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Processo n.º 797/05
Plenário
Relator: Conselheiro Gil Galvão
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. José Alberto Ramos Craveiro, mandatário do Partido Socialista na eleição para
os órgãos Autárquicos Locais do Concelho de Carregal do Sal, veio apresentar o
seguinte recurso:
“1. Conforme se constata na Acta da Assembleia de Apuramento Geral, cuja cópia
se junta e dá por integralmente reproduzida para todos os legais efeitos, o
mandatário recorrente, apresentou a seguinte reclamação relativamente à
Freguesia de Oliveira do Conde: “José Alberto Ramos Craveiro, representante do
Partido Socialista, vem por este meio reclamar da acta da secção de voto n.º 1
da Freguesia de Oliveira do Conde, por não mencionar na mesma a utilização e a
altura da respectiva utilização da segunda urna, do local onde ficou depositada
a primeira urna e, bem assim, por não registar o abandono do delegado do Partido
Socialista aquando do apuramento.
Requer, ainda, a contagem dos boletins. de voto não utilizados de todas as
secções de voto da eleição para a Assembleia de Freguesia de Oliveira do Conde”
- cfr. pág. 3 e 3V da Acta de Apuramento Geral.
2. Depois de posta à votação, tal reclamação não foi atendida. - cfr. pág. 4V da
Acta.
3. O mandatário recorrente, conforme página 6 da Acta de Apuramento Geral,
apresentou a reclamação escrita de fls.19 anexa à Acta de Apuramento Geral, que
se dá por integralmente reproduzida para todos os legais efeitos, através da
qual 'denunciou' que da acta não constava os resultados efectivamente obtidos
pela candidatura do CDS - Partido Popular para a Assembleia Municipal, tal como
haviam sido proclamados e publicados em Edital na Câmara Municipal de Carregal
do Sal. - cfr, fls. 20 da Acta de Apuramento Geral.
De facto, segundo o referido Edital (fls. 20), a Candidatura do CDS - Partido
Popular obteve 100 votos, tendo lhe sido averbada na Acta de Apuramento apenas
seis votos.
Face a tal reclamação, a Assembleia de Apuramento Geral decidiu 'proceder à
recontagem dos votos para a eleição da Assembleia Municipal, colhidas na
Assembleia de Voto de Parada, afim de verificar se a acta enferma ou não de um
lapso de escrita'
Ordenando o transporte dos votos do Tribunal de Santa Comba Dão relativos à
eleição da Assembleia Municipal para a Assembleia de Apuramento Geral, colhidos
na Assembleia de voto de Parada, foi efectuada a recontagem, tendo sido apurados
os resultados constantes de fls. 7 da Acta de Apuramento Geral.
Ora, dos resultados apurados na recontagem e dos constantes do Edital (Fls.20)
constata-se que nenhum deles coincide.
De facto, desde logo, os eleitores inscritos não eram 1424 (fls. 20) mas antes
913 (fls. 7); os votantes não foram 563, mas antes 562; o Partido CDS- PP não
obteve 100 votos mas antes 88; o PS não obteve 76 votos mas antes 78; o PPD/PSD
não obteve 339 votos mas antes 340 e os seis votos inscritos no Edital
pertenciam, de facto, ao PCP-PEV.
4. O mandatário recorrente, a Fls. 8 da Acta de Apuramento Geral requereu que
'constasse em Acta que a soma dos boletins de voto da Assembleia de Freguesia
dados como devolvidos pelas mesas eleitorais, que constavam nas actas das
operações eleitorais das seis secções d voto da Freguesia de Oliveira do Conde,
somados aos votos expressos e bem assim os que estavam à guarda da Câmara
Municipal eram superiores aos que tinham sido impressos em número de três mil e
oitocentos'.
Sobre este ponto, foi ouvido o Secretário da Assembleia de Apuramento Geral e
chefe de Divisão Administrativa e Financeira que afirmou ter ficado uma pequena
reserva à guarda da Câmara Municipal para ocorrer a eventuais anomalias que
pudessem acontecer'. - Fls. 8 da Acta. Mais disse o referido Secretário 'que
tinha conhecimento pela leitura da Acta das operações eleitorais que na secção
de voto número seis da Freguesia de Oliveira do Conde, existia um lapso de
escrita no que concerne aos votos devolvidos (não utilizados) e que estaria aí,
porventura, a diferença aludida e reclamada pelo mandatário do Partido
Socialista'. - Fls. 8V. Segundo a Acta de Apuramento Geral, 'de seguida, foram
contados os votos 'de reserva' tendo-se verificado a soma de noventa e oito
votos' - Fls. 8V.
Ora, ao que se deduz a Câmara Municipal tinha em seu poder, relativos à
Freguesia de Oliveira do Conde, pelo menos noventa e oito votos!
5. Os factos acima expostos revelam graves irregularidades no procedimento
eleitoral.
6. Tais irregularidades consubstanciam-se, como se disse e resulta da Acta de
Apuramento Geral e nesta foram objecto de reclamação pelo aqui mandatário
recorrente,
a) Secção de Voto n.º 1 - Freguesia de Oliveira do Conde, na utilização de uma
segunda urna de recolha de votos sem que tenha ficado registado o momento da
transferência para a Segunda urna, quantos eleitores haviam votado na urna
substituída; não consta que tal urna tenha sido fechada e selada e muito menos
consta o local onde foi colocada até ao encerramento da votação;
b) A reclamação sobre a contagem dos boletins de voto não utilizados de todas as
secções de voto da eleição para a Assembleia de Freguesia de Oliveira do Conde,
não foi aceite pela Assembleia de Apuramento Geral, embora tal fosse pertinente
dado que a própria Assembleia apurou que a Câmara Municipal tinha em seu poder
'de reserva' (f1s. 8V), pelo menos 98 votos, daquela Freguesia e que a acta de
apuramento da mesa seis, conteria um erro no cálculo dos votos não utilizados
(Fls. 8V e 9).
Acresce que, ao invés, a mesma Assembleia de Apuramento Geral decidiu efectuar a
recontagem dos votos da Assembleia de Voto de Parada relativos à eleição para a
Assembleia Municipal e, nesta as discrepâncias encontradas foram as que constam
da própria Acta de Apuramento Geral.- Fls. 7.
c) Os resultados eleitorais da Freguesia de Parada para a Assembleia Municipal,
depois da recontagem, não coincidiam com os constantes do apuramento da
respectiva Assembleia local constantes do Edital. - Fls. 20
d) Verificou-se que havia votos 'de reserva' na posse da Câmara Municipal, em
número de, pelo menos, noventa e oito!
Os alegados lapsos na Secção de Voto n.º 6 da Freguesia de Oliveira do Conde,
não ficaram sanados com a contagem dos votos 'de reserva' na posse da Câmara
Municipal. Com efeito, sem a contagem dos votos emitidos, dos votos expressos e
dos devolvidos, não é possível apurar qualquer resultado que não ofereça sérias
dúvidas.
7. Todas as irregularidades apontadas na Acta de Apuramento Geral, relativas às
votações para a Assembleia de Freguesia de Oliveira do Conde, têm implicações no
resultado final e geral da eleição da Assembleia de Freguesia uma vez que a
diferença de votos é de 94 (noventa e quatro votos).
8, Também as irregularidades detectadas e reclamadas pelo ora
mandatário/recorrente se devidamente apuradas, são passíveis de influir nos
resultados de atribuição de mandatos para a Assembleia Municipal de Carregal do
Sal.
9. Para o cabal esclarecimento das irregularidades reclamadas deve o Tribunal,
de posse da Acta, requisitar todos os boletins e votos respeitantes à Freguesia
de Oliveira do Conde e ordenar a sua recontagem.
