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Processo n.º 939‑A/04
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Mário Torres
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal
Constitucional,
1. A., notificado do Acórdão n.º 366/2005, que
desatendera reclamação do despacho do relator, de 15 de Junho de 2005, que
indeferira reclamação contra notificação para pagamento de custas, veio,
invocando o disposto no artigo 669.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo
Civil (CPC), requerer a reforma daquele Acórdão, aduzindo:
“1 – Dizem V. Ex.as que foi concedido pela Segurança Social ao
recorrente o beneficio de apoio judiciário numa modalidade não prevista na lei
e que, por isso mesmo, teria tido o recorrente de recorrer de anulação do acto.
2 – Contudo, qualquer decisão jurídica, nomeadamente decisão da
Administração, consubstancia um texto que se supõe de acordo com a lei, por
isso mesmo é necessária actividade de interpretação que é múnus e justificação
da existência dos juristas.
3 – V. Ex.as, portanto, ao julgarem o pedido do recorrente,
ter‑se‑iam de pôr na posição de juristas intérpretes do texto do despacho e não
de recebê‑lo sem crítica, como se de um facto se tratasse.
4 – Na verdade, não faz qualquer sentido aceitar como assim, uma
decisão manifestamente contra a lei: terá de haver um sentido útil a tirar dela
por via interpretativa.
5 – Ora, o Tribunal, ao recusar esta posição do intérprete,
infringiu o estatuto próprio da instância jurisdicional e, por isso, a decisão
de que se reclama está ferida de revogabilidade, com o intuito de vir a
acomodar‑se ao ordenamento (artigos 6.° da LOFPTC e 156.º, n.º 1, do CPC).
6 – Visto, por conseguinte, as disposições do processo e
estatutárias citadas, reformarão V. Ex.as o acórdão no sentido de interpretarem
a decisão da Administração como concedendo ao recorrente o beneficio de apoio
judiciário na modalidade de dispensa de pagamento total da taxa de justiça e
demais encargos.”
O representante do Ministério Público junto do Tribunal
Constitucional emitiu parecer, do seguinte teor:
“É evidente a inverificação dos pressupostos do pedido de reforma do
acórdão proferido nos autos, já que o mesmo não padece de qualquer «lapso» na
dirimição da questão suscitada, nem existem no processo elementos, ali não
ponderados, que conduzam a posição diversa da adoptada.”
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
2. O despacho do relator, objecto da reclamação decidida
pelo Acórdão n.º 366/2005, indeferira a reclamação contra a notificação para
pagamento das custas contadas nestes autos – que o recorrente baseara na
alegação de que beneficiava de “apoio judiciário na modalidade de isenção de
pagamento de taxa de justiça e outros encargos com o processo” –, com o
fundamento de que resultava da comunicação do Centro Distrital de Solidariedade
e Segurança Social de Santarém apensa aos autos, que ao recorrente apenas fora
concedido “apoio judiciário nas modalidades de dispensa de pagamento total
dos demais encargos com o processo e de pagamento de honorários do patrono
escolhido pelo requerente, mas não na modalidade de dispensa de pagamento
total ou parcial de taxa de justiça”, sendo certo que taxa de justiça e encargos
são figuras jurídicas distintas (cf. artigo 1.º, n.º 2, do Código das Custas
Judiciais e o elenco dos encargos constante do artigo 32.º e seguintes do mesmo
Código); assim, “não beneficiando o recorrente de dispensa do pagamento de taxa
de justiça, contrariamente ao que afirma, nenhuma irregularidade se cometeu ao
notificá‑lo para pagamento das custas em dívida”.
O dito Acórdão n.º 366/2005 indeferiu a reclamação nele
apreciada, com a seguinte argumentação:
“2. Como se assinalou no despacho reclamado, da comunicação da
decisão da Segurança Social resulta inequivocamente que se consideraram como
modalidades distintas de apoio judiciário a da dispensa, total ou parcial, do
pagamento de taxa de justiça (item 1) e a da dispensa, total ou parcial, do
pagamento dos demais encargos com o processo (item 2), e que ao recorrente
apenas foi concedida esta segunda, na totalidade. O ora reclamante não impugna
a constatação desta evidência.
Se entendia que essa decisão era ilegal, a via adequada para reagir
era a da impugnação judicial da decisão administrativa.
Não cabe, obviamente, ao tribunal, fora da aludida impugnação
judicial, proceder, oficiosamente ou a pedido do interessado, à ampliação do
apoio judiciário concedido, com fundamento em eventual ilegalidade da decisão
administrativa.
O despacho ora reclamado não procedeu, pois, a qualquer
indeferimento de pedido de apoio judiciário, contrariamente ao que refere o
reclamante, antes se limitou a constatar a regularidade da notificação para
pagamento das custas derivadas de condenações em taxa de justiça, por ao
interessado não ter sido concedida, pela Segurança Social, a correspondente
isenção.”
Como resulta da respectiva leitura, em parte alguma do
despacho do relator ou do Acórdão n.º 366/2005 se afirma que a decisão da
Segurança Social padecia de ilegalidade. O que se referiu foi que, se o
recorrente entendia que a mesma fora ilegal, devia impugná‑la pelo meio
processual adequado e perante o tribunal competente, não cabendo ao Tribunal
Constitucional, no âmbito do presente recurso, “proceder, oficiosamente ou a
pedido do interessado, à ampliação do apoio judiciário concedido, com
fundamento em eventual ilegalidade da decisão administrativa”.
É, assim, patente não ocorrer a situação excepcional
prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 669.º do CPC: “const[ar]em do processo
documentos ou quaisquer elementos que, só por si, impliquem necessariamente
decisão diversa da proferida e que o juiz, por lapso manifesto, não haja tomado
em consideração” (sublinhados acrescentados).
3. Termos em que acordam em indeferir o pedido de
reforma apresentado.
Custas pelo recorrente, fixando‑se a taxa de justiça em
20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 28 de Setembro de 2005
Mário José de Araújo Torres
Paulo Mota Pinto
Rui Manuel Moura Ramos