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Processo nº 1048/2006
2ª Secção
Relator: Conselheira Maria Fernanda Palma
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I
Relatório
1. Nos presentes autos de reclamação, vindos do Tribunal da Comarca de Vieira
do Minho, em que figuram como reclamantes A. e outro e como reclamado o
Ministério Público, os reclamantes requereram a abertura da instrução,
suscitando a inconstitucionalidade, por violação do princípio da legalidade
(artigo 29º, nº 1, da Constituição) da norma do artigo 277º do Código Penal
(fls. 66).
Os arguidos foram pronunciados por despacho de pronúncia, de 22 de Maio de 2006.
2. Os arguidos interpuseram recurso de constitucionalidade nos seguintes
termos:
A. e B., Arguidos nos autos acima referenciados, notificados do Despacho que
manteve a acusação formulada e os pronunciou pela prática do crime de infracção
de regras de construção, e com o mesmo não se conformando, dele pretendem
interpor recurso para o Tribunal Constitucional, recurso que, por ser o próprio
e estar em tempo, requer a V. Exa. lhe admita.
O recurso cuja interposição se requer tem por fundamento a alínea b) do artigo
70.°, n.°1, ex vi artigo 75.°-A, n.° 1 e 2, todos da Lei n.° 28/82, de 15 de
Novembro, sendo que a inconstitucionalidade do artigo 277.° do Código Penal,
cuja apreciação ora se pretende, foi oportunamente suscitada no requerimento de
abertura de instrução de fls.
O recurso de constitucionalidade não foi admitido por despacho do seguinte teor:
Vieram os arguidos A.e B. interpor recurso para ao Tribunal Constitucional, da
decisão instrutória que os pronunciou pela prática do crime p. e p. pelo art.
277° do código Penal, cuja inconstitucionalidade suscitaram no requerimento de
abertura de instrução, nos termos que fazem fls. 2491 que nesta sede se dá por
integralmente por reproduzido por brevidade.
Cumpre decidir da admissibilidade do recurso em apreço.
Como é sabido, da decisão que pronunciar os arguidos pelos factos constantes da
acusação não é admissível recurso - n° 1 do art. 310 do CPP -. Tal como é sabido
também, que o objecto da fiscalização da constitucionalidade são apenas as
normas e já não a decisão judicial.
No caso, a decisão instrutória pronunciou os arguidos pela prática do crime de
infracção de regras de construção, p. e p. pelo art. 277° do CP, normativo este,
cuja inconstitucionalidade suscitaram nos termos supra expostos.
O recurso em apreço subsume-se à previsão da al. b) do n° 1 do art. 280 da CRP -
recurso da decisão negativa de inconstitucionalidade que pressupõe e exige a
exaustão de recursos. Face ao exposto, nos termos do n° 2 do art. 76º da Lei do
Tribunal Constitucional, entende-se que o recurso apenas deve ser admitido
depois do ultimo recurso que no processo seja legalmente admissível.
Como a decisão instrutória proferida nos presentes auto é irrecorrível, neste
momento o requerimento de interposição do recurso é extemporâneo, pelo que não
se admite.
Notifique.
O Tribunal é competente.
O Ministério Público tem legitimidade para exercer a acção penal.
Não existem nulidades, questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer e
obstem à apreciação do mérito da causa.
Autue como processo comum, com intervenção do tribunal colectivo.
3. Os arguidos reclamaram, ao abrigo ds artigos 76º e 77º da Lei do Tribunal
Constitucional (fls. 2 e ss.).
O Ministério Público pronunciou‑se nos seguintes termos:
Face à irrecorribilidade do despacho que, valorando os indícios, pronunciou os
arguidos pelo crime que lhes vinha imputado, estão efectivamente “esgotados” os
recursos ordinários possíveis, pelo que, nessa perspectiva, nada obstaria à
admissibilidade do recurso de fiscalização concreta interposto.
Entendemos, porém, que tal recurso é, por outros motivos, de rejeitar.
Desde logo, a questão de constitucionalidade, suscitada a fls. 66 dos presentes
autos relativamente à norma incriminadora é de qualificar como “manifestamente
infundada”, já que tem na sua base uma visão obviamente errónea do princípio da
legalidade penal, plenamente compatível com a existência de “tipos abertos” que
se limitam a definir o “núcleo essencial” do comportamento ilícito, o qual, em
aspectos técnicos ou “secundários”, pode naturalmente ser densificado em função
de outras normas ou regras, de natureza não estritamente penal.
Acresce que, no caso dos autos, como resulta do despacho de pronúncia, a fls.
94, a omissão de “regras técnicas básicas”, imputada aos arguidos, se mostra
devidamente concretizada em factos precisos e claramente enunciados e definidos,
o que deita por terra a arguição de violação dos princípios da previsibilidade e
segurança jurídica. Deste modo, face ao disposto na parte final do nº 2 do
artigo 76º da Lei nº 28/82, tinha o tribunal a quo o poder‑dever de indeferir
tal recurso, pelo que deverá confirmar‑se tal indeferimento, embora por
fundamento diverso do apontado no despacho reclamado.
Cumpre apreciar e decidir.
4. A decisão instrutória da qual os reclamantes interpuseram o recurso de
constitucionalidade que pretendem ver admitido é irrecorrível, nos termos do
artigo 310º, nº 1, do Código de Processo Penal.
Desse modo, encontram‑se esgotados os meios de impugnação normais (no caso não
havia a possibilidade de interposição de recurso ordinário), pelo que se
verificou o pressuposto do nº 2 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional.
Na verdade, o esgotamento dos recursos ordinários não se confunde com a prolação
da decisão proferida a final, já que aquela exigência de esgotamento deve ser
processualmente perspectivada “verticalmente”, ou seja, como exigência de
irrecorribilidade da decisão da qual é interposto o recurso de
constitucionalidade, e não “horizontalmente”, isto é, como exigência da prolação
da decisão final no processo pretexto.
5. O Ministério Público propugna o indeferimento da reclamação com fundamento
no carácter manifestamente infundado da questão suscitada.
Porém, considera‑se, independentemente de juízo a formular sobre a questão
suscitada, que o confronto das normas penais remissivas com o princípio da
legalidade consubstancia questão de constitucionalidade normativa de densidade e
complexidade elevadas, o que justifica o conhecimento do objecto do recurso
interposto no âmbito da respectiva tramitação.
Deferir‑se‑á, consequentemente, a presente reclamação.
6. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide deferir a presente
reclamação, revogando, em consequência, o despacho reclamado.
Lisboa, 23 de Janeiro de 2007
Maria Fernanda Palma
Benjamim Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos