigo 666º e do nº 3 do artigo 668º,
ambos do CPC, e aplicáveis ex vi do estatuído no artigo 4º do CPP.
(...)’.
O recurso interposto mediante o transcrito requerimento veio a
ser admitido por despacho prolatado em 28 de Fevereiro de 2005, tendo os autos
sido remetidos ao Tribunal Constitucional em 29 de Abril seguinte.
2. Porque o despacho admissor do recurso não vincula este
Tribunal (cfr. nº 3 do artº 76º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro) e porque se
entende que o recurso não deveria ter sido admitido, elabora-se, de harmonia com
o disposto no nº 1 do artº 78º-A da mesma Lei, a vertente decisão, por
intermédio da qual se não toma conhecimento do objecto da presente impugnação.
2.1. Como resulta do requerimento de interposição de recurso,
intenta-se, primeiramente, a apreciação da conformidade com o Diploma Básico da
norma advinda de uma dada interpretação do preceito constante do nº 2 do artº
374º do Código de Processo Penal, conjugado com outras disposições,
interpretação essa que será a ‘de ser dispensável o enunciado completo dos
factos provados e não provados e o seu concreto enquadramento nas normas
ordenadoras supostamente violadas, se o arguido deles revelar conhecimento, ou
se for possível indicá-los por remissão para a peça acusatória ou para a decisão
administrativa que aplicou a coima, ainda que arguidas pela recorrente de
ininteligibilidade’.
Anote-se, num primeiro passo, que o recorte normativo agora
efectuado naquele requerimento não coincide com a suscitação de
inconstitucionalidade levada a efeito no requerimento consubstanciador da
arguição de nulidade da sentença, pois que não só é agora invocado o dito
preceito do nº 2 do artº 374º em conjugação com a alínea a) do nº 1 do artº 379º
do mesmo corpo de leis, sendo ambos os preceitos aplicáveis por força ‘das
disposições conjugadas da alínea b) do artigo 3º do Regime Geral das Infracções
Tributárias aprovado pela Lei nº 15/2001 de 5/6 e do nº 1 do artigo 41º do D.L.
nº 433/82 de 27/10’ (sucedendo que no segundo dos aludidos requerimentos - ou
seja, naquele em que foi arguida a nulidade -, era, neste particular, feita
referência tão somente ao nº 2 do artº 374º), como também não foi mencionada,
neste último requerimento, a circunstância de ser dispensável o enunciado dos
factos provados e não provados e o seu concreto enquadramento jurídico quando a
decisão administrativa fosse arguida de ininteligibilidade.
Viu-se já que, aquando da motivação do recurso jurisdicional
incidente sobre a decisão aplicativa da coima, a impugnante não suscitou
qualquer questão de inconstitucionalidade normativa.
Porém, são hipotisáveis situações em que é dispensável a
suscitação da questão de inconstitucionalidade antes do proferimento da decisão
judicial pretendida recorrer perante o Tribunal Constitucional, como será o caso
da prolação de uma decisão da qual não seja admitido recurso e em que a «parte»,
com a mesma confrontada, entenda que ela incorreu em nulidade fez uma aplicação
normativa consequente de uma interpretação de todo insólita ou imprevisível e
com a qual, razoavelmente, se não podia contar, ou por ter aplicado, com
determinado sentido interpretativo, normas processuais regentes dos vícios da
decisão, sentido esse que a referida «parte» entenda por desarmónico com a
Constituição.
Mas, em tais situações, mister é que a «parte» argua a
nulidade da sentença, devendo, então, na arguição, equacionar a questão de
inconstitucionalidade. E mister é, também, que, na decisão que venha a ser
proferida sobre a arguição de nulidade - se a mesma a não reconhecer - se torne
nítido que aquelas normas foram aplicadas com o sentido tido por
inconstitucional, mantendo-se a aplicação, porque se entendeu que elas não
padeciam de tal vício.
Ora, no despacho de 28 de Janeiro de 2005 (aquele que decidiu
a arguição de nulidade - e só este poderia ser recorrível perante o Tribunal
Constitucional, pois que foi por seu intermédio que se decidiu se a sentença de
2 de Dezembro de 2004 era, ou não, nula, por ter, ou não ter, enumerado
completamente os factos provados e não provados e o seu concreto enquadramento
jurídico) seguramente que a norma do nº 2 do artº 374º do Código de Processo
Penal não foi aplicada com o sentido de que permitia a prolação de uma decisão
sem que se enunciassem os factos provados e não provados ou que fossem eles
indicados por mera remissão para a decisão aplicadora da coima.
Aliás, se se analisar a sentença de 2 de Dezembro de 2004, é
por demais evidente que no seu item ‘II. Factos’ (contendo os provados e os não
provados) não se faz qualquer menção de onde resulte que a sua enunciação o foi
por remissão para a decisão administrativa.
