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Processo n.º 514/04
2ª Secção
Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
Acordam na 2.ª secção do tribunal constitucional:
I. Relatório
1.Em 7 de Maio de 2003, A., juíza em regime de nomeação temporária, foi
notificada da deliberação proferida pelo Plenário do Conselho Superior da
Magistratura, datada de 8 de Abril de 2003, que indeferiu a reclamação por si
apresentada do despacho do Juiz Conselheiro Vice-Presidente, de 18 de Fevereiro
de 2003, que indeferira o seu pedido de admissão ao Curso Especial do Centro de
Estudos Judiciários, previsto para Maio de 2003, “dado a magistrada acima
identificada não possuir, de acordo com o Estatuto dos Magistrados Judiciais, o
tempo de serviço efectivo considerado suficiente para uma avaliação rigorosa e
objectiva da sua prestação funcional, sendo essa avaliação um dos requisitos
essenciais de admissão ao mencionado Curso Especial”.
Inconformada, a recorrente interpôs recurso contencioso da referida deliberação,
em 6 de Junho de 2003, para o Supremo Tribunal de Justiça, que, por acórdão de 9
de Março de 2004, decidiu negar provimento ao recurso, com os seguintes
fundamentos:
«A recorrente imputa à deliberação do Plenário de 8-4-03 (aqui recorrida) os
seguintes vícios:
- falta de fundamentação, por omissão de pronúncia, relativamente aos
fundamentos invocados na reclamação do despacho de 17-2-03, do Ex.m.º
Vice-Presidente do C.S.M., e ainda por falta de indicação das motivações de
direito;
- violação da lei.
Mas sem razão.
A Lei n.º 7-A/2003, de 9 de Maio, veio criar novos instrumentos de gestão,
conferindo aos Conselhos Superiores e ao Ministro da Justiça competências
excepcionais, destinadas a suprir situações de carência de quadros de
magistrados, conforme se refere no seu art.º 1.º.
O art.º 2.º, da mesma Lei, prescreve o seguinte :
“1 – Tendo em conta excepcionais razões de carência de quadros, o Ministro da
Justiça, sob proposta do Conselho Superior da Magistratura ou do Conselho
Superior da Ministério Público, pode determinar que o Centro de Estudos
Judiciários organize cursos especiais de formação específica para recrutamento
de Magistrados Judiciais ou do Ministério Público, com dispensa de testes de
aptidão.
2 – Os cursos previstos no número anterior são dirigidos a candidatos que
ofereçam garantias de aptidão bastante, a recrutar, consoante a magistratura a
que, especificamente, respeitem:
a) De entre juízes de nomeação temporária em exercício efectivo de funções, ao
abrigo do disposto na Lei n.º 3/2000, de 20 de Março, e no Dec.-Lei n.º
179/2000, de 9 de Agosto, independentemente do ano da sua licenciatura.
b) (...)
c) (...)
3 – A admissão dos juízes de nomeação temporária (...) aos cursos especiais
dirigidos a magistrados judiciais é precedida de informação positiva do Conselho
Superior da Magistratura sobre o seu desempenho profissional no exercício das
respectivas funções, obtida por avaliação efectuada através do seu serviço de
inspecções, nos termos do respectivo estatuto e regulamento de inspecções”.
Pois bem.
1. Quanto à aduzida falta de fundamentação da deliberação recorrida, na dupla
dimensão de omissão de pronúncia e de falta de indicação das motivações de
direito (conjugada com o teor do despacho reclamado do Ex.mo Vice-Presidente do
C.S.M. a que se reporta), constata-se que ela esclarece, concretamente e com
suficiente clareza, a motivação do acto.
Com efeito, aponta como causa de indeferimento do pedido de candidatura ao
referido Curso Especial o facto de a recorrente “não possuir o tempo de serviço
efectivo considerado suficiente para uma avaliação rigorosa e objectiva da sua
prestação funcional, sendo essa avaliação um dos requisitos essenciais [de
admissão] ao mencionado Curso Especial”.
E explica que, computando-se em pouco mais de três meses o serviço efectivo
prestado até à data em que foi ordenada a inspecção aos Juízes temporários, a
recorrente não podia ser inspeccionada, nem podia presumir-se qualquer
classificação, pois há que analisar e valorar o trabalho do Juiz temporário, se
tiver quantidade de serviço que o justifique.
Em termos de fundamentação de direito, invoca-se, por um lado, o projecto do
diploma que permitirá aos Juízes temporários frequentar o curso especial ai
previsto (Lei n.º 7-A/2003, de 9 de Maio, posteriormente aprovada) e, por outro,
o Estatuto dos Magistrados Judiciais, embora sem especificação de qualquer
artigo.
Tal fundamentação, quer na vertente da alegada omissão de pronúncia, quer na
dimensão da motivação de direito, foi aprofundada e completada na posterior
deliberação do Plenário de 7-10-03, que julgou a reclamação apresentada contra a
deliberação de 8-4-03, ficando, assim, suprida qualquer insuficiência com a
desenvolvida apreciação que, então, foi feita de todos os fundamentos e com a
expressa indicação dos preceitos legais em que se suporta para decidir como
decidiu.
Daí que a deliberação esteja concreta e suficientemente fundamentada, nos termos
do art.º 125.º do C.P.A..
2. Quanto ao apontado vício de violação da lei, o recurso não pode lograr melhor
sorte.
Com efeito, o art.º 2.º, n.º 3, da Lei n.º 7-A/2003, é muito claro ao
estabelecer que a admissão dos juízes de nomeação temporária ao Curso Especial
de Formação fica condicionada àqueles cujo serviço, mediante inspecção,
realizada nos termos do E.M.J. e do Regulamento das Inspecções, tenha merecido
avaliação positiva por parte do Conselho Superior da Magistratura.
Trata-se de um requisito necessário para acesso àquele Curso.
Antes da publicação desta Lei, não existia qualquer diploma que previsse ou
autorizasse a recorrente a candidatar-se ao pretenso Curso Especial de formação
específica para recrutamento de Magistrados.
O requerimento da recorrente só podia ser provisoriamente considerado à luz do
projecto do diploma, entretanto já elaborado, com conhecimento do Conselho, que
previa a criação de cursos dessa natureza e as respectivas condições de acesso.
Em matéria de inspecções, rege o art.º 36.º do Estatuto dos Magistrados
Judiciais, que dispõe o seguinte, na parte que agora importa considerar:
“1 – Os Juízes de Direito são classificados em inspecção ordinária, a primeira
vez decorrido um ano sobre a sua permanência em lugares de 1.º acesso e,
posteriormente, com uma periodicidade, em regra, de quatro anos.
2 – (...)
3 – Considera-se desactualizada a classificação atribuída há mais de quatro
anos, salvo se a desactualização não for imputável ao magistrado ou este estiver
abrangido pelo disposto no n.º 2 do artigo anterior.
4 – No caso de falta de classificação não imputável ao magistrado, presume-se a
de Bom, excepto se o Magistrado requerer inspecção, caso em que será realizada
obrigatoriamente.
5 – (...)”.
Quando foi ordenada a inspecção ordinária aos Juízes de nomeação temporária, ao
abrigo do art.º 36.º do E.M.J., por deliberação do Plenário do C.S.M. de 1-10-02
(inspecção [que] se iniciou em 12-11-02), o serviço da recorrente não podia ser
objecto de inspecção, por esta só ter, então, pouco mais de três meses de
exercício efectivo de funções.
É que, nos termos do art.º 7.º, n.º 1, al. a), do Regulamento das Inspecções
Judiciais, na redacção então vigente, a inspecção só podia ser realizada desde
que recaia sobre serviço prestado em período superior a um ano e os respectivos
volume e qualidade permitam uma segura avaliação.
O actual Regulamento das Inspecções Judiciais, entretanto aprovado pela
deliberação n.° 55/2003, publicado no D.R. de 15-1-03, contém norma semelhante,
ao prescrever no seu art.º 5.º, n.º 3:
“A primeira inspecção ao serviço e ao mérito de cada Juiz tem obrigatoriamente
lugar logo que decorrido um ano de exercício efectivo de funções”.
Assim sendo, a recorrente não tinha o tempo mínimo necessário para poder ser
inspeccionada à data em que requereu a sua admissão ao Curso Especial (28-1-03),
nem à data em que foi proferido o despacho do Ex.mo Vice-Presidente do C.S.M.,
ou a deliberação recorrida, nem à data em que entrou em vigor a Lei n.º
7-A/2003, nem tão-pouco à data em que teve início o dito Curso, ou seja, não
dispunha de tempo de serviço efectivo de um ano, considerado suficiente para uma
avaliação rigorosa e objectiva da sua prestação funcional.
É que, segundo informação do C.S.M., durante o período de quase 20 meses em que
esteve ao serviço, desde que iniciou funções (26-9-01) até ao início do Curso
Especial (19-5-03), a recorrente esteve ausente do serviço durante mais de 10
meses, pelo que o período do exercício efectivo de funções era inferior a um ano
(fls. 59).
Pretende a recorrente que, face ao disposto no art.º 36.º, n.º 4, do E.M.J.,
deve presumir-se a classificação de Bom, por a falta de classificação não lhe
ser imputável, dado que as faltas ao serviço foram consequência da sua gravidez
e licença de maternidade.
Não pode aceitar-se tal entendimento.
O citado art.º 36.º, n.º 4, não é aplicável à situação da recorrente.
É que a primeira classificação, em inspecção ordinária, decorrido um ano sobre a
permanência do Juiz em lugar de primeiro acesso, a que alude o art.º 36.º, n.º
l, do E.M.J. não pode deixar de ser interpretado como “decorrido um ano de
exercício efectivo de funções”, tal como se explicita no citado art.º 5.º, n.º
3, do actual R.I.J..
Por outro lado, importa ainda atentar no estatuto legal da recorrente, enquanto
Juiz de nomeação temporária.