RECEBIDO o presente recurso deve o Tribunal, atentas as irregularidades acima
apontadas e reclamadas em sede de Acta de Apuramento Geral, declarar nulas as
votações nas Assembleias de Voto de Parada e nas Assembleias de Voto de Oliveira
do Conde, mormente na Assembleia de Voto - Secção 1, com as legais
consequências.”
2. Notificados os Mandatários da CDU – Coligação Democrática Unitária, do
Partido Social Democrata – PPD/PSD e do Partido Popular – CDS-PP para responder,
querendo, ao recurso apresentado, veio o mandatário do Partido Social Democrata
suscitar dúvidas quanto à tempestividade do recurso, sustentando que o mesmo
“não deve ser considerado, por intempestivo”. Para o caso de assim se não
entender, afirma, no essencial, o seguinte:
“[...] 8º. Relativamente à mesa eleitoral n.º 6 da Freguesia de Oliveira do
Conde, o Partido Social Democrata concorda que a respectiva acta das operações
eleitorais enferma de um erro material, que foi corrigido e minuciosamente
explicado na Assembleia de Apuramento Geral.
8º. Relativamente à mesa eleitoral n.º 6 da Freguesia de Oliveira do Conde, o
Partido Social Democrata concorda que a respectiva acta das operações eleitorais
enferma de um erro material, que foi corrigido e minuciosamente explicado na
Assembleia de Apuramento Geral.
9.º De facto, esta mesa parece ter estado na origem das dúvidas suscitadas pelo
mandatário do Partido Socialista, no que concerne ao número total de boletins de
voto da Assembleia de Freguesia de Oliveira do Conde.
10.º No entanto, a acta é, também nesta parte, abrangente e bastante
pormenorizada e é de fácil constatação que o erro, material, teve a ver com um
lapso de escrita, mais propriamente traduzido na soma, indevida, dos boletins de
voto a devolver referentes às três eleições (Assembleia de Freguesia, Assembleia
Municipal e Câmara Municipal), num total de quinhentos e sessenta.
11.º De fácil percepção, chega-se a este valor subtraindo aos votos recebidos e
contados pela mesa eleitoral os votos utilizados, cujas diferenças, no caso em
apreço, são de cento e setenta e oito, de cento e noventa e três e de cento e
oitenta e nove, respectivamente da Assembleia de Freguesia, da Assembleia
Municipal e da Câmara Municipal.
12.º Em suma, as diferenças perfazem um total de quinhentos e sessenta votos.
13.º No caso em. análise, os boletins de voto recebidos pelas mesas eleitorais e
a 'reserva' que ficou à guarda da Câmara Municipal traduzem, inequivocamente, os
boletins de voto mandados imprimir.
14.º Por outro lado, se aos boletins de voto recebidos pelas mesas eleitorais se
subtraírem os boletins de voto devolvidos (não utilizados e os inutilizados
pelos eleitores) - após a correcção devida da mesa número seis - num total de
mil setecentos e cinquenta e nove, conclui-se pelo número de mil novecentos e
quarenta e cinco.
15.º Os eleitores votantes na Freguesia de Oliveira do Conde foram em número de
mil novecentos e quarenta, correspondendo os restantes cinco a votos
inutilizados pelos eleitores.
16.º O PPD-PSD - Partido Social Democrata revê-se nas correcções feitas pela
Assembleia de Apuramento Geral, designadamente na secção de voto n.º 6 da
Freguesia de Oliveira do Conde e na assembleia de voto da Freguesia de Parada,
correcções estas que se dão como reproduzidas para todos os efeitos legais.
[...]
29º Na análise pormenorizada das actas das operações eleitorais, em todas as
secções/assembleias de voto e também nas das secções de voto da Freguesia de
Oliveira do Conde e da assembleia de voto da Freguesia de Parada, nada consta
relativamente a reclamações, protestos e contraprotestos, e, bem assim, a
quaisquer outras ocorrências.
30º Pelo que são infundadas e despropositadas as alegações feitas pelo Partido
Socialista quando se refere, no seu recurso, a irregularidades no processo
eleitoral, susceptíveis de influir nos resultados das Freguesias de Oliveira do
Conde e de Parada.