Falece, desta sorte, quanto a este primeiro ponto, um dos
requisitos do recurso ancorado na alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82,
justamente o que consiste, na aplicação, na decisão a impugnar perante este
Tribunal (e já se viu que ela unicamente poderia ser a vertida no despacho de 28
de Janeiro de 2005), da norma arguida do vício de inconstitucionalidade.
2.2. Pretende igualmente a impugnante submeter ao veredicto
deste Tribunal o conjunto normativo que se extrai dos artigos 47º, nº 1 , e 64º,
ambos do Regime Geral das Infracções Tributárias aprovado pela Lei nº 15/2001,
de 5 de Junho, quando comportando uma interpretação de acordo com a qual, uma
vez caduco o direito à impugnação de certo acto tributário com possível
fundamento em erro na interpretação de normas tributárias de incidência ou de
determinação da matéria colectável, ou na determinação e qualificação do facto
tributário, já não será possível a utilização de quaisquer meios de defesa em
processo contraordenacional relacionados com os erros ou ilegalidades que teriam
possibilitado a impugnação.
Na motivação do recurso jurisdicional da coima aplicada,
brandiu a impugnante com uma argumentação segundo a qual ‘o crédito considerado
incobrável no exercício de 1997 foi reclamado em Juízo nesse mesmo ano de 1997,
período de tributação que seria provisionável nos termos do artigo 34º, 1, b) do
CIRC’, que ‘os créditos em causa não poderiam ser provisionados em exercício
anterior ao de 1997 porque ainda não tinham sido reclamados judicialmente
(artigo 34º, 1, b) do CIRC), e que - como é evidente - não faria sentido
provisionar em 1997 uma contingência que se veio a verificar nesse mesmo
exercício’, que não ‘fazia portanto sentido provisionar em 1997 - nos termos do
artº 34º, 1, b) do CIRC - uma contingência que se verificou nesse mesmo período
de tributação’ [cfr. «conclusão» 8)] e que, mesmo que se pretendesse que ‘os
factos em apreço correspondem à extinção do referido crédito por compensação com
um crédito indemnizatório da contraparte, sempre relevariam como custo, ou
componente negativa do lucro tributável, por força do disposto na alínea j) do
nº 1 do artº 24º do CIRC’ [cfr. «conclusão» 9)].
Ora, se a impugnante - ainda que se entendesse que, com
aquelas asserções, pretendia pôr em causa um acto tributário (que, aliás, não se
sabe qual ele fosse, devendo sublinhar-se que o que estava em crise era a
aplicação de uma coima pelo indiciado cometimento de infracções fiscais advindas
de ter contabilizado dívidas incobráveis como custos fiscais e ter contabilizado
provisões do exercício para além dos limites legais) cuja impugnação não foi,
atempadamente, levada a efeito, mas que, agora no procedimento
contra-ordenacional, vinha questionar, assacando a esse acto erros ou
ilegalidades - perfilhasse a óptica segundo a qual, mesmo em face do disposto no
artº 47º do já referido Regime Geral das Infracções Tributárias, aplicável ao
processo de contra-ordenação, com as necessárias adaptações, por força do artº
64º (artº 47º esse que dispõe, no seu nº 1, que Se estiver a correr processo de
impugnação judicial ou tiver lugar oposição à execução, nos termos do Código de
Procedimento e de Processo Tributário, o processo penal tributário suspende-se
até que transitem em julgado as respectivas sentenças e, no seu nº 2, que Se o
processo penal tributário for suspenso, nos termos do número anterior, o
processo que deu causa à suspensão tem prioridade sobre todos os outros da mesma
espécie), era possível, no referido procedimento, esgrimir com os indicados
erros ou ilegalidades, sob pena de aquele preceito padecer de
inconstitucionalidade, impunha-se-lhe o ónus de suscitar uma tal questão.
Não o fez, porém, antes do proferimento da sentença de 2 de
Dezembro de 2004.
E, como tem sido jurisprudência firme deste Tribunal (cfr.,
por entre inúmeros arestos, o Acórdão nº 311/90 in Diário da República, II
Série, de 19 de Março 1997 e, mesmo após as alterações introduzidas em 1995 no
Código de Processo Civil, o Acórdão nº 364/2000, disponível em
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20000364.html), não é
tempestivo suscitar pela primeira vez a questão de inconstitucionalidade em
requerimento de aclaração ou arguição de nulidade da decisão recorrida.
Há, por isso, que concluir que, tocantemente ao conjunto
normativo agora em apreço, falha um dos pressupostos do recurso, qual seja o da
suscitação atempada da questão de inconstitucionalidade.
