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Processo n.º 537/05
3.ª Secção
Relator: Conselheiro Gil Galvão
Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório.
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Judicial de Seia, o arguido A., ora
reclamante, requereu, em conjunto com outro arguido, a abertura da instrução,
bem como a realização de determinadas diligências, incluindo, nomeadamente, a
inquirição de 19 testemunhas e de todos os restantes arguidos. A abertura de
instrução foi admitida, sendo, todavia, indeferidas as diligências probatórias
requeridas.
2. Inconformado, o ora reclamante interpôs recurso, o qual, todavia, não foi
recebido, com o fundamento no disposto nos artigos 291, n.º.1, e 339 do Código
de Processo Penal. Sempre inconformado, o reclamou para o Presidente do Tribunal
da Relação de Coimbra, alegando, em resumo, que a irrecorribilidade da decisão
que indefere as diligências requeridas em instrução implicaria a impossibilidade
de o arguido comprovar as razões de facto e de direito que fundamentam a sua
discordância relativamente à acusação, violando-se, assim, o disposto no art. 32
da Constituição.
3. A reclamação foi indeferida, com os seguintes fundamentos:
“[...]Cumpre decidir:
A primeira nota a salientar é a de que a instrução não é uma antecipação do
julgamento, esse sim rodeado de todas as garantias de defesa. Na instrução
apura-se apenas se os indícios colhidos justificam submeter um cidadão a
julgamento e não a sua inocência ou culpa.
Em relação à prova a produzir em julgamento assegura a Lei a possibilidade de
recurso em relação a todas as decisões que não admitam essa produção.
Já no que toca à instrução, dispõe o art. 291, n.º.1, do C. P. Penal que o Juiz
decide, 'por despacho irrecorrível', os actos que entenda deverem praticar-se no
seu decurso.
Não interessa se indefere todos os actos ou só alguns: a irrecorribilidade não é
estabelecida em razão da percentagem dos actos requeridos. É estabelecida pura e
simplesmente.
Diga-se que a alteração legislativa que estabeleceu a irrecorribilidade não fez
mais do que consagrar a uniformidade do sistema. Na verdade, sendo depois a
pronúncia, pelos factos constantes da acusação, irrecorrível não se compreendia
a recorribilidade da decisão que indeferia as diligências - permitia-se o menos
e não se permitia o mais.
Aliás, a incoerência legal que existia levantava grandes problemas para
determinar o momento de subida do recurso quando era irrecorrível o despacho de
pronúncia.
A solução de irrecorribilidade consagrada no art. 291, nº. 1, não viola a
Constituição, como já se decidiu nos Acórdãos do Tribunal Constitucional
12-7-2000, proc. 48/2000, D.R. II série de 5-12, e Acórdão de 28-10-2000, D.R,
II série de 11-12-2000, todos citados em Maia Gonçalves, C. P. Penal, 13ª.
Edição, pág. 595.[...]”
4. Notificado desta decisão, veio o ora reclamante aos autos com um requerimento
dirigido ao “Ex.mo Senhor Dr. Juiz Desembargador Relator do Tribunal da Relação
de Coimbra”, com o seguinte teor:
“notificado da douta decisão datada de 10 de Janeiro de 2005, vem interpor
recurso para o Tribunal Constitucional da douta decisão que lhe foi notificada
(Decisão datada de 20 de Setembro de 2004 ), o que faz nos termos seguintes:
- O recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 artigo 70° da Lei n.o
28/82 de 15 de Novembro, na redacção dada pela Lei n.º 13-A/98 de 26 de
Fevereiro;
- Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade da norma dos artigo 291° do
Código de Processo Penal, com a interpretação com que foi aplicada na decisão
recorrida;
- Tal norma, com a interpretação com que foi aplicada na decisão recorrida viola
o artigo 32° da Constituição da República Portuguesa;
- A questão da inconstitucionalidade foi suscitada nos autos, em sede de
alegações no recurso interposto para o Tribunal da Relação de Coimbra;. [...]”
Em 30 de Janeiro de 2005, o Juiz Desembargador Relator exarou o seguinte
despacho no referido requerimento: “Uma vez que o recurso é interposto da
decisão de 20 de Setembro, decisão pois proferida no tribunal “a quo”, remeto
este requerimento ao processo para aí ser apreciado. Informe a signatária”.
5. No Tribunal Judicial de Seia foi, então, proferido o seguinte despacho:
“[...]Fls 21472 e ss. – Recurso interposto para o Tribunal Constitucional – Por
não estar preenchido o requisito plasmado no n.º 2 do artigo 70º da Lei de
Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82,
de 15/11, com as sucessivas alterações), porque intempestivamente apresentado,
face ao conteúdo da norma em apreço e ao estado dos autos.[...]”
6. É desta decisão que vem interposta “nos termos do disposto no n.º 4 do artigo
76° da Lei 28/82 de 15 de Novembro”, a presente reclamação, através do seguinte
requerimento:
“[...] Por decisão proferida em 29.09.2004, foi admitida a abertura de instrução
todavia foram indeferidas as diligências probatórias requeridas.
O reclamante interpôs o recurso de tal decisão, todavia tal recurso não foi
admitido.
Notificado da não admissão do mesmo, o reclamante, apresentou reclamação para o
Tribunal da Relação de Coimbra, que indeferiu a reclamação, mantendo-se assim a
decisão de não admissão do recurso.
Notificado dessa decisão, o reclamante interpôs o recurso ora em apreço para
este Venerando Tribunal.
Todavia, o mesmo não foi admitido.
O reclamante não se conforma com tal decisão, daí a presente reclamação.
B) ANÁLISE DA DECISAO RECLAMADA
O Meritíssimo Juiz do Tribunal 'a quo' não admitiu o recurso, invocando 'não
estar preenchido o requisito plasmado no n. ° 2 do artigo 70° da Lei de
Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional.
Alega ainda que o recurso foi intempestivamente apresentado 'face ao conteúdo da
norma em apreço e ao estado dos autos'.
Ora, de acordo com o disposto na norma invocada, os recursos previstos na alínea
b) do n.º 1 do artigo 70° da invocada Lei, como é o caso do recurso em apreço,
apenas cabem das decisões que não admitam recurso ordinário.
No caso dos autos, a decisão cuja inconstitucionalidade foi invocada não admite
recurso ordinário, aliás, o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” não admitiu o
recurso interposto.
Pelo que se encontra preenchido o requisito previsto no n.º 2 do artigo 70° da
supra referida Lei.
Refira-se ainda que o recurso foi tempestivamente apresentado, porque
apresentado dentro dos dez dias após ter sido notificado ao reclamante a decisão
relativa à reclamação pela não admissão do recurso.
Termos em que deve a presente reclamação ser deferida, admitindo-se o recurso
interposto.[...]”
7. Já neste Tribunal foram os autos com vista ao Ministério Público, que se
pronunciou nos seguintes termos:
“A decisão final - que procedeu à aplicação normativa do estatuído no art. 291º
do CPP – foi obviamente proferida, no âmbito do procedimento de reclamação, pelo
Presidente da Relação, a fls. 380/381 dos autos. Ora, ao reportar o recurso de
fiscalização concreta, fundado na alínea b) do n.º1 do art. 70º da Lei 28/82 a
precedente decisão das instâncias – naturalmente “consumida” pelo despacho que
apreciou a reclamação atrás referida – levando a que fosse o juiz da 1ª
instância, autor da decisão dita recorrida, a apreciar o respectivo
requerimento, comprometeu irremediavelmente o recorrente a admissibilidade do
recurso interposto para este Tribunal Constitucional.”
Dispensados os vistos, cumpre decidir.
II. Fundamentação.
8. O recurso de constitucionalidade em causa, com fundamento no disposto no
artigo 70º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, cabe apenas,
nos termos do respectivo n.º 2, de decisões relativamente às quais estão
esgotados todos os recursos ordinários.
No presente caso, o interessado reclamou para o Presidente do Tribunal da
Relação de Coimbra da decisão do Juiz do Tribunal de Seia que, aplicando o
disposto no artigo 291º do Código de Processo Penal, lhe foi desfavorável. Essa
reclamação, conforme resulta do n.º 3 do citado artigo, é equiparada a recurso
ordinário, para o efeito do referido n.º 2 do mesmo artigo.
Ora, deste modo, só com o despacho que apreciou tal reclamação - que, no caso
concreto, confirmou a interpretação do artigo 291º do Código de Processo Penal
dada pelo Tribunal de 1ª instância - é que ficaram esgotados os recursos
ordinários. E, sendo assim, era exclusivamente desse preciso despacho do
Presidente do Tribunal da Relação de Coimbra que cabia recurso de fiscalização
concreta de constitucionalidade, e não já da decisão do Tribunal Judicial de
Seia por aquele consumida.
Pelo exposto, improcedem os argumentos aduzidos na reclamação, nada mais
restando do que confirmar a decisão reclamada de não admissão do recurso.
III. Decisão.
Nestes termos, decide-se indeferir a presente reclamação, confirmando-se a
decisão reclamada de não admissão do recurso para este Tribunal.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 4 de Julho de 2005
Gil Galvão
Bravo Serra
Artur Maurício