O regime excepcional de nomeação para o exercício temporário de funções de Juiz
nos tribunais de 1ª instância consta da Lei n.º 3/2000, de 20 de Março, e do
Dec.-Lei n.º 179/2000, de 9 de Agosto.
Aí se prevê a nomeação a termo certo, não superior a quatro anos – art.º 4.º,
n.º 3, da Lei n.º 3/2000 e art.º 1.º, n.º 3, do Dec-Lei n.º 179/2000.
Tem carácter excepcional e transitório, podendo efectuar-se até 15 de Setembro
de 2003 – art.º 6.º da mesma Lei e art.º 2.° daquele Dec.-Lei.
Mas o posterior acesso à carreira da Magistratura não constitui regalia, direito
ou sequer mera expectativa jurídica, contida no estatuto do Juiz de nomeação
temporária.
Assim, o facto de a recorrente não ter sido admitida, por falta de requisitos
legais, a um curso que lhe daria acesso à carreira da Magistratura não pode
significar perda de qualquer direito ou regalia estatutária.
Nem se diga que se mostra violado o princípio constitucional da igualdade e que
a recorrente está a ser discriminada em razão da sua gravidez e licença de
maternidade.
A recorrente beneficiou de protecção na doença, por causa da gravidez, e de
especial protecção na maternidade, esta última nos termos do art.º 68.º, n.º 3,
da Constituição e da Lei n.º 4/84, de 5 de Abril, e Dec.-Lei n.º 194/96, de 16
de Outubro.
Ao abrigo desses regimes legais, a recorrente viu justificadas as suas faltas ao
serviço.
O que não pode é pretender que essas ausências sejam equiparadas ou
automaticamente convertidas em efectivo desempenho de funções, para efeito de
avaliação do seu mérito profissional, que depende da quantidade e da qualidade
do serviço efectivamente prestado.
O princípio da igualdade (art.º 13.º, da C.R.P.), que manda tratar igualmente o
que for essencialmente igual e diferentemente o que for diferente, não proíbe
que a lei estabeleça distinções e tratamentos diferenciados.
O que proíbe é o arbítrio, ou seja, a diferenciação de tratamento, sem qualquer
justificação razoável e carecida de fundamento material bastante. Quando
requereu, em 28-1-03, a sua admissão ao Curso Especial, a recorrente
encontrava-se na situação objectiva de prestação de serviço efectivo por período
inferior a um ano, sendo certo que a ausência do serviço não foi motivada apenas
pelo gozo de quatro meses de licença de maternidade.
Tal situação impediu-a de ser oportunamente inspeccionada e concretamente
avaliada (por ocasião da inspecção ordenada por deliberação do C.S.M. de
1-10-02), por forma a colocar-se em posição de aceder ao Curso Especial de
Formação, que veio a iniciar-se em 19-5-03.
Estando numa situação desigual, relativamente aos demais Juízes de nomeação
temporária (com mais de um ano de serviço efectivamente prestado, no momento em
que foram avaliados, na sequência da mencionada inspecção que se iniciou em
12-11-02), não podia ter o mesmo tratamento que estes tiveram.
Foi essa desigualdade de situação que esteve na base do despacho do Ex.mo
Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura de 17-2-03, mantido pelas
deliberações do Plenário de 8-4-03 e de 7-10-03.
Anote-se que a recorrente, depois da publicação da Lei n.º 7-A/2003, de 9 de
Maio, também não cuidou de solicitar o acesso ao referido Curso Especial, em
conformidade com a previsão dessa Lei, para que o C.S.M. apreciasse, de novo, a
possibilidade de avaliação do seu serviço, face ao aumento do tempo de efectivo
desempenho de funções de que, entretanto e concretamente nessa data, já
beneficiava.
Em face do exposto, só resta concluir pela legalidade da deliberação recorrida,
face à improcedência de todos os vícios que lhe são assacados.»
2.Inconformada com este acórdão, a recorrente interpôs recurso para o Tribunal
Constitucional, pretendendo ver apreciada a “inconstitucionalidade da norma
contida no n.º 4 do art.º 36.º do Estatuto dos Magistrados Judicias (...)
interpretada no sentido de que tal norma não é aplicável à situação concreta da
recorrente [juíza de nomeação temporária]”, uma vez que entende que essa
interpretação “viola o disposto no n.º 3 do art.º 68º da C.R.P. e art.º 13º da
C.R.P.”.
Notificada para produzir alegações, a recorrente concluiu assim:
«1 – Pretende ver-se apreciada a questão da inconstitucionalidade da norma
contida no n.º 4 do art.º 36.° do Estatuto dos Magistrados Judiciais (aprovado
pela Lei n.º 21/85, de 30 de Julho, pelo Decreto-Lei n.º 342/88, de 28 de
Setembro, e pelas Leis n.º 2/90, de 20 de Janeiro, 10/94, de 5 de Maio, 44/96,
de 3 de Setembro, 81/98, de 3 de Dezembro, e 143/99, de 31 de Agosto)
interpretada no sentido de que tal norma não é aplicável à situação concreta da
recorrente, interpretação essa defendida pela deliberação recorrida bem como
pelo acórdão recorrido (proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça).