Neste contexto, não se toma conhecimento do objecto do
recurso, condenando-se a impugnante nas custas processuais, fixando-se a taxa de
justiça em seis unidades de conta”.
Notificada da transcrita decisão, veio a impugnante dela
reclamar, o que fez nos seguintes termos:-
“(...)
I
Na douta decisão reclamada sustenta-se que - no despacho de 28 de Janeiro de
2005 (da MMª Juiz do TAF de Leiria) - a norma do n° 2 do artigo 374° do CPP ‘não
foi aplicada com o sentido de que permita a prolação de uma decisão sem que se
enunciassem os factos provados e não provados ou que fossem eles indicados por
mera remissão para a decisão aplicadora da coima.’
Discorda-se, salvo o muito e devido respeito.
Note-se, antes do mais, que o sentido normativo arguido de inconstitucional pela
recorrente alude à indicação dos factos constitutivos da infracção por remissão,
não só para a decisão administrativa que aplicou a coima, mas também para a peça
acusatória (auto de notícia).
No despacho de 28 de Janeiro de 2005, perante arguição de nulidade da sentença,
sustenta-se que nela (sentença), ‘no que tange à matéria de facto, foram
enunciados os factos provados...’
Assim sendo, o sentido em que foi interpretada/aplicada a norma do n° 2 do
artigo 374° do CPP, há-de ser desvendado pela sentença.
Segundo a douta decisão reclamada ‘se se analisar a sentença de 2 de Dezembro de
2004, é por demais evidente que no seu item II Factos (contendo os provados e os
não provados) não se faz qualquer menção de onde resulte que a sua enunciação o
foi por remissão para a decisão administrativa’.
Analisemos então a sentença de 2/12/2004 e o seu item II Factos: ‘...dão-se como
provados os seguintes factos...
A) A recorrente foi alvo de acção de fiscalização tributária que culminou com o
relatório de fls. 16 a 24, onde, entre o mais, consta o seguinte:’
E segue-se transcrição ipsis verbis das conclusões do ‘relatório de fls. 16 a
24’.
‘B) No dia 8 de Agosto de 2002 foi levantado Auto de Notícia contra a ora
recorrente com o seguinte teor ...’
Segue-se cópia fiel do auto de notícia.
Continua-se enumerando dois factos processuais, e mais dois dos factos alegados
pela recorrente em sua defesa, os quais, conquanto julgados ‘com interesse para
a decisão da causa’, não foram levados em consideração, por força de uma
insólita interpretação do artigo 47° do RGIT por força da qual, em processo
penal fiscal, se não for impugnada (nos termos do CPPT) a liquidação da pretensa
obrigação de imposto que tem por pressupostos os factos acusados, precludem-se
os meios de defesa relacionados com a realidade e a qualificação de tais factos.
Assim sendo, a menos que se pretenda que os factos constitutivos da pretensa
contra-ordenação vêm a ser:
a) Ter a recorrente sido ‘alvo de uma fiscalização tributária’;
b) Ter o auto de notícia determinado teor literal;
Dir-se-á que o sentido em que foi interpretada/aplicada a norma do n° 2 do
artigo 374°, não pode ser outro senão o apontado pela recorrente, isto é:
Limitando-se a reproduzir a peça acusatória - perante alegação da recorrente
arguindo a sua ininteligibilidade - interpreta a norma do n° 2 do artigo 374° do
CPP no sentido de ser dispensável o enunciado dos factos constitutivos da
pretensa infracção, mediante um juízo autónomo sobre a respectiva realidade e
qualificação, bastando, para fundamento da decisão, extractar fielmente o auto
de notícia e a decisão administrativa que aplicou a coima.
É o que se chama fundamentar remetendo para o teor literal da peça acusatória,
ou, se se quiser, por adesão, ou, se se preferir, por mera declaração de
concordância.
Razão pela qual se dispensa o Tribunal recorrido desse exercício fútil que seria
produzir uma declaração de autoria e explícita sobre a realidade dos factos
pretensamente acusados, a pretexto de que ‘a recorrente percebeu perfeitamente
os factos que lhe vêm imputados’ (ou, como diria o vulgo, ela lá sabe o que
fez).
II
Como é sabido a relação jurídico tributária, desencadeia, além da obrigação
principal, obrigações acessórias que visam o apuramento da obrigação de imposto
(artigo 31°,2 da L.G. T .) cujo incumprimento, quando não constitua fraude
fiscal, será sancionado nos termos do artigo 34° do RJIFNA (actualmente artigo
119° do RGIT).
Dependendo as obrigações acessórias dos pressupostos da relação jurídico
tributária, o artigo 47° do RGIT, determina a suspensão do processo penal fiscal
‘se estiver a correr processo de impugnação nos termos do CPPT”, e até que
transite em julgado a respectiva sentença.
