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Processo n.º 187/07
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Mário Torres
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
1. A., SA, apresentou reclamação para a conferência,
ao abrigo do n.º 3 do artigo 78.º‑A da Lei de Organização, Funcionamento e
Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de
Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro
(LTC), contra a decisão sumária do relator, de 14 de Março de 2007, que
decidiu, no uso da faculdade conferida pelo n.º 1 desse preceito, não tomar
conhecimento do recurso.
1.1. A decisão sumária reclamada tem a seguinte
fundamentação:
“1. A., SA, interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo
das alíneas b) e f) (com referência à alínea c)) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei
de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional,
aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela
Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), contra o acórdão da Secção de
Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (STA), de 12 de Julho
de 2006, que, concedendo provimento ao recurso jurisdicional interposto pelo
Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais contra o acórdão da Secção de
Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul (TCA Sul), de 1
de Fevereiro de 2005, revogou este acórdão e julgou improcedente a acção
administrativa especial que a ora recorrente havia instaurado contra o despacho
daquela entidade que indeferira pedido de dedução de prejuízos fiscais.
No requerimento de interposição de recurso para o Tribunal
Constitucional, refere a recorrente que visa a fiscalização concreta da
constitucionalidade e da legalidade:
«1 – Do artigo 69.º, n.º 7, do Código do Imposto sobre o Rendimento
das Pessoas Colectivas (Código do IRC), na redacção do Decreto‑Lei n.º 221/2001,
de 7 de Agosto, e do artigo 27.º, n.º 1, da Lei n.º 32‑B/2002, de 30 de
Dezembro, em vigor à data dos factos do processo (que será a redacção do dito
artigo 69.º do Código do IRC a considerar neste requerimento, salvo indicação
expressa em contrário), interpretado no sentido de que uma decisão
administrativa proferida mas não notificada ao requerente é susceptível de
impedir a formação de acto tácito de deferimento, por violação dos artigos
268.º, n.º 1 (princípio da transparência resultante da garantia constitucional
de informação dos particulares acerca dos procedimentos que lhes digam respeito)
e n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, 66.º do Código do
Procedimento Administrativo e 36.º do Código de Procedimento e de Processo
Tributário.
Esta questão foi suscitada na petição inicial e na réplica apresentada pela ora
recorrente no Tribunal Central Administrativo.
2 – Do artigo 11.º‑A do Estatuto dos Benefícios Fiscais, quando interpretado no
sentido da sua aplicabilidade a um pedido formulado ao abrigo do artigo 69.º,
n.ºs 2 e 7, do Código do IRC em data anterior à sua entrada em vigor, por
violação do princípio da não retroactividade da lei fiscal, artigo 103.º, n.º 3,
da Constituição da República Portuguesa, do artigo 12.º, n.º 2, do Código
Civil, 12.º, n.ºs 1 e 3, da Lei Geral Tributária e do artigo 11.º do Estatuto
dos Benefícios Fiscais.
Esta questão foi suscitada na petição inicial, na réplica apresentada pela ora
recorrente no Tribunal Central Administrativo, nas contra‑alegações produzidas
no Supremo Tribunal Administrativo e no requerimento de nulidade de fls. ...
(aplicando‑se a este respeito as considerações explanadas. em 4 supra [sic]).
3 – Do artigo 69.º, n.º 7, do Código do IRC, interpretado no sentido de ser
exigível certidão de inexistência de dívidas à Segurança Social para se iniciar
a contagem do prazo de deferimento tácito aí estabelecido por efeito de norma
impeditiva – artigo 11.º‑A do Estatuto dos Benefícios Fiscais – posterior ao
pedido do benefício fiscal e num contexto em que a entidade decisora (i) tenha
pedido outros elementos à aí requerente em momento anterior do mesmo
procedimento administrativo sem todavia pedir tal certidão (apesar de a então
requerente ter cumprido a Circular n.º 6/2002 in totum); (ii) disponha já dessa
mesmíssima certidão no âmbito da concessão de outro benefício fiscal requerido
ao mesmo Ministro das Finanças e apresentado na mesma Direcção de Serviços de
Benefícios Fiscais; e (iii) para a mesma operação económica, tudo por violação
do princípio da imparcialidade e boa fé estabelecidos no artigo 266.º, n.º 2, da
Constituição da República Portuguesa, 6.º do Código do Procedimento
Administrativo e 9.º da Lei Geral Tributária.
Esta questão foi suscitada na petição inicial, na réplica apresentada pela ora
recorrente no Tribunal Central Administrativo e no requerimento de nulidade de
fls. ... (aplicando‑se a este respeito as considerações explanadas. em 4 supra
[sic]).
4 – Do artigo 69.º, n.º 2, do Código do IRC quando interpretado no sentido de
estabelecer conceitos indeterminados (mormente razões económicas válidas ou se a
fusão se insere numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento
empresarial de médio ou longo prazo, com efeitos positivos na estrutura
produtiva) concedentes de discricionariedade técnica insindicável pelos
tribunais administrativos, por violação do princípio constitucional da
legalidade e o limite a que ela está sujeita na prossecução do interesse público
(artigo 266.º da Lei Fundamental), do direito jusfundamental à tutela
jurisdicional plena e efectiva contra actos lesivos estabelecida no artigo
268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa e nos artigos 3.º e 95.º
do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aprovado pela Lei n.º
15/2002, de 22 de Fevereiro, no âmbito de uma acção administrativa especial
instaurada com o expresso pedido de condenação à prática do acto devido.
Esta questão decorre da petição inicial e das alegações no Tribunal Central
Administrativo (na justa medida em que expressamente se alega e pugna pela
sindicabilidade) e foi suscitada no requerimento de nulidade de fls. ….
Em todo o caso, atendendo à natureza inesperada e insólita da interpretação
normativa efectuada pelo Acórdão do STA, a A. deve considerar‑se dispensada do
ónus estabelecido na parte final do n.º 2 do artigo 72.º da Lei n.º 28/82, na
esteira aliás da douta Jurisprudência deste Venerando Tribunal plasmada, entre
outros, no Acórdão n.º 669/2005, de 6 de Dezembro de 2005, da 2.ª Secção
(Processo n.º 818/2005).
Tanto mais que o despacho administrativo em crise no processo principal foi
sindicado em profundidade pelo Tribunal Central Administrativo Sul e que a
interpretação da insindicabiliciade de conceitos
indeterminados/discricionariedade técnica é contraditória com jurisprudência
do STA e deste douto Tribunal (v., pela sua qualidade, Acórdão n.º 269/2000, 1.ª
Secção, Processo n.º 598/99, em que foi Relator S. Ex.a o actual Presidente do
Tribunal Constitucional).»
O recurso foi admitido por despacho do Conselheiro Relator do STA,
decisão que, como é sabido, não vincula o Tribunal Constitucional (n.º 3 do
artigo 76.º da LTC), e, de facto, entende‑se que o presente recurso é
inadmissível, o que possibilita a prolação de decisão sumária de não
conhecimento do objecto do recurso, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º‑A da LTC.
2. A recorrente interpôs o presente recurso ao abrigo das alíneas b) e
f) (com referência à alínea c)) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
Diga‑se, desde já, que não tem cabimento a invocação da alínea f), com
referência à alínea c), do n.º 1 do artigo 70.º, já que a recorrente não
suscitou perante o tribunal recorrido a questão de não dever ser aplicada
determinada norma por padecer de ilegalidade por violação de lei com valor
reforçado, nem sequer, aliás, menciona qualquer ilegalidade deste tipo no
próprio requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional.
Na verdade, para além das leis de autorização legislativa, das leis de
bases gerais, das leis orgânicas e das leis que careçam de aprovação por
maioria de dois terços, só podem ser consideradas leis com valor reforçado
aquelas que, por força da Constituição, sejam pressuposto normativo necessário
de outras leis ou que por outras devam ser respeitadas (n.ºs 2 e 3 do artigo
112.º da Constituição da República – CRP), o que não é manifestamente o caso do
Código do Procedimento Administrativo, do Código de Procedimento e de Processo
Tributário, do Código Civil, da Lei Geral Tributária, do Estatuto dos Benefícios
Fiscais ou do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, diplomas a que
pertencem disposições que, segundo a recorrente refere no requerimento de
interposição do recurso, teriam sido violadas, a par de normas constitucionais,
pelas interpretações normativas que teriam sido efectuadas pela decisão
recorrida.
Para além de que, por razões similares às que a seguir serão
desenvolvidas a propósito do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1
do artigo 70.º da LTC, não se pode considerar que a recorrente haja suscitado,
de modo processualmente adequado, perante o tribunal recorrido, antes de
proferida a decisão impugnada, a questão da ilegalidade por violação de lei com
valor reforçado das interpretações normativas que no requerimento de
interposição de recurso se imputam a essa decisão.
Não se conhecerá, pois, do recurso interposto ao abrigo da alínea f),
com referência à alínea c), do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
3. Quanto ao recurso interposto com base na alínea b) do mesmo
preceito, importa começar por recordar que, no sistema português de
fiscalização de constitucionalidade, a competência atribuída ao Tribunal
Constitucional cinge‑se ao controlo da inconstitucionalidade normativa, ou
seja, das questões de desconformidade constitucional imputada a normas jurídicas
(ou a interpretações normativas, hipótese em que o recorrente deve indicar, com
clareza e precisão, qual o sentido da interpretação que reputa
inconstitucional), e já não das questões de inconstitucionalidade imputadas
directamente a decisões judiciais, em si mesmas consideradas. A distinção
entre os casos em que a inconstitucionalidade é imputada a interpretação
normativa daqueles em que é imputada directamente a decisão judicial radica em
que na primeira hipótese é discernível na decisão recorrida a adopção de um
critério normativo (ao qual depois se subsume o caso concreto em apreço), com
carácter de generalidade, e, por isso, susceptível de aplicação a outras
situações, enquanto na segunda hipótese está em causa a aplicação dos critérios
normativos tidos por relevantes às particularidades do caso concreto.
Por outro lado, tratando‑se de recurso interposto ao abrigo da alínea
b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC – como ocorre no presente caso –, a sua
admissibilidade depende da verificação cumulativa dos requisitos de a questão
de inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo
processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão
recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2 do artigo
72.º da LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio
decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo
recorrente. Aquele primeiro requisito (suscitação da questão de
inconstitucionalidade perante o tribunal recorrido, antes de proferida a
decisão impugnada) só se considera dispensável nas situações especiais em que,
por força de uma norma legal específica, o poder jurisdicional se não esgota
com a prolação da decisão recorrida, ou naquelas situações, de todo
excepcionais ou anómalas, em que o recorrente não dispôs de oportunidade
processual para suscitar a questão de constitucionalidade antes de proferida a
decisão recorrida ou em que, tendo essa oportunidade, não lhe era exigível que
suscitasse então a questão de constitucionalidade.
Constitui jurisprudência consolidada deste Tribunal Constitucional que
o apontado requisito só se pode considerar preenchido se a questão de
constitucionalidade tiver sido suscitada antes de o tribunal recorrido ter
proferido a decisão final, pois com a prolação desta decisão se esgota, em
princípio, o seu poder jurisdicional. Por isso, tem sido uniformemente entendido
que, proferida a decisão final, a arguição da sua nulidade ou o pedido da sua
aclaração, rectificação ou reforma não constituem já meio adequado de suscitar
a questão de constitucionalidade, pois a eventual aplicação de uma norma
inconstitucional não constitui erro material, não é causa de nulidade da decisão
judicial, não a torna obscura ou ambígua, nem envolve «lapso manifesto» do juiz
quer na determinação da norma aplicável, quer na qualificação jurídica dos
factos, nem desconsideração de elementos constantes do processo que implicassem
necessariamente, só por si, decisão diversa da proferida. E também, por
maioria de razão, não constitui meio adequado de suscitar a questão de
constitucionalidade a sua invocação, pela primeira vez, no requerimento de
interposição do recurso de constitucionalidade ou nas respectivas alegações.
Acresce que, quando o recorrente questiona a conformidade
constitucional de uma interpretação normativa, deve identificar essa
interpretação com o mínimo de precisão, não sendo idóneo, para esse efeito, o
uso de fórmulas como «na interpretação dada pela decisão recorrida» ou
similares. Com efeito, constitui orientação pacífica deste Tribunal a de que
(utilizando a formulação do Acórdão n.º 367/94) «ao suscitar‑se a questão de
inconstitucionalidade, pode questionar‑se todo um preceito legal, apenas parte
dele ou tão‑só uma interpretação que do mesmo se faça. (...) [E]sse sentido
(essa dimensão normativa) do preceito há‑de ser enunciado de forma que, no caso
de vir a ser julgado inconstitucional, o Tribunal o possa apresentar na sua
decisão em termos de, tanto os destinatários desta, como, em geral, os
operadores do direito ficarem a saber, sem margem para dúvidas, qual o sentido
com que o preceito em causa não deve ser aplicado, por, deste modo, violar a
Constituição.»
4. Dos critérios expostos resulta, desde logo, que não relevam para o
apuramento da verificação do requisito da suscitação da questão de
inconstitucionalidade perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida
(artigo 72.º, n.º 2, da LTC) eventuais arguições de inconstitucionalidade
apresentadas perante outras instâncias, designadamente instâncias inferiores,
em anteriores fases processuais. Não há, assim, que atender às suscitações de
questões de inconstitucionalidade que a recorrente afirma ter feito na petição
inicial, na réplica e nas alegações apresentadas no TCA Sul, mas apenas às que
terá feito nas contra‑alegações endereçadas ao STA, no âmbito do recurso
interposto pelo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (ficando a
atendibilidade das suscitações feitas no requerimento de arguição de nulidade
do acórdão ora recorrido dependente da apreciação, que adiante se fará, do
pretenso carácter inesperado, anómalo ou insólito das interpretações
normativas acolhidas nesse acórdão).
Ora, as questões suscitadas nas aludidas contra‑alegações foram
sintetizadas pela recorrente nas seguintes conclusões:
«A. Da articulação do artigo 11.º‑A do EBF com o n.º 2 do artigo 69.º
do Código do IRC não decorre uma obrigação de apresentação de uma certidão de
inexistência de dívidas à Segurança Social, já que a existência ou inexistência
destas dívidas não configura um elemento necessário ou conveniente para o
perfeito conhecimento da operação visada, tanto dos seus aspectos jurídicos
como económicos.
B. De facto, a Administração Tributária apenas pode exigir que o
contribuinte apresente os elementos tendentes a demonstrar a validade das
razões económicas subjacentes à operação realizada.
C. Assim o faz pensar a expressão «para esse efeito», que funcionaliza
a obrigação de apresentação de documentos pelo contribuinte à comprovação da
validade das razões económicas subjacentes à operação.
D. E nesse sentido o comprova a ausência da referida certidão de
inexistência de dívidas na lista da Circular n.º 6/2002, emitida pela própria
Administração Fiscal.
E. Como o artigo 11.º‑A do EBF não acrescentou qualquer elemento para
a aferição da validade das razões económicas subjacentes às operações enumeradas
nos artigos 67.º e seguintes do Código do IRC, pode concluir‑se que os elementos
da lista publicada com a Circular n.º 6/2002 se mantêm, e que deles não deve
constar uma certidão de inexistência de dívidas à Segurança Social.
F. Assim sendo, e por tudo o que ficou dito, pode concluir‑se que a
norma constante do artigo 11.º‑A do EBF é uma norma substantiva, que impede que
o direito aos benefícios fiscais dependentes de reconhecimento se forme na
esfera jurídica dos contribuintes que tenham deixado de efectuar o pagamento de
qualquer imposto sobre o rendimento, a despesa ou o património e das
contribuições relativas ao sistema de segurança social.
G. E que da sua articulação com o n.º 2 do artigo 69.º não decorre
qualquer dever de apresentação documental por parte dos contribuintes.
H. Consequentemente, o alegado incumprimento desta alegada obrigação
documental nunca poderia ter por efeito a suspensão ou interrupção do prazo de
formação do acto tácito de deferimento, pelo que o mesmo se formou em 27 de
Março de 2003.
I. Ainda que assim não se entenda, e se defenda que a articulação do
artigo 11.º‑A do EBF com o n.º 2 do artigo 69.º do Código do IRC estabelecia a
obrigação de apresentação de uma certidão de inexistência de dívidas à
Segurança Social, sempre se deveria concluir que essa exigência apenas vigorava
para o futuro.
J. E que era insusceptível de afectar os efeitos já produzidos pelos
factos que se destinava a regular, nos termos do n.º 1 do artigo 120.º do
Código Civil e do n.º 1 do artigo 12.º da LGT.
K. Caso fosse defendida a posição contrária – a da inutilização do
tempo decorrido entre a apresentação do pedido pela A. e a aprovação do artigo
11.º‑A do EBF – estar‑se‑ia a sustentar a aplicação retroactiva da nova
exigência documental, o que contraria frontalmente a proibição da aplicação
retroactiva das normas fiscais, cuja dignidade é constitucional, nos termos do
n.º 3 do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa.
L. Assim sendo, ainda que se conceda que o prazo de formação do acto
tácito esteve suspenso entre o pedido da supra referida certidão pela
Administração Tributária (14 de Abril de 2003) e a data da sua entrega pela A.
(28 de Maio de 2003), sempre se concluiria pela formação do acto tácito de
deferimento em 27 de Agosto de 2003, ou seja, em data claramente anterior à
prática do acto de indeferimento expresso pelo Ex.mo Senhor Secretário de Estado
dos Assuntos Fiscais.
M. Caso se defenda a natureza procedimental da norma constante do
artigo 11.º‑A do EBF, não se vê como sustentar simultaneamente um qualquer
efeito modificativo ou extintivo dos direitos invocados pela A., pois é da
própria natureza das normas procedimentais a ausência de efeitos substantivos.
N. Consequentemente, decorreu o prazo de formação do acto tácito de
deferimento, interessando então saber se o acto de indeferimento expresso
praticado pelo Ex.mo Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais poderia
revogá‑lo.
O. Atendendo ao princípio da intangibilidade dos actos administrativos
válidos que sejam constitutivos de direitos e interesses legítimos, previsto na
alínea b) do n.º 1 do artigo 140.º do CPA, pode concluir‑se que o acto expresso
de indeferimento supra identificado só podia subsistir na ordem jurídica caso o
acto tácito de deferimento fosse inválido.
P. O que desde já se antecipa que não aconteceu, pelas razões que [se]
enumeram em seguida e que depõem a favor da validade do acto tácito de
deferimento.
Q. De facto, a validade do acto expresso de indeferimento apenas
poderia afirmar‑se caso inexistissem razões económicas válidas subjacentes à
operação de entrada de activos em apreço nos autos.
R. Ora, o conceito de razões económicas válidas é um conceito
indeterminado, e a sua integração no n.º 2 do artigo 69.º do Código do IRC não
atribui à Administração Tributária qualquer margem de discricionariedade.
S. De facto, atestada a existência de razões económicas válidas, a
Administração Tributária não poderia optar por, ainda assim, negar a dedução
dos prejuízos fiscais transmitidos com a operação, estando antes vinculada à
autorização do pedido.
T. Acresce que a A. alegou e provou documentalmente inúmeras vantagens
económicas decorrentes da operação da entrada de activos, tanto ao nível da
poupança de custos como no que se refere ao incremento dos proveitos esperados.
U. Por seu lado, o Ex.mo Senhor Secretário de Estado dos Assuntos
Fiscais apenas invocou, nas alegações de recurso, que as entidades envolvidas
na operação já funcionavam integradas numa lógica de grupo, pelo que a entrada
de activos nunca poderia ‘produzir alterações ou efeitos significativos do
ponto de vista económico’.
V. Esta afirmação, que se escusou de provar, embate no entanto contra a
evidência da realidade económica: a mera existência de três estruturas
jurídicas, onde pode funcionar apenas uma, envolve custos de eficiência que
podem ser poupados com a integração.
W. Além do mais, cumpre sublinhar que as três entidades envolvidas
desenvolviam a sua actividade numa área – como a seguradora – onde os custos
de compatibilização com as exigências regulatórias são elevados, e se
multiplicam pelas estruturas jurídicas existentes.
X. E que, como foi provado e admitido pela Administração Tributária, a
transmissão dos activos e passivos dos estabelecimentos estáveis para a
A.aumentou consideravelmente a sua projecção no mercado, o que, desde logo, tem
efeitos económicos benéficos, nomeadamente no que se refere à negociação do
crédito.
Y. Em suma, perante a existência de razões económicas válidas
(extensamente alegadas e provadas nos autos), a autorização do pedido
formulado pela A. era vinculada.
Z. Assim sendo, não podem restar dúvidas que o acto tácito de
deferimento do pedido formulado foi validamente constituído na esfera jurídica
da A..
AA. E que o acto expresso de indeferimento praticado pelo Ex.mo Senhor
Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais consubstancia uma revogação proibida
pela alínea b) do n.º 2 do artigo 140.º do CPA.
BB. Resta então concluir que este acto expresso de indeferimento
padece do vício de violação de lei, pelo que a sua anulação deve ser (aplaudida
e) mantida.
CC. Por último, foram também invocados pela Administração Tributária
indícios segundo os quais seria possível concluir que a realização da operação
em apreço nos autos teria sido motivada, principalmente, por fins fiscais.
DD. Mas também esta última ordem de argumentos apresentada pela ora
recorrente carece de fundamento.
EE. É a própria recorrente quem admite que foram transmitidas, na
operação em apreço, situações activas líquidas e unidades empresariais com
proveitos, apenas se invocando a desproporção do peso relativo destes
indicadores, quando comparados com os prejuízos transmitidos para a A..
FF. Cumpre, no entanto, clarificar que esta desproporção não permite
retirar qualquer ilação da motivação subjacente à operação, mas antes concluir
que as duas entidades empresariais absorvidas pela A. apresentavam déficits de
eficiência.
GG. E que foram esses mesmos déficits a ditar a integração das
actividades anteriormente desenvolvidas por três estruturas autónomas numa só
entidade, a fim de recolher ganhos de eficiência e racionalização.
HH. Outra seria a conclusão se as duas entidades absorvidas apenas
transmitissem posições passivas e prejuízos fiscais e não permitissem
expectativa de proveitos futuros.
II. O que não era manifestamente o caso, já que as duas entidades,
como a Administração Tributária bem reconhece, representavam 21% do total dos
proveitos das três estruturas.
JJ. Por último, cabe referir que a doutrina e a jurisprudência depõem
no sentido de admitir a coexistência de razões económicas válidas e de uma
possibilidade de poupança fiscal.
KK. Pelo que da mera possibilidade de uma futura poupança fiscal não
pode decorrer a negação da validade das razões económicas subjacentes a uma
operação como a dos autos.
LL. Tampouco subsiste, então, a terceira ordem de argumentos invocados
pela ora recorrente, pelo que deve concluir‑se pela validade do acto tácito de
deferimento do pedido de utilização de prejuízos fiscais, formulado pela A.
MM. E deve manter‑se (e aplaudir‑se) a decisão de anular o acto
expresso de indeferimento do referido pedido, constante do douto acórdão
recorrido.»
Como é patente, nesta peça processual não suscitou a então recorrida
(ora recorrente) qualquer questão de inconstitucionalidade normativa. A única
referência à Constituição consta da conclusão K e surge aí indissociavelmente
ligada às especificidades do caso concreto, não enunciando a recorrente – como
lhe cumpria – qualquer critério normativo, dotado de generalidade e abstracção,
que reputasse inconstitucional, enunciação essa que, no caso de vir a ser
julgado procedente o recurso, habilitasse o Tribunal Constitucional a
apresentá‑la na sua decisão «em termos de, tanto os destinatários desta, como,
em geral, os operadores do direito ficarem a saber, sem margem para dúvidas,
qual o sentido com que o preceito em causa não deve ser aplicado, por, deste
modo, violar a Constituição».
Por falta de suscitação adequada, pela recorrente, das questões de
inconstitucionalidade, perante o tribunal recorrido, antes de proferida a
decisão impugnada, o recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do
artigo 70.º da LTC surge também, à partida, como inadmissível.
5. Só assim não seria se as interpretações normativas aplicadas na
decisão recorrida cuja conformidade constitucional a recorrente pretende ver
apreciadas fossem de tal modo insólitas, anómalas ou inesperadas que não fosse
exigível à recorrente que suscitasse antecipadamente a sua
inconstitucionalidade.
Ora, o acórdão recorrido, para conceder provimento ao recurso do
Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, desenvolveu a seguinte
argumentação:
«3. São duas as questões a apreciar: saber se há acto tácito de deferimento; e
depois, saber quais os efeitos produzidos pelo acto expresso do Secretário de
Estado dos Assuntos Fiscais.
Vejamos cada questão de per si.
3.1. O acto tácito de deferimento.
A autora formulou em 27 de Setembro de 2002 um pedido de autorização
para a dedução de prejuízos fiscais dos estabelecimentos estáveis adquiridos
através de uma operação de entrada de activos.
Tal pedido de dedução de prejuízos fiscais teve como fundamento legal
o artigo 69.º do CIRC, que, na redacção então em vigor, subordinada à epígrafe
«transmissibilidade dos prejuízos fiscais», dispunha:
‘1 – Os prejuízos fiscais das sociedades fundidas podem ser deduzidos
dos lucros tributáveis da nova sociedade ou da sociedade incorporante até ao fim
do período referido no n.º 1 do artigo 47.º, contado do exercício a que os
mesmos se reportam, desde que seja concedida autorização pelo Ministro das
Finanças, mediante requerimento dos interessados entregue na Direcção‑Geral dos
Impostos até ao fim do mês seguinte ao do registo da fusão na conservatória do
registo comercial.
2 – A concessão da autorização está subordinada à demonstração de que
a fusão é realizada por razões económicas válidas, tais como a reestruturação ou
racionalização das actividades das sociedades intervenientes, e se insere numa
estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio ou longo
prazo, com efeitos positivos na estrutura produtiva, devendo ser fornecidos,
para esse efeito, todos os elementos necessários ou convenientes para o
perfeito conhecimento da operação visada, tanto dos seus aspectos jurídicos como
económicos.
3 – O disposto nos números anteriores pode igualmente aplicar‑se, com
as necessárias adaptações, às seguintes operações:
a) (...)
b) Na entrada de activos, em que é transferido para uma sociedade
residente em território português um estabelecimento estável nele situado de uma
sociedade residente num Estado Membro da União Europeia, que preencha as
condições estabelecidas no artigo 3.º da Directiva n.º 90/434/CEE, de 23 de
Julho, verificando‑se, em consequência dessa operação, a extinção do
estabelecimento estável;
c) (...)
(...)
7 – O requerimento referido no n.º 1, quando acompanhado dos elementos
previstos no n.º 2, considera‑se tacitamente deferido se a decisão não for
proferida no prazo de três meses a contar da sua apresentação, sem prejuízo das
disposições legais antiabuso eventualmente aplicáveis.
8 – Para efeitos do cômputo do prazo referido no número anterior,
considera‑se que o mesmo se suspende sempre que o procedimento estiver parado
por motivo imputável ao requerente.’
A norma daquele n.º 7 veio ainda a ser objecto de nova alteração
legislativa pela Lei n.º 32‑B/2002, de 30 de Dezembro (Orçamento do Estado para
o ano de 2003), tendo sido alargado para seis meses o prazo para se produzir o
deferimento tácito.
E a do artigo 47.º, esta na redacção vigente introduzida pelo citado
Decreto‑Lei n.º 198/2001:
‘1 – Os prejuízos fiscais apurados em determinado exercício, nos
termos das disposições anteriores, são deduzidos aos lucros tributáveis,
havendo‑os, de um ou mais dos seis exercícios posteriores.’
Face ao que vai referido, constata‑se que o prazo para deferimento
tácito era de 3 meses à data da apresentação do requerimento.
Porém, ainda no decurso deste prazo, a lei foi alterada, passando ele
para 6 meses.
Assim, face ao disposto no artigo 297.º, n.º 2, do [Código Civil], é de
concluir que o prazo para a formação do acto tácito é de seis meses.
Aqui não há falta de sintonia entre as partes.
Ponto em que recorrente e recorrida divergem é no momento do início da
contagem do prazo para a formação do acto tácito de deferimento.
Como é óbvio, a formação do acto tácito está dependente do
preenchimento dos requisitos de deferimento da pretensão, já que se estes não
estiverem reunidos, não pode haver formação de acto tácito.
E o prazo só começa a contar a partir do momento em que estão
preenchidos tais requisitos.
O que parece não levantar dúvidas.
Vejamos onde começa a questão.
Após receber o pedido, o SEAF notificou o recorrido para apresentar
cópia da escritura pública do aumento do capital social, pedido que se
compreendia dentro dos «elementos necessários ou convenientes para o perfeito
conhecimento da operação visada» – n.º 2 do artigo 69.º do CIRC.
Tal pedido foi satisfeito em 16 de Janeiro de 2003.
É pois evidente que só a partir desta data é que poderia começar a
correr o prazo para a formação do acto tácito de deferimento.
Sucede, porém, que, já depois de apresentado o pedido, concretamente
em 31 de Outubro de 2002, foi publicado o Decreto‑Lei n.º 229/2002, de 31 de
Outubro, que acrescentou ao Estatuto dos Benefícios Fiscais o artigo 11.º‑A,
sob a epígrafe ‘Impedimento de reconhecimento do direito a benefícios fiscais’
e que passou a dispor o seguinte:
‘1 – Os benefícios fiscais dependentes de reconhecimento não poderão
ser concedidos quando o sujeito passivo tenha deixado de efectuar o pagamento de
qualquer imposto sobre o rendimento, a despesa ou o património e das
contribuições relativas ao sistema da segurança social ...’
É inquestionável que a requerida dedução dos prejuízos fiscais é um
benefício fiscal, pelo que este preceito tem aplicação à hipótese prevista no
artigo 69.º do CIRC, que vimos analisando.
Ponto é saber se esta norma, que, como vimos, entrou em vigor depois da
apresentação do pedido, é de aplicação ao caso concreto.
O acórdão recorrido entende que não. Ou seja: entende que esta norma só
é aplicável para os pedidos formulados depois da sua entrada em vigor.
E isto é assim, no entender daquele aresto, pois, a entender‑se o
contrário, seriam violados os artigos 12.º, n.º 3, da LGT e 12.º, n.º 2, do CC.
Não acompanhamos este entendimento.
Temos, com efeito, para nós que esta norma é de aplicação imediata,
desde que não tenha decorrido o prazo para formação do acto tácito.
Ou seja: para nós o problema perspectiva‑se no momento da decisão, que
não no momento do requerimento.
É ao momento da decisão que se há‑de atender para efeito da formação
do acto tácito de deferimento.
A não ser assim, o deferimento violava a lei, pois poderia ser
concedido sem que estivesse preenchido um dos pressupostos necessários para o
deferimento: a concessão de um benefício fiscal em que o requerente do
benefício eventualmente tivesse impostos em dívida.
E daí que se possa dizer que a aplicação imediata da lei não prejudica
«as garantias, direitos e interesses legítimos anteriormente constituídos» do
contribuinte, isto para usar a terminologia do n.º 3 do artigo 2.º da LGT.
Já vimos até que, aquando da publicação desta lei, nem sequer se tinha
iniciado o prazo para o deferimento tácito.
Daí que se deva considerar que esta norma é de aplicação imediata.
Neste entendimento, e uma vez que o SEAF pediu a certidão de
inexistência de dívidas à Segurança Social em 14 de Abril de 2003, sendo tal
certidão entregue em 28 de Maio de 2003 (vide ponto 34 das contra‑alegações de
recurso), só a partir desta última data começou a decorrer o prazo de 6 meses
para formação do acto tácito de deferimento.
Assim, aquando da prolação do acto expresso de indeferimento (26 de
Novembro de 2003) ainda não se tinha formado o acto tácito.
Diferente, como vimos, é a perspectiva assumida no acórdão recorrido.
Segundo este, o prazo para formação do acto tácito ocorreu em 15 de
Julho de 2003, ou seja, seis meses após a entrega da cópia da escritura pública
do aumento do capital social da recorrida.
Em suma: para nós, e porque não se formou o acto tácito de
deferimento, o acto expresso de indeferimento é um acto administrativo
primário, que não um acto revogatório.
3.2. O acto expresso do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.
Seus efeitos.
Como vimos atrás, nos termos do n.º 2 do artigo 69.º do CIRC, «a
concessão da autorização está subordinada à demonstração de que a fusão é
realizada por razões económicas válidas, tais como a reestruturação ou
racionalização das actividades das sociedades intervenientes, e se insere numa
estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio ou longo
prazo, com efeitos positivos na estrutura produtiva, devendo ser fornecidos,
para esse efeito, todos os elementos necessários ou convenientes para o perfeito
conhecimento da operação visada, tanto dos seus aspectos jurídicos como
económicos».
Ou seja, o Ministro das Finanças só autorizará a transmissibilidade
dos prejuízos fiscais da sociedade fundida, se entender que a fusão é realizada
por razões económicas válidas e inserção numa estratégia de redimensionamento e
desenvolvimento empresarial de médio ou longo prazo, com efeitos positivos na
estrutura produtiva.
São assim dois os requisitos cumulativos exigidos pelo artigo 69.º, n.º
2, do CIRC.
E a pergunta seguinte é esta: estamos aqui perante um poder
discricionário da Administração, ou, antes, perante conceitos indeterminados,
cujo preenchimento cabe à Administração?
Casalta Nabais (Direito Fiscal, 2.ª edição, págs. 139 e 140) considera
que no caso do artigo 69.º do CIRC se está perante a concessão de uma margem
de livre decisão à administração fiscal através da outorga de verdadeiras
faculdades discricionárias, com as respectivas consequências a nível de
impugnação contenciosa.
Mas afigura‑se‑nos antes que estamos perante conceitos
indeterminados, cujo preenchimento, como dissemos, cabe à Administração.
O que significa que de entre as várias soluções válidas só se admite
uma solução justa no caso concreto.
O SEAF entendeu que os requisitos não estavam preenchidos, pelo que
indeferiu o pedido da ora recorrida.
O acórdão recorrido não navegou nas mesmas águas.
Por um lado, considerou ter havido deferimento tácito.
Por outro lado, considerou que estavam preenchidos os requisitos
previstos no artigo 69.º do CIRC, razão pela qual anulou o despacho recorrido.
Que dizer?
Sabendo nós que estamos perante conceitos indeterminados, como acima
referimos, importa agora avançar no sentido de saber se, no caso, estamos
perante um acto sindicável.
Escreve Freitas do Amaral que ‘o que importa é saber se a
interpretação de conceitos indeterminados é uma actividade vinculada ou
discricionária e, por conseguinte, sindicável, ou não, pelos tribunais’ (Curso
de Direito Administrativo, vol. II, pág. 107).
Ora, saber se houve «razões económicas válidas» ou se a fusão «se
insere numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de
médio ou longo prazo, com efeitos positivos na estrutura produtiva» é matéria
de discricionariedade técnica, com uma longa margem de livre apreciação da
Administração, que poderá originar soluções diferentes, consoante o interesse
que a Administração privilegie: uma fusão pode fundar‑se numa razão económica
válida para um interesse público de vitalidade da economia nacional, mas tal
pode já não ocorrer em face dum interesse público de vitalidade de uma economia
sectorial.
Citando Freitas do Amaral: ‘Porque não se lhe pede um trabalho de
subsunção, uma tarefa declarativa de coincidência com um esquema dado, mas se
exige uma tensão criadora do direito no caso concreto, deve naturalmente
entender‑se que esta actividade que, por desejo do legislador, sofre um influxo
autónomo da vontade do agente administrativo, deve escapar ao controlo do juiz,
embora este tenha o dever de verificar se a solução encontrada obedeceu às
exigências externas postas pela ordem jurídica’.
Assim sendo, e porque o acto de indeferimento do SEAF se fundamentou
na inexistência dos requisitos exigidos pela lei para a concessão da
autorização para deduzir os prejuízos fiscais acumulados pelas sociedades
fundidas, este seu juízo não pode ser fiscalizado pelos tribunais. A menos que
ocorresse erro grosseiro ou manifesta desadequação ao fim legal. O que não se
antolha, nem vem alegado.
No sentido ora exposto, pode ver‑se o acórdão deste STA, de 5 de Julho
de 2006 (rec. n.º 142/06).
4. Face ao exposto, acorda‑se em conceder provimento ao recurso,
revogar o acórdão recorrido e julgar improcedente a acção administrativa
especial.»
A recorrente pode discordar do entendimento adoptado neste acórdão a
propósito das duas questões que apreciou e reputar esse entendimento errado e
mesmo ilegal, mas de forma alguma o mesmo se pode considerar insólito, anómalo
ou inesperado – em termos de dispensar a ora recorrente do ónus de suscitar
antecipadamente a inconstitucionalidade dessas interpretações normativas, tanto
mais que estas já haviam sido debatidas no âmbito da acção administrativa
especial e correspondiam, na essência, as posições defendidas pela entidade
então recorrente, que a ora recorrente bem conhecia.
Não tendo a recorrente suscitado perante o tribunal recorrido a questão
da inconstitucionalidade das interpretações normativas aplicadas no acórdão
recorrido como ratio decidendi, interpretações essas que não podem
considerar‑se inesperadas, também o recurso interposto ao abrigo da alínea b)
do n.º 1 do artigo 70.º da LTC se mostra inadmissível, o que determina o não
conhecimento do seu objecto.
6. Em face do exposto, decide‑se, ao abrigo do artigo 78.º‑A, n.º 1, da
LTC, não conhecer do objecto do recurso.
Custas pela recorrente, fixando‑se a taxa de justiça em 7 (sete)
unidades de conta.”
1.2. A reclamação para a conferência apresentada pela
recorrente é do seguinte teor:
“1.º – A Decisão Sumária sob reclamação não conheceu o objecto do
recurso interposto pela A. ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alíneas b) e f), com
referência à alínea c), da LTC.
2.º – Com o devido respeito, que é muito, andou mal essa Decisão
Sumária pelos motivos de facto e direito que se passam a expor.
1. Não conhecimento do objecto do recurso interposto ao abrigo do
artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC.
3.º – A primeira razão adiantada na Decisão Sumária para recusar o conhecimento
do objecto deste recurso foi que o artigo 72.º, n.º 2, da LTC alegadamente
determina a incognoscibilidade de questões de inconstitucionalidade ou
ilegalidade suscitadas perante instâncias inferiores,
4.º – ficando por isso, na tese da Decisão Sumária, prejudicadas as suscitações
efectuadas pela A. no Tribunal Central Administrativo (TCA).
5.º – Tudo começa, portanto, no artigo 72.º, n.º 2, da LTC, que estabelece que:
«2. Os recursos previstos nas alíneas b) e f) do n.º 1 do artigo 70.º só podem
ser interpostos pela parte que haja suscitado a questão da
inconstitucionalidade ou da ilegalidade de modo processualmente adequado
perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar
obrigado a dela conhecer».
6.º – Ora, lê‑se na página 8 (ponto 4) da Decisão Sumária: «Dos critérios
expostos resulta, desde logo, que não relevam para o apuramento da verificação
do requisito da suscitação da questão de inconstitucionalidade perante o
tribunal que proferiu a decisão recorrida (artigo 72.º, n.º 2, da LCT)
eventuais arguições de inconstitucionalidade apresentadas perante outras
instâncias, designadamente instâncias inferiores, em anteriores fases
processuais. Não há assim que atender às suscitações de questões de
inconstitucionalidade que a recorrente afirma ter feito na petição inicial, na
réplica e nas alegações apresentadas no TCA Sul mas apenas às que terá feito nas
contra‑alegações endereçadas ao STA, no âmbito do recurso interposto pelo
Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (...)» – sublinhado nosso.
7.º – Se bem se compreende, este entendimento radica na jurisprudência
aparentemente vencedora da vetusta querela entre as correntes divergentes das
(então) 1.ª e 2.ª Secções deste Venerando Tribunal,
8.º – Jurisprudência essa que supostamente tem interpretado o artigo 72.º, n.º
2, da LCT no sentido de o Tribunal Constitucional só poder, em princípio,
conhecer de questões de inconstitucionalidade ou ilegalidade recolocadas perante
a instância decisória final (ex.: Acórdãos n.ºs 114/2000 e 182/95).
9.º – Todavia, tal jurisprudência não pode ser importada qua tale para o casos
destes autos,
10.º – até porque se foi formando ao sabor das especificidades de cada caso, sem
nunca existir uniformização (pois de matéria processual se trata) e admitindo
sempre excepções.
11.º – Note‑se, a este respeito, que essa jurisprudência foi
alegadamente consagrada no artigo 70.º, n.º 2, da LTC com a redacção da Lei n.º
13‑A/98, de 26 de Fevereiro,
12.º – mas os primeiros arestos produzidos após a data de entrada em vigor desse
diploma remetem precisamente para Acórdãos anteriores à entrada em vigor dessa
lei.
13.º – Exemplo disso mesmo é o Acórdão n.º 114/2000, que procede à remissão para
os Acórdãos n.ºs 36/91 e 469/91, mas que não deixa de conhecer do objecto do
recurso.
14.º – O mesmo vale por dizer que esta é uma questão em aberto.
15.º – Ora, antes do mais, regista‑se que o artigo 72.º, n.º 2, da LTC refere a
questão «suscitada durante o processo» e não a «suscitada perante o tribunal
recorrido»,
16.º – pelo que presumindo, como devemos, que o legislador consagrou a solução
mais acertada, essa expressão «durante o processo» inculca uma interpretação
funcional e útil das suscitações de inconstitucionalidade poderem ser invocadas
em outras sedes, que não somente o «tribunal recorrido», quando o recorte do
caso assim o permita.
17.º – Compreende‑se assim que a citada jurisprudência restritiva «só é válida
quando a parte ou interessado que suscita a questão de inconstitucionalidade ou
ilegalidade continua a ser recorrente, por ter ficado vencido; se passa a
recorrido, por ter saído vencedor, como no caso dos autos, deixa de lhe ser
exigível insistir na questão de inconstitucionalidade» – cf. Declaração de Voto
do Cons. Mário de Brito no Acórdão n.º 469/91.
18.º – A ser de outro modo, reduzido sentido faria a obrigação do recorrente em
indicar na interposição de recurso para o Tribunal Constitucional a peça
processual em que suscitou a questão da inconstitucionalidade ou ilegalidade
(artigo 75.º‑A, n.º 2, da LTC), pois que a parte que se apresenta como vencedora
em última instância apenas disporia de oportunidade de aí contra‑alegar.
19.º – Acresce que, em recurso, o STA está expressamente obrigado, pelo n.º 3 do
artigo 149.º do CPTA e pelo artigo 204.º da Constituição da República
Portuguesa, a conhecer das questões de inconstitucionalidade e ilegalidade
suscitadas pela A. em instâncias inferiores em que obteve ganho de causa e que
não tenham sido apreciadas por terem ficado prejudicadas,
20.º – obrigação essa que o próprio STA afirma peremptoriamente ter cumprido, no
acórdão de 2 de Novembro de 2006, que tirou em conferência, sobre o requerimento
de nulidade do acórdão de 12 de Julho de 2006,
21.º (requerimento de nulidade, sublinhe‑se, com fundamento no artigo 668.º,
n.ºs 1, alínea d), primeira parte, e 3, do Código de Processo Civil (doravante,
CPC), sem que houvesse recurso ordinário possível, que versava a omissão de
pronúncia quanto às questões de inconstitucionalidade e ilegalidade suscitadas
no TCA e no STA),
22.º – Desenvolvendo para o efeito a seguinte (elucidativa) argumentação:
«2.2. Quanto à omissão de pronúncia:
Defende a requerente que a interpretação que o aresto sob censura faz do
Decreto‑Lei n.º 229/2002 é desconforme com o artigo 103.º, n.º 3, da CRP,
desconformidade que alegou expressamente e que o aresto em causa não apreciou.
Daí a omissão de pronúncia.
Pois bem.
O acórdão aqui em causa seguiu um determinado entendimento, que não julgou
inconstitucional.
Se existe inconstitucionalidade, então estamos perante um erro de julgamento,
que pode ser sindicado pelo Tribunal Constitucional.
O que não há é omissão de pronúncia.
O mesmo se dirá da invocada interpretação do artigo 11.º do EBF e do artigo
69.º, n.º 7, do CIRC, alegadamente violadora dos princípios da imparcialidade e
boa fé da administração tributária, em desconformidade com o artigo 266.º, n.º
2, in fine, da CRP. Que na óptica do acórdão sob censura não existiu.
Defende ainda a requerente que este Supremo Tribunal também não resolveu a
questão da data juridicamente relevante do despacho do SEAF, que indefere o
pedido de dedução de prejuízos. E isto é assim, segundo alega a requerente, por
isso que procedeu a uma interpretação dos artigos 67.º, n.ºs. 2 e 7, do CIRC e
do artigo 11.º do EBF violadora do artigo 268.º, n.º 3, da CRP.
Estamos perante uma situação idêntica às anteriores: uma alegada interpretação
desconforme à Constituição. Ora, como se disse, esta pode ser sindicada pelo
Tribunal Constitucional.
O que não se pode dizer é que há omissão de pronúncia.»
23.º – Não restam, portanto, quaisquer dúvidas que o STA reconhece e defende que
analisou as questões de inconstitucionalidade e ilegalidade suscitadas pela A.,
tanto as alegadas perante o TCA como as alegadas perante o STA (contra‑alegações
e requerimento de nulidade).
24.º – Estando a A. na posição de vencedora/recorrida, estando o STA legalmente
obrigado a conhecer as questões de inconstitucionalidade e ilegalidade
suscitadas em instâncias inferiores (artigo 149.º, n.º 3, do CPTA) e tendo
efectivamente delas conhecido (acórdão de 2 de Novembro de 2006, tirado em
conferência, sem que fosse admissível recurso ordinário),
25.º – tem que cair por terra o entendimento da Decisão Sumária de considerar
que não está cumprido o ónus constante do artigo 72.º, n.º 2, da LCT, por se
dever considerar o ónus como preenchido ou, no mínimo, a A. dele estar
dispensada.
26.º – Deve, assim, conhecer‑se do objecto do recurso quanto às questões de
inconstitucionalidade e ilegalidade suscitadas pela A. no TCA.
***
27.º – A segunda razão apresentada na Decisão Sumária para recusar
conhecer do objecto do recurso foi a alegada impossibilidade de conhecer as
questões de inconstitucionalidade ou ilegalidade suscitadas no requerimento de
nulidade do acórdão do STA apresentado pela A., por a isso se opor o artigo
72.º, n.º 2, da LTC e por o entendimento aí sustentado pelo STA não ter carácter
inesperado, anómalo ou insólito.
28.º – A este respeito diz (somente) a Decisão Sumária, nos pontos 4
(pág. 8) e 5 (pág. 23), que:
«(ficando a atendibilídade das suscitações feitas no requerimento de
arguição de nulidade do acórdão ora recorrido dependente da apreciação, que
adiante se fará, do pretenso carácter inesperado, anómalo ou insólito das
interpretações normativas acolhidas nesse acórdão)».
e
«A recorrente pode discordar do entendimento adoptado neste acórdão a
propósito das duas questões que apreciou e reputar esse entendimento errado e
mesmo ilegal, mas de forma alguma o mesmo se pode considerar insólito, anómalo
ou inesperado – em termos de dispensar a ora recorrente do ónus de suscitar
antecipadamente a inconstitucionalidade dessas interpretações normativas, tanto
mais que estas já haviam sido debatidas no âmbito da acção administrativa
especial e correspondiam, na essência, às posições defendidas pela entidade
então recorrente, que a ora recorrente bem conhecia».
29.º – Com o devido respeito, que – reitera‑se – é muito, discorda‑se também
deste(s) argumento(s).
30.º – Reconhecendo-se que os incidentes pós‑decisórios não são, em princípio,
meios idóneos para tempestivamente suscitar questões de inconstitucionalidade
ou ilegalidade, regista‑se que essa regra é excepcionada pela jurisprudência
deste Venerando Tribunal pelo menos quando:
a) o poder jurisdicional, por força de norma processual específica, se não
esgota com a prolação da sentença recorrida; e
b) nas hipóteses excepcionais ou anómalas, em que não houve possibilidade de
levantar a questão de inconstitucionalidade antes de proferida a decisão.
31.º – Estas são questões complexas, analisadas ao longo de décadas pelo
Tribunal Constitucional em sentido pro actione, entre tantos outros, nos
Acórdãos n.ºs 3/83, 136/85, 206/86, 176/88, 318/89, 47/90, 51/90, 158/90, 54/91,
61/92, 188/93, 329/95, 521/95, 366/96, 674/99, 124/2000, 155/2000, 192/2000,
374/2000, 364/2000 e 120/2002.
32.º – No caso em análise, verificam‑se essas duas excepções (embora a segunda
só parcialmente).
33.º – Quanto à primeira excepção (o poder jurisdicional não se ter esgotado por
força de norma processual específica), como se disse já, antes de dar vencimento
à recorrente, o STA estava obrigado a conhecer as questões de
inconstitucionalidade e ilegalidade suscitadas pela A. no TCA, pois ali ela
tinha saído vencedora (artigo 149.º, n.º 3, do CPTA).
34.º – Convencida que o STA não tinha apreciado essas questões, como estava
legalmente obrigado (por passarem a integrar o objecto do recurso na instância
superior), a A. requereu a nulidade por omissão de pronúncia do acórdão de 12 de
Julho de 2006 ao abrigo da primeira parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º
do CPC,
35.º – requerimento de nulidade esse que a Conferência do STA era
competente para conhecer, atendendo a que não era admissível recurso
ordinário, por força da norma processual específica do artigo 668.º, n.º 3, do
CPC, in limine.
36.º – Não estava, portanto, esgotado o poder jurisdicional do STA,
enquanto tribunal a quo, nas questões suscitadas, se, efectivamente, se
verificasse omissão de pronúncia.
37.º – O STA tirou novo acórdão em conferência (ao abrigo do artigo
668.º, n.º 3, do CPC), sustentando que no acórdão de 12 de Julho de 2006 tinha
efectivamente conhecido todas as questões de inconstitucionalidade e
ilegalidade suscitadas pela A. e, ainda assim, havia decidido no sentido em que
decidiu (aplicando as normas reputadas inconstitucionais, no mínimo,
implicitamente),
38.º – Demonstrando‑se, com meridiana clareza, que o seu poder jurisdicional
não estava esgotado.
39.º – A mesma conclusão se extrai da sempre fácil lição do ilustre mestre, José
Alberto dos Reis, quando no seu Código de Processo Civil Anotado, volume V,
escreve a páginas 128 e 149:
– a propósito do artigo 666.º (Extinção do poder jurisdicional e as suas
limitações):
«Depois de formular o princípio que examinámos, o artigo introduz quatro
limitações. O princípio da extinção do poder jurisdicional não obsta a que o
juiz: b) supra nulidades (…)»
e
– a propósito do (então) artigo 669.º (Suprimento de omissão ou de nulidades):
«(…) Uma de duas:
a) Ou o juiz desatende a arguição;
b) Ou a julga procedente.
No 1.º caso, a decisão tem o carácter de simples despacho. A sentença fica como
está. No 2.º caso, a decisão tem a natureza de sentença complementar, que vai
corrigir a nulidade ou suprir a omissão existente na sentença; quer dizer, neste
caso a sentença primitiva e a sentença complementar emitida em consequência da
arguição ficam a formar uma peça única: a sentença complementar integra‑se na
sentença defeituosa (...)».
40.º – Deve, assim, atender‑se a todas as questões de inconstitucionalidade e
ilegalidade suscitadas, em tempo, pela A. perante o STA no requerimento de
nulidade.
41.º – Mas também se verifica, in casu, a 2.ª das excepções identificadas no
artigo 30.º supra, a propósito da questão suscitada no requerimento de nulidade
e no ponto 4 do requerimento de interposição de recurso,
42.º – que de facto encerra uma situação anómala e excepcional, justificativa
da dispensa do ónus da sua alegação.
43.º – Recorda‑se parte da alegação desenvolvida no requerimento de nulidade
(artigos 35.ª a 45.ª dessa peça):
«Acresce que este Venerando Tribunal não se pronunciou, como devia, sobre a
questão de fundo, qual seja a existência ou não dos pressupostos estabelecidos
no artigo 69.º, n.º 2, do Código do IRC,
interpretando assim os seus poderes cognitivos e o artigo 3.º, n.º 1, do CPTA no
sentido de não conhecer das normas e princípios jurídicos que vinculam a
administração tributária (onde se incluem a imparcialidade e a boa fé, ambos
com assento no artigo 266.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa),
e dispensando‑se mesmo de conhecer do erro grosseiro cometido pelo mesmo
Ministério das Finanças,
que, tendo já uma certidão de inexistência de dívidas da A. desde 20 de Dezembro
de 2002 referente a 30 de Setembro desse ano (além de o dever conhecer
oficiosamente),
optou simplesmente por pedi‑la novamente à A. no âmbito da mesma operação.
Com o devido respeito, estas questões deveriam ser conhecidas,
como aliás é legalmente imposto, pelo menos desde a apelidada Reforma do
Contencioso Administrativo,
emanada do artigo 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa e com
afloramento no artigo 95.º, n.ºs 1 e 2, do CPTA,
que exige uma tutela plena e efectiva dos actos lesivos da administração
pública (incluindo a fiscal) e a sindicabilidade de todas as vertentes legais
dos mesmos.
Neste sentido se pronuncia também ilustre doutrina – vide designadamente
Professor Vasco Pereira da Silva, entre outros, em O Contencioso Administrativo
no Divã da Psicanálise, Almedina, 2005,
em contraposição à doutrina clássica encabeçada pelo ilustre Professor Freitas
do Amaral, proficuamente citado no Acórdão, aliás douto, que aqui nos traz.»
44.º – E a efectuada no ponto 4 do requerimento de interposição deste recurso de
constitucionalidade:
«4 – Do artigo 69.º, n.º 2, do Código do IRC quando interpretado no sentido de
estabelecer conceitos indeterminados (mormente razões económicas válidas ou se a
fusão se insere numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento
empresarial de médio ou longo prazo, com efeitos na estrutura produtiva)
concedentes de discricionariedade técnica insindicável pelos tribunais
administrativos, por violação do princípio constitucional da legalidade e o
limite a que ela está sujeita na prossecução do interesse público (artigo 266.º
da Lei Fundamental), do direito jusfundamental à tutela jurisdicional plena e
efectiva contra actos lesivos estabelecida no artigo 268.º, n.º 4, da
Constituição da República Portuguesa e nos artigos 32.º e 95.º do Código do
Processo nos Tribunais Administrativos, aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22 de
Fevereiro, no âmbito de uma acção administrativa especial instaurada com o
expresso pedido de condenação à prática de acto devido.
Esta questão decorre da petição inicial e das alegações no Tribunal Central
Administrativo (na justa medida em que expressamente se alega e pugna pela
sindicabilidade) e foi suscitada no requerimento de nulidade de fls. ...
Em todo o caso, atendendo à natureza inesperada e insólita da interpretação
normativa efectuada pelo Acórdão do STA, a A. deve considerar‑se dispensada do
ónus estabelecido na parte final do n.º 2 do artigo 72.º da Lei n.º 28/82, na
esteira aliás da douta Jurisprudência deste Venerando Tribunal plasmada, entre
outros, no Acórdão n.º 669/2005, da 2.ª Secção (Processo n.º 818/2005).
Tanto mais que o Despacho administrativo em crise no processo principal foi
sindicado em profundidade pelo Tribunal Central Administrativo Sul e que a
interpretação da insindicabilidade de conceitos
indeterminados/discricionariedade técnica é contraditória com jurisprudência do
STA e deste douto Tribunal (v., pela sua qualidade, Acórdão n.º 269/2000, da
1.ª Secção, Processo n.º 298/99, em que foi Relator Sua Ex.a o actual
Presidente do Tribunal Constitucional).»
45.º – A este respeito a Decisão Sumária começa por sustentar que «de forma
alguma o mesmo se pode considerar insólito, anómalo ou inesperado».
46.º – (o que, com o devido respeito, é uma mera afirmação e nada mais que isso)
47.º – afirmando de seguida que «estas [questões] já haviam sido debatidas no
âmbito da acção administrativa especial e correspondiam, na essência, às
posições defendidas pela entidade então recorrente, que a ora recorrente bem
conhecia».
48.º – Ora, escrutinados os autos, em momento algum é alegada, discutida ou
aventada pela A., pela Fazenda Pública, pelo Ministério Público ou pelo próprio
Tribunal Central Administrativo a insindicabilidade pelos tribunais
administrativos dos conceitos indeterminados/discricionariedade técnica
alegadamente constantes do artigo 69.º, n.º 2, do Código do IRC.
49.º – Acresce que a efectiva sindicabilidade desses conceitos
indeterminados/discricionariedade técnica pelos tribunais administrativos foi
muito justamente anunciada por arestos do STA,
50.º – dos quais se poderá destacar, pela profundidade da análise da questão, o
aresto de 16 de Julho de 1999, publicado na Colectânea de Jurisprudência do
STA, 2.ª Secção – Contencioso Tributário, 2.º Trimestre de 1999, onde se pode
ler:
«4 – O carácter técnico das questões a resolver não é obstáculo à apreciação
jurisdicional da correcção do valor patrimonial, podendo o tribunal realizar as
diligências probatórias que se afigurarem necessárias, inclusivamente recorrer
ao concurso de técnicos e proceder a actos de avaliação.»
51.º – bem como por arestos deste mesmo Tribunal Constitucional – v.,
pela sua qualidade, o Acórdão n.º 269/2000, da 1.ª Secção, Processo n.º 298/99,
em que foi Relator Sua Ex.a o actual Presidente do Tribunal Constitucional.
52.º – na sequência, inclusive, de firme reclamação por muitíssima e
autorizada Doutrina,
53.º – atendida e claramente plasmada na actual conformação
constitucional e legislativa do contencioso administrativo, mormente no artigo
268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa.
54.º – Tendo ainda em conta que o TCA analisou em profundidade, como
lhe competia, os conceitos indeterminados/discricionariedade técnica
alegadamente constantes do artigo 69.º, n.º 2, e deu ganho de causa à A..
55.º – não se pode julgar razoável que a A., na posição de recorrida,
tivesse o ónus de «adivinhar» que o STA decidiria … no sentido de não decidir!
56.º – O STA não decidir do fundo das questões que a ele são
submetidas não é, no actual contexto constitucional, um ónus que deva impender
sobre os recorridos nesses processos, sendo certo que a A. não teve qualquer
oportunidade para intervir a este respeito no processo antes da decisão, tendo‑o
feito assim que lhe foi possível (tanto no citado requerimento de nulidade como
no ponto 4 da interposição do recurso de constitucionalidade).
57.º – As questões de inconstitucionalidade e ilegalidade suscitadas pela A. no
requerimento de nulidade e no ponto 4 do requerimento de interposição de recurso
de constitucionalidade estavam, portanto, dispensadas do ónus de alegação
estabelecido no artigo 72.º, n.º 2, da LCT.
***
58.º – A terceira razão adiantada pela Decisão Sumária para recusar
conhecer do objecto do recurso foi alegadamente não terem sido suscitadas
questões de inconstitucionalidade normativa nas contra‑alegações para o STA,
único momento reputado como idóneo para essas suscitações.
59.º – Com efeito, pode ler‑se no ponto 4 (pág. 14) da Decisão Sumária
que:
«Como é patente, nesta peça processual não suscitou a então recorrida
(ora recorrente) qualquer questão de inconstitucionalidade normativa. A única
referência à Constituição consta da conclusão K e surge aí indissociavelmente
ligada às especificidades do caso concreto, não enunciando a recorrente – como
lhe cumpria – qualquer critério normativo, dotado de generalidade e abstracção,
que reputasse inconstitucional, enunciação essa que, no caso de vir a ser
julgado procedente o recurso, habilitasse o Tribunal a apresentá‑la na sua
decisão em ‘termos de, tanto os destinatários desta, como, em geral, os
operadores de direito ficarem a saber, sem margem para dúvidas, qual o sentido
com que o preceito em causa não deve ser aplicado, por, deste modo, violar a
Constituição’.»
60.º – Com o já reiterado devido respeito, discorda‑se também deste argumento.
61.º – Não se nega que este Venerando Tribunal «vem decidindo que, para além de
a questão da constitucionalidade dever ser suscitada de forma clara e
perceptível» (vide Acórdãos n.ºs 269/94 e 521/95 do Tribunal Constitucional),
62.º – mas, ex abundanti cautela, não se tem alheado às circunstâncias
específicas do caso concreto.
63.º – De facto, em variada doutrina sufragada em doutos arestos, aponta‑se para
a análise da questão da inconstitucionalidade, mesmo que não claramente
invocada,
64.º – atendendo‑se à consideração global de todas as peças processuais em jogo
(aliás, o único sentido processualmente admissível da interpretação da locução
«durante o processo», visto que a instância é só uma, que se inicia com a
propositura da acção e termina com a decisão final: «Uma vez que em certo
sentido a locução instância pode considerar‑se equivalente à locução processo
(assim, citando José Alberto dos Reis, o citado Acórdão, p. 247 [referindo‑se ao
aresto n.º 3/83])» – cf. Acórdão n.º 36/91.
65.º – Hominum causa omne jus constitutum determina‑se «uma análise mais atenta
daquela e de outras peças processuais permite concluir, numa consideração global
do pedido do recorrente, que é ainda possível descortinar que, realmente, o que
é posto em causa é uma interpretação acolhida (..). Isto é: no fundo, pode
dizer‑se que é a inconstitucionalidade desta norma, segundo a interpretação dada
por aquele parecer, que se questiona»,
66.º – concluindo que «Esta é, na verdade, a conclusão mais consentânea com o
invocado pelo recorrente quando afirma, no pedido de aclaração […], o seguinte:
‘... dir‑se‑á que o facto de ter sido omitida a notificação do requerente para
se pronunciar sobre a questão prévia (...), um teor de sentido que viola o
disposto nos referidos preceitos constitucionais (...)» – cf. Acórdão n.º
318/90, entre outros.
67.º – Assim, tomando todas as suscitações produzidas «durante o processo», bem
como o conjunto das contra‑alegações engendradas no STA sempre se poderá
inferir, ex bona fide, que a referência «estar‑se‑ia a sustentar a aplicação
retroactiva da nova exigência documental, o que contraria frontalmente a
proibição de aplicação retroactiva das normas fiscais, cuja dignidade é
constitucional, nos termos do n.º 3 do artigo 103.º da Constituição da
República Portuguesa» (alínea K das referenciadas contra‑alegações)
68.º – para um destinatário normal equivale à afirmação de que a exigência de
tal documento (isto é, a aplicação do artigo 11.º‑A do EBF a pedido formulado
antes da sua entrada em vigor) viola o princípio (constitucional) da proibição
de retroactividade da lei fiscal, ínsito e protegido pelo artigo 103.º, n.º 3,
da Constituição da República Portuguesa,
69.º – reportando‑se como inconstitucional a aplicabilidade pretérita de lei que
fixe condições de validade formal a factos (pedidos) ocorridos, in totus, antes
da sua entrada em vigor.
70.º – Tudo porque o reconhecimento pleno dos direitos fundamentais implica o
abandono de uma concepção restritiva, sem esquecer a relevante questão da
determinação de um modelo geral de controlo da constitucionalidade, tendo em
consideração a redefinição conceptual desses direitos e pretensões à luz de um
princípio de sociabilidade no quadro de um moderno Estado de Direito Democrático
e Constitucional.
Concomitantemente,
71.º – Quanto à questão do recurso de inconstitucionalidade versar sobre uma
decisão judicial está‑se, efectivamente, perante uma situação de non liquet, na
medida em que o Tribunal Constitucional apesar de reiterar a insindicabilidade
de decisões judiciais,
72.º – não se tem eximido em arrogar o poder de julgar a inconstitucionalidade
da norma na concreta interpretação que dela faz o juiz comum, enquanto questão
de inconstitucionalidade dessa mesma interpretação (a título meramente
exemplificativo, Acórdãos n.º 674/99 ou n.º 412/2003).
73.º – Neste sentido, está, claramente, em causa a invocação de uma
inconstitucionalidade normativa (pois, entre outros, questiona‑se se a aplicação
de lei fiscal, que estabelece condições de validade formal, a procedimentos em
curso, contende, ou não, com a proibição de retroactividade da lei fiscal), pois
trata‑se de uma interpretação normativa dotada de generalidade e abstracção
capazes de serem identificadas pelos operadores jurídicos em geral como uma
situação de desconformidade constitucional (ou, melhor, como uma interpretação
não permitida pela Constituição).
74.º – Reconhece‑se que se começa a principiar a dissipação da fronteira entre
o controlo da inconstitucionalidade de norma e controlo da
inconstitucionalidade da decisão judicial, o que pode revestir mais ou menos
complexidade.
75.º – O que não se pode é recusar, por motivos de interpretação discutíveis e
de índole estritamente formal, o direito à tutela jurisdicional do controlo da
inconstitucionalidade (que encontra o seu último bastião no Tribunal
Constitucional),
76.º – pois, perfilhar o entendimento da douta decisão sumária, não reconhecendo
no requerimento invocado uma questão de inconstitucionalidade normativa,
implica, peremptoriamente, o chamamento à colação de críticas, como as
arreigadas por Jorge Reis Novais, in Direitos Fundamentais: Trunfos Contra a
Maioria:
«De resto, basta percorrer as decisões do Tribunal Constitucional em sede de
fiscalização concreta para confirmar que em inúmeras situações as decisões de
não admissibilidade de um recurso por não estar em causa a inconstitucionalidade
de uma norma, mas sim de uma decisão, podiam facilmente, com um pequeno esforço
de reformulação argumentativa, ser convertidas em decisões de admissibilidade.
Noutras ocasiões, a discussão e a divisão entre os juízes no próprio seio do
Tribunal Constitucional sobre a simples questão da admissibilidade é já tão
sofisticada e especiosa que, sem ironia, se poderia concluir que um curso
semestral numa Faculdade de Direito não chegaria para se perceber essa questão
particular de saber quando uma decisão judicial, entre nós, é ou não recorrível
para o Tribunal Constitucional ...»
77.º – Concluindo que «(...) Pode sempre dizer‑se que à decisão
judicial de condenação à morte estava subjacente um norma, um critério
normativo, que foi o que o tribunal construiu mentalmente em ordem a justificar
a decisão. Mas, nessa altura, não há decisão judicial a que não esteja
igualmente subjacente uma norma, pelo que a conclusão logicamente inevitável é
a de que toda a decisão judicial é recorrível para o Tribunal Constitucional se
essa pretensa norma ou critério normativos forem arguíveis de
inconstitucionalidade».
78.º – Termos em que devia o requerimento de recurso ser admitido por
verificação dos pressupostos do artigo 70.º, n.º 1, aliena b), da LTC.
***
2. Não conhecimento do objecto do recurso interposto ao abrigo do
artigo 70.º, n.º 1, alínea f) (com referência à alínea c)), da LTC.
79.º – A este respeito levantam‑se na Decisão Sumária duas questões:
80.º – Em primeiro lugar, na afirmação «Não tem cabimento a invocação da alínea
f), com referência à alínea c), do n.º 1 do artigo 70.º, já que a recorrente não
suscitou perante o tribunal recorrido a questão de não dever ser aplicada
determinada norma por padecer de ilegalidade por violação de lei com valor
reforçado, nem sequer, aliás, menciona qualquer ilegalidade deste tipo no
próprio requerimento de interposição de recurso (…)» pode‑se descortinar uma
questão que se reparte em duas vertentes.
81.º – Quanto à primeira vertente desta questão, da não suscitação da questão de
inconstitucionalidade ou ilegalidade perante o tribunal recorrido, vale aqui a
argumentação expendida supra, que nos dispensamos de reproduzir, por inútil e
fastidioso.
82.º – Quanto à segunda vertente da questão, a afirmação de que não se «menciona
qualquer ilegalidade deste tipo no próprio requerimento» não se afigura como
correcta, visto que no ponto n.º 2 do requerimento claramente se descortina a
sua invocação “por violação do princípio da não retroactividade da lei fiscal,
artigo 103.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, do artigo 12.º,
n.º 2, do Código Civil, 12.º, n.ºs 1 e 3, da Lei Geral Tributária e do artigo
17.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais» (sublinhado nosso).
83.º – Em segundo lugar, a Decisão Sumária alegou que «Na verdade, para além das
leis de autorização legislativa, das leis de bases gerais, das leis orgânicas e
das leis que carecem de aprovação por maioria de dois terços, só podem ser
consideradas leis de valor reforçado aquelas que, por força da Constituição,
sejam pressuposto normativo necessário de outras leis ou que por estas devam ser
respeitadas (n.ºs 2 e 3 do artigo 112.º da Constituição da República – CRP), o
que não é manifestamente o caso do Código do Procedimento Administrativo, do
Código do Procedimento e de Processo Tributário, do Código Civil, da Lei Geral
Tributária, do Estatuto dos Benefícios Fiscais ou do Código de Processo nos
Tribunais Administrativos».
84.º – Ora, não se pode acompanhar esse entendimento.
85.º – De facto, variada jurisprudência (v. g., por todos, o Acórdão n.º 365/96
do Tribunal Constitucional) afirma que a Constituição não fornece uma definição
geral do que seja lei de valor reforçado, de forma a poder constituir um
critério diferenciador das leis integráveis nesse conceito.
86.º – A doutrina tem tentado suprir tal ausência através da enunciação de
vários critérios, dos quais se poderá destacar: i) o critério da
parametricidade garantida por um processo judicial de fiscalização; ii) o
critério do fundamento material da validade normativa; iii) o critério da
capacidade derrogatória; iv) o critério da forma e especificidades
procedimentais.
87.º – É certo que os critérios apresentados são de verificação apertada, mas,
nesta sede, não se pode desconsiderar que o conceito de «lei de valor reforçado»
é um Tatbestand que tende a compreender uma operatividade cada vez mais
abrangente, na medida em que as leis ordinárias, na construção do Estado de
Direito Democrático, dão exequibilidade à Constituição ou asseguram posições
jusfundamentalmente protegidas que adstrinjam outras leis, sob pena de
desconsideração do modelo constitucional de Estado.
88.º – formando uma legalidade reforçada por força da conexão objectiva e
substantiva que apresentam com a própria Lei Fundamental.
89.º – A este propósito cumpre verificar a força normativa do bloco legal
constituído pelos artigos 5.º a 13.º do Código Civil.
90.º – Autorizada doutrina (vide, por todos, Paulo Otero, Legalidade e
Administração Pública, O Sentido da Vinculação Administrativa à Juridicidade)
afirma que «a determinação do sentido dos preceitos constitucionais obedece
sempre a regras de interpretação que partem da utilização dos designados
elementos interpretativos»,
91.º – avançando que «existe aqui um fenómeno de prevalência lógica destes
princípios estruturais interpretativos, enquanto normas sobre normas que regulam
a determinação do sentido de todos os actos do sistema jurídico, sobre a
normatividade constitucional: são normas que no seu corpo material de
operatividade merecem a qualifica cão de ‘normas fundamentais’ (...)».
92.º – e concluindo que «apesar de incluídas no Código Civil, deparamos com
normas aplicáveis a toda a ordem jurídica, gozando de uma natureza materialmente
constitucional» (sublinhado nosso),
93.º – e «não há que discutir se essas normas do Código Civil referentes à
interpretação são leis ordinárias reforçadas (...) os princípios
interpretativos em causa revestem o valor de normas constitucionais
consuetudinárias: tratam‑se de princípios dotados de natureza praeter
constitutionem, gozando de força hierárquico‑normativa idêntica à Constituição
formal».
94.º – Assim, a contrario, infere‑se que tais princípios interpretativos «não
podem, sob pena de inconstitucionalidade, ser derrogados ou revogados por uma
simples lei ordinária».
95.º – Destarte, ao contrário do que afirma a Decisão Sumária, desponta uma
situação de inconstitucionalidade por violação de um princípio interpretativo
capital constante do Código Civil (mormente o artigo 12.º),
96.º – sendo que, articulando tal reconhecimento com o n.º 1 do artigo 70.º da
LTC, não tendo os princípios força constitucional reconhecida, apenas restaria a
sua sindicabilidade com «fundamento na sua ilegalidade por violação de lei com
valor reforçado», dado que as alíneas a) e b) estão reservadas para normas que,
no seu sentido e alcance, opugnem directamente a Constituição (rectius,
representem uma afronta à Constituição formal).
97.º – Daí que, em termos de razoabilidade e racionalidade interpretativa,
apenas a alínea c) potenciaria a «racionalização do nosso sistema de
fiscalização da constitucionalidade em função do objectivo último de
proporcionar uma protecção adequada, nomeadamente para as violações da
Constituição que se traduzem na prática em afectação sensível e desfavorável
das posições jusfundamentais» (Jorge Reis Novais, Direitos Fundamentais,
Trunfos Contra a Maioria).
98.º – O ideário exposto vale, por maioria de razão, para as normas invocadas da
Lei Geral Tributária,
99.º – bastando, para tal, compulsar o seu Relatório onde, sem grande esforço, e
no que ao caso em apreço se refere, se observará que o «propósito de imprimir
certeza e segurança às normas de Direito Tributário preside às regras sobre
aplicação das leis tributárias no tempo e no espaço incluídas na Lei Geral
Tributária. No primeiro caso (aplicação no tempo), acolhe‑se expressamente o
princípio da proibição constitucional da criação de impostos retroactivos e
clarifica‑se o regime da sucessão das normas tributárias em caso de factos
tributários de formação igualmente sucessiva, como é o rendimento nos impostos
que sobre este incidem. Também se clarifica a aplicação no tempo das regras de
determinação da matéria tributável que constituam o mero desenvolvimento das
normas de incidência, às quais é estendida a regra da irretroactividade, em
atenção ao seu carácter verdadeiramente substantivo ou material».
100.º – Termos em que também se deveria ter conhecido do recurso interposto ao
abrigo da alínea f), com referência à alínea c), do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
***
À laia de conclusão:
101.º – O recurso interposto ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea
b), da LTC deve ser conhecido porque não procedem os argumentos da Decisão
Sumária quanto à alegada proibição, constante do artigo 72.º, n.º 2, da LTC, de
conhecer questões de inconstitucionalidade ou ilegalidade suscitadas em
instâncias inferiores (como o TCA) e em requerimentos de nulidade (quer
apresentados ao abrigo do artigo 668.º, n.º 1, alíneas d), e n.º 3, 1.ª parte,
do CPC, e portanto não estando esgotado o poder jurisdicional do Tribunal
recorrido, quer arguindo a inconstitucionalidade de uma interpretação normativa
surpresa), sendo certo que a conclusão K das contra‑alegações da A. no STA é
susceptível de fundamentar, por si só, o julgamento do objecto do recurso.
Tudo nos termos alegados supra nos artigos 3.º a 78.º desta peça, para os quais
expressamente se remete.
102.º – Também o recurso interposto ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea f)
(com referência à alínea c)), da LTC deve ser conhecido, não só pelas razões
atrás mencionadas e expendidas a propósito do recurso instaurado com fundamento
no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, mas também porque pelo menos o Código
Civil e a Lei Geral Tributária são comummente reconhecidos como um bloco de
legalidade reforçada (não derrogável por mera lei ordinária) e como tal podem
fundamentar este recurso de inconstitucionalidade e ilegalidade.
Tudo nos termos alegados supra nos artigos 79.º a 100.º desta peça, para os
quais expressamente se remete.
Nestes termos e nos mais de direito que V. Ex.as doutamente suprirão, deve a
presente Reclamação para a Conferência ser julgada procedente, e em consequência
ser ordenada a admissão do recurso com as consequências legais (designadamente a
notificação da A. para alegações), fazendo‑se assim a devida e costumeira
Justiça!”
1.3. O recorrido (Secretário de Estado dos Assuntos
Fiscais), notificado da precedente reclamação, não apresentou resposta.
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
2. São quatro os pontos fundamentais em que a
recorrente revela divergência com a decisão sumária: (i) relevância da
suscitação da questão de inconstitucionalidade perante instâncias inferiores;
(ii) tempestividade da suscitação da questão perante o tribunal recorrido; (iii)
carácter normativo da questão suscitada; (iv) natureza de lei com valor
reforçado das normas do Código Civil e da Lei Geral Tributária.
2.1. Quanto ao primeiro ponto, é sabido que, na
vigência da versão originária da LTC, se registou divergência na jurisprudência
do Tribunal Constitucional quanto a saber se, para assegurar a abertura da via
do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º, bastava que a questão
de constitucionalidade houvesse sido suscitada em qualquer fase processual, ou
se era necessário que essa suscitação ocorresse perante a instância que proferiu
a decisão de que se recorre para o Tribunal Constitucional, mesmo que o
recorrente tivesse obtido ganho de causa na instância inferior e, portanto,
figurasse como recorrido no recurso onde foi proferida esta decisão. A primeira
posição foi perfilhada pela então 1.ª Secção (cf. Acórdãos n.ºs 232/92, 280/92 e
281/92), e a segunda pela então 2.ª Secção (cf. Acórdãos n.ºs 468/91, 469/91 e
182/95).
A disputa foi legislativamente decidida no sentido da
segunda posição, com a alteração do n.º 2 do artigo 72.º da LTC operada pela Lei
n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro, que passou a exigir – em sede de legitimidade
para recorrer nos recursos previstos nas alíneas b) e f) do n.º 1 do artigo 70.º
– que a “parte (…) haja suscitado a questão da inconstitucionalidade ou da
ilegalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a
decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer”. Como
reconhecem Guilherme da Fonseca e Inês Domingos (Breviário de Direito
Processual Constitucional (Recurso de Constitucionalidade), 2.ª edição,
Coimbra, 2002, pp. 58‑59): “Hoje, porém, face à nova redacção dada ao referido
preceito legal, que exige dever a questão ser suscitada adequadamente, ou seja,
de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão
recorrida, consagrou‑se o entendimento seguido pela então 2.ª Secção”.
Constitui este o entendimento actualmente pacífico
deste Tribunal: cf., entre muitos outros, os Acórdãos n.ºs 114/2000 (“(…) hoje,
face à nova redacção dada ao n.º 2 do artigo 72.º desse diploma, a questão devia
ter sido suscitada adequadamente perante aquele último [tribunal], que proferiu
a decisão recorrida”), 292/2002 (“Como tem sido jurisprudência deste Tribunal,
a suscitação da questão de inconstitucionalidade «durante o processo», nos
casos em que uma dada decisão judicial é impugnável por via de recurso
ordinário, tem de ser entendida por forma a que tal questão seja colocada nesse
recurso, para sobre ela haver um veredicto do tribunal superior, não podendo
dar‑se validade, para efeitos de cumprimento desse ónus, à circunstância de
aquela questão ser unicamente suscitada perante o tribunal de inferior
hierarquia, não vindo, posteriormente, a ser reiterada no recurso. É que, não o
sendo, houve um «abandono» dessa mesma questão e, consequentemente, sobre ela
não tinha o tribunal superior o dever de se pronunciar”), 343/2004 (“Nos termos
dos artigos 70.º n.º 1, alínea b), e 72.º, n.º 2, da LTC, constitui pressuposto
do recurso interposto a suscitação, pelo recorrente, da questão de
constitucionalidade que se pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional,
durante o processo, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida. É,
assim, para este efeito, irrelevante tudo o que o recorrente possa ter alegado
em matéria de constitucionalidade de normas perante o tribunal de 1.ª instância,
quando o recurso de constitucionalidade vem interposto de um acórdão da
Relação.”), 12/2007 (“Resultando do referido artigo 72.º, n.º 2, da LTC que só
são atendíveis as questões de inconstitucionalidade suscitadas perante o
tribunal que proferiu a decisão recorrida, há apenas que considerar – para
verificação do cumprimento do referido ónus de suscitação – as peças
processuais endereçadas pelo recorrente a esse tribunal (no caso: as alegações
do seu recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça), e já não as peças
produzidas perante distinta instância judicial (no caso: as alegações dos
recursos de apelação endereçados ao Tribunal da Relação do Porto)”) e 108/2007
(“Face ao disposto no n.º 2 do artigo 72.º da LTC, não são de considerar, para
se dar como verificado o cumprimento do apontado requisito, nem suscitações de
questões de constitucionalidade perante instâncias distintas do tribunal que
proferiu a decisão recorrida, nem questões suscitadas depois de proferida a
decisão final (com a qual se esgotou o poder jurisdicional do tribunal
recorrido), designadamente através de pedidos de aclaração ou de arguições de
nulidade dessa decisão. Por estas razões, não são atendíveis, para este efeito,
nem a petição inicial da impugnação judicial, apresentada no Tribunal
Tributário de 1.ª Instância de Lisboa, nem o pedido de aclaração do acórdão
recorrido.”).
É esta orientação que ora se reitera, salientando‑se
que o requisito em causa de prende com a legitimidade para recorrer (epígrafe do
artigo 72.º, n.º 2, da LTC), sendo, por isso, de todo irrelevante, para este
efeito, que o acórdão recorrido tenha apreciado a questão de
inconstitucionalidade: para se reconhecer legitimidade ao recorrente não basta
que a questão de constitucionalidade tenha sido apreciada pelo tribunal
recorrido (oficiosamente ou por ter sido suscitada por outra parte), pois o
decisivo é que tenha sido o recorrente a suscitá-la perante esse tribunal.
Improcede, assim, o aduzido nos n.ºs 3.º a 26.º da
presente reclamação.
2.2. A segunda linha de argumentação da reclamante,
desenvolvida nos n.ºs 27.º a 57.º, também improcede: o poder jurisdicional do
tribunal recorrido, uma vez proferida a decisão de fundo, não se restaurou pelo
mero facto de ter sido arguida uma nulidade por omissão de pronúncia. Ele só se
restauraria se essa arguição fosse julgada procedente, o que no caso não
ocorreu. Isto é: se o tribunal a quo tivesse reconhecido que incorrera em
omissão de pronúncia, então, sim, renascia o poder de conhecer da questão a
propósito da qual poderia ser pertinente a apreciação da questão de
inconstitucionalidade suscitada no incidente pós‑decisório e, nessa hipótese,
essa suscitação seria de considerar como tempestiva. Mas tal não ocorreu no
presente caso, em que o STA não deu por verificada a omissão de pronúncia, pelo
que estamos em presença de uma situação em que o poder jurisdicional,
relativamente à questão de mérito em causa, se esgotou com a decisão de mérito
do recurso.
E também não ocorre a segunda situação em que se
entende estar a parte dispensada do ónus de suscitação prévia da questão de
inconstitucionalidade, pois a ora reclamante teve oportunidade processual de
suscitar tal questão, designadamente nas contra‑alegações que apresentou, e
sendo certo que a interpretação normativa acolhida na decisão ora recorrida nada
tem de inesperado ou insólito. A reclamante pode discordar da solução dada ao
caso concreto, mas não lhe é legítimo ignorar a existência de forte corrente
doutrinal e jurisprudencial que entende que em “matéria de discricionariedade
técnica, com uma longa margem de livre apreciação da Administração”, o juízo
desta só “pode ser fiscalizado pelos tribunais [se ocorrer] erro grosseiro ou
manifesta desadequação ao fim legal”. Foi este o critério normativo adoptado
pelo acórdão recorrido (que nem sequer coincide com o critério identificado pela
recorrente no requerimento de interposição de recurso, segundo o qual o tribunal
a quo teria entendido ser de todo insindicável pelos tribunais administrativos a
discricionariedade técnica derivada do uso de conceitos indeterminados no
artigo 69.º, n.º 2, do Código do IRC). O acórdão recorrido entendeu que, no
caso, “não se antolha[va], nem [vinha] alegado” a ocorrência de “erro grosseiro
ou manifesta desadequação ao fim legal”. A reclamante – repete‑se – pode
discordar deste juízo subsuntivo, mas não pode negar que não suscitou, perante o
tribunal recorrido, apesar de ter disposto de oportunidade processual para o
efeito, a questão da inconstitucionalidade do critério normativo atrás
enunciado, cuja aplicabilidade, por nada ter de inesperado ou insólito, uma
litigância esclarecida e prudente devia ter previsto.
2.3. Quanto ao terceiro argumento, reitera‑se o
entendimento de que não pode ser considerada como adequadamente suscitada uma
questão de inconstitucionalidade normativa nos termos em que o foi na conclusão
K das contra-alegações da ora reclamante para o STA, pois aí se imputa a
violação da proibição da aplicação retroactiva das normas fiscais à decisão
judicial, em si mesma considerada.
Mas mesmo que assim se não entendesse, sobraria outro
motivo para a não admissão do recurso, nesta parte: o da falta de coincidência
entre a dimensão normativa supostamente arguida de inconstitucional e a dimensão
normativa aplicada, como ratio decidendi, no acórdão recorrido. É que, para
este, foi relevante a circunstância de que o pedido de autorização para a
dedução de prejuízos fiscais dos estabelecimentos estáveis adquiridos através
de uma operação de entrada de activos, apesar de inicialmente apresentado em 27
de Setembro de 2002, vinha insuficientemente instruído, por falta de cópia da
escritura pública do aumento do capital social, cópia esta que só foi entregue
em 16 de Janeiro de 2003. Por isso, o acórdão recorrido considerou que só a
partir desta última data (16 de Janeiro de 2003) e não da primeira (27 de
Setembro de 2002), o pedido se pode considerar validamente apresentado, sendo a
partir dessa data que começou a contar o prazo para a formação de acto tácito de
deferimento. Em congruência com este entendimento, uma vez que se considerou
como data relevante de apresentação do pedido a de 16 de Fevereiro de 2003, o
reconhecimento, pelo acórdão recorrido, da aplicabilidade da nova exigência,
introduzida pelo Decreto‑Lei n.º 229/2002, de 31 de Outubro, com o aditamento do
artigo 11.º‑A do EBF, do pagamento das contribuições para a Segurança Social não
significa a adopção do critério normativo arguido de inconstitucional pela ora
reclamante. O acórdão recorrido considerou, além do mais, que da aplicação
imediata da nova lei não resultava prejuízo para as garantias, direitos e
interesses legítimos anteriormente constituídos do contribuinte pois “aquando da
publicação desta lei [nova], nem sequer se tinha iniciado o prazo para o
deferimento tácito”.
Improcede, assim, a aduzido nos n.ºs 58.º a 78.º da
LTC.
2.4. Finalmente, relativamente ao recurso interposto
ao abrigo da alínea f), com referência à alínea c), do n.º 1 do artigo 70.º da
LTC, valem aqui as considerações atrás tecidas quanto à inadequação da
suscitação da questão – inadequação quanto ao tempo e inadequação quando ao
modo –, o que seria por si só bastante para reiterar o juízo de
inadmissibilidade desta parte do recurso.
Ao que acresce que, como se explanou na decisão
sumária ora reclamada, no conceito de lei com valor reforçado – tal como foi,
designadamente, densificado no Acórdão n.º 374/2004 deste Tribunal – não cabem
as invocadas normas do Código Civil e da Lei Geral Tributária, já que não
resulta directamente da Constituição (como seria necessário para esse efeito)
que as mesmas constituam pressuposto normativo necessário ou parâmetro de
validade de outras leis.
3. Em face do exposto, acorda‑se em indeferir a
presente reclamação, confirmando a decisão sumária reclamada.
Custas pela reclamante, fixando‑se a taxa de justiça
em 20 (vinte ) unidades de conta.
Lisboa, 16 de Maio de 2007.
Mário José de Araújo Torres
João Cura Mariano
Rui Manuel Moura Ramos