31º Ora, eventuais irregularidades, no decurso de um processo eleitoral, merecem
de imediato pedidos de esclarecimento, reclamação ou protesto por parte dos
delegados dos partidos políticos, estando a mesa obrigada a esclarecer e a
decidir em tal matéria e a registar em acta.
32º Todas as actas das operações eleitorais foram assinadas pelos membros . das
mesas, pelos delegados e pelos delegados suplentes dos partidos políticos e em
todas elas, de um modo geral, existem menções de que, relativamente a
reclamações, protestos e contra protestos e outras ocorrências nada havia para
registar .
33º Conforme determina o artigo 156º da Lei Orgânica “1 – As irregulatidades
ocorridas no decurso da votação e no apuramento local ou geral podem ser
apreciadas em recurso contencioso desde que hajam sido objecto de reclamação ou
protesto apresentado no acto em que se verificaram”.
34° Assim sendo, mesmo que existissem as pretensas irregularidades suscitadas no
presente recurso, o que não se aceita, as mesmas seriam insusceptíveis de
recurso contencioso.[...]”
3. Face aos elementos constantes dos autos, nomeadamente da Acta da Assembleia
de Apuramento Geral do Concelho de Carregal do Sal e do edital publicado,
resulta que:
a) os trabalhos daquela Assembleia se iniciaram às nove horas e trinta e nove
minutos do dia 11 de Outubro, na Sala de Reuniões do Edifício dos Paços do
Concelho de Carregal do Sal;
b) estiveram presentes os representantes do Partido Socialista – o agora
recorrente - e do Partido Popular;
c) a reclamação apresentada pelo representante do Partido Socialista relativa à
acta de apuramento local da secção de voto n.º 1 da Freguesia de Oliveira do
Conde foi desatendida, nomeadamente, porque “a acta posta em causa é formalmente
válida, pois dela consta [m] os elementos a que se refere o artigo 139º, n.º 2,
da LEOAL, não tendo sido efectuadas quaisquer reclamações, protestos ou
contraprotestos em conformidade com a alínea j) do n.º 2 do citado artigo, nem
outras ocorrências que a mesa julgasse dever mencionar, nos termos da alínea l)
do mesmo artigo”;
d) no que se refere à reclamação respeitante ao apuramento dos votos da
freguesia de Parada, a Assembleia decidiu ouvir os subscritores da acta e, na
sequência, proceder à recontagem dos votos para a eleição da Assembleia
Municipal, efectuando o seu apuramento e, consequentemente, a distribuição de
mandatos, não tendo tal decisão sido objecto de qualquer reclamação ou protesto;
e) em relação aos boletins de voto da Assembleia de Freguesia de Oliveira do
Conde dados como devolvidos pelas mesas eleitorais, a Assembleia ouviu o Chefe
da Divisão Administrativa e Financeira da Câmara, contou os votos de “reserva”,
constatou que a acta enfermava de um erro material e proclamou os resultados,
não tendo tal decisão sido objecto de qualquer reclamação ou protesto;
f) a Assembleia encerrou os seus trabalhos às vinte e três horas e quarenta e
cinco minutos do dia 11 de Outubro;
g) o edital foi afixado no dia 12 de Outubro de 2005.
II – Fundamentação
4. Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 156º da “Lei que regula a eleição
dos titulares dos órgãos das autarquias locais” (LEOAL), aprovada pela Lei
Orgânica n.º 1/2001, de 14 de Agosto, “as irregularidades ocorridas no decurso
da votação e no apuramento local ou geral podem ser apreciadas em recurso
contencioso, desde que hajam sido objecto de reclamação ou protesto apresentado
no acto em que se verificaram”. E o artigo 158º da mesma lei acrescenta que “o
recurso contencioso é interposto perante o Tribunal Constitucional no dia
seguinte ao da afixação do edital contendo os resultados do apuramento”.