Sentença essa que, por força do disposto no artigo 48° do mesmo diploma,
constituirá caso julgado no processo penal tributário nos termos gerais, isto é:
relativamente às questões nela decididas e nos precisos termos em que o foram.
O direito de impugnar contenciosamente as liquidações está sujeito aos diversos
prazos de caducidade, previstos no artigo 102° do CPTT. O instituto da
caducidade intervém nesta matéria, para tutela da segurança jurídica e das
expectativas de estabilidade das receitas do credor tributário.
Tais princípios e interesses, todavia, não intervêm em matéria penal fiscal.
Daí que, sempre que os pressupostos das obrigações acessórias coincidirem com as
da obrigação de imposto, é óbvio e evidente que - ainda que caduque o direito de
impugnar - não precludem os meios de defesa conexos com a realidade da
respectiva verificação e qualificação.
Assim, não poderia a recorrente razoavelmente antecipar uma interpretação a
contrario sensu do artigo 47° do RGIT segundo a qual, caducado o direito de
impugnar a liquidação da obrigação principal, precludem os meios de defesa em
processo penal fiscal baseados na falta ou errada qualificação dos seus
pressupostos, por se estar, também em matéria penal, perante ‘questão
resolvida’.
Salvo o devido respeito, é difícil de conceber algo de mais insólito, absurdo e
imponderável do que uma interpretação das normas em causa na qual vai implícita
a ideia de formação de caso julgado sobre matéria não julgada.
Foi portanto a recorrente confrontada com uma ‘decisão surpresa’, isto é, que
não poderia razoavelmente antecipar , o que - segundo a jurisprudência do
Tribunal Constitucional - constitui uma situação de impossibilidade de invocação
da questão da inconstitucionalidade antes da decisão recorrida.
Nestes termos - e com o douto suprimento da conferência - deverá ser revogada a
douta decisão reclamada e admitido o recurso”.
Ouvida sobre a reclamação, a Direcção de Finanças de Santarém
nada veio dizer.
Cumpre decidir.
2. No que concerne à norma ínsita no nº 2 do artº 374º do
Código de Processo Penal, intenta a reclamante demonstrar que, pelo facto de na
sentença pretendida colocar sob a censura deste Tribunal se mencionarem factos
que, na sua textualidade, coincidiam com as «conclusões» do relatório elaborado
pela Administração Fiscal e com o auto de notícia, isso significaria que naquela
peça processual a enumeração dos factos provados e não provados - ou seja, e se
bem se entende, a fundamentação da matéria de facto - foi remetida para tais
relatório e auto de notícia.
É por demais evidente que um tal entendimento não pode ser
sufragado.
Sem que caiba a este Tribunal estar a debruçar-se sobre se é
ou não o modo mais curial de enumeração na sentença da factualidade a atender, a
utilização de menções idênticas ou iguais às que constam de peças processuais da
autoria de entidades que não são o juiz decisor, o que é certo é que, no caso em
apreço, não se verifica, no particular em causa, qualquer remissão para peças
processuais daquele jaez, sendo que o que mais releva, atentos os poderes
cognitivos deste órgão de administração de justiça, é a circunstância de o
despacho que decidiu a arguição de nulidade, de todo em todo, como se assinalou
na decisão reclamada, não ter levado a efeito uma interpretação do dito nº 2 do
artº 374º que, na perspectiva da impugnante, seria colidente com a Lei
Fundamental.
Não procede, pois, neste ponto, a reclamação.
2.1. Pelo que se reporta às normas dos artigos 47º, nº 1, e
64º, ambos do Regime Geral das Infracções Tributárias aprovado pela Lei nº
15/2001, de 5 de Junho, não se vislumbra que a decisão em causa seja passível de
censura.
Na verdade, entende-se que o sentido interpretativo que
àqueles preceitos teria sido conferido pela sentença proferida no Tribunal
Administrativo e Fiscal de Leiria ainda é passível de ser comportado pelos
respectivos teores literais, não se apresentando, assim, como um sentido
patentemente insólito ou inusitado e com o qual se não poderia razoavelmente
contar.
Por isso, não estava a reclamante dispensada do ónus de
suscitação da desarmonia constitucional da dimensão interpretativa em causa
antes da prolação da aludida sentença.
Como o não o fez, deverá, como se referiu na decisão sub
iudicio, considerar-se que falta um dos pressupostos do recurso a que se refere
a alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/8.
Neste contexto, indefere-se a reclamação, condenando-se a
impugnante nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em vinte
unidades de conta.
Lisboa, 4 de Julho de 2005
Bravo Serra
Gil Galvão
Artur Maurício