Imprimir acórdão
Processo n.º 411/05
3.ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam em conferência na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
1. A. reclama da seguinte decisão sumária:
“1. Por sentença do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, de 5 de Maio de 2003,
foi o arguido A., melhor identificado nos autos, condenado pela prática de um
crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo
artigo 292.º, n.º1, do Código Penal, na pena de 109 (cento e nove) dias de
multa, à taxa diária de €5 (cinco euros), o que perfaz a multa global de €545
(quinhentos e quarenta e cinco euros), a que corresponde a pena de 72 (setenta e
dois) dias de prisão subsidiária, e na pena acessória de proibição de conduzir
qualquer veículo motorizado pelo período de 9 (nove) meses, nos termos do artigo
69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal.
Inconformado, interpôs o arguido recurso para o Tribunal da Relação de Évora,
que, por acórdão de 29 de Março de 2005, negou provimento ao recurso, mantendo,
na íntegra, a sentença recorrida.
2. Notificado deste aresto e não se conformando com o mesmo “relativamente às
questões de inconstitucionalidade suscitadas”, veio o arguido interpor recurso
para o Tribunal Constitucional, com fundamento na alínea b) do n.º 1 do artigo
70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC).
3. Não obstante o recurso ter sido admitido, o que não vincula este Tribunal
(cfr. artigo 76.º, n.º 3, da LTC), entende-se não poder conhecer-se do objecto
do recurso, sendo de proferir decisão sumária, ao abrigo do n.º 1 do artigo
78.º-A, por não se verificarem os respectivos pressupostos de admissibilidade.
4. Na verdade, e independentemente de o requerimento de interposição de
recurso não cumprir os requisitos exigidos pelo artigo 75.º-A da Lei do Tribunal
Constitucional, facto que poderia ser suprido com recurso ao convite previsto no
n.º 5 daquele preceito, certo é que tal convite redundaria na prática de acto
inútil, uma vez que se entende que o recorrente não suscitou durante o processo
qualquer questão de constitucionalidade normativa e, como se sabe, o recurso de
fiscalização concreta de constitucionalidade, interposto ao abrigo do disposto
no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, como é o
caso, implica, para que possa ser admitido e conhecer-se do seu objecto, além do
mais, a aplicação pelo Tribunal recorrido, como sua ratio decidendi, de norma
cuja (in)constitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, considerada
esta norma na sua totalidade, em determinado segmento ou segundo certa
interpretação, mediatizada na decisão.
5. Nas alegações de recurso para a Relação o recorrente aludiu à violação de
preceitos constitucionais, condensando a sua argumentação nas conclusões 5ª e 6ª
da respectiva motivação, que se transcrevem:
«5 - Considerando o Tribunal a quo que, o disposto no art.º 2.º, n.º 1, do
Decreto Regulamentar n.º 24/98, de 30/10, tem carácter meramente indicativo,
porque “álcool ingerido sob a forma de bebida alcoólica é absorvido pela mucosa
gástrica e intestinal para a corrente sanguínea. . . sendo depois. . .
distribuído por todo o organismo. . . Durante a absorção e distribuição aumenta
a concentração de álcool no sangue segundo uma curvatura ascendente cujo pico
máximo é alcançado cerca de 45 minutos a 90 minutos após a última ingestão...',
nos termos da argumentação supra apontada, viola claramente o disposto nos
art.ºs 151.º, ex vi, art.º 355.º, n.º 1, ambos do CPP; e, art.ºs 203º, 204.º, e
205.º, n.º 1, todos da CRP.
6 - Porque o ora Recorrente foi detido e posteriormente levado para um posto
policial, sem que imediatamente após a detenção, no local, lhe tivessem sido
lidos e explicados os seus direitos, maxime, tivesse sido constituído Arguido
assim que lhe foi dada voz de prisão para acompanhamento a um posto policial,
pelos motivos largamente supra enumerados, violou o Tribunal a quo o dispositivo
legal previsto no art.º 61.º, n.º 3, al. d), ex vi, art.º 3.º, ambos do CPP; e
ainda 27.º, n.º 4, da CRP. Logo, com a consequente nulidade de todos os actos
processuais levados a cabo posteriormente à omissão do dever previsto no art.º
27.º, n.º 4, da CRP, por via do disposto no art.º 61.º, n.º 3, al. d), do CPP;
Pois que, o ora Recorrente teve que se sujeitar a um meio de prova, sem que
tivesse previamente sido constituído como tal.»
6. Ora, resulta evidente do teor das ditas alegações que o que se questiona é o
valor da prova obtida quanto à determinação da “TAS” apurada e a eventual falta,
deficiência ou contradição na fundamentação da decisão quanto à matéria de
facto, como sintetizou o recorrente na conclusão 5ª, e, bem, assim, a violação,
por parte do tribunal recorrido dos princípios constitucionais vertidos no
artigo 27.º, n.º 4 (cfr. conclusão 6ª), não se suscitando qualquer questão de
constitucionalidade reportada a normas ou interpretações normativas aplicadas
pela decisão recorrida.
Tanto basta, pois, para que não se possa tomar conhecimento do objecto do
recurso.
7. Nestes termos, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei n.º
28/82, de 15 de Novembro, decide-se não tomar conhecimento do objecto do
recurso.
Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 7 unidades de
conta, sem prejuízo do apoio judiciário.”
2. A reclamação tem os seguintes fundamentos:
“1 - Até se pode não discordar de todo quanto à parte do Douto despacho ora
reclamado que refere que nenhuma norma concretamente foi posta em crise ou
expressamente indicada. Contudo,
2 - Certo é que, pelo menos todo um conjunto de normas (por acaso foram dois)
foi expressamente referido no recurso que se interpôs para a Veneranda Relação
de Évora. Designadamente um Decreto Regulamentar e uma Portaria, com indicação
expressa preciso e concisa quanto às normas constitucionais que entendíamos
violadas.
3 - Na verdade, O Mm.º Juiz a quo (ainda na 1.ª instância), não pode fazer uma
interpretação de norma/diploma legal, contrária a essa mesma norma ou diploma,
como fez. Se assim fosse o próprio legislador teria feito tal menção ou
ressalva, sob pena de violar lei constitucional (art.º 203.º in fine e art.º
205.º n.º 1 in fine) ou mesmo o EMJ (art.º 3.º n.º 1). Não se pode fundamentar
uma decisão em desconformidade manifesta com o que vem previsto numa Portaria
assinada por 3 Ministros – Administração Interna, Justiça e Saúde, que, a
final, vincula todos os Órgãos de Soberania da República Portuguesa (talvez não
a R. A. da Madeira... ou do Sr. B.... mas dos Tribunais...).
4 - É obvio que em causa, também tem que resultar impugnado por violação de Lei
e Princípios Constitucionais, quanto a parte do Código da Estrada e legislação
conexa, que permita deter ou fazer acompanhar um cidadão a um posto policial,
sem que de imediato se cumpra o disposto no art.º 27.º n.º 4 da CRP. Não é por
nada,
5 - Mas não se pode acreditar que alguém se dirija a uma Esquadra de Polícia,
por imposição legal – art.º 158.º n.º 1 do Código da Estrada (em vigor à data da
prática dos factos), de livre e espontânea vontade. Se é obrigado a tal, é
porque certamente é suspeito da prática de qualquer crime.
Salvo o devido respeito, que é muito, pelos nossos Tribunais,
6 - Não pode continuar a fazer-se vista grossa à sistemática violação da
Constituição e dos princípios nela contidos, designadamente quando
manifestamente se validam decisões que apontam em sentido exactamente contrário
ao disposto expressamente na nossa lei ordinária. Que, no nosso modesto
entendimento, tem sido o caso dos presentes autos. Ou seja,
7 - Entendemos que a apreciação da questão de fundo é muito mais importante, que
saber-se se a indicação de uma ou mais normas concretas, ao invés de todo um
diploma legal, é fundamento para rejeição de um recurso oportunamente interposto
para esse Egrégio Tribunal.
Resumindo e concluindo, ao longo dos diversos articulados apresentados nos
presentes autos, foram indicadas expressamente normas legais cuja (e diplomas
legais) legalidade e respectiva interpretação à luz da CRP e dos seus
princípios, se pretendia ver apreciada. Por isso,
Requer-se mui respeitosamente a Vossas Excelências que, no mínimo, profiram
Douta deliberação que permita ao Arguido cumprir com o disposto no art.º 75.º-A
n.º 1 e 2 da LTC.”
O Ministério Público responde que a reclamação é manifestamente
improcedente, em nada abalando os fundamentos da decisão reclamada, no que toca
à não verificação dos pressupostos do recurso.
3. Aquilo que o reclamante pretende submeter à apreciação do
Tribunal Constitucional não respeita à conformidade com a Constituição de
qualquer norma de direito ordinário que tenha suscitado, como tal, perante o
tribunal que proferiu a decisão recorrida – ainda que em determinada dimensão ou
interpretação que tenha sido adoptada como critério normativo da decisão –, mas
a constitucionalidade da própria decisão, o que não pode constituir objecto do
recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, como a decisão sumária
refere (n.º 4).
Sendo manifesto que o recorrente não colocara, nas alegações perante
o Tribunal da Relação, designadamente nas conclusões 5 e 6 onde se faz
referência a preceitos constitucionais, qualquer questão de constitucionalidade
normativa, mas apenas discordara do apuramento dos factos e da interpretação e
aplicação do direito ordinário por parte do tribunal de 1ª instância, a falta
desse pressuposto do recurso era evidente, pelo que qualquer convite a completar
o requerimento de interposição seria inútil. Aliás, o recorrente nem agora, na
reclamação, propõe qualquer norma à fiscalização do Tribunal. O que entende é
“não pode continuar a fazer-se vista grossa à sistemática violação da
Constituição e dos princípios nela contidos, designadamente quando se validam
decisões que apontam exactamente contrário ao disposto expressamente na lei
ordinária”. Censura o acórdão recorrido por, ao confirmar a decisão de primeira
instância, ter violado o dever constitucional de sujeição à lei e ignorado a
tutela constitucional do indivíduo perante a privação policial da liberdade.
Essa pretensão de tutela poderia caber num sistema que consagrasse o chamado
recurso de amparo ou queixa constitucional, mas não no recurso de fiscalização
concreta de constitucionalidade tal como se encontra gizado no nosso sistema
jurídico.
Consequentemente, a reclamação improcede.
4. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação e condenar o recorrente nas
custas, fixando a taxa de justiça em 20 Ucs.
Lisboa, 26 de Setembro de 2005
Vítor Gomes
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Artur Maurício