2 – Efectivamente, a ausência da recorrente ao serviço (que a impediu de ter um
ano de serviço efectivo) ocorreu por motivos inteiramente alheios à sua vontade,
não lhes sendo, portanto, imputáveis.
3 – Pelo que se acha a recorrente na situação prevista no n.º 4 do art.º 36.° do
E.M.J..
4 – Tanto mais que tal ausência foi determinada por motivo de doença devidamente
justificado (e que se prendeu com uma situação de gravidez de risco) bem como
por licença por maternidade, não lhe sendo, portanto, imputável.
5 – É certo que a recorrente beneficiou do regime jurídico de protecção na
doença e a maternidade, contudo quer a deliberação do C.S.M. quer o acórdão
recorrido não extraem todas as consequências jurídicas decorrentes da aplicação
do referido regime em conjugação com o estatuído no n.º 4 do art.º 36.° do
E.M.J..
6 – E tendo em conta que o Curso Especial de Formação dos Juízes de nomeação
temporária tem como objectivo o início de funções e (ou) um eventual e posterior
acesso à Carreira da Magistratura, a norma contida no n.º 4 do art. 36.° [d]a
CRP, interpretada no sentido dado pela deliberação recorrida, mostra-se
manifestamente inconstitucional, por colidir com o disposto no art.º 68.°, n.º
3, e art.º 13.° da C.R.P..
7 – E a interpretação perfilhada pelo acórdão recorrido, na esteira, aliás, da
deliberação do C.S.M., colide com o princípio da igualdade, na sua vertente da
chamada discriminação indirecta, como tem sido entendimento do Tribunal de
Justiça das Comunidades Europeias.
8 – E face às razões atrás expostas, e da conjugação das normas previstas no
art.º 68.°, n.º 3, da CRP, e art.º 13.°, da CRP tem de entender-se que, no caso
concreto, a recorrente foi discriminada em razão da sua gravidez e da sua
licença de maternidade.
9 – O que ocorreu é manifesta violação do disposto no art.º 68.°, da C.R.P.,
art.º 23.°, n.º 1, da Lei n.º 4/84, de 5 de Abril, e art.º 25.°, n.º 1, do D.L.
n.º 194/96 de 16 de Outubro.
10 – Pelo que a norma contida no n.º 4 do art.º 36.° da C.R.P., interpretada no
sentido dado pela deliberação recorrida, bem como pelo acórdão recorrido,
mostra-se manifestamente inconstitucional, por colidir com o disposto no art.º
68.°, n.º 3, da C.R.P. e art.º 13.° da C.R.P. e art.º 266.°, n° 2, da C.R.P..
11 – Perante tal quadro, tem de entender-se que a subsistência daquela norma na
Ordem Jurídica se mostra inadmissível, pelo menos, com o sentido e alcance e
efeito que o acto impugnado lhe empresta, e confirmado pelo acórdão ora
recorrido.
12 – Devendo consequentemente ser declarada como materialmente inconstitucional,
por violação do disposto nos art.ºs 13.°, 68.°, n.º 3, e 266.°, n.º 2, todos da
C.R.P., e ser revogado o acórdão recorrido, com todas as legais consequências.»
O Conselho Superior da Magistratura, nas suas contra-alegações, disse, no que
ora importa:
«(…)
24. Tendo em conta que o ingresso num curso especial de formação de magistrados
judiciais habilitaria a recorrente a ingressar, após aprovação, na carreira da
magistratura judicial, a informação positiva pelo Conselho Superior da
Magistratura, como condição de admissão a tal curso, exigiria a avaliação das
capacidades reveladas pela recorrente no exercício efectivo das funções de juiz
temporária.
25. Como tem sido insistentemente decidido pelo Tribunal Constitucional, o
princípio da igualdade de tratamento veda a discriminação infundada de situações
semelhantes, mas não impõe o tratamento igualitário de situações diferentes.
26. Estando a recorrente, à data em que foi realizada a inspecção aos restantes
juízes de nomeação temporária ou mesmo à data em que foi indeferido o seu
requerimento de ingresso no curso, especial, numa situação diferente dos
restantes juízes de nomeação temporária, a recusa de admissão ao referido curso
não violou o princípio da igualdade.
27. Por outro lado, tendo em conta o estatuto da recorrente e o especial
circunstancialismo que rodeou a previsão de um curso especial de formação, de
modo algum se pode considerar violado o disposto no art.º 68.°, n° 3, da C.R.P..
28. Com efeito, o estatuto de juiz temporária que detinha conferia-lhe o direito
de exercer as funções durante o período de 4 anos, sendo, durante esse período,
garantidos os direitos, designadamente relacionados com a protecção na
maternidade e na doença.