Finalmente, o n.º 2 do artigo 229º da LEOAL estatui que, “quando qualquer acto
processual previsto na presente lei envolva a intervenção de entidades ou
serviços públicos, o termo dos prazos respectivos considera-se referido ao termo
do horário normal dos competentes serviços ou repartições.”
No caso dos autos, tendo o citado edital sido afixado no dia 12 de Outubro, o
recurso deu entrada neste Tribunal, via telecópia, entre as 20H43 e as 20H45 do
dia 13 de Outubro, sendo registado no livro de entradas apenas no dia 14 do
corrente.
Ora, entendendo-se que, neste tipo de recursos, ainda que os mesmos possam ser
interpostos via telecópia, a mesma não pode deixar de dar entrada até ao “termo
do horário normal” da secretaria judicial (no caso 16H00, cfr. n.ºs 1 e 3 do
artigo 122º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro) do dia seguinte à afixação do
edital, há que concluir que o recurso é extemporâneo, pelo que dele se não pode
conhecer.
Esta solução corresponde, outrossim, a anterior jurisprudência deste Tribunal,
nomeadamente à dos acórdãos n.ºs 414/2004 - sobre o prazo para interposição de
recurso - e 41/2005 - sobre o prazo para apresentação de candidaturas (ambos já
disponíveis na página Internet do Tribunal Constitucional, no endereço
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos).
Aliás, no presente recurso, parece ainda resultar dos autos que nenhuma das
alegadas irregularidades invocadas pelo recorrente foi objecto de reclamação ou
protesto, no acto em que se verificou. Na verdade, deles não consta, nem o
recorrente o alega, que tenha sido apresentada, nas assembleias de apuramento
local das freguesias de Oliveira do Conde ou de Parada qualquer reclamação ou
protesto. De igual forma, também não consta da acta da Assembleia de Apuramento
Geral do Concelho de Carregal do Sal, nem tão pouco é alegado pelo recorrente,
que qualquer das decisões aí tomadas – nomeadamente as que corrigiram dados
constantes das actas de apuramento local daquelas freguesias – tenham sido
objecto de qualquer protesto ou reclamação.
III - Decisão
Nestes termos, decide-se não tomar conhecimento do recurso.
Lisboa, 18 de Outubro de 2005
Gil Galvão
Bravo Serra
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Maria Helena Brito
Paulo Mota Pinto
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria João Antunes
Vítor Gomes
Benjamim Rodrigues
Maria Fernanda Palma (vencida, mantendo a orientação
seguida na declaração de voto aposta ao Acórdão n.º
414/2004).
Mário José de Araújo Torres (vencido, nos termos da
declaração de voto junta)
Artur Maurício
DECLARAÇÃO DE VOTO
Não votei o não conhecimento do recurso com fundamento
na extemporaneidade da sua interposição, pois entendo que o recurso foi
tempestivamente apresentado, por razões similares às expostas no voto de vencido
que apus ao Acórdão n.º 414/2004.
Na verdade, nos termos do artigo 158.º da Lei que regula
a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais, aprovada pela Lei
Orgânica n.º 1/2001, de 14 de Agosto (doravante designada por LEOAL), o recurso
contencioso tendo por objecto as irregularidades ocorridas no decurso da votação
e no apuramento local ou geral ou as decisões sobre as reclamações, protestos
ou contraprotestos apresentados contra essas irregularidades “é interposto
perante o Tribunal Constitucional no dia seguinte ao da afixação do edital
contendo os resultados do apuramento”. Trata‑se, assim, do prazo de um dia (e
não de 24 horas), a contar da data da afixação do edital contendo os resultados
do apuramento geral. No cômputo dos prazos são aplicáveis, salvo disposição
especial, as regras do artigo 279.º do Código Civil, das quais deriva que nessa
contagem não se inclui o dia em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo
começa a correr e que o prazo termina às 24 horas do último dia do prazo
(alíneas b) e c) desse preceito, sendo entendimento corrente o de que a regra
desta última alínea também se aplica aos prazos fixados em dias). Isto é: o
prazo de um dia para a interposição do recurso para o Tribunal Constitucional
começa a correr no início do dia seguinte ao do da afixação do edital e termina
às 24 horas desse dia.
Entendeu‑se, porém, no precedente acórdão que ao caso
era aplicável a regra do n.º 2 do artigo 229.º da LEOAL, nos termos do qual:
“Quando qualquer acto processual previsto na presente lei envolva a intervenção
de entidades ou serviços públicos, o termo dos prazos respectivos considera‑se
referido ao termo do horário normal dos competentes serviços ou repartições”.
A formulação literal do preceito – que não utiliza as
fórmulas habituais de o acto ter de ser praticado em juízo (alínea e) do artigo
279.º do Código Civil) ou perante o serviço público (alínea c) do n.º 1 do
artigo 72.º do Código do Procedimento Administrativo – CPA) –, ao aludir
explicitamente à circunstância de o acto em causa implicar o envolvimento de
entidades ou serviços públicos através de uma intervenção dessas entidades ou
serviços, logo inculca que se pretendeu contemplar as situações em que a prática
do acto determina o desenvolvimento de uma actividade desses entes públicos, e
não já os casos em que os serviços funcionam como mera instância de recepção
de documentos. Daqui deriva, pois, a não aplicabilidade da regra do citado
artigo 229.º, n.º 2, ao presente caso.
Sendo “aplicável ao contencioso da votação e do
apuramento o disposto no Código de Processo Civil”, como expressamente dispõe o
n.º 5 do artigo 159.º da LEOAL, é, hoje em dia, inequívoco não só que “as partes
podem praticar os actos processuais através de telecópia ou por correio
electrónico, em qualquer dia e independentemente da hora da abertura e do
encerramento dos tribunais” (artigo 143.º, n.º 4, do Código de Processo Civil
(CPC), aditado pelo Decreto‑Lei n.º 183/2000, de 10 de Agosto), como também que
quando o acto é praticado por “envio através de telecópia, [vale] como data da
prática do acto processual a da expedição” (artigo 150.º, n.º 1, alínea c), do
CPC, na redacção do Decreto‑Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro).
Em face do exposto, terminando às 24 horas do dia 13 de
Outubro de 2004 o prazo de interposição de recurso para o Tribunal
Constitucional e sendo incontroversa a admissibilidade do envio por telecópia
da respectiva petição, independentemente do “horário de funcionamento” do
serviço destinatário, o envio efectuado entre as 20h43 e as 20h45 desse dia 13
de Outubro não pode deixar de ser considerado como tempestivo, sendo inaplicável
a regra do artigo 229.º, n.º 2, da LEOAL, por o acto praticado não “envolver a
intervenção” (na acepção atrás assinalada) de entidades ou serviços públicos,
mas a mera recepção, por qualquer meio, de um documento transmissível por
telecópia, recepção essa que não exige a presença física de qualquer
funcionário.
O prazo de um dia é, por definição, sempre superior ao
prazo de 24 horas, pois despreza o tempo decorrido no dia em que ocorreu o
evento que desencadeia o início do prazo e termina às 24 horas do dia seguinte.
A tese que fez vencimento – considerando que o prazo termina às 16 horas desse
dia – tem o efeito (a meu ver inadmissível) de poder transformar um prazo de um
dia em prazo inferior a 24 horas, o que ocorrerá sempre que o edital contendo os
resultados do apuramento geral seja afixado depois das 16 horas (no caso dos
presentes autos, não consta a hora de afixação do edital).
Entendendo que o fundamento da extemporaneidade não era
idóneo a fundar o não conhecimento do recurso, resta-me constatar que o processo
não contém ainda os elementos necessários para poder, em consciência, tomar
posição quer quanto à eventual existência de outros obstáculos a esse
conhecimento, quer quanto ao mérito do recurso.
Mário José de Araújo Torres