Imprimir acórdão
Processo nº 986/06
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Coimbra, em que é
recorrente o Ministério Público e recorrido A., foi interposto recurso para o
Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 70º da Lei da
Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do
acórdão daquele Tribunal de 10 de Outubro de 2006.
2. O ora recorrido formulou, junto dos serviços de Segurança Social, pedido de
concessão de protecção jurídica, na modalidade de apoio judiciário, pretendendo
a dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo,
para contestar acção com o valor de 1.201.000 €.
O requerente foi notificado de que, face aos documentos apresentados, não lhe
poderia ser concedida “a dispensa total dos encargos judiciais”, “mas apenas o
pagamento faseado dessa despesa”, sendo-lhe concedido o prazo de dez dias para
se pronunciar e, nomeadamente, para clarificar se pretendia ou não a concessão
do apoio judiciário nessa modalidade. O requerente respondeu reiterando o pedido
anteriormente formulado.
Por decisão de 19 de Novembro de 2004, o pedido de dispensa do pagamento de taxa
de justiça e demais encargos com o processo foi indeferido.
3. Esta decisão da Segurança Social foi impugnada judicialmente, vindo o
Tribunal Judicial da Figueira da Foz a julgar improcedente o recurso, por
decisão de 21 de Janeiro de 2005, que transitou em julgado. Foi elaborada conta
de custas, apurando-se como valor a pagar pelo ora recorrido a quantia de
11.894,85 €.
Notificado para pagamento das custas, o recorrido apresentou reclamação,
indeferida por despacho de 11 de Outubro de 2005. Foi então interposto recurso
para o Tribunal da Relação de Coimbra, decidido pelo acórdão agora recorrido.
Esta decisão apresenta a seguinte fundamentação:
«7.1. O objecto do recurso é o de saber se as custas são contadas a partir do
valor da acção para a qual é pedido o apoio judiciário, como ocorreu, ou a
partir do valor que o juiz fixar «tendo em atenção a repercussão económica da
acção para o responsável pelas custas ou, subsidiariamente, a situação económica
deste», como defende o recorrente.
O artigo 6° do Código das Custas Judiciais (CCJ) prevê, para efeitos de custas,
um critério especial para fixar o valor da causa: «nos casos a seguir enunciados
considera-se como valor, para efeito de custas: ...». Um desses casos, é o da
impugnação judicial de decisão sobre a concessão de apoio judiciário: «na
impugnação judicial de decisão sobre a concessão de apoio judiciário, o da
respectiva acção ou, subsidiariamente, o resultante da alínea a)» (…); a alínea
a) do mesmo artigo, refere-se ao valor das acções «sobre o estado das pessoas e
nos processos sobre interesses imateriais» para os quais estabelece o valor
«fixado pelo juiz, tendo em atenção a repercussão económica da acção para o
responsável pelas custas ou, subsidiariamente, a situação económica deste», ou
seja, o critério defendido pelo recorrente.
7.2. Face a esta redacção, pensamos que a questão não oferece dúvidas: é
correcta a posição do despacho recorrido, ou seja, o valor a tomar em conta é o
da respectiva acção.
Para que o valor tributário da acção fosse o fixado na alínea a) do artigo 6° do
CCJ seria necessário que não pudesse ser o do critério principal, já que este é
subsidiário, ou seja, só se aplica quando não for possível o primeiro. É isso
que significa o vocábulo subsidiário.
E quando se aplica o subsidiário? Quando não existir uma acção que permita
determinar o valor segundo o critério principal. O que acontece quando ainda não
há nenhuma acção instaurada: um cidadão dirige-se ao Instituto de Segurança
Social para pedir apoio judiciário para uma acção que vai ser intentada; o
benefício é-lhe negado e ele impugna judicialmente a decisão administrativa;
proferida a decisão judicial, qual o valor a ter em conta para elaborar a
respectiva conta? O da acção não pode ser, porque ainda não existe e nem sequer
se sabe por qual acção vai optar o advogado que, inclusivamente, pode ser a
nomear. Então, entra em acção o critério subsidiário.
E tanto é assim que o CCJ anterior, quando o apoio judiciário ainda era
processado judicialmente, a alínea o), do artigo 6°, estabelecia somente um
único critério: «no apoio judiciário, o da respectiva acção». Não precisava de
um critério subsidiário porque o pedido de apoio judiciário – pedido judicial e
não administrativo – era sempre formulado numa acção, ou que se instaurava,
sendo necessário dar-lhe um valor (…), ou que já corria. Antes de formular o
pedido, a parte poderia ter necessidade da nomeação de patrono, incidente esse
que estava isento de custas (…).
7.3.1. O facto «do procedimento de protecção judiciária na modalidade de apoio
judiciário» ser «autónomo em relação à causa que respeita, não tendo qualquer
repercussão no andamento desta» (…) resulta do disposto no artigo 24° da Lei n°
34/2004, de 29 de Julho, e em nada altera o que foi decidido. Aliás, é por essa
razão que as custas foram contadas considerando tratar-se de uma acção,
precisamente, autónoma; autonomia, em termos de processamento, inclusivamente
porque o órgão do Estado competente para a decisão é um órgão da Administração
Pública em vez de um judicial. Mas, já a impugnação da decisão administrativa se
processa no tribunal e o Código respectivo manda tomar em conta o valor da acção
para a qual se pretende o apoio judiciário. E o recorrente foi condenado em
custas pela forma como são condenadas todas as partes: «custas do recurso pelo
recorrente» (…); nada a seu favor pode o recorrente tirar daqui.
7.3.2. Por outro lado, também não tem que ser chamado à colação a norma do
artigo 84° do CCJ (…), uma vez que diz respeito às custas criminais.
7.4. Não obstante a correcção formal do processado, o resultado a que se chega
fere de uma forma intolerável o sentido de justiça e de proporcionalidade. É
chocante, podendo mesmo dizer-se que levaria a um resultado cínico e caricato
que nenhuma pessoa de bem compreenderia, por muitos argumentos jurídicos que
houvesse ou que haja.
7.4.1. Para a análise do que se passou em concreto neste processo, é necessário
ter presentes três circunstâncias, muito embora, pela sua natureza, não as
comentemos:
a) a transferência para a administração de um incidente que, nos tribunais,
nunca provocou problemas nem dificuldades nem delongas;
b) a ideia geralmente difundida de que a nova disciplina do apoio judiciário em
nada contribui para um acesso saudável dos cidadãos à justiça, pelos seus
critérios. Do ponto de vista objectivo, podemos dizer que este caso – e todos os
casos semelhantes – dificultam mesmo tal acesso.
c) de uma forma geral, os cidadãos não podem dirigir-se só por si à
administração da justiça, necessitam de o fazer através de um advogado, que gere
a posição processual de alguém que é leigo na matéria.
Então, com estas coordenadas, olhemos ao que se passou neste processo:
(…).
7.5. Ora, o que há-de pensar o cidadão leigo em direito «que tem condições
objectivas para suportar os custos da consulta jurídica, mas não tem condições
objectivas para suportar os custos de um processo, e por isso deve beneficiar do
apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado, ...» disto tudo? De ter
direito a pagar faseadamente, mas tal não lhe ter atribuído? De, ao fim de tudo
isto, ter de pagar 2.384:703$00 por ter pedido dispensa total, mas só ter
direito a pagamento faseado (que, entretanto, não lhe foi atribuído)?
Há-de pensar mal. E, salvo melhor opinião, também nós pensamos que não é
direito.
7.6.1. Mas, para além deste episódio ocorrido neste processo - de que o
interessado poderia ter recorrido e que poderá ser rectificado no futuro -, o
mais importante é que a norma constante do artigo 6°, alínea o), conjugada com a
do artigo 14°, ambas do CCJ, é inconstitucional na parte em que tributa a
impugnação judicial de negação de apoio judiciário como uma acção, embora com
redução a metade (…).
7.6.1.1. Por violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13° da
Constituição da República.
Nenhuma justificação haveria para que duas pessoas em situações económicas
semelhantes – por exemplo, no limiar da insuficiência económica aceite pela lei
de apoio judiciário –, pagassem custas marcadamente diferentes, por uma delas
querer intentar ou defender-se de uma acção de baixo valor e a outra o fizesse
numa acção de valor muito elevado, sendo certo que, indeferida a pretensão de
apoio, qualquer deles, em sucumbência dessa outra acção para que pedira o apoio
judiciário, teria ainda de pagar as custas e, então aí sim, mais ou menos
consoante o valor dessa acção; mas o processamento da concessão ou da denegação
de apoio judiciário não justifica diferenças muito grandes entre os diversos
requerentes.
Assim, estaria em causa o princípio consagrado no artigo 13° da Constituição da
República se tal situação fosse taxada nos termos dos artigos 6°, alínea o), e
14° do CCJ.
7.6.1.2. Por violação do princípio do acesso à justiça, consagrado no artigo 20°
da Constituição da República.
Se um cidadão, por fracassar na sua reacção ao indeferimento de apoio
judiciário, por essa razão, fosse obrigado a pagar 2.384.703$00 (!) - para além
do que poderia ter de pagar com a acção respectiva -, criar-se-ia,
verdadeiramente, medo em recorrer à administração da justiça e tal consequência
significaria um perigo real para os cidadãos e, seguramente, um sério factor de
inibição de acesso ao direito, incluindo o direito de discutir com a
Administração a sua situação de carência económica.
7.6.1.3. Por violação dos princípios da justiça e da proporcionalidade, ambos
decorrentes da ideia de Estado de direito democrático (…).
É demais ter de pagar 2.384.703$00 (!) por decair na pretensão de apoio
judiciário, independentemente de se ter uma situação económica que permitia o
direito a pagamento faseado, circunstância que só realça a injustiça. Seria um
exagero, que ninguém compreenderia. Seria preciso ser-se extraordinariamente
rico.
7.6.2. Dentro desta linha, já foi julgado inconstitucional a norma constante do
artigo 3º do Decreto-Lei n° 199/90, de 19 de Junho, conforme decidiu o Acórdão
do Tribunal Constitucional, de 22 de Março de 2006: «julgar inconstitucional –
por violação dos princípios do acesso ao direito e da proporcionalidade – a
norma constante do artigo 3° do Decreto-Lei n.° 199/90, de 19 de Junho, na parte
em que, conjugada com as respectivas tabelas anexas, estabelece a taxa de
justiça devida num processo de impugnação judicial de liquidação de imposto no
valor de 14.943.938$00, fixando-a em 1.150.076$00 (…)». Decisão esta que
corresponde a corrente jurisprudencial reiterada e uniforme do referido
Tribunal, conforme resulta dos Acórdão n.° 1182/96, 70/98, 107/98, 136/98,
143/98, 146/98, 166/98, 172/98, 196/98, 280/98 e 283/98.
7.7. Então, a solução é considerar a impugnação judicial como um incidente, para
efeitos de tributação (…).
E os incidentes são tributados de acordo com o artigo 16° do CCJ, em que a taxa
de justiça tem uma redução «em função da sua complexidade, do valor da causa, do
processado a que deu causa ou da sua natureza manifestamente dilatória», sendo
fixada entre 1 UC e 20 UC.
7.7.1. A transferência da questão apoio judiciário para outro órgão do Estado
teria sempre que ter como consequência a criação de um processo autónomo e
independente, com objecto próprio (…). Mas, isto do ponto de vista formal,
porque, do material, não deixa de ter natureza instrumental; viverá sempre na
órbita de um outro procedimento, que é o principal, tanto que o legislador até
lhe determinava o valor pelo da respectiva acção. Mas, não é a transferência da
competência para tais decisões que lhe altera a natureza. E o facto de ter um
processamento autónomo só reforça essa classificação, pois isso é próprio das
questões incidentais; tal como a característica de ter como objecto uma questão
fora do encadeado daquelas que são logicamente necessárias para a resolução da
acção a que diz respeito (…).
Natureza instrumental que corresponde ao tratamento que sempre teve (…).
O que está em causa é a natureza da questão e não a sua forma. E o legislador, a
par das acções, conhece os incidentes com a estrutura de acções para base do
cálculo da taxa de justiça (…).
7.7.2. Portanto, o que há-de ser critério desta questão é natureza do processo
que decide o apoio judiciário; e este, quer na fase administrativa, quer na
judicial, tem sempre natureza incidental.
7.7.3. E esta solução é consentânea com a relativa a muitos outros incidentes,
com muito maior complexidade do que este.
Não faria sentido nenhum que um recorrente, numa impugnação judicial de negação
de apoio judiciário, suportasse custas de acordo com o valor da acção, com uma
redução da taxa de justiça a metade e partes habilitadas num processo que também
fosse muito complexo e com valor elevado merecessem a atenção do artigo 16° do
CCJ, sendo que a habilitação (…) pode aparecer como (ter a forma de):
a) uma acção (habilitação-acção ou habilitação principal);
b) incorporada na petição ou requerimento iniciais
(habilitação-legitimidade);
c) incidente no decurso de uma acção (habilitação-incidente).
E chamámos o exemplo da habilitação porque, historicamente, o incidente de apoio
judiciário teve sempre um tratamento semelhante ao da habilitação.
III – Decisão.
Nestes termos, por inconstitucionalidade material da norma constante do artigo
6°, alínea o), do Código das Custas Judiciais, na parte em que tributa a
impugnação judicial de decisão sobre a concessão de apoio judiciário, prevista
nos artigos 27° e 28° da Lei n° 34/04, de 29/7, como uma acção, reduzindo a
respectiva taxa de justiça a metade, e recorrendo à norma constante do artigo
16° do mesmo Código, fixam a taxa de justiça em cinco unidades de conta».
4. O Ministério Público interpôs, então, o presente recurso, requerendo a
apreciação da norma constante da alínea o) do artigo 6º do Código das Custas
Judiciais, na parte em que tributa a impugnação judicial de decisão sobre a
concessão de apoio judiciário, prevista nos artigos 27º e 28º da Lei nº 34/04,
de 29/7, como uma acção, reduzindo a respectiva taxa de justiça a metade.
Notificado para alegar, concluiu que:
«1 – É inconstitucional a norma constante do artigo 6°, n° 1, alínea o), do
Código das Custas Judiciais em vigor, na parte em que tributa a impugnação
judicial da decisão administrativa sobre a concessão do apoio judiciário,
prevista nos artigos 27° e 28° da Lei n° 34/04, de 29 de Julho, como uma acção,
tributando tal recurso em função do valor da causa principal.
2 – Na verdade, tal critério de fixação do valor tributário do recurso –
coligando-o, não ao montante das custas em controvérsia, mas ao valor dos
interesses litigados na causa principal – é susceptível de constituir factor de
inibição no exercício do direito ao recurso por parte de quem se considera
economicamente carenciado, atento o desproporcionado valor que as custas do dito
recurso podem envolver, quando a causa principal seja de elevado valor.
3 – Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade formulado
pela decisão recorrida».
5. Notificado, o recorrido não contra-alegou.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
1. A decisão recorrida recusou a aplicação da norma constante do artigo 6º,
alínea o), do Código das Custas Judiciais, na parte em que tributa a impugnação
judicial de decisão sobre a concessão de apoio judiciário, prevista nos artigos
27º e 28º da Lei nº 34/04, de 29 de Julho, como uma acção, reduzindo a
respectiva taxa de justiça a metade, por violação dos princípios consagrados nos
artigos 13º e 20º da Constituição da República Portuguesa e dos princípios da
justiça e da proporcionalidade decorrentes da ideia de Estado de direito
democrático.
A norma do Código das Custas Judiciais, cuja aplicação foi recusada pelo
Tribunal da Relação de Coimbra, tem o seguinte teor:
«Artigo 6.º
Regras especiais
1 – Nos casos a seguir enunciados considera-se como valor, para efeito de
custas:
(…)
o) Na impugnação judicial de decisão sobre a concessão de apoio judiciário, o da
respectiva acção ou, subsidiariamente, o resultante da alínea a);
(…)».
2. A norma que é objecto deste recurso – a contida na alínea o) do nº 1 do
artigo 6º do Código das Custas Judiciais, na parte em que tributa em função do
valor da causa principal a impugnação judicial de decisão administrativa sobre a
concessão de apoio judiciário – foi recentemente apreciada e decidida no Acórdão
do Tribunal Constitucional nº 255/2007 (disponível em
www.tribunalconstitucional.pt).
Esta decisão confirmou o juízo de inconstitucionalidade constante da decisão
recorrida, nos seguintes termos:
«(…) De acordo com a transcrita disposição [alínea o) do nº 1 do artigo 6º do
Código das Custas Judiciais], se um pedido de concessão de apoio judiciário
visar obter os respectivos benefícios quanto à instauração de uma acção com
determinado valor (não se sendo esta referente a estado das pessoas ou a
interesses imateriais), caso esse pedido seja objecto de não deferimento
(qualitativa ou quantitativamente) por parte dos serviços da Segurança Social, à
respectiva impugnação, para efeitos de custas, é conferido o valor da acção
intentada interpor.
Deste modo, numa situação de improvimento da impugnação da decisão de
indeferimento tomada pelos serviços da Segurança Social, o impugnante será
responsável pelo pagamento de uma taxa de justiça que terá por referência o
valor da instauranda acção.
4. No domínio do Código das Custas Judiciais vigente anteriormente ao aprovado
pelo Decreto-Lei nº 224-A/96, de 26 de Novembro, as pretensões da então
denominada assistência judiciária eram deduzidas no tribunal da causa (a
instaurar ou já instaurada) e por este decididas, sendo o respectivo
processamento visualizado como um incidente processual (cfr. nº 1 do artº 43º
daquele Código).
Dispunha-se, naquele domínio [cfr. alínea v) do nº 1 do artº 8º do Código então
em vigor] que o valor atendível para efeitos de custas era o que resultava das
leis de processo para o processado a contar e, tratando-se de processos de
assistência judiciária, o respectivo valor era o da acção a que respeitavam.
E porque, como se disse acima, as pretensões de assistência judiciária se
processavam como um incidente processual, a taxa de justiça era igual a um
quarto da fixada na tabela anexa ao aludido Código (esta referente ao
processamento de uma acção com o valor da instaurada ou a instaurar) ou a um
oitavo, caso não fosse deduzida oposição ou esta não fosse admissível (dito nº 1
do artº 43º).
A análise da compatibilidade constitucional da alínea v) do nº 1 do artº 8º do
Código das Custas Judiciais vigente antes do aprovado pelo Decreto-Lei nº
224-A/96 foi levada a efeito por este Tribunal por intermédio do seu Acórdão nº
495/96, publicado na II Série do Diário da República de 17 de Julho de 1996, aí
se tendo concluído pela não insolvência de tal norma em face da Lei Fundamental.
5. Ponderando que o normativo apreciado naquele citado aresto apresentava um
teor que, praticamente, era semelhante ao do da norma agora em apreciação,
poder-se-ia ser levado a entender que a fundamentação carreada ao dito acórdão
seria transponível para o caso a analisar nestes autos.
Simplesmente, haverá que não olvidar que, aquando da prolação da decisão aqui
impugnada, o preceito cuja recusa de aplicação foi operada por tal decisão se
insere num Código das Custas Judiciais que apresenta assinaláveis diferenças
relativamente ao que vigorava antes do Código que foi aprovado pelo Decreto-Lei
nº 224-A/96 e que as pretensões para obtenção do benefício de apoio judiciário
se processam de modo acentuadamente divergente da anteriormente designada
«assistência judiciária».
Neste último particular, cabe assinalar que as pretensões de desfrute de apoio
judiciário atinentes a acções como a intentada instaurar pela recorrida são,
hodiernamente, formuladas perante os serviços da Segurança Social e as
respectivas decisões (que não são reclamáveis nem recorríveis hierarquicamente)
são impugnáveis perante o tribunal de comarca em que estão sediados aqueles
serviços – cfr. artigos 20º, 26º e 28º da Lei nº 30/2004, de 29 de Julho).
Essa impugnação pode, por isso, perspectivar-se como um recurso interposto para
um tribunal de uma decisão de carácter administrativo, assumindo, em
consequência, um cariz de «uma acção impugnatória deduzida perante um órgão de
administração de justiça».
São, pelo que veio de se expor, assinaláveis as diferenças de regimes, não
passando em claro o que igualmente já se consignou acima no tocante à
circunstância de os pedidos de assistência judiciária anteriores serem
processados como «incidentes» das acções e de a taxa de justiça devida nos casos
de indeferimento sofrer as reduções do mencionado artº 43º.
Abra-se aqui um parêntesis para assinalar que, mesmo no domínio do Código das
Custas Judiciais na versão aprovada pelo Decreto-Lei nº 224-A/96, nos incidentes
de apoio judiciário era a taxa de justiça reduzida a um quarto [cfr. alínea o)
do nº 1 do artº 15º].
6. Na conta efectuada nos autos foi considerado que a taxa de justiça, tendo por
referente o valor da acção a instaurar, era equivalente a metade daquela a que
refere a Tabela constante do Anexo I ao Código das Custas Judiciais emergente da
redacção dada pelo Decreto-Lei nº 324/2003, de 27 de Dezembro (o que significa
que a situação de uma impugnação de deliberação relativamente a um pedido de
apoio judiciário pelos serviços de Segurança Social foi entendida como
subsumível ao nº 2 do artº 18º daquele corpo de leis.
Mesmo aceitando um tal critério, o que se torna indiscutível é que no domínio do
actual Código e do actual processamento da impugnação das deliberações
proferidas pelos serviços de Segurança Social desfavoráveis aos peticionantes, a
taxa de justiça devida em caso de improvimento é, pelo menos duas vezes (e
diz-se no mínimo em face da desenhada aceitação do critério), superior ao máximo
(um quarto da taxa referente a uma acção com o valor da a instaurar) possível
nos casos de indeferimento dos pedidos anteriores da então designada assistência
judiciária (sendo ainda possível, como se viu acima, que a taxa destes pudesse
ser reduzida a um oitavo).
Existe, pois, quanto às situações de improvimento judicial da impugnação das
deliberações dos serviços de Segurança Social tal como agora se encontram
reguladas, um acentuado agravamento do montante da taxa de justiça
comparativamente com os casos de indeferimento dos pedidos de assistência
judiciária, conquanto numas e noutros o referente da taxa fosse sempre o do
valor da acção instaurada ou a instaurar.
7. A propósito do direito de acesso aos tribunais, na sua vertente de proibição
de denegação de justiça por insuficiência de meios económicos, tem este Tribunal
seguido uma impressiva jurisprudência de acordo com a qual, conquanto a
Constituição não imponha a gratuitidade daquele acesso, o que será vedado ao
legislador é o estabelecimento de regras de onde resulte que os encargos que
hão-de ser suportados por quem recorre aos órgãos jurisdicionais possam, na
prática, constituir um entrave inultrapassável ou um acentuadamente grave ou
incomportável sacrifício para desfrutarem de tal direito.
E tem também essa jurisprudência perfilhado a perspectiva que, revestindo as
custas judiciais a característica de uma taxa – e não de um imposto –
inserir-se-á na liberdade conformativa do legislador a fixação dos respectivos
montantes. Mas, se isso é assim, resulta identicamente da assinalada
jurisprudência que a falada liberdade de conformação “não implica que as normas
definidoras dos critérios de cálculo sejam imunes a um controlo de
constitucionalidade, quer no que toca à sua aferição segundo as regras de
proporcionalidade, decorrentes do princípio do Estado de direito (artigo 2.º da
Constituição), quer no que respeita à sua apreciação à luz da tutela
constitucional do direito de acesso à justiça (artigo 20º da Constituição)”
(cfr. Acórdão nº 1182/96, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 35º volume,
447 e seguintes).
Na postura que ressalta do entendimento do Tribunal, não sendo imposta
constitucionalmente a gratuitidade do acesso aos tribunais, do mesmo passo que é
imposta a não denegação da justiça por insuficiência de meios económicos, os
institutos denominados de assistência judiciária ou de apoio judiciário «não
podem ser perspectivados como instrumentos generalizados ou pressupostos
primários de acesso ao direito», como se disse no já citado Acórdão nº 495/96.
De harmonia com a doutrina desse aresto, que aqui se perfilha por inteiro, tais
institutos são, antes, “um remédio, uma solução a utilizar, de forma
excepcional, apenas pelos cidadãos economicamente carenciados ou desfavorecidos,
e não de forma indiscriminada pela globalidade dos cidadãos”, o que não deixa de
implicar “necessariamente, que também o sistema das custas judiciais tenha de
ser um sistema proporcional e justo que não torne insuportável ou inacessível
para a generalidade das pessoas o acesso aos tribunais”.
Neste contexto, o que haverá, pois, que aquilatar é se, com a alteração
procedimental a partir da entrada em vigor da Lei nº 30-E/2000, de 20 de
Dezembro (estando em causa, numa situação como a dos presentes autos, tão só uma
«instauração processual» que visa impugnar a decisão administrativa dos serviços
de Segurança Social denegatória – em parte – da pretensão de concessão do
benefício de apoio judiciário com vista à vir a ser instaurada uma dada acção) a
norma em análise – que, como ficou acima dito, vai redundar num agravamento do
montante das custas em, pelo menos, o dobro do limite máximo que anteriormente
se consagrava – pode, por um lado, constituir um verdadeiro e inultrapassável
escolho quanto à falada «instauração» «impugnatória» e, por outro, passar o
«crivo» do princípio da proporcionalidade.
Ora, quanto a este particular, entende-se que, na realidade, o normativo em
apreço é conflituante com o direito consagrado no nº 1 – e, mais propriamente,
com a sua parte final – do artigo 20º do Diploma Básico, além de se patentear
como manifestamente desproporcionado e excessivo tocantemente ao benefício
económico pretendido alcançar, justamente o da dispensa de pagamento da taxa de
justiça e demais encargos com o processo.
Como assinala a entidade recorrente na sua alegação, “a atribuição de um valor
tributário desproporcionado ao recurso, através do qual se impugna o
indeferimento administrativo, total ou parcial, do pedido de apoio judiciário,
constituirá naturalmente num factor inibitório ao exercício do direito de
impugnação, decorrente da ponderação do valor das custas no caso de um possível
e eventual decaimento: e tais riscos de sucumbência são particularmente
evidentes em situações em que a eventual insuficiência económica do requerente
não é absoluta, radicando antes numa – sempre delicada – ponderação ou
comparação entre o valor excepcionalmente elevado do litígio subjacente à causa
principal e o montante dos rendimentos efectivamente auferidos pelo requerente;
na verdade, embora estes não o coloquem numa situação de insuficiência económica
total ou absoluta (que o impedisse, nomeadamente, de litigar em acções de
pequeno ou médio valor) poderão constituir fundado obstáculo ao pleno exercício
de uma actividade processual em acções de valor muito elevado, em que o
interessado se possa ver envolvido, estando desprovido, apesar dos rendimentos
que aufere, de meios pecuniários suficientes para fazer frente às acrescidas
despesas que as mesmas envolvem”, dizendo, mais adiante, que “a atribuição ao
recurso interposto da decisão desfavorável da Segurança Social de valor idêntico
ao dos interesses controvertidos na causa principal pode perfeitamente funcionar
como factor inibidor a que o requerente, insatisfeito com a decisão negativa da
Segurança Social, exerça o direito de a impugnar em juízo, provocando uma
decisão jurisdicional sobre a matéria da efectividade do acesso à justiça –
atento o desproporcionalmente elevado montante das custas devidas, se o
tribunal, porventura, julgar aquela impugnação, no todo ou em parte,
improcedente”.
A isto ainda é de aditar que, no sistema anterior (ao de que veio a ficar
consagrado após a Lei nº 30-E/2000, já revogada pela Lei nº 34/2004, de 29 de
Julho, mas, no que ora interessa, manteve o sistema daquela primeira), não só o
montante da taxa era, pelo menos, duas vezes inferior, como, no caso de recurso
da decisão primitiva de não concessão da então denominada assistência judiciária
– decisão essa que cabia ao juiz – a taxa ainda era reduzida (cfr. artº 35º do
Código das Custas Judiciais anterior ao aprovado pelo Decreto-Lei nº 224-A/96),
sendo que se não vislumbram razões conexionadas com direitos ou interesses
constitucionalmente protegidos para o acréscimo hoje surpreendido».
Reiterando este entendimento, há que negar, pois, provimento ao recurso.
III. Decisão
Em face do exposto, decide-se:
a) Julgar inconstitucional a norma contida na alínea o) do nº 1 do artigo 6º do
Código das Custas Judiciais, na parte em que tributa em função do valor da causa
principal a impugnação judicial de decisão administrativa sobre a concessão de
apoio judiciário, por violação do nº 1 do artigo 20º, em conjugação com o artigo
18º, da Constituição da República Portuguesa;
b) Negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida no que diz
respeito ao juízo de inconstitucionalidade.
Sem custas.
Lisboa, 15 de Maio de 2007
Maria João Antunes
José Borges Soeiro
Gil Galvão
Carlos Pamplona de Oliveira
Rui Manuel Moura Ramos