29. Mas não emergia do diploma regulador, como “regalia” ou sequer como
expectativa jurídica a eventual integração num curso especial de formação para
magistrados judiciais.
30. Como os factos o demonstram, malgrado a situação de doença e os efeitos da
gravidez, à recorrente foi abonada a respectiva remuneração, tal como foram
consideradas justificadas as faltas cometidas.
31. Por outro lado, como se referiu no douto acórdão recorrido, a recusa de
admissão por falta de prestação de efectivo serviço por período de tempo
suficiente não foi motivada apenas pela duração da licença de maternidade, de 4
meses, sendo a ausência imputada ainda a outras razões.»
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentos
3.É a seguinte a redacção da norma impugnada do Estatuto dos Magistrados
Judiciais (aprovado pela Lei n.º 21/85, de 30 de Julho):
“Artigo 36º
1 – Os Juízes de Direito são classificados em inspecção ordinária, a primeira
vez decorrido um ano sobre a sua permanência em lugares de 1º acesso e,
posteriormente, com uma periodicidade, em regra, de quatro anos.
2 – (...)
3 – Considera-se desactualizada a classificação atribuída há mais de quatro
anos, salvo se a desactualização não for imputável ao magistrado ou este estiver
abrangido pelo disposto no n.º 2 do artigo anterior.
4 – No caso de falta de classificação não imputável ao magistrado, presume-se a
de Bom, excepto se o Magistrado requerer inspecção, caso em que será realizada
obrigatoriamente.
5 – (...)”.
Está em causa a interpretação do n.º 4 deste artigo 36.º no sentido de não ser
aplicável antes de decorrido um ano de exercício efectivo de funções, em caso de
nomeação excepcional para o exercício temporário de funções (juiz de nomeação
temporária), ao abrigo da Lei n.º 3/2000, de 20 de Março, e do Decreto-Lei n.º
179/2000, de 9 de Agosto. Foi, na verdade, esse o fundamento decisivo para o
referido preceito não ser aplicado à recorrente – sendo certo, aliás, que no
acórdão recorrido se concluiu que a ausência de serviço não fora motivada apenas
pelo gozo de quatro meses de licença de maternidade, em juízo que não é
sindicável pelo Tribunal Constitucional.
Além de invocar desconformidade da interpretação desta norma com outras normas
legais (da Lei n.º 4/84, de 5 de Abril, e do Decreto-Lei n.º 194/96, de 16 de
Outubro), matéria que não cabe a este Tribunal apreciar (pois não estão em causa
normas paramétricas de valor reforçado e o recurso interposto foi apenas o de
constitucionalidade), invoca a recorrente “violação do disposto no art.º 13.º,
68.º, n.º 3, e 266.º, n.º 2, todos da C.R.P.”
Começando por este último parâmetro, ele vincula os órgãos administrativos a, no
exercício das suas funções, respeitarem os “princípios da igualdade, da
proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé”. Não resulta,
porém, claramente da alegação da recorrente qual é a actuação que se pretende
subsumir à norma: se se trata da não aplicação da classificação subsidiária, na
falta de inspecção, ou se se trata antes da consequência de não admissão ao
curso de formação sem a classificação (decorrente esta da inspecção ou da
aplicação subsidiária da norma impugnada). Em qualquer caso, ao invocar como
norma constitucional padrão a que rege directamente a actuação dos órgãos e
agentes administrativos, a recorrente desloca a questão de constitucionalidade,
do terreno da inconstitucionalidade de normas, ou de dimensões normativas
(normas entendidas num determinado sentido), para o da apreciação da actividade
desenvolvida por estes. Em causa deixa de estar a norma impugnada para passar a
estar o que a Administração faz com ela – a sua actuação, em si mesma.
A questão de constitucionalidade reportada à norma do artigo 36.º, n.º 4, do
Estatuto dos Magistrados Judiciais suscita-se, na verdade, antes da da aferição
da conformidade constitucional da actividade administrativa desenvolvida em sua
aplicação: quer a norma seja bem, quer seja mal aplicada pelos órgãos
administrativos, tal não interfere com a sua intrínseca conformidade
constitucional. É verdade que a norma pode ser interpretada de modo
inconstitucional pela Administração – mas então essa desconformidade com a Lei
Fundamental há-de resultar de violação de princípios ou regras diversos dos que,
com a invocação do artigo 266.º, n.º 2, da Constituição, se pretende convocar.
Ou, ainda que os princípios sejam os mesmos – e em grande medida sê-lo-ão –,
há-de ser imputada a uma sede (normativa) diversa da que foi invocada.
4.Também a invocação do princípio da igualdade (artigo 13.º da Lei Fundamental)
para apreciar a norma impugnada se não afigura produtiva, embora por diferentes
razões. Em primeiro lugar a própria norma contempla diferentes situações: a dos
magistrados não classificados por causa não imputável aos próprios e com notação
presumida (de Bom); a dos magistrados não classificados por causa que lhes não
seja imputável e sujeitos obrigatoriamente a inspecção.
Tais casos são, porém, diversos dos dos magistrados avaliados e classificados e
dos daqueles que não tenham sido classificados por causa a eles imputável.
Trata-se de situações todas elas desiguais: não está em condições de igualdade
quem foi e quem não foi sujeito a inspecção; quem não foi por causa a si mesmo
imputável e quem não foi por causa que não lhe é imputável; quem, não tendo sido
inspeccionado por razões a ele não imputáveis, tem uma classificação presumida e
quem a não tem (por requerer inspecção); e, seguramente, não está em condições
de igualdade quem tem uma notação de “Bom” em resultado de uma avaliação, e quem
a tem em resultado de uma presunção.
Dentro deste universo de situações desiguais, não pode o princípio da igualdade
servir para obrigar a dissipar as diferenças de tratamento.
O que está em causa nos presentes autos – por ser esse o sentido da norma
impugnada – é, antes de mais, decidir o que fazer quando não é inspeccionado um
magistrado em regime de nomeação temporária.
Podia a legislação ser omissa quanto a tal circunstância, embora tal fosse
injusto quanto a alguns magistrados (os não inspeccionados se da inspecção e
classificação resultassem benefícios, os inspeccionados se delas resultassem
prejuízos). Podia a legislação admitir uma única forma de ultrapassar essa falta
de avaliação, prevendo, por exemplo, um mecanismo de realização de inspecção a
pedido, embora tal continuasse a ser injusto para alguns magistrados (na medida
em que a decisão de escolha de ser ou não inspeccionado seria facultada apenas a
alguns, não tendo os outros essa possibilidade de optar). Podia a legislação
prever uma classificação administrativa como única forma de suprimento da falta
de inspecção, embora também isso fosse relativamente injusto sobretudo para quem
fosse impedido de ter o seu mérito graduado acima da classificação
administrativa. E podia a legislação fazer o que faz: suprir a falta de
inspecção não imputável ao magistrado por uma classificação administrativa e
permitir que, mesmo essa, não seja atribuída, sendo, a pedido, desencadeado
obrigatoriamente um processo de classificação.
Do ponto de vista do princípio da igualdade, porém, a norma sindicada do
Estatuto dos Magistrados Judiciais não é inconstitucional – designadamente, se
comparada que seja com as alternativas acima enumeradas e com as normas que, sem
incorrerem em juízos de inconstitucionalidade, regem a progressão em outras
carreiras. (Veja-se, por exemplo o recente Acórdão n.º 55/2005, disponível em
www. tribunalconstitucional.pt).
5.Resta portanto a norma do artigo 68.º, n.º 3, da Constituição como parâmetro
de aferição da conformidade com a Lei Fundamental da solução contida no artigo
36.º, n.º 4, do Estatuto dos Magistrados Judiciais.
Dizendo respeito à protecção da maternidade, tal norma constitucional tem
incidência na interpretação do que seja “falta de classificação não imputável ao
magistrado”, pugnando a recorrente pelo entendimento de que “foi discriminada em
razão da sua gravidez e da sua licença de maternidade”, por a falta de avaliação
não ter sido considerada “não imputável” para efeitos de aplicação da
classificação supletiva.
Na medida em que a interpretação das normas infra-constitucionais não cabe a
este Tribunal, não pode ele pronunciar-se sobre se “é de considerar em termos
objectivos essa não imputabilidade e não apenas em termos de culpa”, como
defendeu o Conselho Superior da Magistratura.
Por outro lado, também não cabe ao Tribunal Constitucional sindicar o juízo das
instâncias quanto aos factos a que cabe aplicar o direito, e a verdade é que no
acórdão recorrido se decidiu que “a ausência de serviço não foi motivada apenas
pelo gozo de quatro meses de licença de maternidade.” Ora, este juízo leva
necessariamente à inutilidade da decisão de uma específica questão de
constitucionalidade reportada ao gozo da licença de maternidade (ou em geral à
ausência fundada na maternidade), porquanto a decisão que o Tribunal viesse a
proferir quanto à natureza da imputabilidade das faltas ao serviço a título de
licença de maternidade seria, só por si, insusceptível de obrigar à revisão da
decisão proferida. É que, mesmo admitindo que esses quatro meses de ausência ao
serviço deveriam ser contabilizados como serviço efectivo para efeitos de
preenchimento dos pressupostos de uma avaliação – que, por ser então devida,
deveria ser substituída por uma classificação administrativa –, ainda assim,
para o tribunal recorrido, se não preencheriam os requisitos temporais para tal
avaliação, e não seria aplicável a norma do artigo 36.º, n.º 4, ora em questão.
Não tem, pois, este Tribunal de tratar, no presente recurso, de qualquer questão
de constitucionalidade reportada especificamente à relevância, para a contagem
do tempo de exercício de funções, da ausência por licença de maternidade.
Invocou a recorrente (fls. 33-34 dos autos) que o período remanescente da sua
ausência ao serviço se ficou a dever a doença e a assistência médica inadiável a
familiar. Justificadas que sejam tais faltas – e a recorrente admite que o foram
-, elas não relevam para efeitos da disposição constitucional invocada, não se
podendo fazer derivar dos artigos 59.º (Direitos dos trabalhadores) ou 64.º
(Saúde) o mesmo tipo de exigências ao legislador que decorrem do artigo 68.º,
n.º 3, da Constituição.
Como se escreveu no acórdão n.º 202/2002 (publicado em Acórdãos do Tribunal
Constitucional, 53.º vol., pp. 223-238), antes de “apurar se a norma em
apreciação sub specie constitutionis se pode considerar violadora do princípio
da igualdade”:
“Sobre o sentido do controlo de constitucionalidade material de soluções
legislativas que lhe incumbe efectuar à luz do princípio da igualdade, já este
Tribunal tomou posição por diversas vezes. Pode, assim, recordar-se o que,
recentemente, se escreveu a propósito no ponto 26 do Acórdão n.º 187/01 (DR, II
série, de 26 de Junho de 2001):
«(...)
É sabido que o princípio da igualdade, tal como tem sido entendido na
jurisprudência deste Tribunal, não proíbe ao legislador que faça distinções –
proíbe apenas diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante, sem
uma justificação razoável, segundo critérios objectivos e relevantes. É esta,
aliás, uma formulação repetida frequentemente por este Tribunal (cf., por
exemplo, os Acórdãos deste Tribunal n.ºs 39/88, 325/92, 210/93, 302/97, 12/99 e
683/99, publicados, nos ATC, respectivamente, vol. 11.º, pp. 233 e ss., vol.
23.º, pp. 369 e ss., vol. 24.º, pp. 549 e ss., vol. 36.º, pp. 793 e ss., e no
Diário da República, II Série, de 25 de Março de 1999, e de 3 de Fevereiro de
2000).
Como princípio de proibição do arbítrio no estabelecimento da distinção, tolera,
pois, o princípio da igualdade a previsão de diferenciações no tratamento
jurídico de situações que se afigurem, sob um ou mais pontos de vista,
idênticas, desde que, por outro lado, apoiadas numa justificação ou fundamento
razoável, sob um ponto de vista que possa ser considerado relevante.
Ao impor ao legislador que trate de forma igual o que é igual e desigualmente o
que é desigual, esse princípio supõe, assim, uma comparação de situações, a
realizar a partir de determinado ponto de vista. E, justamente, a perspectiva
pela qual se fundamenta essa desigualdade, e, consequentemente, a justificação
para o tratamento desigual, não podem ser arbitrárias. Antes tem de se poder
considerar tal justificação para a distinção como razoável, constitucionalmente
relevante.
O princípio da igualdade apresenta-se, assim, como um limite à liberdade de
conformação do legislador. Como se salientou no Acórdão n.º 425/87 (ATC, vol.
10.º, pp. 451 e ss.),
“O âmbito de protecção do princípio da igualdade abrange diversas dimensões:
proibição do arbítrio, sendo inadmissíveis, quer a diferenciação de tratamento
sem qualquer justificação razoável, de acordo com critérios de valor objectivos
constitucionalmente relevantes, quer a identidade de tratamento para situações
manifestamente desiguais; proibição de discriminação, não sendo legítimas
quaisquer diferenciações de tratamento entre os cidadãos baseadas em categorias
meramente subjectivas ou em razão dessas categorias; obrigação de diferenciação,
como forma de compensar a desigualdade de oportunidades, o que pressupõe a
eliminação pelos poderes públicos de desigualdades fácticas de natureza social,
económica e cultural (cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da
República Portuguesa Anotada, I vol., 2ª ed., Coimbra, 1984, pp. 149 e segs.).
A proibição do arbítrio constitui um limite externo da liberdade de conformação
ou de decisão dos poderes públicos, servindo o princípio da igualdade como
princípio negativo do controlo.
Todavia, a vinculação jurídico-material do legislador a este princípio não
elimina a liberdade de conformação legislativa, pois lhe pertence, dentro dos
limites constitucionais, definir ou qualificar as situações de facto ou as
relações da vida que hão-de funcionar como elementos de referência a tratar
igual ou desigualmente.
Só existe violação do princípio da igualdade enquanto proibição de arbítrio
quando os limites externos da discricionariedade legislativa são afrontados por
carência de adequado suporte material para a medida legislativa adoptada.
Por outro lado, as medidas de diferenciação devem ser materialmente fundadas sob
o ponto de vista da segurança jurídica, da praticabilidade, da justiça e da
solidariedade, não se baseando em qualquer razão constitucionalmente imprópria.”
Mais recentemente, no Acórdão n.º 409/99 (DR, II série, de 10 de Março de 1999)
disse-se que:
“O princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição da
República Portuguesa, impõe que se dê tratamento igual ao que for essencialmente
igual e que se trate diferentemente o que for essencialmente diferente. Na
verdade, o princípio da igualdade, entendido como limite objectivo da
discricionariedade legislativa, não veda à lei a adopção de medidas que
estabeleçam distinções. Todavia, proíbe a criação de medidas que estabeleçam
distinções discriminatórias, isto é, desigualdades de tratamento materialmente
não fundadas ou sem qualquer fundamentação razoável, objectiva e racional. O
princípio da igualdade, enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se numa
ideia geral de proibição do arbítrio (cf., quanto ao princípio da igualdade,
entre outros, os Acórdãos n.ºs 186/90, 187/90, 188/90, 1186/96 e 353/98,
publicados in Diário da República, respectivamente, de 12 de Setembro de 1990,
12 de Fevereiro de 1997, e o último, ainda inédito).”
E no Acórdão n.º 245/00 (DR, II série, de 3 de Novembro de 2000) salientou-se
que
“(...) tem, de há muito, vindo a afirmar este Tribunal que é ‘sabido que o
princípio da igualdade, entendido como limite objectivo da discricionaridade
legislativa, não veda à lei a realização de distinções. Proíbe-lhe, antes, a
adopção de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias – e assumem,
desde logo, este carácter as diferenciações de tratamentos fundadas em
categorias meramente subjectivas, como são as indicadas, exemplificativamente,
no n.º 2 do artigo 13.º da Lei Fundamental –, ou seja, desigualdades de
tratamento materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável
(vernünftiger Grund) ou sem qualquer justificação objectiva e racional. Numa
expressão sintética, o princípio da igualdade, enquanto princípio vinculativo da
lei, traduz-se na ideia geral de proibição do arbítrio (Willkürverbot)’ (cfr.,
por entre muitos outros, o Acórdão n.º 1186/96, publicado no Diário da
República, 2ª Série, de 12 de Fevereiro de 1997), ou, dito ainda de outra forma,
o ‘princípio da igualdade (...) impõe se dê tratamento igual ao que for
essencialmente igual e se trate diferentemente o que diferente for. Não proíbe
as distinções de tratamento, se materialmente fundadas; proíbe, isso sim, a
discriminação, as diferenciações arbitrárias ou irrazoáveis, carecidas de
fundamento racional’ (verbi gratia, Acórdão n.º 1188/96, ob. cit., 2.ª Série, de
13 de Fevereiro de 1997).”»”
No presente caso, o que está em causa é a aplicabilidade, ou não, de um regime
supletivo para uma falta de classificação de serviço, regime esse pensado para
situações em que, estando preenchidos os requisitos para se proceder à inspecção
atributiva dessa classificação – designadamente, exigindo-se que tenha decorrido
já um ano de exercício efectivo de funções –, ainda assim esta não tem lugar.
Ora, poderia admitir-se que esse regime também pudesse ser aplicado em situações
em que esses requisitos se não verificam (como pretende a recorrente). E se essa
tivesse sido a opção legislativa, seria de analisar a questão da justificação da
inerente diferenciação resultante, não só à luz da protecção da maternidade mas
também da assistência na doença. Na ausência de previsão legislativa, porém, não
se pode fazê-la derivar, como obrigatória, do texto constitucional, já que nem a
previsão de um regime supletivo para uma falta de avaliação efectiva era
constitucionalmente devida, nem os seus contornos escapam à liberdade de
conformação do legislador, muito menos estando este impedido de considerar
relevante, como circunstância que permite uma diferenciação, o facto de ter já
decorrido, ou não, mais de um ano de exercício efectivo de funções (nos termos
do n.º 1 do citado artigo 36.º).
De resto, como se disse, a invocação do princípio da protecção da maternidade
não cobre em toda a sua extensão a situação dos autos e dos restantes parâmetros
invocados não é possível derivar um imperativo de tutela que supra a
insuficiência daquele.
6.Conclui-se, assim, uma vez que a interpretação questionada da norma do artigo
36.º, n.º 3, do Estatuto dos Magistrados Judiciais não viola o princípio
constitucional da igualdade (artigo 13.º da Constituição), que a ele é alheio o
parâmetro do artigo 266.º, n.º 2, da Constituição, e, qualquer que fosse o juízo
a proferir sobre tal regime à luz do disposto no artigo 68.º, n.º 3, da
Constituição, o tribunal a quo poderia manter a sua decisão, que tem o presente
recurso de improceder.
III. Decisão
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:
a) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 36.º, n.º 4,
do Estatuto dos Magistrados Judiciais, entendida no sentido de não ser aplicável
antes de decorrido um ano de exercício efectivo de funções, em caso de nomeação
excepcional para o exercício temporário de funções (juiz de nomeação
temporária), ao abrigo da Lei n.º 3/2000, de 20 de Março, e do Decreto-Lei n.º
179/2000, de 9 de Agosto.
b) Por conseguinte, confirmar a decisão recorrida no que à
questão de constitucionalidade respeita, e condenar a recorrente em custas,
fixando a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 21 de Setembro de 2005
Paulo Mota Pinto
Maria Fernanda Palma
Mário José de Araújo Torres
Benjamim Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos